outubro 15, 2015
Book review
Just a quick post for the record of the first review of our book, "Creativity in the Digital Age" published by Springer this year. The review was written by Cecilia Manrique, University of Wisconsin, for the ACM Computing Reviews.
outubro 14, 2015
Montaigne, criador do Ensaio
Os “Ensaios” de Montaigne criam a partir da sua leitura uma experiência magistral em termos da aprendizagem de si, obrigando-nos a confrontar a importância da leitura e do seu impacto sobre o nosso ser. Montaigne começou esta obra em 1571, com 38 anos, tendo terminado a mesma apenas na sua morte, em 1592, com 59 anos. Os “Ensaios” foram um projeto de vida, mas mais do que isso ou talvez por isso mesmo, demonstram em si o processo de transformação intelectual de um ser humano. Neste caso falamos de alguém com elevada curiosidade intelectual e uma capacidade tremenda para se dedicar ao estudo em busca de respostas.
Os “Ensaios” surgem a partir da reclusão a que Montaigne se votou a si mesmo. Em 1571 retirou-se da sociedade e família, e fechou-se numa torre juntamente com a toda a sua biblioteca de mais de 1500 obras, até 1580. O que podemos ler nos “Ensaios” é assim o resultado desse esforço, mas ao mesmo tempo o crescimento e amadurecimento intelectual de alguém, que depois de ter vivido quase 40 anos em plena sociedade, decide retirar-se para tudo analisar ao microscópio da dúvida sobre si mesmo. O primeiro e segundo livros são publicados em 1580 quando Montaigne resolve pôr fim ao processo de exclusão, de recusa da vida vivida apenas através dos livros, e assim voltar à sociedade, viajar e voltar a assumir cargos políticos.
No final deste livro assumo por completo a dívida que temos para com o período da Renascença. Sempre a reconheci, mas enquanto conhecedor dos méritos nas artes plásticas e visuais (Michelangelo, Donatello, Botticelli, Raphael) e ciências (Maquiavel, More, Copernicus, Galileo, e claro Leonardo Da Vinci). Mas os efeitos de todo este período, que teve o seu auge no final do século XV, estenderam-se no tempo até ao que podemos considerar a última fase do Renascimento, final do século XVI e início do século XVII, com a Literatura a dar-nos o trio: Miguel Cervantes (1547-1616), William Shakespeare (1564-1616) e Montaigne (1533-1592).
Versões seguidas:
Montaigne, Michel, (1571-1792), “Os Ensaios”, Ed. M. A. Screech, Trad. Rosa Freire d'Aguiar, Companhia / Penguin, ISBN: 9788563560063, (2010)
Montaigne, Michel, (1571-1792), “The Complete Essays of Montaigne”, Trad. Donald M. Frame, Narração: Christopher Lane, Brilliance Audio, Inc. (2011)
Os “Ensaios” surgem a partir da reclusão a que Montaigne se votou a si mesmo. Em 1571 retirou-se da sociedade e família, e fechou-se numa torre juntamente com a toda a sua biblioteca de mais de 1500 obras, até 1580. O que podemos ler nos “Ensaios” é assim o resultado desse esforço, mas ao mesmo tempo o crescimento e amadurecimento intelectual de alguém, que depois de ter vivido quase 40 anos em plena sociedade, decide retirar-se para tudo analisar ao microscópio da dúvida sobre si mesmo. O primeiro e segundo livros são publicados em 1580 quando Montaigne resolve pôr fim ao processo de exclusão, de recusa da vida vivida apenas através dos livros, e assim voltar à sociedade, viajar e voltar a assumir cargos políticos.
“Os livros são agradáveis, mas se por frequentá-los perdermos, por fim, a alegria e a saúde, nossas melhores qualidades, abandonemo-los: sou dos que pensam que seus frutos não podem compensar essa perda.”Deste modo o terceiro livro, que surge passados 8 anos após a saída da reclusão, assume todo um novo figurino, não apenas pelo amadurecimento, mas também porque realmente Montaigne se transformou, passou a ver o mundo pelos seus próprios olhos, colocando em causa tudo o que tinha lido, tudo o que tinha ouvido, passando a filtrar o mundo à sua volta por meio da observação e experiência pessoal.
“Estudo a mim mesmo mais que a outro assunto. É a minha metafísica, é a minha física.”Fico a pensar que existe um risco para quem leia apenas o Livro 3, que surge em todos os séculos, e aquele em que vivemos não é excepção, de se pensar que basta isso, a experiência e observação, para se compreender o mundo que nos cerca. Por isso se torna tão perigoso descontextualizar escritos e expressões, que é aquilo em que se especializam alguns dos vendedores de sonhos, que promovem o mundo ausente de escolas, ausente de passado, centrado no presente, centrado no Eu apenas. Montaigne se o fez e disse no seu terceiro livro, foi por ter atingido uma maioridade intelectual, o que lhe permitiu ganhar um nível de consciência raro, de si, dos outros e do mundo, algo que em grande parte se ficou a dever às leituras que realizou, e que tão profusamente cita ao longo dos três livros.
“Abraço com mais gosto os princípios da filosofia que são os mais sólidos: isto é, os mais humanos e nossos. Minhas opiniões correspondem ao meu comportamento, humildes e modestas. A meu ver, a filosofia finge-se de criança quando levanta a crista para nos pregar que é uma aliança selvagem casar o divino com o terrestre, o sensato com o insensato, o severo com o indulgente, o honesto com o desonesto. Que o prazer é qualidade bestial, indigna de ser provada pelo sábio. E que o único prazer que ele tira da fruição de uma bela jovem esposa é o prazer de sua consciência por estar praticando uma ação segundo as regras. Como calçar suas botas para uma cavalgada útil. Possam os sequazes dessa filosofia ter, no desvirginamento de suas mulheres, tão pouca firmeza, e nervos e suco quanto têm seus argumentos! Não é o que diz Sócrates, preceptor deles e nosso. Ele aprecia, como deve ser, o prazer corporal, mas prefere o do espírito, por ter mais força, constância, facilidade, variedade, dignidade. Este não anda sozinho, segundo ele (que não é tão fantasioso assim), mas é apenas o primeiro. Para ele, a temperança é moderadora, não adversária dos prazeres. A natureza é um guia gentil, mas não mais gentil do que sábio e justo.”
“É uma perfeição absoluta, e como divina, saber gozar lealmente de seu ser. Procuramos outros atributos por não compreendermos a prática dos nossos, e saímos de nós mesmos por não sabermos o que nele se passa. No entanto, pouco adianta subir em pernas de pau, pois mesmo sobre pernas de pau ainda temos de andar com nossas pernas. E no trono mais elevado do mundo ainda estamos, porém, sentados sobre nosso traseiro. As mais belas vidas são, a meu ver, as que se conformam ao modelo comum e humano, bem ordenadas, mas sem milagre, sem extravagância.”Estas duas citações foram retiradas do final do seu livro, e dão conta do ponto a que chegou Montaigne. No início do livro dizia-nos que procurava descrever o Homem (estamos em plena Renascença), do modo mais franco e honesto, o que fez através da enorme quantidade de obras lidas e da enorme capacidade para entreter a dúvida constante. Ao fazê-lo criou toda uma nova abordagem ao modo de escrita de não-ficção, desenvolvendo o modelo daquilo que viria a ficar conhecido como o Ensaio Académico, e que ainda hoje se realiza nas Universidades.
No final deste livro assumo por completo a dívida que temos para com o período da Renascença. Sempre a reconheci, mas enquanto conhecedor dos méritos nas artes plásticas e visuais (Michelangelo, Donatello, Botticelli, Raphael) e ciências (Maquiavel, More, Copernicus, Galileo, e claro Leonardo Da Vinci). Mas os efeitos de todo este período, que teve o seu auge no final do século XV, estenderam-se no tempo até ao que podemos considerar a última fase do Renascimento, final do século XVI e início do século XVII, com a Literatura a dar-nos o trio: Miguel Cervantes (1547-1616), William Shakespeare (1564-1616) e Montaigne (1533-1592).
Versões seguidas:
Montaigne, Michel, (1571-1792), “Os Ensaios”, Ed. M. A. Screech, Trad. Rosa Freire d'Aguiar, Companhia / Penguin, ISBN: 9788563560063, (2010)
Montaigne, Michel, (1571-1792), “The Complete Essays of Montaigne”, Trad. Donald M. Frame, Narração: Christopher Lane, Brilliance Audio, Inc. (2011)
outubro 11, 2015
Filmes da Gobelins 2015
Mais um ano, mais uma vaga de filmes de fim de curso da Gobelins chega à rede. Os filmes deste ano parecem-me um pouco mais introspectivos e reflexivos, apesar dos poucos minutos de que dispõem para tal (2 a 4 minutos). Em termos técnicos continuamos a poder ver do melhor que se faz no mundo académico da animação internacional. Dos 8 filmes agora publicados, seleccionei os 4 que mais me emocionaram, e que passo a apresentar.
"Que Dalle" (2015) de Caroline Cherrier, Hugo De Faucompret, Eva Lusbaronian, Arthus Pilorget, Johan Ravit
É um belíssimo trabalho de cinema que se socorre da ilustração e animação para criar um universo de realismo enfatizado, trabalhado ritmicamente para estimular em nós as distintas emoções da história que vai construindo. Os cenários são envolvidos por um imenso trabalho de luz e sombras, e a animação catapultada por meio da montagem e composição. Impressionante do ponto de vista técnico, tanto na coerência da estética da ilustração, como na criação da obra audiovisual como um todo, nomeadamente montagem e cinematografia. Vale a pena passar pelo TheCab, blog de concept art, para saber mais sobre o processo de criação de "Que Dalle".
"Made in China" (2015) de Vincent Tsui
Um trabalho que opta por uma linha de ilustração autoral, no sentido de servir o aprofundamento da mensagem, como garante de intenção expressiva. Se por vezes nos rimos, outras somos convidados à contemplação em profundidade sobre a sociedade que habitamos.
"Wildfire" (2015) de Hugues Opter, Pierre Pinon, Nicole Stafford, Valentin Stoll, Arnaud Tribout, Shang Zhang
O filme, apesar de curto procura dar um lampejo das ansiedades que trespassam a mente de uma mulher-bombeira, na sua relação com o trabalho e família. A animação segue um trabalho tradicional, com a ilustração a fugir para traços a óleo, de modo a contribuir para um extrapolar da complexidade da mente da personagem.
"Ama" (2015) de Liang Huang, Mansoureh Kamari, Julie Robert, Tony Unser
É o filme lírico da série, por meio de uma base a óleo somos levados pela mão no sonho de uma senhora num mar do Japão.
[via Short of the Week]
"Que Dalle" (2015) de Caroline Cherrier, Hugo De Faucompret, Eva Lusbaronian, Arthus Pilorget, Johan Ravit
É um belíssimo trabalho de cinema que se socorre da ilustração e animação para criar um universo de realismo enfatizado, trabalhado ritmicamente para estimular em nós as distintas emoções da história que vai construindo. Os cenários são envolvidos por um imenso trabalho de luz e sombras, e a animação catapultada por meio da montagem e composição. Impressionante do ponto de vista técnico, tanto na coerência da estética da ilustração, como na criação da obra audiovisual como um todo, nomeadamente montagem e cinematografia. Vale a pena passar pelo TheCab, blog de concept art, para saber mais sobre o processo de criação de "Que Dalle".
"Made in China" (2015) de Vincent Tsui
Um trabalho que opta por uma linha de ilustração autoral, no sentido de servir o aprofundamento da mensagem, como garante de intenção expressiva. Se por vezes nos rimos, outras somos convidados à contemplação em profundidade sobre a sociedade que habitamos.
"Wildfire" (2015) de Hugues Opter, Pierre Pinon, Nicole Stafford, Valentin Stoll, Arnaud Tribout, Shang Zhang
O filme, apesar de curto procura dar um lampejo das ansiedades que trespassam a mente de uma mulher-bombeira, na sua relação com o trabalho e família. A animação segue um trabalho tradicional, com a ilustração a fugir para traços a óleo, de modo a contribuir para um extrapolar da complexidade da mente da personagem.
"Ama" (2015) de Liang Huang, Mansoureh Kamari, Julie Robert, Tony Unser
É o filme lírico da série, por meio de uma base a óleo somos levados pela mão no sonho de uma senhora num mar do Japão.
[via Short of the Week]
outubro 10, 2015
Alquimia da autoajuda
Há 20 anos que este título e o seu autor me perseguem, com, por um lado os seus defensores a louvarem as suas qualidades e efeitos transformativos, e por outro os seus detractores a qualificarem a obra e o autor como corpos estranhos ao mundo da literatura. Entre os dois grupos, por vezes extremistas, acabei por decidir não dedicar tempo ao livro, apesar de muitas vezes o ter encontrado em prateleiras de pessoas amigas, livrarias e bibliotecas. Então porque decidi lê-lo agora? Essencialmente porque encontrei uma lista de livros, dizendo respeito, com alguma ironia, aos 50 Livros que Não Devemos Ler Antes de Morrer, que fazia menção ao "O Alquimista", atacando-o por não passar de um livro de autoajuda disfarçado de romance. Nada de novo, mas talvez por ter sentido a força da crítica resolvi pegar no ebook e ler, para tentar compreender finalmente o que movia tantos ódios e paixões. Comecei, mas ao fim de 20% dei por terminada a leitura.
São várias as razões que me levaram a pousar o livro, mas analisemos um pouco daquilo que o constitui,
A escrita. Tendo lido antes outros leitores procurarem qualificar a escrita de Paulo Coelho como simples e ausente de presunções, numa tentativa de o demarcar de preocupações estéticas, tenho de discordar. Nesta obra em particular, o que temos é uma escrita pobre, que é bem diferente de ser simples. Temos um texto que apresenta um vocabulário imensamente reduzido, com estruturas gramaticais muito pouco estruturadas, formando um todo incapaz de desenvolver uma coerência em termos estilísticos, atirando o registo escrito para o nível do discurso oral e impessoal.
A narrativa. Sofre dos mesmos problemas da escrita, sendo praticamente incapaz de se deslocar da história, de assumir uma estrutura e discurso autónomos. O enredo praticamente não existe fora da linha cronológica, tal como os personagens que se limitam a servir o debitar das informações relativas a cada evento.
A mensagem. Podíamos até aceitar os problemas estéticos acima enunciados, se tudo isso tivesse como propósito suportar um conteúdo válido e relevante, contudo isso não acontece. São precisas poucas páginas para compreender ao que vem Paulo Coelho, para perceber o que está a tentar fazer, tendo de suportar desde bastante cedo a sua vontade para nos guiar, e impedir de sair do seu universo. “O Alquimista” é um livro de autoajuda, o que não é propriamente novidade, o que me perturbou foi verificar que a sua base é ausente de conhecimento científico, e completamente fundamentada no esoterismo. A abordagem dada ao texto procura de certo modo mascarar esse fundamento com a ideia do romance, apelando à sua tradição ficcional para nos subjugar e assim converter, mas o misticismo subjacente é tão intenso, que só mesmo com muita boa-vontade se torna tolerável.
É verdade que os livros de autoajuda têm estado sempre debaixo de fogo, muito porque na generalidade não vão além da banha da cobra, para o qual fenómenos como “O Segredo” e este "O Alquimista" muito contribuem. Mas nos últimos anos, nomeadamente com o surgimento da Psicologia Positiva, vimos aparecer toda uma outra abordagem, fundamentada em estudos das ciências sociais e neurociências que conseguiram captar novos leitores, alguns deles bastante informados. Eu próprio tenho-me interessado bastante pelos resultados das investigações da Psicologia Positiva, dado o meu interesse no design de experiências emocionais em ambientes digitais interativos, contudo mesmo os livros de autoajuda baseados em Psicologia Positiva têm permanecido fora da minha esfera de interesses. Deste modo aproveitei a leitura do livro de Paulo Coelho para refletir e tentar compreender um pouco melhor as razões desta minha recusa.
Podemos dizer que a transformação do comportamento humano, que é a essência do que se busca num livro de autoajuda, não acontece apenas através da obtenção de informação. Ou seja, não basta saber o que tenho de fazer para ser feliz, é fundamental agir para que isso possa acontecer. Ora o problema é que deter conhecimento sobre algo que me faz bem ou algo que me faz mal, não é per se suficiente para me fazer agir. Se seguirmos uma das teorias mais estudadas nos últimos anos sobre a motivação, a Teoria da Autodeterminação de Deci e Ryan, podemos compreender melhor como se processa a transformação do comportamento humano, como o sujeito necessita de sentir autonomia, competência e possibilidade de se relacionar com os outros, três princípios que os livros de autoajuda não proporcionam, antes pelo contrário, ao funcionarem em oposição a estes, contribuem sim para a manutenção do estado inicial, não promovendo a transformação dos sujeitos.
Ou seja, os livros de autoajuda ao apontarem o caminho que deve ser seguido pelos indivíduos, descrevendo o que fazer e o que não fazer, estão a exercer um Controlo sobre a vontade dos indivíduos que os lêem, retirando-lhes de imediato a Autonomia de decisão e de desenho do seu processo pessoal de transformação. Por outro lado, a motivação só acontece quando existem competências instaladas que garantam os mínimos para avançar frente ao desconhecido. Ora os livros de autoajuda não contribuem com qualquer competência, já que se limitam a descrever abstracções que possam servir a qualquer tipo de pessoa, ficando a faltar eventos concretos, comparáveis e relevantes de serem assimilados. E é exatamente por isso que se torna tão mais relevante a leitura de romances, porque são estes que são capazes de nos colocar no lugar de situações concretas, e nos conferem ferramentas para lidar com o desconhecido. Por fim, a componente de relacionamento, que naturalmente não se pode conseguir na leitura, já que é algo que só pode advir da experiência do real, do esforço individual na construção do eu no seio da comunidade.
Dito isto, “O Alquimista” tem muito pouco a oferecer em troca do tempo que nos pede, apesar de ser um livro com pouco mais de 150 páginas.
Nota quantitativa no GoodReads.
São várias as razões que me levaram a pousar o livro, mas analisemos um pouco daquilo que o constitui,
A escrita. Tendo lido antes outros leitores procurarem qualificar a escrita de Paulo Coelho como simples e ausente de presunções, numa tentativa de o demarcar de preocupações estéticas, tenho de discordar. Nesta obra em particular, o que temos é uma escrita pobre, que é bem diferente de ser simples. Temos um texto que apresenta um vocabulário imensamente reduzido, com estruturas gramaticais muito pouco estruturadas, formando um todo incapaz de desenvolver uma coerência em termos estilísticos, atirando o registo escrito para o nível do discurso oral e impessoal.
A narrativa. Sofre dos mesmos problemas da escrita, sendo praticamente incapaz de se deslocar da história, de assumir uma estrutura e discurso autónomos. O enredo praticamente não existe fora da linha cronológica, tal como os personagens que se limitam a servir o debitar das informações relativas a cada evento.
A mensagem. Podíamos até aceitar os problemas estéticos acima enunciados, se tudo isso tivesse como propósito suportar um conteúdo válido e relevante, contudo isso não acontece. São precisas poucas páginas para compreender ao que vem Paulo Coelho, para perceber o que está a tentar fazer, tendo de suportar desde bastante cedo a sua vontade para nos guiar, e impedir de sair do seu universo. “O Alquimista” é um livro de autoajuda, o que não é propriamente novidade, o que me perturbou foi verificar que a sua base é ausente de conhecimento científico, e completamente fundamentada no esoterismo. A abordagem dada ao texto procura de certo modo mascarar esse fundamento com a ideia do romance, apelando à sua tradição ficcional para nos subjugar e assim converter, mas o misticismo subjacente é tão intenso, que só mesmo com muita boa-vontade se torna tolerável.
É verdade que os livros de autoajuda têm estado sempre debaixo de fogo, muito porque na generalidade não vão além da banha da cobra, para o qual fenómenos como “O Segredo” e este "O Alquimista" muito contribuem. Mas nos últimos anos, nomeadamente com o surgimento da Psicologia Positiva, vimos aparecer toda uma outra abordagem, fundamentada em estudos das ciências sociais e neurociências que conseguiram captar novos leitores, alguns deles bastante informados. Eu próprio tenho-me interessado bastante pelos resultados das investigações da Psicologia Positiva, dado o meu interesse no design de experiências emocionais em ambientes digitais interativos, contudo mesmo os livros de autoajuda baseados em Psicologia Positiva têm permanecido fora da minha esfera de interesses. Deste modo aproveitei a leitura do livro de Paulo Coelho para refletir e tentar compreender um pouco melhor as razões desta minha recusa.
Podemos dizer que a transformação do comportamento humano, que é a essência do que se busca num livro de autoajuda, não acontece apenas através da obtenção de informação. Ou seja, não basta saber o que tenho de fazer para ser feliz, é fundamental agir para que isso possa acontecer. Ora o problema é que deter conhecimento sobre algo que me faz bem ou algo que me faz mal, não é per se suficiente para me fazer agir. Se seguirmos uma das teorias mais estudadas nos últimos anos sobre a motivação, a Teoria da Autodeterminação de Deci e Ryan, podemos compreender melhor como se processa a transformação do comportamento humano, como o sujeito necessita de sentir autonomia, competência e possibilidade de se relacionar com os outros, três princípios que os livros de autoajuda não proporcionam, antes pelo contrário, ao funcionarem em oposição a estes, contribuem sim para a manutenção do estado inicial, não promovendo a transformação dos sujeitos.
Ou seja, os livros de autoajuda ao apontarem o caminho que deve ser seguido pelos indivíduos, descrevendo o que fazer e o que não fazer, estão a exercer um Controlo sobre a vontade dos indivíduos que os lêem, retirando-lhes de imediato a Autonomia de decisão e de desenho do seu processo pessoal de transformação. Por outro lado, a motivação só acontece quando existem competências instaladas que garantam os mínimos para avançar frente ao desconhecido. Ora os livros de autoajuda não contribuem com qualquer competência, já que se limitam a descrever abstracções que possam servir a qualquer tipo de pessoa, ficando a faltar eventos concretos, comparáveis e relevantes de serem assimilados. E é exatamente por isso que se torna tão mais relevante a leitura de romances, porque são estes que são capazes de nos colocar no lugar de situações concretas, e nos conferem ferramentas para lidar com o desconhecido. Por fim, a componente de relacionamento, que naturalmente não se pode conseguir na leitura, já que é algo que só pode advir da experiência do real, do esforço individual na construção do eu no seio da comunidade.
Dito isto, “O Alquimista” tem muito pouco a oferecer em troca do tempo que nos pede, apesar de ser um livro com pouco mais de 150 páginas.
Nota quantitativa no GoodReads.
outubro 05, 2015
Jogos educacionais que funcionam
Apesar de grande parte do tempo sentirmos dúvidas sobre o potencial dos jogos educacionais, por vezes surgem exemplos que individualmente são capazes de nos iluminar, e acender uma forte centelha de esperança. O que temos em "Neurotic Neurons" (2015) é a interatividade, o jogo e a simulação ao serviço de uma verdadeira pedagogia lúdica.
Nick Case criou um pequeno artefacto interativo que se socorre em parte de jogo mas que está essencialmente direcionado para a exposição, por via da simulação, do modo como funcionam os nossos neurónios, nomeadamente como geram e perdem memórias. O seu objetivo com este trabalho assenta num fim muito concreto, conseguir levar as pessoas que sofrem de ansiedade, traumas ou fobias, a compreender como funcionam as suas mentes, e o que podem tentar fazer para sair dessa situação. A base científica de suporte assenta na "terapia de exposição", e o resultado é admirável, não apenas por conseguir envolver-nos e motivar-nos a interagir e a querer saber mais, mas porque a mensagem passa verdadeiramente.
Case percebeu que face a um assunto de grande complexidade, como é o caso da ansiedade, precisava de realizar uma abordagem simples se o queria fazer por meio de comunicação audiovisual, e foi isso que fez, focou-se apenas num dos elementos da questão, pesquisou e investigou a informação factual, e criou. Diga-se, em toda a linha com aquilo que ainda ontem aqui dava conta a propósito do último filme da Pixar, "Inside Out" (2015).
Podem interagir e jogar em Neurotic Neurons, ou ainda ler uma entrevista de Case ao Kill Screen. No site do jogo, o autor providencia ainda uma listagem de vários links para compreender em maior profundidade o assunto tratado na sua obra.
Nick Case criou um pequeno artefacto interativo que se socorre em parte de jogo mas que está essencialmente direcionado para a exposição, por via da simulação, do modo como funcionam os nossos neurónios, nomeadamente como geram e perdem memórias. O seu objetivo com este trabalho assenta num fim muito concreto, conseguir levar as pessoas que sofrem de ansiedade, traumas ou fobias, a compreender como funcionam as suas mentes, e o que podem tentar fazer para sair dessa situação. A base científica de suporte assenta na "terapia de exposição", e o resultado é admirável, não apenas por conseguir envolver-nos e motivar-nos a interagir e a querer saber mais, mas porque a mensagem passa verdadeiramente.
Case percebeu que face a um assunto de grande complexidade, como é o caso da ansiedade, precisava de realizar uma abordagem simples se o queria fazer por meio de comunicação audiovisual, e foi isso que fez, focou-se apenas num dos elementos da questão, pesquisou e investigou a informação factual, e criou. Diga-se, em toda a linha com aquilo que ainda ontem aqui dava conta a propósito do último filme da Pixar, "Inside Out" (2015).
Podem interagir e jogar em Neurotic Neurons, ou ainda ler uma entrevista de Case ao Kill Screen. No site do jogo, o autor providencia ainda uma listagem de vários links para compreender em maior profundidade o assunto tratado na sua obra.
outubro 04, 2015
Pixar: E se, as Emoções tivessem Emoções
"Inside Out" é o resultado do deslumbramento final da Pixar com a arte do storytelling. Depois de terem otimizado toda a técnica e arte de contar histórias, restava apenas dar conta do modo como as histórias mexem com os seus ouvintes, leitores e espetadores. "Inside Out" é o resultado de mais de duas décadas a contar histórias com um elevado padrão de inteligência, capaz de tocar crianças e adultos.
Abaixo transcrevo um dos memes que começou a circular na rede, que foi entretanto melhorado, e acabei por traduzir e transformar ligeiramente também. A partir deste meme que resume todas as longas-metragens da Pixar, excetuando as sequelas, podemos entender a base de partida do storytelling da Pixar, e fundamentalmente uma das razões do seu sucesso ao longo de 20 anos. Tudo assenta na emoção, desde logo porque "animar é dar vida", mas também porque o sucesso do 3D esteve no seu inicio muito contaminado pela incapacidade expressiva, o que obrigou a que a Pixar tivesse especial cuidado com essa componente em toda a sua história. "Inside Out" funciona assim como uma espécie de coroação de tudo o que a Pixar representa, de tudo aquilo que importa para a Pixar no momento de contar uma nova história.
A Pixar sabia que não podia fazer um documentário, que a complexidade do funcionamento do interior do nosso cérebro comportaria demasiada informação para ser apresentada num filme de animação, e em menos de duas horas, ainda para mais com um público alvo maioritariamente composto por crianças. Por isso é natural que tenham sido utilizados alguns atalhos que passam ao lado daquilo que conhecemos do modo de funcionamento biológico do cérebro, nomeadamente os homunculus (personagens de cada emoção), a central de comando, as áreas do cérebro dedicadas, a individualização das emoções e dos contentores de memórias, etc.
O que não é natural é ver colegas das neurociências a atacar o filme, por este não ter apresentado corretamente todos os modelos atuais de funcionamento do cérebro. Percebo que se possa realizar algum trabalho pedagógico na desmontagem do filme, no sentido de se evitar por parte da população um acreditar em tudo o que ali se representa. Mas isso não pode dar carta branca para deitar por terra tudo de bom que o filme alcança, nomeadamente no tornar mais claro para as crianças, e população em geral, as razões e funções das nossas emoções e memórias.
A Pixar vai aonde nenhum outro filme tinha ido antes no tratamento das emoções, e fá-lo mesmo contra os estereótipos mais marcantes da cultura americana, nomeadamente no tratamento dado à relação entre a Alegria e a Tristeza, que evolui ao longo do filme, de uma relação de dominância do objetivo único, a felicidade, para a compreensão da necessidade humana do conjunto das emoções. Algo que é bem espelhado na progressão da relação entre Alegria e Tristeza, assim como na exploração da sua ausência, mas que é feito de uma forma muito mais subtil, mas muito mais profunda, com as esferas de memórias emocionais, inicialmente marcadas por cores únicas que no final passam a ostentar mesclas de cores.
Este é o filme mais inteligente, ou seja elaborado e detalhado com conhecimento factual, da Pixar, assim como o mais relevante em termos formativos. "Inside Out" resulta muito concretamente num crescimento intelectual e emocional das crianças, que aprendem ao longo de duas horas a conhecer-se melhor a si próprias. No final do filme, as crianças passam a deter uma ideia muito mais clara do modo como funcionam, como agem e reagem em face do mundo externo. O filme é uma metáfora poderosa daquilo que nós somos, daquilo que faz de nós seres humanos, daquilo que nos torna seres individuais, mas também daquilo que partilhamos todos uns com os outros.
Abaixo transcrevo um dos memes que começou a circular na rede, que foi entretanto melhorado, e acabei por traduzir e transformar ligeiramente também. A partir deste meme que resume todas as longas-metragens da Pixar, excetuando as sequelas, podemos entender a base de partida do storytelling da Pixar, e fundamentalmente uma das razões do seu sucesso ao longo de 20 anos. Tudo assenta na emoção, desde logo porque "animar é dar vida", mas também porque o sucesso do 3D esteve no seu inicio muito contaminado pela incapacidade expressiva, o que obrigou a que a Pixar tivesse especial cuidado com essa componente em toda a sua história. "Inside Out" funciona assim como uma espécie de coroação de tudo o que a Pixar representa, de tudo aquilo que importa para a Pixar no momento de contar uma nova história.
Pixar, 1995: E se, os Brinquedos tivessem emoçõesNuma outra vertente de análise tocou-me profundamente o facto de Pixar ter, mais uma vez, realizado um enorme esforço de pesquisa e investigação sobre o assunto a ser tratado, para poder dar vida, atribuir representações visuais, a entidades puramente abstratas. Muito longe do registo documental, o filme vai mais longe do que muitos dos documentários sobre o assunto. Por meio de entretenimento, do desenho e da animação, construiu-se todo um universo capaz de dar conta das condições fundamentais que regulam a emocionalidade humana. "Inside Out" não pretende ser um paper científico sobre neurobiologia ou neurofisiologia, mas segue em toda a linha os princípios base das ciências cognitivas, suportadas por dados empíricos das neurociências, sobre o fundamento das emoções, memórias, personalidade e sono.
Pixar, 1998: E se, os Insectos tivessem emoções
Pixar, 2001: E se, os Monstros tivessem emoções
Pixar, 2003: E se, os Peixes tivessem emoções
Pixar, 2004: E se, os Super-heróis tivessem emoções
Pixar, 2006: E se, os Carros tivessem emoções
Pixar, 2007: E se, os Ratos tivessem emoções
Pixar, 2008: E se, os Robôs tivessem emoções
Pixar, 2009: E se, as Casas tivessem emoções
Pixar, 2012: E se, a Mulher medieval tivesse emoções
Pixar, 2015: E se, as Emoções tivessem Emoções
A Pixar sabia que não podia fazer um documentário, que a complexidade do funcionamento do interior do nosso cérebro comportaria demasiada informação para ser apresentada num filme de animação, e em menos de duas horas, ainda para mais com um público alvo maioritariamente composto por crianças. Por isso é natural que tenham sido utilizados alguns atalhos que passam ao lado daquilo que conhecemos do modo de funcionamento biológico do cérebro, nomeadamente os homunculus (personagens de cada emoção), a central de comando, as áreas do cérebro dedicadas, a individualização das emoções e dos contentores de memórias, etc.
Apesar de apresentadas de forma individual, na realidade o filme dá conta da necessidade das emoções trabalharem conjuntamente.
O que não é natural é ver colegas das neurociências a atacar o filme, por este não ter apresentado corretamente todos os modelos atuais de funcionamento do cérebro. Percebo que se possa realizar algum trabalho pedagógico na desmontagem do filme, no sentido de se evitar por parte da população um acreditar em tudo o que ali se representa. Mas isso não pode dar carta branca para deitar por terra tudo de bom que o filme alcança, nomeadamente no tornar mais claro para as crianças, e população em geral, as razões e funções das nossas emoções e memórias.
A Pixar vai aonde nenhum outro filme tinha ido antes no tratamento das emoções, e fá-lo mesmo contra os estereótipos mais marcantes da cultura americana, nomeadamente no tratamento dado à relação entre a Alegria e a Tristeza, que evolui ao longo do filme, de uma relação de dominância do objetivo único, a felicidade, para a compreensão da necessidade humana do conjunto das emoções. Algo que é bem espelhado na progressão da relação entre Alegria e Tristeza, assim como na exploração da sua ausência, mas que é feito de uma forma muito mais subtil, mas muito mais profunda, com as esferas de memórias emocionais, inicialmente marcadas por cores únicas que no final passam a ostentar mesclas de cores.
Este é o filme mais inteligente, ou seja elaborado e detalhado com conhecimento factual, da Pixar, assim como o mais relevante em termos formativos. "Inside Out" resulta muito concretamente num crescimento intelectual e emocional das crianças, que aprendem ao longo de duas horas a conhecer-se melhor a si próprias. No final do filme, as crianças passam a deter uma ideia muito mais clara do modo como funcionam, como agem e reagem em face do mundo externo. O filme é uma metáfora poderosa daquilo que nós somos, daquilo que faz de nós seres humanos, daquilo que nos torna seres individuais, mas também daquilo que partilhamos todos uns com os outros.
outubro 03, 2015
Série fotográfica: “Onde Dormem as Crianças"
James Mollison criou uma nova série fotográfica, mais uma vez dedicada às crianças. Depois dos célebres recreios de escola analisa agora os sítios onde dormem as crianças no mundo. Se a série anterior nos tocava pelo lado nostálgico, esta joga com a intimidade e empatia. Para tal Mollison não se limitou a fotografar os quartos, fotografou também as crianças que neles dormem, confrontando lado a lado, o ser humano e o lugar, criando um contraste entre o ser humano como nós, e o espaço por vezes tão distante. Da série ressalta com muita força a diferença sócio-económica, mas existem também traços culturais sobre os quais vale a pena deter-se e refletir.
Estas imagens são apenas um pequeno excerto da série que possui um total de 56 conjuntos, mais alguns estão disponíveis no site do autor, o resto foi publicado no formato de livro, no qual as fotos são acompanhadas de pequenos textos de caracterização social das crianças.
Alex, 9, Rio de Janeiro, Brazil
Jivan, 4, New York, USA
Bilal, 6, Wadi Abu Hindi, The West Bank
Kaya, 4, Tokyo, Japan
Syra, 8, Iwol, Senegal
Prena, 14, Kathmandu, Nepal
Li, 10, Beijing, China
Lamine, 12, Bounkiling Village, Senegal
Rhiannon, 14, Darvel, Scotland
Roathy, 8, Phnom Penh, Cambodia
Risa, 15, Kyoto, Japan
"Stories of diverse children around the world, told through portraits and pictures of their bedrooms. When Fabrica asked me to come up with an idea for engaging with children’s rights, I found myself thinking about my bedroom: how significant it was during my childhood, and how it reflected what I had and who I was. It occurred to me that a way to address some of the complex situations and social issues affecting children would be to look at the bedrooms of children in all kinds of different circumstances. From the start, I didn’t want it just to be about ‘needy children’ in the developing world, but rather something more inclusive, about children from all types of situations."
Estas imagens são apenas um pequeno excerto da série que possui um total de 56 conjuntos, mais alguns estão disponíveis no site do autor, o resto foi publicado no formato de livro, no qual as fotos são acompanhadas de pequenos textos de caracterização social das crianças.
setembro 24, 2015
A história da Naughty Dog
Não teria sido possível a existência de “The Last of Us” (2013) sem “Uncharted 2” (2009). Esta é uma realidade por vezes pouco evidente, mas que fica bem clara neste documentário, "Naughty Dog 30th Anniversary" (2014) que retrata a história do nascimento, em 1984, de uma pequena empresa independente, que se aliou a Electronic Arts e foi entretanto adquirida pela Sony, mas que sempre funcionou com grande grau de autonomia.
Por mais fantástica que tenha sido a história da Naughty Dog, por vezes com boas doses de sorte, outras com muito empenho e dedicação, existem três ingredientes nesta história que fundaram a base que permitiu a criação da singular obra que é "The Last of Us":
1 - Desejo de ir além,
Ao longo deste documentário, podemos ver como isto esteve sempre presente na cultura dos fundadores, fazendo parte do DNA da empresa até hoje. Só isso justifica que a empresa tenha aguentado 30 anos ininterruptos de produção e criação de videojogos. A vontade por criar algo novo, melhor, diferente e não apenas mais do mesmo, foi o que permitiu manter o efeito de surpresa, projeto a projeto, e assim elevar e manter a motivação de todos.
Isto fica por demais evidente quando em 2009, depois do gigantesco sucesso de “Uncharted 2” a Naughty Dog em vez de se limitar a investir tudo em “Uncharted 3”, avançou com um projecto completamente novo, um projecto não meramente secundário. A equipa que nos tinha dado “Uncharted 2” (Diretores: Bruce Straley e Amy Hennig; Designers: Richard Lemarchand e Neil Druckmann) foi dividida em duas, e cada uma seguiu com o seu projecto, Amy Hennig e Richard Lemarchand asseguraram a continuação da saga Uncharted; já Bruce Straley e Neil Druckmann foi-lhes dado carta branca para lançar um universo de jogo completamente novo. Ou seja, ao contrário da ideia de que em equipa vencedora não se mexe, aqui arriscou-se, porque se queria mais, se queria fazer diferente, se queria ir além: “It’s never good enough!”
2 - Conhecimento colaborativo,
Jason Rubin refere no final do filme, mas nunca é demais repetir, uma equipa colectiva para criar videojogos, não se cria simplesmente juntando meia-dúzia de pessoas, por muito competentes que sejam, são precisos anos de colaboração para criar rotinas, para que as pessoas conheçam o que cada um sabe melhor, e consigam verdadeiramente interagir. Isto é tanto mais fundamental quando está em causa criatividade e inovação, que depende totalmente da interação e cruzamento de ideias entre vários seres humanos no tempo, até que surjam coisas verdadeiramente novas, distintas: “You have to trust the people around you. On your own your is no way.”
3 - Almofada “Uncharted 2”,
Almofada financeira, mas também de auto-estima, e essencialmente de conhecimento acumulado. “Uncharted 2” foi um enorme sucesso tendo garantido à empresa enorme estabilidade e potencial económico para investir e falhar, tendo tornado mais fácil não apenas lançar-se na criação da terceira parte, mas ao mesmo tempo lançar todo um segundo pipeline, em paralelo, de produção à mesma escala para criar “The Last of Us”. Além da componente financeira, todo os envolvidos sentiram forte recompensa pelo trabalho desenvolvido, por meio não apenas das vendas mas também das excelentes críticas e análises que foram lendo ao seu trabalho. Sabiam que agora existia a pressão para ir além do 2, mas sabiam que tinham sido capazes de surpreender toda uma audiência imensamente exigente, isso garantiu altos níveis de rendimento criativo a toda a equipa.
Por fim, “Uncharted 2” não foi um mero sucesso de vendas ou de crítica, foi mais que tudo, a conquista de um pináculo de realização técnica no campo da criação e linguagem dos videojogos. Na componente técnica a criação da base que ficou conhecida como “active cinematic experiences”, responsável por colocar a narrativa a dominar a acção e jogabilidade, mas também pelas espetaculares sequências em que a dinâmica cinematográfica se cruza totalmente com a dinâmica de jogo, criando inovadoras cutscenes de acção jogáveis (sendo o melhor exemplo a sequência do comboio).
Por mais fantástica que tenha sido a história da Naughty Dog, por vezes com boas doses de sorte, outras com muito empenho e dedicação, existem três ingredientes nesta história que fundaram a base que permitiu a criação da singular obra que é "The Last of Us":
"Naughty Dog 30th Anniversary" (2014)
1 - Desejo de ir além,
Ao longo deste documentário, podemos ver como isto esteve sempre presente na cultura dos fundadores, fazendo parte do DNA da empresa até hoje. Só isso justifica que a empresa tenha aguentado 30 anos ininterruptos de produção e criação de videojogos. A vontade por criar algo novo, melhor, diferente e não apenas mais do mesmo, foi o que permitiu manter o efeito de surpresa, projeto a projeto, e assim elevar e manter a motivação de todos.
Isto fica por demais evidente quando em 2009, depois do gigantesco sucesso de “Uncharted 2” a Naughty Dog em vez de se limitar a investir tudo em “Uncharted 3”, avançou com um projecto completamente novo, um projecto não meramente secundário. A equipa que nos tinha dado “Uncharted 2” (Diretores: Bruce Straley e Amy Hennig; Designers: Richard Lemarchand e Neil Druckmann) foi dividida em duas, e cada uma seguiu com o seu projecto, Amy Hennig e Richard Lemarchand asseguraram a continuação da saga Uncharted; já Bruce Straley e Neil Druckmann foi-lhes dado carta branca para lançar um universo de jogo completamente novo. Ou seja, ao contrário da ideia de que em equipa vencedora não se mexe, aqui arriscou-se, porque se queria mais, se queria fazer diferente, se queria ir além: “It’s never good enough!”
2 - Conhecimento colaborativo,
Jason Rubin refere no final do filme, mas nunca é demais repetir, uma equipa colectiva para criar videojogos, não se cria simplesmente juntando meia-dúzia de pessoas, por muito competentes que sejam, são precisos anos de colaboração para criar rotinas, para que as pessoas conheçam o que cada um sabe melhor, e consigam verdadeiramente interagir. Isto é tanto mais fundamental quando está em causa criatividade e inovação, que depende totalmente da interação e cruzamento de ideias entre vários seres humanos no tempo, até que surjam coisas verdadeiramente novas, distintas: “You have to trust the people around you. On your own your is no way.”
3 - Almofada “Uncharted 2”,
Almofada financeira, mas também de auto-estima, e essencialmente de conhecimento acumulado. “Uncharted 2” foi um enorme sucesso tendo garantido à empresa enorme estabilidade e potencial económico para investir e falhar, tendo tornado mais fácil não apenas lançar-se na criação da terceira parte, mas ao mesmo tempo lançar todo um segundo pipeline, em paralelo, de produção à mesma escala para criar “The Last of Us”. Além da componente financeira, todo os envolvidos sentiram forte recompensa pelo trabalho desenvolvido, por meio não apenas das vendas mas também das excelentes críticas e análises que foram lendo ao seu trabalho. Sabiam que agora existia a pressão para ir além do 2, mas sabiam que tinham sido capazes de surpreender toda uma audiência imensamente exigente, isso garantiu altos níveis de rendimento criativo a toda a equipa.
Por fim, “Uncharted 2” não foi um mero sucesso de vendas ou de crítica, foi mais que tudo, a conquista de um pináculo de realização técnica no campo da criação e linguagem dos videojogos. Na componente técnica a criação da base que ficou conhecida como “active cinematic experiences”, responsável por colocar a narrativa a dominar a acção e jogabilidade, mas também pelas espetaculares sequências em que a dinâmica cinematográfica se cruza totalmente com a dinâmica de jogo, criando inovadoras cutscenes de acção jogáveis (sendo o melhor exemplo a sequência do comboio).
setembro 22, 2015
o movimento da metamorfose
Para quem gosta de animação, a última curta de Masanobu Hiraoka é um verdadeiro doce, com o movimento a surgir a partir de metamorfoses fluídas, criando toda uma experiência escapista e perceptivamente líquida. Hiraoka está ligado ao colectivo francês Je Regard, no qual colabora Carlos de Carvalho, de quem já aqui falei antes, esta sua animação foi-me enviada pelo Nuno Folhadela a quem fico imensamente grato.
Interessante como Hiraoka vai desenhando todos os seus elementos a partir da base do desenho - o ponto, a recta, o plano, as formas - e depois as vai metamorfoseando, umas nas outras, criando um bailado de movimento gráfico que nos seduz e compele a ir atrás de cada nova forma, de cada novo traço, de cada nova cor. No campo da cor a coerência é grande, com um equilíbrio contido, e ao mesmo tempo uma palete que lhe confere uma enorme peculiaridade visual.
Interessante como Hiraoka vai desenhando todos os seus elementos a partir da base do desenho - o ponto, a recta, o plano, as formas - e depois as vai metamorfoseando, umas nas outras, criando um bailado de movimento gráfico que nos seduz e compele a ir atrás de cada nova forma, de cada novo traço, de cada nova cor. No campo da cor a coerência é grande, com um equilíbrio contido, e ao mesmo tempo uma palete que lhe confere uma enorme peculiaridade visual.
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