novembro 27, 2013

Somos animais sociais, antes de sermos racionais

“The Social Animal: The Hidden Sources of Love, Character, and Achievement” (2011) de David Brooks é um livro sobre a revolução científica que decorre há quase duas décadas na ciência, e que procura dar conta da importância dos aspectos sociais e emocionais dos indivíduos, alertando para o enviesamento que a sociedade comete quando apenas valoriza os aspectos da racionalidade.


Brooks é um jornalista, e colunista de política do NYT, não é um académico. Este seu livro é um trabalho de reflexão que à semelhança de Malcolm Gladwell, e outros, se serve de resultados de estudos académicos para desbravar alguns caminhos que preocupam a sociedade na atualidade. Brooks é um divulgador, é alguém que escreve bem e torna o difícil em algo fácil de ler e compreender. Assim para apresentar alguns dos avanços na ciência atual, nomeadamente das neurociências e ciências sociais, Brooks criou dois personagens fictícios que acompanha desde que nascem até que se reformam, ao longo do livro. Deste modo cria a metáfora perfeita para que o leitor se identifique e aproxime de cada um dos pontos em discussão, quase não se apercebendo que a história daquele casal é apenas o meio escolhido pelo autor para transmitir factos e reflexões sobre algo maior.

O livro é muito fluído, e de rápida leitura, ainda assim nem sempre bem conseguido. Existem partes em que se sente claramente o despejar de dados e estudos, por outro lado noutras partes sente-se que os personagens são meros fantoches para fazer avançar os dados que se pretende. Ainda assim em termos de storytelling Brooks consegue um trabalho de excelência, nomeadamente a parte final do livro, quando já estamos tão próximos daqueles personagens, que mais parecem sermos nós próprios ali retratados, somos levados e conduzidos por toda uma força emocional e dramática muito bem executada pelo autor. Dá vontade reler a parte final e saborear.

Aliás, dividindo o livro em três partes, temos uma primeira expositiva do que interessa à discussão, onde percebemos do que se está a falar e de um modo interessante. Depois temos uma segunda de desenvolvimentos e passagem de informação mais mediana, e que podemos encontrar em outros livros mais bem trabalhado e com maior conhecimento de causa (ex. Kanehamn, 2011). Finalmente a terceira parte arranca deixando para trás o carácter de divulgação para nos levar totalmente adentro do drama e novelo do enredo. Fica aqui um dos primeiros parágrafos que introduz ao que vem Brooks,
“We have inherited an image of ourselves as Homo sapiens, as thinking individuals separated from the other animals because of our superior power of reason. This is mankind as Rodin’s thinker—chin on fist, cogitating alone and deeply. In fact, we are separated from the other animals because we have phenomenal social skills that enable us to teach, learn, sympathize, emote, and build cultures, institutions, and the complex mental scaffolding of civilizations. Who are we? We are like spiritual Grand Central stations. We are junctions where millions of sensations, emotions, and signals interpenetrate every second. We are communications centers, and through some process we are not close to understanding, we have the ability to partially govern this traffic—to shift attention from one thing to another, to choose and commit. We become fully ourselves only through the ever-richening interplay of our networks. We seek, more than anything else, to establish deeper and more complete connections.” (p.12)
Aliás neste sentido, existe um parágrafo no final desta primeira parte do livro a propósito da educação e das escolas, que me parece fundamental referir aqui, e partilhar. Aliás partilhei-no facebook assim que o li, e partilho-o de novo porque nunca é demais repetir. A ideia de que a escola é o centro da inteligência, dos exames, do estudo, dos livros, do aprender factos é aqui colocada em cheque, e exige-se de nós todo um outro posicionamento face ao que a escola se supõe ser,
"high school was structured like a brain. There was an executive function—in this case, the principal and the rest of the administrators—who operated under the illusion that they ran the school. But down below, amidst the lockers and in the hallways, the real work of the organism took place—the exchange of notes, saliva, crushes, rejections, friendships, feuds, and gossip. There were about 1,000 students and therefore roughly 1,000 x 1,000 relationships, the real substance of high-school life.
The people in the executive suites believed that the school existed to fulfill some socially productive process of information transmission—usually involving science projects on poster boards. But in reality, of course, high school is a machine for social sorting. The purpose of high school is to give young people a sense of where they fit into the social structure. " (p.85)
Brooks define assim a escola e vai mais longe acusando a política e os responsáveis de nunca terem verdadeiramente procurado entender o que é o ser-humano, olhando apenas às métricas e quantificações para desenhar e aplicar leis,
“Since 1983 we’ve reformed the education system again and again, yet more than a quarter of high-school students drop out, even though all rational incentives tell them not to. We’ve tried to close the gap between white and black achievement, but have failed. We’ve spent a generation enrolling more young people in college without understanding why so many don’t graduate.

The failures have been marked by a single feature: Reliance on an overly simplistic view of human nature. Many of these policies were based on the shallow social-science model of human behavior. Many of the policies were proposed by wonks who are comfortable only with traits and correlations that can be measured and quantified. They were passed through legislative committees that are as capable of speaking about the deep wellsprings of human action as they are of speaking in ancient Aramaic. They were executed by officials that have only the most superficial grasp of what is immovable and bent about human beings. So of course they failed. And they will continue to fail unless the new knowledge about our true makeup is integrated more fully into the world of public policy, unless the enchanted story is told along with the prosaic one.” (p.10)
E é exactamente isto que Brooks se propõe fazer com este livro, ajudar a re-contar a história daquilo que somos, sob ângulos cientificamente informados. Apesar de muito daquilo que é dito aqui poder ser encontrado em vários livros recentes, é importante continuar a batalhar nesse sentido, a discutir o nosso interior, para que não se fixem os objectivos das sociedades humanas apenas sobre aquilo que é exteriorizável e quantificável.

novembro 25, 2013

Gravity e o poder do transmedia

Acabo de ter uma experiência profundamente reveladora daquilo que é um objecto transmedia e do seu poder emocional. Aningaaq (2013) é uma curta-metragem realizada por Jonás Cuarón, filho de Alfonso Cuarón o realizador de Gravity (2013) [análise]. Ambos tinham colaborado na escrita de Gravity, e agora Jonás apresenta-nos uma curta que expande uma cena concreta do filme, o momento em que a Drª Ryan Stone tenta comunicar com a Terra e apanha alguém que não percebe inglês.



Aningaaq é uma curta que ganha leituras adicionais para quem viu Gravity, assim como Gravity ganha depois de vermos Aningaaq. Apesar de não precisarem um do outro, a sua junção na nossa cabeça, cria um novo espaço narrativo que multiplica e aprofunda os sentidos de ambas as obras. Ou seja, é como se Gravity fosse uma base narrativa de partida capaz de garantir elos de coerência narrativa aos objectos que a ele se ligam.

Esteticamente ambos os objectos seguem uma estilística semelhante, optando por se cruzar apenas ao nível do som. Nem em Gravity vemos Aningaaq, nem em Aningaaq vemos Gravity. Estamos em pontos geográficos distintos, com atmosferas totalmente distintas, é apenas a voz e o som que une os dois filmes. Do processo de ligação racional entre os dois artefactos, passamos rapidamente à ligação emocional quando sentimos a música de Steven Price que nos atira experiencialmente de volta para o universo de Gravity. Ou seja, apesar de ambos procurarem a sua individualidade e autonomia, existe uma umbilicalidade muito grande entre os dois, que praticamente os torna num só. E é isto para mim o transmedia, a capacidade para gerar uma multiplicidade de dimensões, a partir de novos objetos, mantendo uma identidade narrativa coesa e una.

Aningaaq (2013) de Jonás Cuarón

inovação na ausência de Gravidade

Gravity (2013) é antes de tudo o mais uma experiência cinematográfica. Temos história, temos personagens, temos emoções, e somos levados por tudo isto, mas no final saímos da sala com a sensação de ter experienciado algo nunca antes sentido, algo capaz de preencher em nós novas ligações sinápticas. Na Variety chegou-se a dizer que Gravity seria o "maior filme experimental alguma vez produzido", tendo em conta o custo de produção e a inovação apresentada.



A grande inovação em Gravity advém da cinematografia arrojada e inventiva da dupla Alfonso Cuarón (realizador) e Emmanuel Lubezki (cinematógrafo), algo que já não nos devia surpreender, nomeadamente depois do trabalho que antes realizaram em Children of Men (2006) (aqui já discutido em detalhe). É difícil ver este trabalho e esta dupla, ver este rasgar de convenções e modelos vigentes e não pensar em Citizen Kane (1941) e a dupla Orson Welles (realizador) e Gregg Toland (cinematógrafo). Se Welles e Toland desenvolveram novas lentes para produzir profundidade de campo e com este tiveram de criar uma nova linguagem narrativa, Cuarón e Lubezki desenvolveram toda uma nova forma de filmar a ausência de gravidade, e com isso foram conduzidos a quebrar com todas as abordagens de montagem em uso no cinema corrente.



Gravity usa e abusa de planos longos, ou seja, existe uma quase ausência de corte, de montagem técnica. A ação é desenhada por meio de grandes planos sequência de modo a garantir a maior sensação do efeito de espaço possível, ou seja a maior imersão num espaço ausente de gravidade e de som. Se Welles nos tinha surpreendido com um magistral plano sequência na abertura de Touch of Evil em 1958, aqui os planos sequência não abrem o filme, mas são a norma ao longo de todo o filme. Basta comparar as sequências passadas no espaço em Star Trek Into Darkness (2013) com as de Gravity, para começarmos a compreender que temos algo de muito diferente à nossa frente. Se vos disser que Star Trek Into Darkness, tem cerca de 2200 planos ao longo de duas horas, enquanto Gravity tem apenas 200 numa hora e meia, então a evidência da singularidade deste filme torna-se bastante mais clara.

Porque é através desta sequencialidade de imagens, sem cortes nem paragens, que a gravidade ganha presença. A câmara está assente num giroscópio que lhe permite estar em rotação e movimento constante ao longo de cada um desses longos planos. Assistimos a um bailado milimetricamente coreógrafado do nosso acesso ao espaço, como se a câmara fossemos nós ali, também "pendurados" no ar, sustentados pelo vazio, mas num movimento flutuante constante. Esta é uma particularidade dos planos sequência que emerge ainda mais quando são usadas gruas, capazes de criar uma sensação de leveza, e ao mesmo tempo um acesso mais próximo ao espaço diegético, gerando assim uma força imersiva imensamente poderosa.

Todo este trabalho é envolvido por um trabalho de design de som e de música absolutamente perfeitos. Perante um filme que assume a noção de que no espaço além da ausência de gravidade existe também a ausência de som, então o som do filme não poderia nunca ser algo menor, e não o é. Começando pela própria experiência de vácuo que se sente nessa ausência de som, o desenho do surgimento do vácuo é absolutamente fascinante, como que se os nossos ouvidos fossem sugados pelo próprio vácuo, levando-nos de arrasto para a total imersão no filme. Depois grande parte do desenho da emocionalidade do storytelling ficou a cargo de Steven Price que foi capaz de criar uma banda sonora com uma identidade bastante forte. Sem sonoridades cliché de heroísmo ou melancolia Price criou um trabalho que desenha toda uma atmosfera narrativa muito específica capaz de suportar os objectivos da história e do local onde se desenrola, perdurando em nós muito para além do filme.

Mas se todo este trabalho técnico é soberbo, e é deveras impressionante, o trabalho de Sandra Bullock não lhe fica atrás. Tal como Welles encarna, em Citizen Kane, totalmente o mundo e a experiência inovadora, aqui cabe a Bullock encarnar e carregar toda essa responsabilidade. E posso dizer que vi a grande maioria dos filmes dela, mas nunca a vi fazer antes o que faz em Gravity. Amadureceu, mas não é só isso, é todo um trabalho e empenho, amplamente louvado por Cuarón e Lubezki que a traz até aqui. A forma como apenas através de parte da cara, e fundamentalmente da sua voz, nos vamos aproximando de si. As desventuras do seu personagem parecem totalmente impossíveis, mas é ela que nos faz acreditar que no meio de tudo aquilo é uma pessoa com um forte desejo para conseguir fazer o que tem de fazer, apesar de no meio de tudo estar sempre dependente de ter alguma sorte. A cena em que Bullock assume a posição fetal é um daqueles momentos cinematográficos perfeitamente orgásmicos, que nos recordam porque gostamos tanto desta arte. Dificilmente o Oscar deste ano não será para si.

Gravity é um filme que vamos voltar a ver muitas vezes.


Nota de atualização 26.11.2013:
Entretanto descobri que Gravity apesar de ter sido imensamente louvado pelo seu 3D (estereoscopia), não foi filmado em 3D. Foi filmado apenas com uma câmara, e convertido à posteriori para 3D, já que o tipo de filmagens pretendidas seriam ainda mais complexas se tivessem de comportar um conjunto de duas câmaras acopladas no set. A ideia que importa assim reter, não é a tecnologia em si, mas o modo como se filma já a contar com o modo como vai ser experienciado pelos espectadores. Ou seja, se Welles teve de lidar com a inovação da profundidade de campo, Cuarón soube também e muito bem, aproveitar este novo "acrescento" à dimensão espacial.

novembro 21, 2013

Visualização do design de storytelling

No ano passado falei aqui da belíssima TED talk de Andrew Stanton, a propósito das "Pistas para uma grande história".  Stanton apresenta uma análise do processo de contar histórias instituído na Pixar, e deixa algumas dicas para quem se quiser aventurar na criação de histórias. Agora a jornalista Karin Hueck e o designer Rafael Quick da revista brasileira Super Interessante, criaram uma visualização das pistas lançadas por Andrew Stanton.

(clique para ampliar)
Faz-me sentir preocupado
Uma história precisa de saber criar na audiência um sentimento de simpatia por si.
Leva-me contigo
No coração da história está uma promessa - uma jornada, um mistério, um problema - que atiça a audiência e faz com que a história valha a pena.
Sê intencional
Os protagonistas devem ter uma motivação intrínseca que os conduza ao seu objetivo.
Deixa-me gostar de ti
A audiência precisa de se conseguir relacionar com os personagens
Delicia-me
Fascina a audiência. Faz com que se esqueçam de si próprios, nem que seja por um instante.
A descrição de Stanton é muito boa, mas o trabalho de visualização de Hueck e Quick não é de somenos. A ideia de juntar cinco pistas numa única imagem através de um caminho em espiral é verdadeiramente inspiradora. Através desta espiral podemos perceber como uma história é sempre um caminho que se inicia, complica, e se chega a algum lugar que liberta do problema inicial. Ao longo do caminho percebemos que tudo se passa em redor de um personagem que precisa de crescer para poder completar a sua jornada. É uma visualização simples mas que nos dá a ver a estrutura interna do design do storytelling.

novembro 20, 2013

análise do uso de LEGO no ensino da Matemática

Encontrei um artigo sobre o uso de LEGO que é extremamente interessante pela análise que faz, e pela meta-análise que proporciona do LEGO. A análise centra-se sobre a importância do LEGO para o ensino da matemática. A meta-análise surge no modo como Alycia Zimmerman enquadra o LEGO no seu crescimento, contando-nos que em pequena não conseguia perceber o encantamento que essas pequenas peças tinham sobre os seu irmãos, para ela não passavam de "blocos rígidos". Alycia vai mais longe ainda e refere que a grande maioria dos professores de hoje são mulheres e que por isso existe uma grande probabilidade de estas não terem brincado suficientemente com LEGO.



Nesta constatação de Alycia verificamos apenas o velho paradigma, já bem enunciado por Baron-Cohen, de que o cérebro masculino está mais orientado aos sistemas, e o feminino à empatia (ver post anterior). Apesar destas abordagens não poderem assumir-se como absolutas, tal como não podemos assumir que todo o ser humano é heterosexual, sabemos que serve numa análise de médias gerais. Dos meus estudos à volta deste assunto, venho concluindo que a generalidade dos homens, por possuírem maiores níveis de testosterona, agem mais sobre o mundo exterior e para isso precisam de o sistematizar, estruturar e quantificar. Já as mulheres, maiores produtoras de ocitocina, têm uma maior tendência para a proximidade e intimidade com o outro, tornando-se melhores na gestão de relações humanas.

E foi isso que mais me interessou neste texto de Alycia Zimmerman, além da sua contribuição com exercícios para a aprendizagem de matemática. O modo como ela concebe que o LEGO é à partida algo mais atractivo para os rapazes do que para as meninas. Mas é também algo que não afasta as meninas, já que se torna também muito interessante para estas, não pelo seu lado de sistema, mas pela sua componente estética.

No fundo, o diferente da sua abordagem ao ensino está no modo como ela realiza o esforço de captação da atenção dos seus alunos. Alycia criou exercícios com LEGO para o ensino da matemática, sabendo que deste modo estaria a criar pontes de empatia com os seus alunos. A questão não é o LEGO ser a melhor ferramenta para o caso. A grande questão, e no fundo o que revela a inteligência social feminina desta professora a funcionar, é ela ter ido buscar elementos do mundo das crianças para através destes metaforizar o mundo abstracto da matemática. Isto é ensinar Matemática de um modo que só um cérebro feminino conseguiria fazer. Porque só a sua necessidade de gerar empatia no receptor, o aluno, a levaria a desenhar ideias a partir do mundo dos seus interlocutores.


Para todos os que ensinam matemática, professores ou pais que têm de ajudar os seus filhos, aconselho vivamente a leitura do texto e o download das fichas de exercícios com LEGO.

novembro 19, 2013

robôs e o consumismo

Mais uma pequena curta de animação criada pela Big Lazy Robot, de quem ainda no mês passado aqui tinha trazido a curta Keloid (2013). Agora com iDiots (2013) resolveram deixar a ficção-científica para trás, assim como espetáculo visual, e criaram uma pequena pérola de crítica social. Muitos irão identificar-se, e questionar-se sobre as suas ações e comportamentos, nomeadamente os meus colegas mais geeks e mais próximos de uma marca que todos conhecem. Mas não se iludam com a marca, a crítica é sobre todos nós.


Como dizem os criadores, "é apenas uma pequena brincadeira, e não deve ser levada demasiado a sério". Apesar disso, não deixa de ser um objecto acutilante, capaz de desencadear reflexão, e não apenas o deslumbramento pela técnica do filme. Não é que nos abra uma nova perspectiva sobre o mundo que habitamos, já todos percebemos que o mundo do consumismo é isto, mas nunca é demais relembrar-nos. O mais impactante, acaba por estar na analogia entre nós e aquelas caixinhas vermelhas, supostamente desprovidas de um sentir humano. Será que nos estamos a transformar neles?

novembro 18, 2013

Racionalizar o formato das séries TV

Ontem comecei a ver Breaking Bad (2008-2013). Vi os três primeiros episódios. Gostei, o conceito é muito bom, o ator principal é excelente, a narrativa mantém-nos sempre interessados. Mas no final decidi não continuar a ver a série. A razão não se prende com esta série, em particular, mas antes com o formato das séries de TV. No fundo, é a razão única pela qual não vejo séries de televisão, a sua duração e o confronto com o tempo que nos falta. Vi algumas temporadas de X-Files, 24, de Six Feet Under, de Sopranos, e vi apenas alguns episódios das mais recentes Dexter, RomeLost, The Walking Dead, ou Game of Thrones. Não vi muita coisa que na atualidade muitos dos meus colegas seguem e admiram, e por isso procurei perceber melhor porque não o faço.


Vejamos, Breaking Bad tem 5 temporadas, 62 episódios, o que pede um investimento da nossa parte equivalente a 60 horas. O que é possível fazer com 60 horas em termos de consumo de media?

  • Ler 3 livros (~20h)
  • Jogar 4 videojogos (~15h) 
  • Ver 30 filmes (~2h)
  • Ler 45 livros BD (~1h30m)
  • Jogar 60 videojogos indie (~1h)
  • Ver 200 curtas (~15m)

Não me parece que seja um problema de quem cria as séries, mas um problema do próprio meio de Televisão. A série está desenhada para ser consumida ao longo de meses/anos. Ou seja, a série precisa de entreter o espectador, precisa de o manter interessado, e quanto mais tempo o conseguir fazer melhor. Como os episódios são semanais, e as temporadas anuais, a redundância é obrigatória e extensa.

Em termos imediatos, a série exige apenas 1 hora, o problema acontece quando juntamos tudo num pacote de DVDs. Ou quando olhamos para trás e nos damos conta que estivemos 60 horas sentados no sofá a sintonizados nos detalhes de um personagem e das suas atividades diárias. Será isto mau? Não sei responder. Posso apenas responder por mim, o que sinto e como sinto.

Cada vez que acaba um episódio de uma série boa, sinto que o guionista o faz de modo a manipular as minhas emoções e a conduzir as minhas expectativas, para que eu não deixe de ver o próximo episódio. Quando olho para os episódios que faltam, sinto uma ansiedade enorme, ainda tenho mais 5, 10 ou 15 horas pela frente, só naquela temporada. Se quiser chegar ao final, tenho de multiplicar isso pelas várias temporadas.

Mas o pior acontece quando a ansiedade toma conta de mim, e faz passar pela minha mente as inúmeras outras coisas que poderia estar a ver, ler ou jogar. Por muito boa que a série seja, começa a perder-me, a arrastar-se. Ao fim de alguns episódios, parece que estou encalhado naquele universo narrativo, e não terei forma de lhe escapar durante muito tempo ainda.

Talvez tudo isto não passe um problema de excesso de racionalização. Talvez. Mas também é verdade que sinto que o retorno de uma temporada completa é pouco maior que aquilo que um ou dois episódios conseguem oferecer. Da soma de todos aqueles episódios e horas acaba por resultar demasiada redundância e uma muito baixa diversidade narrativa em termos temáticos e estéticos.


Actualização 19.11.2013

O debate que se seguiu a este texto no facebook foi interessante e ajudou-me a ver perspectivas diferentes sobre este assunto. Nomeadamente a aceitar melhor o formato, e o que cada um consegue retirar dele se souber gerir a relação da melhor forma. Ou seja, se estiver mais concentrado sobre o episódio que vê semanalmente, do que em ver toda uma temporada, ou uma série completa. Apesar disso deixo mais algumas reflexões que realizei depois disso.

Concluo de toda esta análise, que não gosto de "ganchos narrativos", já não gostava em criança, quando comecei a ler Marvels. Ficar ali colado na expectativa, um mês para saber como continuava a história. Tinha um lado que me agarrava, mas por outro percebia, já nessa altura, que estava a ser manipulado, e não achava grande graça, obrigarem-me a comprar todas as séries Marvel, para poder seguir o fio da narrativa. Aliás para quem jogou The Last of Us (2013) pode encontrar esta mesma crítica dita por Ellie, quando acaba de ler um comic e encontra o célebre "To Be Continued", a sua reação expressa tudo aquilo que sinto! Por isso mesmo aqui há uns anos quando voltei aos comics, acabei desistindo da Marvel. Hoje só leio séries curtas, e quando elas se começam a estender, termino, raramente vou além da 2ª ou 3ª série.

E assim não é por acaso que também não gosto de sequelas no cinema ou nos videojogos. É um claro aproveitamento do espectador, na esmagadora maioria das vezes. Os executivos de Hollywood descobriram a pólvora desse poder do seriado e do gancho, com as sequelas, e por isso muita inovação tem sido evitada pelo cinema ao longo dos últimos 10 anos de modo a controlar os riscos financeiros.

novembro 17, 2013

"The Loolies", nova série 3d portuguesa

Chegou à rede esta semana mais uma série 3d nacional, criada pela empresa Binteractive do Porto. Estive um pouco à conversa com o Narciso Melo, que foi meu aluno no mestrado de Tecnologia e Arte Digital para tentar saber mais sobre a série. Quem fez, como fez e essencialmente porquê, os objetivos e metas. Aqui ficam as respostas e o primeiro episódio.



1 - Quem são os "The Loolies"?
:: The Loolies é uma série de sketches cómicos que acompanha três amigos à medida que eles vão convivendo. Não possuí um tema central, nuns episódios pode retratar de forma caricata eventos da atualidade e noutros situações meramente aleatórias.

Limbo Rock (2013), primeiro episódio de "The Loolies"

2 - Como serão lançados os episódios?
:: Queremos produzir um episódio por semana e serão lançados sempre à segunda feira ao final da tarde. Não temos um número limite de episódios estipulado, sendo que no caso de ter sucesso serão para continuar. Neste momento temos já os próximos quatro episódios em produção.

3 - Como surgiu a ideia?
:: O ideia do projeto surgiu há cerca de 3 meses e desde aí que temos vindo a desenvolver a ideia. O primeiro episódio demorou mais tempo a fazer, cerca de 2 semanas, porque foi necessário criar tudo de raiz: modelação, texturização, rigging, etc. Os seguintes demorarão cerca de 3 a 6 dias, dependendo da duração e complexidade da animação.

4 - Quais são os objectivos para Loolies, como está a ser financiado e distribuído?
:: A série em dois objetivos: promover o trabalho em animação 3D da empresa; criar um canal de sucesso no Youtube capaz de gerar receitas que alimentem o projeto
Em relação ao financiamento, neste momento os custos são suportados pela empresa, sendo que no futuro pretendemos concorrer a incentivos (quadros comunitários) ou capital de risco. Quanto à promoção, neste momento estamos a usar o Facebook através de amigos e partilhas. Quando tivermos mais episódios online estamos a pensar em publicitar através do Youtube com publicidade paga. Pretendemos também criar interação com os seguidores no sentido de oferecer prémios (merchandising) por ideias para episódios e partilhas.

5 - Quais as ferramentas utilizadas para desenvolver a animação/modelação?
:: As principais ferramentas que utilizamos para a criação da série são o Maya e o ZBrush.

6 - Quem está por detrás da realização da série?
:: Ao nível criativo toda a equipa está envolvida, mas o Luís Duque que é o artista 3D e a pessoa responsável pelo projeto.

A equipa:

Luís Duque – artista 3D, com formação em artes gráficas (Soares dos Reis), frequência de artes plásticas e multimédia (FBAUP).
Narciso Melo – fundador da empresa, formação em engenharia informática (IPB) e pós-graduação tecnologia e arte digital (UM – falta a tese).
Dani Barreiro – sócio da empresa, formação em gestão e economia (IPVC e UM).
Filipe Carneiro – Programador, formação em engenharia informática (FEUP).
Eugénio Barbosa – Externo à empresa (amigo de longa data), vive na Irlanda e produz as músicas.

novembro 14, 2013

Marte, há 4 mil milhões de anos

Nunca como hoje se discutiu tanto Marte. As razões são várias, desde as novas sondas enviadas a Marte, com sistemas de robótica avançada, até ao facto de ser o passo natural depois da Lua. A NASA tem muita gente envolvida neste novo programa, e a sua sustentabilidade depende da aceitação dos contribuintes, em continuar a suportar os mesmos. Nesse sentido, a cada mês que passa vão nos sendo oferecidos novos conteúdos audiovisuais sobre o lugar. Cada um mais espetacular que o anterior [9.2012; 10.2012; 10/2013].


A verdade é que fruto de marketing de investigação ou não, estes materiais fazem-nos sonhar e reflectir. Não sabemos bem porquê, já que estes lugar fora do nosso planeta são por norma muito menos aprazíveis que o nosso próprio ecossistema. No entanto julgo que existe algo de transcendente sobre o próprio feito de ir além da redoma em que estamos envolvidos no nosso planeta. Algo que por um lado nos provoca um medo profundo, porque nada é mais forte emocionalmente do que o medo do desconhecido, mas por outro lado é um medo que desperta em nós a contemplação mais essencial sobre aquilo que somos, enquanto espécie, e individualmente enquanto sujeitos dotados de consciência.
"Billions of years ago when the Red Planet was young, it appears to have had a thick atmosphere that was warm enough to support oceans of liquid water - a critical ingredient for life. The animation shows how the surface of Mars might have appeared during this ancient clement period, beginning with a flyover of a Martian lake. The artist's concept is based on evidence that Mars was once very different. Rapidly moving clouds suggest the passage of time, and the shift from a warm and wet to a cold and dry climate is shown as the animation progresses. The lakes dry up, while the atmosphere gradually transitions from Earthlike blue skies to the dusty pink and tan hues seen on Mars today." [NASA]
Mars Evolution (2013) da NASA