fevereiro 14, 2015

Dostoievski, arte e autobiografia

Nada posso dizer de novo sobre “Crime e Castigo” (1866) de Dostoiévski, é um clássico, como tal escrutinado em todas as demais dimensões que possamos imaginar. Contudo aproveitarei estas linhas para dar conta da minha experiência com o livro. Escrito no século XIX nada lhe falta se comparado com o género literário tão em voga neste nosso século, o thriller psicológico. Os personagens e os seus problemas desmontados como quem desmonta um relógio suíço, a constante introdução de novos problemas e as suas reviravoltas, a gestão minuciosa do suspense através do ritmo a que cada nova informação vai sendo revelada. É um livro escrito para nos prender, ainda que mesmo que o não fosse, nos manteria interessados pelo seu personagem e a sua busca existencial. Nesse sentido acaba sendo uma obra intemporal, já que o âmago da discussão se prende àquilo que faz de nós seres-humanos.


Crime e Castigo” (1866), illustrações de D. Shmarinov, para edição russa de 1970

Crime e Castigo” é um relato do mundo realizado a partir do interior de uma alma amargurada. Dostoiévski coloca-nos sob a pele de Raskólnikov, e faz-nos sentir o peso do ser, do outro, da sociedade. É um relato imensamente poderoso, que muito deve à experiência pessoal do autor. Em 1849 Dostoiévski foi preso sob suspeita de conspiração contra Nicolau I da Rússia. Com ele foram detidos muitos outros, todos condenados à morte. No dia marcado para a execução, já estavam amarrados aos postes os primeiros quando chegou a ordem do Czar para comutar a pena por trabalhos forçados na Sibéria.
“A mágoa e a inquietude sem saída de todo aquele tempo, sobretudo das últimas horas, tinham-no oprimido a um ponto tal que agora se precipitava, literalmente, para a esperança que lhe abria aquela sensação plena, nova, íntegra. A sensação acometeu-o como um ataque: acendeu-se-lhe na alma como uma faísca e, num sopro, incendiou-o todo. Tudo nele se abrandou de vez, jorraram-lhe as lágrimas. Caiu de joelhos…” Dostoiévski, “Crime e Castigo” (1866)
À medida que vou recuperando a leitura de clássicos, e seguindo obras enaltecidas, dou-me conta do quão relevante é o peso autobiográfico de uma obra. Como a experiência pessoal de sentires, vivências, lugares, pessoas, vidas, medos e alegrias é importante no criar de lastro de sustentação do relato de uma história interessante, crepitante, capaz de se dar a uma total degustação por outro ser humano. A obra imaginada, deslocada do fio de vida de quem a escreve, pode até ser um exercício interessante, mas dificilmente contém o detalhe necessário à reconstrução cristalina de um espaço-tempo capaz de ombrear com a obra que se recria a partir das experiências vividas de um autor.

Isto explica, em parte, as razões pelas quais certos autores conseguem por vezes fazer uma obra, de rasgo genial, mas depois nunca mais voltam a atingir picos com a mesma intensidade. Aliás, isto vem de encontro à queixa do júri do prémio Nobel deste ano que referiu o facto de os escritores se acomodarem ao conforto da vida com bolsas, impossibilitando o surgimento de experiências de vida capazes de suportar novas ideias, novas abordagens, novos mundos. Mas isto não é uma queixa apenas deste júri, para quem vive no meio, e o gere enquanto editor, sabe que isso é uma realidade. Atente-se nas palavras de Bruno Vieira Amaral, autor de uma primeira-obra nacional de enorme sucesso junto da crítica em 2013, com vários prémios, e que em entrevista nos diz que não quer dedicar-se apenas à escrita, que irá continuar a dedicar-se a múltiplas outras coisas,
"Não quero viver da escrita, isso é uma armadilha... obriga a uma desmultiplicação... Sei como o meio funciona... obriga a decisões que podem ser más a médio, longo prazo para o trabalho do escritor. Muita produção, com um ritmo que rouba a liberdade de dizer 'vou escrever quando me apetecer'." (Bruno Vieira Amaral, in iOnline, 10.2013)
Isto sente-se bastante quando começamos a ler (ou a ver no caso do cinema) a obra de certos autores, nomeadamente os contemporâneos, que pouco mais fizeram na vida para além de escrever. Ao fim de 3 ou 4 livros ficamos com a ideia que dizem sempre o mesmo, que nada mais dali se pode esperar retirar. Não admira que criativos mais conscientes desta vicissitude da criação artística, pensem em renegar a arte que os consagrou. A título de exemplo veja-se Bela Tarr, retirou-se em 2011 depois de 30 anos e 9 filmes, atente-se às suas palavras:
“Ser cineasta é um belo trabalho burguês. Mas eu realmente não o quero fazer. Eu não sou um  verdadeiro cineasta. Eu sempre estive nisto pelas pessoas, e só queria dizer algo sobre as suas vidas. Durante 34 anos de cinema, disse tudo aquilo que queria dizer. Eu posso repetir, posso fazer uma centena de coisas, mas na verdade não quero aborrecer-vos. Não quero copiar os meus filmes. É isto.” (Bela Tarr, in IndieWire, 02.2012)
Num sentido completamente oposto, veja-se como António Lobo Antunes, com 24 romances publicados, se mantém ativo, e como se processa a escrita de cada nova obra sua. Como o processo mecânico e repetitivo toma conta da vontade expressiva, transformando o pessoal em maquinal.
“Cada vez mais escrevo sem plano. Sento-me e fico à espera de começar a ouvir a voz. Tenho de fechar uma parte da cabeça para que a outra funcione. E a mão começa a andar sozinha... Este livro está pronto há muito tempo. Não sei, não me lembro. Só escrevi. Não me lembro de nenhum, mesmo deste que estou a escrever. Leio a última linha e continuo.” (António Lobo Antunes, in Estante, 10.2014


ACTUALIZAÇÃO: 28 Fevereiro 2015

É interessante analisar como alguns dos autores mais consagrados viveram as suas vidas assentes em empregos que lhes permitiam ter o tempo e dinheiro para escrever nas horas livres. Num quadro publicado pela Laphams Quarterly podemos ver o que faziam autores como Charlotte Bronte, Kafka ou Faulkner. A escrita para estes autores estava longe de ser um emprego, uma obrigação, funcionava antes como escape, e ao mesmo tempo modo de expressão das suas experiências de vida diária.

fevereiro 10, 2015

Reconstruindo a aura de personagens

Casey, uma jovem americana de apenas 17 anos, com recurso ao GarageBand, Final Cut Pro e iMovie, compilou num filme de 14 minutos, os momentos mais relevantes do personagem Severus Snape da série de filmes de "Harry Potter", reconstruindo assim não apenas o apelo do personagem, mas também todo o ponto de vista do universo, que passa aqui por ser dado pelo seu tom, pela sua visão, pelas suas emoções.


Mais uma vez o poder do remix a demonstrar o quão ricas podem ser todas as tecnologias que se têm disponibilizado às pessoas, que requerem tão poucas competências, apenas vontade, motivação e persistência para expressar uma ideia. Casey refere que resolveu criar este filme como homenagem ao personagem, para contrabalançar todo o ódio e incompreensão que ele destilou em muitos dos seguidores da série. JK Rowling apenas revelou verdadeiramente quem era Snape no último livro.

"Severus Snape 1960-1998" (2015) 

fevereiro 07, 2015

Capital, Design e Inovação

Acabando de ler “Jony Ive: The Genius Behind Apple's Greatest Products” (2013) o que mais se me imprime é a gestão de inovação desenvolvida pela Apple. O livro é mais um texto jornalístico do que uma análise da filosofia de design de Jony Yve, mas por isso mesmo acaba por dar conta de um alargado conjunto de factores que se tornam relevantes conhecer no momento em que encaramos o design, o seu potencial de inovação, mas também o seu custo.


Uma parte considerável da sociedade, nomeadamente aqueles mais ligados à engenharia e produção, olham para o produto, seja Apple ou outra grande marca internacional de sucesso, e acreditam que é assim apenas porque a empresa faz tanto dinheiro que se diverte a “brincar ao design”, basta olhar às prioridades das restantes marcas de informática!

Neste mesmo sentido gostaria de aqui enfatizar os produtos nacionais, nomeadamente os produtos criados no século XX - o nosso calçado, o nosso têxtil, o nosso mobiliário (ex. Moviflor, etc.), as nossas motorizadas (ex. Famel, etc), os nossos carros (ex. UMM). Quando hoje se fala de empreendedorismo como a tábua de salvação nacional, esquece-se que isso é algo que nunca faltou por cá. O nosso problema nunca foi o receio de empreender, não tivéssemos nós partido à descoberta do desconhecido em pequenas naus de madeira. O nosso problema sempre foi outro, mesmo nesses tempos áureos: a capacidade de gerir e comunicar as nossas conquistas.

Ora esta capacidade de gerir e comunicar um produto é no fundo aquilo a que se dedica o design do produto, ao contrário da engenharia que se dedica apenas à sua produção. Ambos, a engenharia e o design, procuram a resolução de problemas, mas enquanto a engenharia pára o processo quando o problema está resolvido, o design continua a laborar para melhorar esse processo muito para além da sua funcionalidade. E é por continuar a evoluir o processo que descobre novos problemas, novos caminhos possíveis de produção, novos usos, novos interesses. Dessa forma o produto não estagna, evolui, melhora e responde à evolução das necessidades dos seus utilizadores de forma interactiva. Temos assim todo um processo de gestão e comunicação de produto que se exerce muito para lá da mera produção do produto. A comunicação, ou seja a relação com quem consome, não pode ser apenas pensada em termos de marketing e relações públicas, o produto tem de continuar a "dialogar" com os seus consumidores.



Isto claramente tem custos. Manter equipas continuamente a laborar num produto que se pretendia colocar no mercado e rentabilizar, retira margens de lucro. E acredito que tem sido aqui que tem estado o nosso calcanhar de Aquiles, a nossa incapacidade de ver para além do lucro imediato. Todos os produtos nacionais, de que falei acima, foram criados num momento específico e depois disso os processos foram parados, investindo-se tudo apenas na sua distribuição e exploração. Mais, muitos daqueles produtos não tinham sequer equipas de design, já que esse processo se limitava à cópia do que se fazia lá fora. Nesse sentido, o design foi totalmente menosprezado, a gestão e a comunicação com os consumidores totalmente esquecida.

Voltando à Apple, esta de modo algum criou o iPhone em 2007 e depois se sentou à espera dos lucros, investindo no mero marketing como alguns dos seus detratores julgam. Para se ter uma noção do capital investido em design, entre o iPhone e o iPhone 5, saiba-se que o investimento em equipamento investido na criação do 1º iPhone foi de 408 milhões, mas em 2012 quando o iPhone 5 e o iPad 3 entraram em produção a Apple já tinha investido em equipamento de produção 9.5 Mil milhões! Em termos comparativos, o investimento realizado pela Apple nesta altura, em todo o processo de marketing e lojas era de 865 milhões, 1/10 apenas. Aliás o investimento é de tal ordem que hoje o valor aí investido é maior do que todas as lojas da Apple, terrenos e edifícios juntos. Comparando com a Nokia que em 2011 investiu 1.1 Mil Milhões para fabricar 340 milhões de telemóveis, no mesmo ano a Apple investiu 2.9 Mil Milhões para fabricar apenas 1/3, 118 milhões de iPhones (não tenho informação sobre se o investimento da Apple diz apenas respeito aos iPhones, ou a toda a sua cadeia de produtos).

O investimento em design na Apple ultrapassa tudo o que se possa imaginar, porque este é considerado o verdadeiro núcleo da empresa. É assim porque Jobs sempre viu assim, e é assim porque Jony Yve é ainda mais obcecado com o design e o seu constante aperfeiçoamento. Com o passar dos anos Jobs foi dando mais e mais poder a Yve, ao ponto de este ter total autonomia e controlo, tanto dentro como fora da Apple. Quando Yve procura um determinado material, equipamento ou solução, o seu custo nunca é equacionado. Primeiro importa o produto, e como se pode torná-lo melhor, não apenas diferente, mas melhor, e no final então analisam-se os custos. Uma das frases mais citadas de Yve é exactamente,

“It’s very easy to be Different, but very difficult to be Better.”

E é isto a inovação. A inovação tem enormes custos, e compreende enormes riscos, mas nenhuma marca se mantém no mercado se não investir em inovação. Se não investir em design, se não procurar sempre fazer melhor aquilo que já faz bem. Só assim será capaz de gerir o diálogo constante com os consumidores, e preferencialmente estar à frente das suas necessidades.

Sobre o livro em si, fiz uma pequena análise no Goodreads.

fevereiro 03, 2015

A forma de "Lolita"

Um livro único, uma escrita sublime. A arte do texto levada ao extremo, um trabalho neobarroco, em que por mais descrições e adjetivações que se sucedam, a sua construção é tão sólida, tão coerente, que não só não perturba, como antes nos deixa sôfregos por mais. Nabokov impressiona, não só pela erudição, mas pela capacidade de criar um texto como se fosse um joalheiro, dedicando todo o tempo do mundo a cada detalhe, a cada palavra, frase e parágrafo, a cada ponto e vírgula, a cada verbo e adjetivo, com um cuidado e um carinho incalculáveis.

"Lolita" (1955) de Vladimir Nabokov

Em certa medida sinto ao longo do texto que a obsessão retratada no tema, o amor proibido de um adulto por uma criança, serve a obsessão de Nabokov com a forma e estrutura, um amor também em certa medida carregado de culpa. Sei que estou a entrar pelo reino da interpretação pura, mas na verdade é o que sinto ao imaginar o que pairaria na cabeça de Nabokov enquanto escrevia “Lolita”. Vejo Nabokov no seu labor obsessivo de 5 anos para construir uma obra imaculada, tão perfeita, quase divina, no entanto tratando um tema abjecto. Sendo eu profundamente formalista, percebo o peso na consciência de Nabokov, que sente que à sua volta se dá muito mais valor ao que se conta, do que à forma como se conta. Neste sentido, Nabokov trabalha um tema repulsivo com o objectivo de, apenas e só através da forma, o tornar atrativo. E consegue-o.

Inevitável citar Hitchcock, "Para ser sincero, o conteúdo, eu não quero saber nada disso. Eu não estou minimamente interessado em saber o que trata o filme. Estou apenas interessado em como lidar com o material para criar uma emoção na audiência (..) no filme não é a história, é o que se faz com ela... pois acho que para muitas pessoas, ver um filme, é olhar apenas ao conteúdo, e nunca parecem estudar (falo da capacidade de análise crítica) o que é que o filme tinha para fazer com que a audiência passasse através de todas aquelas emoções". É isto Nabokov, por mais leituras que possamos fazer do tema retratado na sua obra, a sua primeira preocupação é o texto, e depois o texto, e só depois aquilo que o texto diz. Deixo alguns trechos,
"Através da escuridão e do rendilhado das árvores, distinguíamos os arabescos das janelas iluminadas, que, retocadas pelas tintas coloridas da memória sensitiva, me parecem agora cartas de jogar - talvez porque um jogo de bridge mantinha o inimigo ocupado. Ela estremeceu e contorceu-se quando lhe beijei o canto dos lábios entreabertos e o lobo quente da orelha. Um cardume de estrelas brilhava palidamente por cima de nós, entre as silhuetas das folhas finas e compridas, e aquele céu vibrante parecia tão nu como ela estava, sob o vestido leve. Vi o seu rosto reflectido no céu, com uma nitidez extraordinária, como se emitisse uma ténue radiância." 
"Para além da planície cultivada, para além dos telhados de brinquedo, havia um lento espraiar de inútil encanto, um Sol baixo numa bruma de platina, com um toque quente, de pêssego descascado, a infiltrar-se na orla superior de uma nuvem bidimensional cinzento-pomba, que se fundia com a sensual névoa distante."
"Sentia-me orgulhoso comigo mesmo. Furtara o mel de um espasmo sem molestar a moralidade de uma menor." 
Isto ganha contornos ainda mais impressionantes, quando percebemos que Vladimir Nabokov era russo, e “Lolita” foi escrito já com 50 anos, sendo a sua primeira obra em inglês depois de várias em russo. Da minha pesquisa, percebi que o facto de ter nascido num berço aristocrata permitiu-lhe conviver desde criança num ambiente trilingue - russo, inglês e francês - e isso explica muito sobre os talentos do autor. Dá ainda conta das suas preocupações com a escolha da língua e da tradução. Parece que ter escrito “Lolita” em inglês lhe causou desgosto, porque diz, teria conseguido mais se o tivesse feito na sua língua mãe, o russo, contudo quando ele próprio realizou a tradução para russo, sentiu enorme desilusão, por não conseguir retirar mais da sua língua do que aquilo que já tinha extraído na versão inglesa. Isto é um claro indicador da obsessão de Nabokov com a forma, o texto, a palavra, um verdadeiro joalheiro, um designer, para quem a forma era tudo.

Voltando ao tema, como já disse, é repulsivo. A história narra as aventuras de um senhor erudito, ironicamente pindérico, Humbert Humbert. Este sofre de um problema de pedofilia, atingindo o auge com uma menina de apenas 12 anos, procurando por todos os meios justificar e justificar-se. O livro foca-se apenas no pedófilo, é ele quem narra, pouco ou nada sabemos sobre quem era no fundo Lolita, já que aquilo que nos é dado a saber, é por meio das elucubrações da mente doente de Humbert. O autor, Nabokov, esforça-se por não agir moralmente, desenhando toda a abordagem ao personagem de modo a obrigar-nos a empatizar com ele. Por mais que nos desgostem as suas ideias e ações, Nabokov trabalha minuciosamente a sua apresentação, de modo a que passemos toda a leitura a debater-nos connosco próprios, pensando: é tudo tão horrível, mas Humbert até nem é mau diabo, e tudo aquilo é amor, amor verdadeiro!?

Mas amor, amor é o belíssimo trabalho formal de Nabokov, texto e estrutura, que nos leva todo o caminho, pela mão, mesmo contra as nossas crenças mais fundamentais, até quase nos conseguir atirar pelo precipício da moral abaixo.

fevereiro 01, 2015

"Creativity Inc." (2014)

É um livro impressionantemente honesto e extremamente relevante, uma leitura inebriante da primeira à última página. As principais razões para tal: 1) é um dos livros mais importantes já escritos sobre gestão de criatividade, tendo-se já tornado um clássico obrigatório; 2) é um livro construído com base numa premissa fruto de validação científica; 3) é um livro sobre tecnologias CGI e Animação, sobre a Pixar e a Disney; 4) é um livro sobre a realização de um sonho, fruto de grande ambição, visão e muita humildade. Para que se compreenda a relevância deste livro é preciso compreender quem é o autor, e o que fez. O livro foi escrito por Ed Catmull, fundador da Pixar e seu actual presidente, a única empresa na história do Cinema a ter criado mais de uma dezena de filmes (14), sem nunca ter conhecido o falhanço, com todos os filmes a atingirem o 1º lugar do Box Office, metade conseguiu o Oscar de Melhor Animação (7). Não existe nenhuma outra empresa no ramo do cinema, dentro ou fora da animação, que se compare com a Pixar, e é por isso que se torna tão importante compreender o que constitui a estrutura desta empresa.


Catmull começa o livro discutindo a origem da sua paixão, nos anos 1950 quando via os desenhos animados da Disney na televisão percebeu que era aquilo que queria fazer na sua vida. Sinto aqui alguma sintonia, mas no meu caso não foi a Disney, foi a Pixar. Tal como “Snow White” tinha sido a primeira longa de animação em 1937, “Toy Story” tornou-se na primeira longa de animação 3d em 1995. Ambas estas duas conquistas estão ao nível do primeiro passo da humanidade na Lua, por tudo aquilo que exigiram do ser humano em duas frentes: arte e tecnologia.

Para termos “Toy Story” foi preciso juntar três pessoas - Ed Catmull, John Lasseter e Steve Jobs. Como Catmull frisa várias vezes ao longo do livro, não basta talento, muito esforço e dedicação, muito daquilo que fazemos nas nossas vidas é fruto de vários acasos. Neste caso, se Jobs não tivesse sido despedido da Apple, ou se Lasseter não tivesse sido despedido da Disney, nunca teria existido a Pixar, mas estas são apenas duas das imensas bifurcações que possibilitaram que algo que começou como um sonho na cabeça de Catmull se tivesse tornado em algo real.

Uma das dimensões que mais me interessou neste livro foi perceber de que era feito Catmull, e como é que alguém com formação tão tecnológica foi capaz de desenvolver tanta sensibilidade pelos aspectos criativos. A minha conclusão depois da leitura do livro, e é algo que o próprio refere, embora não o afirme, é que o seu modelo de gestão de criatividade é baseado no modelo de peer-reviewing académico. Catmull antes de ser empresário, licenciou-se e doutorou-se em Ciências da Computação na Universidade do Utah, onde teve mais uma vez a sorte de trabalhar num dos momentos, e com uma das equipas, mais importantes da Computação Gráfica e Interacção Humano-Computador, na qual se encontravam Ivan Sutherland e Alan Kay. A sua tese de doutoramento (“A subdivision algorithm for computer display of curved surfaces”, 1974) daria origem a um algoritmo de render. Aliás ainda hoje, para mim, Catmull soa a render porque foi dos primeiros que me recordo de usar na modelação e rendering 3d.

A experiência académica de Catmull revelou-se crucial no modo como este iria passar a lidar com o conhecimento e com os seus colegas de trabalho. O conhecimento é fruto da partilha, da humildade, do reconhecimento dos demais, de ouvir e construir sempre com os outros, sempre pela via da experimentação e validação junto dos pares. O mundo académico é um ambiente descentralizado, em que cada investigador tem grande autonomia, o que tem o seu lado bom, mas obriga a que este tenha de ser proativo, capaz de se orientar, de encontrar o seu caminho, ainda que o seu trabalho só possa evoluir com o reconhecimento dos seus pares. Foi exactamente este tipo de cultura que Catmull implementou na Pixar, é este o fundamento do "BrainTrust", a equipa, rotativa, que na Pixar analisa e discute regularmente as produções em curso (mais detalhe nos pontos 5 e 6 da análise de "Imagine").

Catmull professa assim uma gestão baseada na frontalidade e abertura, na descentralização e desierarquização, na autonomia e responsabilização de cada ser individual, tudo fundamentado em dois elementos centrais, a honestidade e a humildade. Se dúvidas houvesse quanto a estes dois elementos, basta pensar, quem seria o presidente de duas multinacionais envolvidas em milhões, que faria um livro abrindo e revelando todos os detalhes da sua forma de trabalho, dos seus sucessos, mas também dos seus falhanços? Mas este livro não é apenas uma confissão, ou diário, é muito mais do que isso e Catmull vai frisá-lo a meio do livro. A razão principal porque escreveu este livro foi porque teve hipótese de validar o método de gestão criado na Pixar. Em 2006, depois de se tornar presidente da Disney, implementou aí o mesmo método de gestão de cultura criativa, seguindo uma abordagem experimental científica, procurando evitar contaminar variáveis, e o método emergiu, com nuances mas com os resultados que hoje conhecemos (veja-se nomeadamente os filmes "Wreck-It Ralph" (2012) e "Big Hero 6" (2014)). A Disney mudou radicalmente o seu modelo de gestão ao bom estilo Fordiano, e tem hoje o seu próprio BrainTrust, batizado "StoryTrust".

Diga-se que o método não emerge apenas de Catmull, ele é fruto de um projecto a três cabeças - Catmull, Lasseter e Jobs. Catmull o especialista em computação gráfica, Lasseter o especialista em storytelling e Jobs o especialista em inovação pela arte e criatividade.  Foi a obsessão deste trio por cada um dos seus domínios que permitiu o surgimento de uma Pixar. À gestão criativa em modo de peer-reviewing de Catmull, juntou-se o brilhantismo do storytelling em animação de Lasseter (vejam ou revejam “Luxo Jr” (1986), já perdi a conta ao número de vezes que mostrei este filme em aulas), a estes juntou-se a obsessão de Jobs pela fusão entre arte e tecnologia, e pela qualidade, sendo capaz de preferir perder milhões cancelando um produto ou filme, a ter um fracasso comercial.

Da esq. para a dir.: Ed Catmull, Steve Jobs e John Lasseter

Existe muito mais que gostaria de dizer sobre este livro, sobre a Pixar, sobre os “três mosqueteiros”, mas isso também estragaria o interesse da leitura para quem ainda não leu. É verdade que me deixei inebriar com o livro, dado o meu amor pela Disney e Pixar e claro todo o reconhecimento que tenho pelo legado tecnológico de várias pessoas que são aqui centrais, o Steve Jobs e a Apple, mas também Ivan Sutherland e Alan Kay, e claro Catmull, que além de se ter tornado num gestor de topo, é antes de tudo um cientista da computação. E talvez mais importante ainda, nada disto existiria sem o fruto principal, o legado artístico de Walt Disney, Ollie Johnston e Frank Thomas, e do que ficará de criadores como John Lasseter, Andrew Stanton e Brad Bird.

Deixo aqui no final apenas algumas indicações do modelo de Catmull, mas são apenas isso, indicações. Leiam o livro, absorvam-no e tentem aplicar os seus ideais pelas empresas por onde passarem.
  1. As pessoas e os seus talentos, são mais importantes que as ideias.
  2. Contratem pessoas pelo seu potencial, não pelo seu passado.
  3. Contratem pessoas que sejam mais inteligentes que vocês.
  4. Todos devem sentir-se livres para contribuir com ideias. Todos.
  5. Eliminem o medo. 
  6. Não escondam os problemas, é o primeiro passo para o falhanço
  7. As primeiras conclusões, estão quase sempre erradas.
Para que estes princípios possam ser aplicados, é necessário seguir algumas lógicas de acção no seio da empresa:
  1. Honestidade e Candura. Centrais, sem honestidade a candura não emerge, e sem ela a crítica construtiva não surge.
  2. Medo e Falhanço. Preciso falhar para avançar, sendo que o medo de falhar é central, é preciso atacá-lo desde a raíz.
  3. A Mudança. Um ponto, que julgo muito relevante nestes tempos conturbados de crise, sobre a mudança, a sua necessidade, e formas de o fazer sem criar demasiados atritos, desconfiança e medo.
:: Why change?
“Many of the rules that people find onerous and bureaucratic were put in place to deal with real abuses, problems, or inconsistencies or as a way of managing complex environments. But while each rule may have been instituted for good reason, after a while a thicket of rules develops that may not make sense in the aggregate. The danger is that your company becomes overwhelmed by well-intended rules that only accomplish one thing: draining the creative impulse.”

:: How to approach change?

“Pete has a few methods he uses to help manage people through the fears brought on by pre-production chaos. “Sometimes in meetings, I sense people seizing up, not wanting to even talk about changes,” he says. “So I try to trick them. I’ll say, ‘This would be a big change if we were really going to do it, but just as a thought exercise, what if …’ Or, ‘I’m not actually suggesting this, but go with me for a minute …’ If people anticipate the production pressures, they’ll close the door to new ideas—so you have to pretend you’re not actually going to do anything, we’re just talking, just playing around. Then if you hit upon some new idea that clearly works, people are excited about it and are happier to act on the change.”
Por fim, fecho com o aspecto central de toda esta leitura, uma reiteração que vai surgindo ao longo do livro por Catmull:
To reiterate, it is the focus on people—their work habits, their talents, their values—that is absolutely central to any creative venture.


Ler também
O primeiro filme CGI, criado por Catmull há 40 anos
Como funciona a Criatividade, baseado no modelo da Pixar,
O storytelling por Andrew Stanton
O legado de Steve Jobs

Nota quantitativa no Goodreads.

Actualização 2.2.2015:
Descobri que o livro foi entretanto traduzido para português e lançado por estes dias, tendo mantido a mesma capa, mas com o título simplificado, "Criatividade" apenas.

janeiro 31, 2015

Literacia da arte cinematográfica

Apesar de contra-intuitivo, compreender um texto cinematográfico, pode ser tão ou mais complexo que compreender um texto literário. A razão para tal prende-se com a forma, enquanto o texto é formado por uma base simbólica, que sabemos ter de ser apreendida, o cinema é formado por imagens e sons que mimetizam a realidade, capaz de criar a impressão de mera janela sobre a realidade, ausente de filtro, edição ou manipulação. A razão porque tal acontece é bastante simples, a escola ensina-nos que para saber ler, temos de aprender a escrever, ou seja, que só apreenderemos verdadeiramente o todo, fazendo. Já no caso do cinema, ou audiovisual em geral, isso não acontece, a grande maioria da sociedade passa a maior parte das suas vidas sem ter a menor a noção do modo como se “escreve” cinema. Mais, o facto de o cinema se dar como facsimile da realidade, leva a generalidade da sociedade a acreditar, que aprender a fazer para compreender, não faz o menor sentido! A série web “Every Frame a Painting”, criada por Tony Zhou, realizador e editor baseado em São Francisco, pretende exactamente contra-argumentar esta ideia.





Every Frame a Painting” é uma série online de ensaios-audiovisuais que nos fala da linguagem cinematográfica, a forma que sustenta plasticamente as ideias que se querem transmitir, desmontando o seu vocabulário e gramática. Ao longo de vários pequenos episódios, de 5 a 8 minutos, Zhou dedica-se a desmontar cenas, filmes, ou várias obras de um mesmo criador, nos seus aspectos composicionais, de montagem, iluminação, som, movimento e interpretação. Não é a única série sobre o assunto na rede, mas Zhou tem um talento especial para seleccionar as cenas e fragmentá-las de forma a tornar bastante evidente o conceito em discussão. Focando-se sobre um aspecto concreto, Zhou passa rapidamente várias imagens de vários filmes, ou várias sequências do mesmo filme, que tornam muito claro os aspectos formais em discussão. Pode-se dizer que cada filme destes é uma verdadeira aula.

Para vos tentar abrir o apetite escolhi três ensaios para ilustrar a série “Every Frame a Painting”, que conta já com 16 trabalhos. O primeiro, discute o modo como David Fincher trabalha os diálogos, uma das cenas mais banais da arte cinematográfica. Zhou demonstra como os diálogos para Fincher não são meros momentos de passagem de informação, mas são antes momentos de construção do drama, utilizando a linguagem audiovisual para enfatizar dramaticamente e conduzir o espectador.

"David Fincher - And the Other Way is Wrong" (2014) de Tony Zhou

O segundo trabalho que escolhi, desmonta a arte do silêncio cinematográfico, algo que em certa medida tem vindo a desaparecer da linguagem de Hollywood, apesar de nunca ter sido uma característica sua, é algo muito mais presente no cinema alternativo ou europeu. A verdade é que trabalhar o silêncio no cinema, é difícil, primeiro porque estamos perante uma arte de dois canais, o audio e o visual, o que parece obrigar-nos continuamente a dar conta de ambos. Em segundo lugar, derivado do primeiro aspecto, para garantir que o espectador continua ligado ao nosso filme, mantendo apenas o registo visual, é preciso saber preparar muito bem o espectador, o que é difícil, e requer experiência. Neste caso Zhou foi buscar um veterano da arte, Martin Scorcese, para exemplificar e detalhar o modo como se procede, e o que se busca nesses momentos.

"Martin Scorsese - The Art of Silence" (2014) de Tony Zhou

O último que deixo é sobre um filme, “Mother” (2009) de Joon-ho Bong, um autor por quem Zhou nutre clara admiração, tendo realizado outros dois ensaios dedicados a filmes seus - “Snowpiercer” (2013) e “The Host” (2006). O caso de Joon-ho Bong é paradigmático do que falava acima, sobre a compreensão da linguagem da arte fílmica. Não sendo eu grande fã de nenhuma das histórias trabalhadas por Bong, particularmente detestei o tema de “Snowpiercer” (2013) e “The Host” (2006), e mesmo “Mother” deixou-me morno, olhando à forma, desconstruindo a beleza do trabalho cinematográfico de Bong, abre-se todo um novo mundo de admiração em cada uma das suas obras. Neste mesmo sentido, deixo uma sugestão final, vejam o ensaio sobre Michael Bay.

"Mother - The Telephoto Profile Shot" (2014) de Tony Zhou


Como já devem ter compreendido, temos aqui um trabalho de serviço público, feito de modo totalmente voluntário. Por isso se no final de verem estes documentários, sentirem que o autor merece, podem patrociná-lo através do site Patreon.

janeiro 30, 2015

A ideologia de Miyazaki

Trago o pequeno ensaio-audiovisual "Hayao Miyazaki - Nature, Culture, & Character" (2014), criado por Zackery Ramos-Taylor e Gacinta Moran, estudantes de cinema da UC Santa Cruz, que discute a ideologia subjacente aos filmes de Miyazaki, nomeadamente o modo como ele consegue gerar interesse tanto no oriente como no ocidente. Um dos aspectos mais interessantes aqui debatido, é a forma como o género sai retratado nas suas obras, ocupando imensos papeis principais, e alguns de grande força. A justificação de Miyazaki para tal não podia ser mais simples e directa, deve-se ao facto de no estúdio, aparentemente, trabalharem mais mulheres que homens.





O trabalho de Miyazaki é uma referência no mundo da animação, do cinema, e da cultura. O modo como ele consegue imprimir uma marca autoral nas suas obras, faz com que se demarque totalmente do universo Disney-Pixar, que por seu lado se fixa mais em valores universais. Ou seja, Miyazaki não se coíbe de expressar o que sente, ou como reflecte sobre o mundo em que vive, apresentando as suas ideias, distintas e que nos obrigam a reflectir. Já a Disney-Pixar preocupa-se mais em reforçar aquilo que nós como sociedade já conhecemos e aceitamos. Poderíamos dizer que aquilo que separa estas formas de fazer cinema está na capacidade, ou risco, de gerar confrontação intelectual.

Em termos experienciais posso dizer que quando acabo de ver um filme Pixar/Disney sinto gratificação, a viagem foi agradável, muitas vezes pelo deslumbre com a excelência nos campos técnico e estético. Mas não fico a pensar no que vi, foi bom, mas terminado parto para a próxima ideia. Quando termino um filme de Miyazaki demoro a sair do filme, o meu pensamento parece que fica ali enredado, é como se aquelas formas particulares de modelar o mundo me tentassem modelar as minhas próprias ideias, criando um debate entre aquilo que eu era, e aquilo que passo a ser.

"Hayao Miyazaki - Nature, Culture, & Character" (2014) de Zackery Ramos-Taylor e Gacinta Moran

janeiro 25, 2015

A estética emocional do ponto-de-vista

Confusion Through Sand” (2014) é uma animação magistral. Financiada no Kickstarter, chegou em ante-estreia ao Festival SXSW, e estreou este mês no canal PBS. “Confusion Through Sand” é um trabalho que começa por nos impactar pelo ponto de vista, em constante mudança de perspectiva, apesar de realizado em desenho em papel, e pelo storytelling audiovisual, com a sua capacidade para nos transportar para o cenário representado, e nos colocar literalmente dentro da cabeça do seu personagem.




Vejam o filme e depois vejam o making-of (abaixo), vale a pena para perceberem como foi conseguido o trabalho do ponto-de-vista, que nos impressiona tanto. Em poucos segundos o filme agarra-nos, e não mais nos deixa até que surgem os créditos finais, tal é o ritmo imposto, não apenas visual mas sonoro e narrativo.

Em certa medida sinto que esta forma de trabalhar a apresentação da acção, como se tivéssemos uma câmara em cima do personagem, colada a ele, com tremuras, imitando a atenção de um soldado em cenário de guerra, ou seja com movimentos rápidos, sacadas e saltos, é central para nos transportar para o interior do soldado. Em certa medida esta animação faz-me pensar, em termos de linguagem audiovisual, que mais eficaz do que a câmara subjectiva, ou em primeira-pessoa, é a câmara que imita os personagens, aliás algo que se tem vindo a tornar norma, se pensarmos que nos anos recentes os planos estáticos praticamente desapareceram, temos quase sempre câmara ao ombro em movimento constante. Por outro lado a câmara subjectiva nunca funcionou muito bem, como continua a não funcionar nos videojogos. Aqui temos uma câmara como se fosse um personagem, mas temos o nosso personagem sempre em cena, empatizamos com ele, mas empatizamos através de uma mímica visual que parece servir de intensificador da expressividade desse personagem.

Confusion Through Sand” (2014) de Danny Madden (Ornana)

Nos momentos de maior tensão, ajuda imenso o minimalismo visual, e a ocupação do ecrã pelo indefinido, que gera confusão em nós, e impacto na tensão, isto é algo que a animação faz muito bem, porque o seu material plástico se presta muito bem a tal. Ainda assim mesmo aqui, o facto do ponto-de-vista nunca parar e entrar em círculo, imita mais uma vez muito bem o que se está a passar com a visão do nosso personagem, e nós que só vemos através da câmara, vemos o que ele vê, e como ele vê, que é pouco ou nada, com a confusão a enfatizar toda a tensão do momento.

Todo este trabalho fez-me agora recordar o magnífico plano sequência da série "True Detective". Interessante como aí me liguei mais aos problemas logísticos, e menos estéticos. Talvez porque sendo uma câmara real, filmado em tão pouco tempo, apesar de seguir os personagens e forçar a tal perspectiva mimica de que falo aqui acima, sente-se menos que aqui. Aí a câmara parece mais limitar-se a seguir os personagens, falta-lhe raio de acção, falta manobra, para nos transportar para dentro de Matthew McConaughey. Ainda assim é um claro movimento da linguagem audiovisual neste sentido da mimica, menos do que no sentido do cinema clássico, como dei a entender nesse texto que fiz.

É muito bom ver como a linguagem vai evoluindo, e como continuamos a conseguir surpreender-nos com uma arte que tem mais de um século.

Making-of

janeiro 23, 2015

O estranho mundo do esquecimento

Belíssima animação de Stephen McNally, como trabalho do Mestrado em Animação pelo Royal College of Art, consegue-nos capturar por meio de uma ilustração distante dos cânones mas altamente evocativa, conjuntamente com uma mensagem de fundo e uma musicalidade que trabalham para tornar o evocativo numa atmosfera densa que se agarra a nós. São apenas dois minutos que se vêem, re-vêem, e voltam a ver. Uma delícia.



O tema adapta-se na perfeição, ou melhor a plástica escolhida funciona em total sintonia com aquilo que se quer expressar, a ideia de esquecimento, dos fiapos de recordações que se vão decompondo na nossa cabeça, e da qual parecem emergir sombras de pessoas, tal como neste filme, indefinidas, esguias, pouco dadas ao realismo em alta-definição, com faces que se desvanecem com o tempo que parece não conseguir sustentar os registos de toda essa informação.

"Forgot" (2013) de Stephen McNally