janeiro 11, 2015

“Valiant Hearts", dramas da I Grande Guerra

Valiant Hearts - The Great War” terminado, senti um forte arrepio com o adeus "sonoro" de Emile, tocou-me e emocionou-me, um verdadeiro “coração valente”… Não é um jogo que exija de nós, usa e abusa de mecânicas mais do que conhecidas, mas fá-lo porque está convicto de que aquilo que importa é contar a história que tem para contar, e fá-lo muitíssimo bem.





Valiant Hearts” é um dos pequenos videojogos desenvolvidos pelo pequeno estúdio da Ubisoft em Montpellier. Grafismo 2d e jogabilidade 2d, mas com grande qualidade gráfica, grande qualidade musical, e grande qualidade no storytelling. Entramos no jogo com a sensação de que é apenas um pequeno jogo com pouco para mostrar, puzzles de acção visual em sidescroller com variação de profundidade de campo, parece ter tão pouco para nos impressionar, mas à medida que vamos entrando no jogo, vamos percebendo que a sua essência não está nos puzzles, nem nos “quick time events”, mas está na história rica de drama, está nas personagens ricas de humanidade.

Valiant Hearts” vem de encontro a algo que escrevi há já muitos anos, quando queremos contar uma grande história, quando queremos agarrar o jogador emocionalmente pela narrativa, a componente de jogo tem de se pautar pelo uso de mecânicas de alguma forma standard, que não obriguem o jogador a grandes processos de racionalização da sua interacção. Ora é exactamente isto que temos aqui.

Trailer "Valiant Hearts - The Great War" (2014)

Acima de tudo “Valiant Hearts” é um magnífico videojogo sobre a I Grande Guerra, vale por tudo aquilo que tem para dizer, mostra a guerra sem terror, mas não esquece o drama que é fortemente enriquecido por um dossier de imagens e histórias reais que podemos ir coleccionando através de pistas obtidas no jogo.

janeiro 10, 2015

IGN: Marvel Cinematic Universe

Esta semana escrevi um texto para o IGN sobre O Futuro da Marvel em Hollywood, no qual abordo o modo como a Marvel invadiu Hollywood assim como o modo como esta espera dominar o meio. Tendo começado por pequenos passos a estratégia cresceu e prepara-se agora para a invasão final com aquilo que ficou designado de Marvel Cinematic Universe.


No artigo falo apenas da estratégia cinematográfica, mas esta não se fica por aqui, ela pretende ocupar toda a paisagem audiovisual, tendo para o efeito sido desenvolvido várias séries de televisão que começaram em 2013 e deverão continuar nos próximos anos, tais como Marvel's Agents of S.H.I.E.L.D. Na imagem abaixo pode-se ver uma tentativa de friso cronológico de todo este emaranhado de histórias que a Marvel está a importar do universo BD para o audiovisual.


O artigo pode ser lido online: O Futuro da Marvel em Hollywood. A Fantasia Transmedia (9.1.2015).

janeiro 06, 2015

“Auteur in Space“ (2015)

Mais um brilhante ensaio audiovisual, "Auteur in Space" (2015) de Kogonada, foi publicado pelo BFI na rede. Desta vez Kogonada desmonta o filme “Solaris” (1972) não nos seus aspectos formais, apesar de também, mas em tudo aquilo que Tarkovski quis dizer com tudo aquilo que quis fazer (sublime a ligação a 2001 de Kubrick). Kogonada leva-nos por uma viagem rápida, de 5 minutos apenas, através dos conceitos emanados de Stanislaw Lem, o autor do livro homónimo, e tratados por Tarkovsky, ao som do atmosférico “Mychkine” do Tarkovsky Quartet.



“is art that triumphs here, that speaks to the mystery of existence”

.

janeiro 05, 2015

Livros que li em 2014

Em Maio dei aqui conta de uma alteração de hábitos que passava por jogar mais e ver menos cinema. A partir de Agosto voltei a introduzir alterações nos hábitos, tendo passado a ler mais, dedicando ainda menos tempo ao cinema, e roubando o tempo que entretanto tinha dedicado aos videojogos. Os livros lidos dividem-se em três grandes categorias - banda desenhada, não-ficção e literatura - para cada uma das categorias identifico as três melhores obras que li este ano. Alguns analisei aqui no blog, outros apenas no GoodReads.

Banda Desenhada 2014

1. Blankets (2003) de Craig Thompson [Análise]
2. Portugal (2012) de Cyril Pedrosa [Análise]
3. Arrival (2006) de Shaun Tan [Análise]

Não-ficção 2014

1. The Talent Code (2009) de Daniel Coyle [Análise]
2. To Save Everything, Click Here... (2013) de Evgeny Morozov [Análise]
3. The Design of Everyday Things Revised and Expanded (2013) de [Análise]


Literatura 2014

1. A Montanha Mágica (1924) de Thomas Mann [Análise]
2. Stoner (1965) [Análise]
3. The Martian (2014) de Andy Weir [Análise]

janeiro 03, 2015

“Cem Anos de Solidão” (1967)

Demorei 20 anos a sair de Macondo, depois de aí ter entrado em 1995, voltei lá por mais três vezes, tendo só agora, no início de 2015, terminado a viagem. De cada vez que tentava voltar à leitura aquilo que me afastava era o seu lado mágico-fantástico, o exagero de feitos e capacidades, que me retiravam da crença. No final da leitura, e depois de me ter obrigado a ler até meio, momento em que o discurso começou a ganhar solidez e a crença voltou a surgir, o discurso não só faz sentido como assume a essência da singularidade do discurso de Gabriel Garcia Márquez.


Cem Anos de Solidão” é uma obra-prima porque não poderão ler algo igual em mais lado nenhum. Márquez criou um trabalho singular e poderosamente criativo, através de uma escrita absolutamente vertiginosa pelo ritmo que imprime, suportado por uma torrente constante de personagens, eventos e factos, na sua maioria fantásticos mas sempre a tentar puxar à verosimilidade. Aliás é esse ritmo e volume de informação que torna o livro difícil, porque não é humanamente possível reter tudo o que vai acontecendo, a não ser que nos detenhamos de papel e lápis, mas é esse ritmo que impregna a forma do discurso e contribui para a construção do sentir daquilo que Márquez pretende expressar.
"Melquíades não tinha ordenado os factos no tempo convencional dos homens, mas concentrou um século de episódios quotidianos, de modo que todos coexistiram num mesmo instante"
“Cem Anos de Solidão” acaba por emergir da paisagem literária por ser capaz de retratar de forma lancinante o âmago da experiência de vida latina, ou seja um sentir caótico orgânico interminável e irrepetível. É tudo isto que Marquez consegue dar-nos a sentir sem nunca ter de o dizer, apenas relatando o que vê, através da sua peculiar forma de ver. Aliás essa é uma das enormes conquistas deste livro, conseguir dar-nos a experienciar tanto do interior dos personagens, sem nunca os colocar a falar, sem nunca nos mostrar o seu interior, toda a descrição é realizada sobre acções externas sobre o mundo, mas porque é feita em termos mágico-fantásticos permitem-nos um acesso muito mais profundo ao interior de cada um dos personagens. Acaba sendo paradoxal, um livro que trabalha sempre o mundo externo e no entanto praticamente impossível de adaptar ao cinema, isto porque o mundo descrito - as acções, pessoas, eventos, factos - apresentados não são nunca o real comum, mas um real próprio criado por Márquez, como se ele fosse dotado de uma capacidade especial de ver o mundo.

Enquanto português, e sendo latino, consigo aceder a um vislumbre das metáforas históricas que trespassam todo o livro, tal como a maioria dos restantes latinos, contudo acredito que o livro seja capaz de ir além em camadas de leitura para quem conheça de perto a história da Colômbia. Nesse sentido, é um livro que ganhará bastante com novas leituras, e com leituras mais informadas sobre a Colômbia, assim como sobre a vida de Gabriel Garcia Márquez que não deixa de estar também sempre presente.
"Até então, não lhe ocorrera pensar que a literatura era o melhor brinquedo que se tinha inventado para gozar com as pessoas"

janeiro 02, 2015

Videojogos 2014: "Framed" e "This War of Mine"

Este ano não fiz lista dos melhores videojogos, não consegui jogar vários jogos que pretendia, não que tivesse faltado jogo, joguei mais de 30 títulos, mas de 2014 ainda ficaram algumas obras que só poderei experienciar nos próximos tempos, por isso considerei que não fazia muito sentido fazer uma listagem, contudo e a pedido do IGN, escolhi os dois videojogos que joguei e mais me entusiasmaram para o artigo Melhores jogos de 2014 - Escolhas da redação.


Os dois videojogos que enviei ao IGN foram: "Framed" (2014) do estúdio australiano Loveschack e "This War of Mine" (2014) do estúdio polaco 11bitstudios. Ainda não tive tempo de analisar em detalhe nenhum destes para o blog, por isso aproveito para deixar agora algumas linhas sobre os mesmos.

"Framed" (2014) Loveschack, Austrália 

"Framed" (2014) inova completamente na forma, dando uma nova vida ao conceito de banda desenhada digital, introduzindo o jogo como acção necessária à continuidade da narrativa, e entrosando os conceitos como ainda não se tinha conseguido até aqui. Diga-se que é um modelo que serve bem a narrativa detectivesca, e que poderá não funcionar para outros modelos, ainda assim julgo que apresenta muitas ideias interessantes, capazes de prender a nossa atenção, e de ligar a narrativa e jogo de um modo bastante completo. As pranchas seguem uma lógica narrativa, tanto na linearidade das acções ilustradas como nos ritmos de interacção, sendo que temos pranchas exigentes em termos de resolução de puzzle que nos obrigam à contemplação e racionalização, e logo de seguida somos levados através  de pranchas simplificadas que requerem de nós acção rápida que permite avançar a narrativa e assim aprofundar a nossa ligação com a história.

"This War of Mine" (2014) 11bitstudios, Polónia

"This War of Mine" (2014) inova no tratamento da mensagem, sendo um jogo sobre guerra, não se concentra nas acções que os videojogos se habituaram a enaltecer, como os tiros e as explosões, mas antes sobre as pessoas que habitam as zonas em guerra. Tanto Hollywood como a indústria AAA de videojogos construíram uma imagem estereotipada da guerra, na qual têm apenas lugar os soldados, os militares, o seu poder de fogo e as suas vitórias, esquecendo que as guerras acontecem algures, e que nesses lugares existiam pessoas, que tinham vidas, casas, escolas, supermercados. Pessoas para quem a vida sofre um revés de 360º, em que tudo aquilo que tinha valor, porque representava um preenchimento das necessidades pessoais, é relegado e enterrado, para apenas passarem a dedicar-se às necessidades fundamentais de sobrevivência. É um jogo que nos questiona apesar de trabalhar sob um modelo de estratégia que obriga a um jogador mais racional, abrindo espaço à reflexão para nos questionar sobre tudo o que estamos ali a fazer, para quê, obrigando-nos a dar conta da impotência do ser-humano enquanto indivíduo quando apanhado no meio da tragédia, que é a essência de qualquer guerra.

janeiro 01, 2015

Virtual Illusion em 2014

Fui repescar os textos mais vistos e mais discutidos ao longo de 2014 escritos no blog. Este ano em vez de fazer uma listagem dos mais relevantes como em 2013, resolvi dividir os textos por áreas, tendo em conta que abordam questões distintas e por isso acabam por interessar a públicos distintos. Esta é no fundo uma das consequências do trabalho com multidisciplinaridade, todos estes temas fazem sentido para quem trabalha com engajamento e interacção, mas acabam por interessar a públicos mais vastos, com interesses mais focados. Fica a lista e os Votos de um Bom Ano de 2015.


Design de Interacção
1. “Emoções Interactivas", disponível gratuitamente

Educação, Arte e Criatividade
1. Manipulação da democracia, e a praxe da Ciência
2. Damásio fala da Criatividade e do Social
3. Educação e Tecnologia, criação em "multitasking"
4. O que não se diz a propósito da Arte
5. O homem que transformou o papel em píxeis
6. O longo jogo do génio
7. A moralidade da publicidade online
8. Torna-te artista, agora!
9. Porque criámos a Escola, a Arte ou o Entretenimento


Videojogos
1. Videojogos no "Sociedade Civil"
2. indies mais aguardados
3. Preservação de memórias nos videojogos
4. O "regresso" do 2d
5. Estética do Excepcionalismo Americano, "Bioshock Infinite" (parte I)


Animação
1. Quando a animação reflete o país de origem
2. O tempo da animação digital
3. Do estado da animação nacional
4. Recriação de grande quadro em 3D
5. "Feral", da ilustração à animação
6. A condição da amizade numa animação dramática

dezembro 30, 2014

Abordagens da Narrativa nos Media

Já está disponível o ebook "Abordagens da Narrativa nos Media", resultado do Workshop ‘Narrativa, Media e Cognição’ que decorreu em junho 2014 na UM. O objectivo do workshop tinha o intuito de gerar discussão à volta das formas narrativas usadas nos media. Os resultados do workshop foram entretanto estendidos e aprofundados e agora publicados com o propósito de alargar o debate ocorrido.


Para este ebook produzi um texto que já andava com intenção de escrever há algum tempo, tendo sido o workshop muito útil para trabalhar teorias, conceitos e especulações. Neste texto, "Da Experiência Narrativa em Diferentes Media", exploro as potenciais diferenças decorrentes da experiência de mensagens sob a forma narrativa através de diferentes media (livro, cinema e videojogos).

Fica o agradecimento a todos os participantes do workshop e a todos os que colaboraram na elaboração deste ebook. Todos os textos estão assim disponíveis completos online para descarregar nas Publicações CECS.

dezembro 28, 2014

Um conto de natal interativo

A Simogo, empresa sueca constituída por Simon Flesser e Magnus Gardebäck, conhecida por trabalhos como "A Year Walk" (2013), "Device 6" (2013) ou "The Sailor's Dream" (2014), resolveu criar um presente de natal este ano para presentear os seus fãs por todas as mensagens que lhes fazem chegar sempre que lançam um novo trabalho. "The Sensational December Machine" (2014) é um 'conto interactivo', escrito e desenvolvido ao longo de três semanas, que se pode experienciar em PC ou Mac gratuitamente.



"The year is almost over, and it's that time of the year when you look back, get a bit contemplative and perhaps even a little misty eyed. What we found looking back, is that we always get so much support and kindness from our fans, and we wanted to find a way to express our gratitude. So, we’ve spent the last three weeks creating this thing as a Christmas present for you, our dear fans." [blog]
O conto trata da invenção das máquinas, dos seus propósitos e desígnios, do que as move, e do que nos move. Porque criamos máquinas, o que esperamos delas, porque temos medo delas... É um conto curto mas capaz de estimular muitas interrogações...

Com pouco tempo de desenvolvimento, não seria de esperar algo muito aprofundado na forma, apesar disso a Simogo nunca desilude, apresentando desta vez um universo 3d, no qual nos movemos em perspectiva, criando uma espécie de viagem entre futuro e presente interligados, permitindo-nos literalmente viajar no tempo da narrativa. Para a construção plástica do universo, conta muito o modo como foi desenhada a faixa sonora que nos permite avançar e recuar mantendo-nos sempre dentro do acorde e ritmos "correctos". Simon Flesser desvendou, para o Kill Screen, um pouco o modo como foi pensado o movimento em perspectiva,
"We stood up a lot and studied what happens when you actually move and look around in real life (..) So we play a lot with moving the camera sideways when you are looking around in the game, because in real life, when you look around you tend to move your shoulders and back, which creates a parallax effect you won't get if you only rotate a camera like you normally do in first person games."
Para experienciar descarregar aqui.