novembro 12, 2013

Is Code the Most Important Language in the World?

Novo documentário Offbook sobre a arte da programação de computadores que procura responder à questão: "Será o código a mais importante linguagem no mundo?" Podemos ver várias respostas no filme, algumas em clara oposição.

"As technology becomes ever more pervasive, the people who actually create it have an increasingly influential impact on our lives. Their ability to code allows them to mold our interactions with computers, and define what services computers bring to us. In essence, coders have become the gatekeepers of how our culture uses technology. Because of this, many people now preach that everyone should learn how to code, saying that knowledge of programming languages is akin to reading & writing. But is it reasonable to assume that everyone will learn how to code? And what are the repercussions if we continue to have coding and non-coding classes?"
Do meu lado identifiquei-me claramente com o último entrevistado, Edd Dumbill, quando ele diz que não acredita que todos tenham de aprender a programar, porque o mundo é demasiado vasto e as pessoas têm interesses muito diversos. Mas acima de tudo porque falar a linguagem das máquinas é tornarmo-nos seus servidores, em vez do contrário.

Fez-me recordar as plataformas que hoje em dia nos pedem constantemente para preencher. Em nome de sistemas de informação mais ágeis, tornámo-nos a todos, em alimentadores de bases de dados e sistemas de triagem de informação. Esquecemos que os computadores foram criados para nos servir...


Is Code the Most Important Language in the World? (2013)

Depois do filme deixo a visualização impressionante, Codebases (2013) de David McCandless sobre a evolução do número de linhas de código no software que utilizamos, e várias comparações com outros sistemas mecânicos e biológicos, e que dá bem conta da quantidade de descrição necessária à obtenção de sistemas capazes de dar respostas funcionais. Sendo que o mais insano, vai para as bases de dados que tudo arquivam, tudo catalogam, tudo...

novembro 11, 2013

Pensamentos e criatividade

André da Loba é um premiado ilustrador nacional que reside e trabalha atualmente em NY. O seu trabalho de ilustração é sobejamente reconhecido internacionalmente (com trabalhos publicados no New York Times, na Time, na New Yorker, etc.) mas o que aqui trago é um trabalho seu na área da animação. "On Thoughts(2012) surge inicialmente como trailer para um projeto de livro ilustrado homónimo, acabando depois por ganhar toda uma vida própria, suplantando o projeto de livro. O filme acabaria por receber em 2013 as medalhas de ouro da revista 3x3, e da Society of Illustrators.

"Somos nós que pensamos ou é o pensamento que nos pensa? As ideias são nossas ou são dele? Somos nós que o levamos ou é ele que nos traz?" André da Loba
A animação foi integralmente criada por André Da Loba em Adobe Flash. Numa entrevista diz-nos que estava interessado em confrontar o lado "pesado-tangível-estático" do livro com o lado "leve-intangível-dinâmico" da animação. De certo modo, acredito que o formato de animação acabaria por se sobrepor ao de livro porque este acabaria por responder muito mais diretamente aos anseios de Da Loba. O lado virtual e a temporalidade fugaz do meio parece ir totalmente de encontro à génese da ideia que sustenta este projecto, “o que acontece quando a inspiração levanta voo e te deixa para trás?”

Pensamientras (2012) versão portuguesa. Em inglês "On Thoughts", em francês "En Pensées"

Depois de ver o filme é-me inevitável repescar aqui a definição do que pode significar a ideia de ser-se criativo, que já aqui procurei definir ainda recentementeEssencialmente, ser criativo implica um trabalho continuado de absorção do mundo que nos rodeia, em paralelo com uma constante motivação para fazer, transformar e modificar esse mesmo mundo.

novembro 07, 2013

Videojogos em Portugal – História, Tecnologia e Arte

Na próxima semana será lançado em Portugal o livro "Videojogos em Portugal: História, Tecnologia e Arte" (2013). O livro será apresentado pela primeira vez no âmbito do Fórum Fantástico 2013, e para a apresentação conto com o António Saraiva (dr Bakali) que teve a amabilidade de escrever o prefácio do livro. Nesse sentido quero deixar aqui alguma informação relativamente às razões e objetivos que motivaram a escrita deste livro.


Começar por dizer que Videojogos em Portugal surge da vontade de documentar a história dos videojogos portugueses, e de um projeto lançado pela Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos em 2009 que procurava angariar a informação disponível sobre videojogos criados por cidadãos nacionais. A principal motivação para esse projeto nasceu da constatação da ausência de uma base de conhecimento de referência sobre a história dos videojogos criados em Portugal. Ao longo dos anos verificou-se ser difícil conseguir informação sobre a área no país uma vez que os registos dos últimos 30 anos, ou não existiam ou estavam repartidos e desorganizados. Tendo em conta o tamanho da nossa "indústria" pensámos que este projeto poderia representar uma oportunidade para analisar a área em extensão e profundidade. Não apenas para criar uma base de dados, mas acima de tudo para podermos aprender mais sobre nós e desse modo contribuir para o interconhecimento entre todos os envolvidos. Assim este livro acaba por procurar dar respostas a um conjunto de questões específicas, tais como:

  • Quantos videojogos foram produzidos em Portugal nos últimos 30 anos, e quais? 
  • Em que ano foi criado o primeiro videojogo português? 
  • Que jogos obtiveram sucesso a nível internacional? 
  • Quais as motivações dos criadores de videojogos nacionais? 
  • Que plataformas e tecnologias foram utilizadas para criar os videojogos? 
  • Que tipo de financiamentos foram utilizados pela indústria? 
  • Quais os maiores problemas que enfrenta a indústria portuguesa de videojogos na atualidade?

O meu objetivo pessoal com este livro é que ele possa servir na agregação e tomada de consciência do que somos, e do que podemos fazer como país neste campo. Depois de quase quatro anos a estudar o assunto acredito que temos muito potencial, só temos de aprender a geri-lo melhor, nomeadamente em equipa. Nesse sentido espero que este livro ajude a fomentar o conhecimento inter pares e que sirva na criação de pontes.

Para isso podem encontrar ao longo das 250 páginas do livro, dezenas de testemunhos de pessoas que tiveram um papel ativo na nossa história, e que resumem as mais de 100 entrevistas realizadas durante o processo de escrita do livro. Podem ainda encontrar uma lista com os mais de 350 videojogos criados entre 1982 e 2012. A história de todos estes anos foi ainda condensada num mapa visual, ou friso cronológico, no qual se podem ver os momentos mais marcantes dos 30 anos.

Paradise Café (1985); Alien Evolution (1987);
Portugal 1111 (2004); Under Siege (2011)

Para verem o índice completo do livro podem ir à página do livro da editora FCA. Inclusive nessa página é possível desde já solicitar a notificação por e-mail da disponibilidade, e depois quando estiver disponível podem também aí encomendar o livro. De qualquer modo espera-se que em breve esteja disponível nas principais livrarias nacionais - Bertrand, Fnac ou Wook online. Mais informação, atualizada, sobre o livro pode ser encontrada na página Videojogos em Portugal.

Por fim não posso deixar de agradecer o apoio à publicação garantido pela Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos e pela Biodroid. Assim como agradecer todo o empenho que a editora FCA depositou na edição e publicação deste livro. Além destes, não posso deixar de agradecer a toda a comunidade portuguesa, desde a indústria à imprensa, que foi fantástica no suporte a esta iniciativa.


Onde Comprar: Wook

Esboços de excertos, publicados aqui no blog durante a escrita do livro:
História e tecnologia do primeiro Videojogo, Virtual Illusion, Janeiro 2012
Viagem de Bartolomeu Dias (1995), Virtual Illusion, Abril 2012

novembro 05, 2013

Indústrias criativas num mar de iliteracia, é possível?

A Diretoria-Geral para a Educação e Cultura em conjunto com a Diretoria-Geral para a Comunicação da Comissão Europeia desenvolveram um estudo empírico sobre o "Acesso à Cultura e Participação" na Europa. O relatório completo pode ser descarregado online, assim como um sumário, e ainda um resumo visual relativo a Portugal. Os resultados não podiam ser mais desastrosos, mas ao mesmo tempo reveladores daquilo que muitos de nós andamos a dizer há imenso tempo: sem educação, não há país desenvolvido.

Gráfico 1: O nível de envolvimento em actividades culturais (Resumo PT visual) [Clique para ampliar]

Olhando para este gráfico de forma invertida, podemos compreender melhor como vai a nossa cultura. Das atividades culturais listadas, a percentagem de portugueses que não participaram em nada ao longo dos últimos 12 meses é a seguinte:
  • Ballet, Dança ou Ópera: 92%
  • Teatro: 87% 
  • Bibliotecas públicas: 85%
  • Museus ou galerias: 83%
  • Concertos de música: 81%
  • Monumentos históricos: 73%
  • Cinema: 71% 
  • Ler um livro: 60%
É verdade que estes números são para Portugal a confirmação de um desígnio político. Desde há três anos que o país se encontra sem Ministério da Cultura, caso único da UE. Por isso estes números, assim como chegam assim cairão no esquecimento, porque não há quem os analise. Não fosse a vergonha da página 12 deste relatório, na qual se pode ver de forma bem destacada no gráfico, com caixinhas a negro, que Portugal supera todos no número de indicadores negativos.

Gráfico 2: Comparação entre países. A cinza os melhores indicadores, linha sem preenchimento, os piores. (p.12 do Relatório completo) [Clique para ampliar]

O que podemos ver neste gráfico são dois países com o mesmo número de habitantes, Portugal e Suécia, mas com participação cultural diametralmente opostas. A base fundadora desta distinção está na Educação, como o venho aqui dizendo, e contra tudo aquilo que o FMI preconiza como o futuro da nossa educação.

Não temos matérias primas, as únicas vezes que as tivemos, foi quando explorámos os outros (India, África, América do Sul). Por isso só nos resta a massa cinzenta. Mas para isso é preciso educá-la. É difícil, mas longe de impossível, veja-se o exemplo da Suécia, ou da Coreia do Sul, e perceba-se como tudo é diferente quando se tem elevados níveis de educação. E se dúvidas ainda existirem quanto à raiz deste problema ser a educação ou outro, fica um outro gráfico que é cristalino.

Gráfico 3: Barreiras no acesso à Cultura (Resumo PT visual[Clique para ampliar]

Neste gráfico 3, o que se torna cabalmente evidente é que o problema da participação cultural portuguesa não é financeiro, antes fosse. O problema é tão só o desinteresse. Em todos os pontos, sem excepção, a Falta de Interesse dos portugueses é maior que a Falta de Tempo, a Falta de Dinheiro, ou a Falta de Diversidade. As diferenças entre a média europeia e a portuguesa, neste itens assumem os níveis mais gritantes na Leitura.

Gráfico 4: Envolvimento em atividades artísticas (Resumo PT visual[Clique para ampliar]

Para fechar deixo um último gráfico (4), sobre os efeitos que tudo isto depois tem sobre a vertente Económica, já que hoje tudo se resume a isso. Neste gráfico, podemos ver como os nossos níveis de participação ativa, em modo criativo, são praticamente inexistentes, ou seja irrelevantes para o país. Tirando a Dança, que provavelmente se refere a práticas de mera diversão nocturna, em todo os outros pontos, estamos 50%, ou mesmo 75%, abaixo da média Europeia. A ter em atenção que falamos da média, e não dos países que mais se têm desenvolvido por via das Indústrias Criativas.

Por isso pensar em desenvolver clusters de indústrias culturais, criativas, de informação, do conhecimento, etc., em Portugal, é para mim apenas comparável ao desejo do Dubai de criar ilhas artificiais em forma de "mundo". O que os políticos se deveriam questionar é como é que se pode fomentar o interesse da sociedade portuguesa? Porque já deviam ter percebido que fazendo edifícios para a cultura, ou estradas para o interior, não é o caminho, que o mais importante encontra-se no interior das pessoas, não no exterior.


Notas: 
O estudo da CE foi realizado através de entrevistas a cerca de 27.563 pessoas no espaço europeu, das quais 1015 em Portugal. A minha leitura deste estudo deve, em parte, a algumas ideias previamente apresentadas no blogue de Luís Soares.

Sobre este assunto aqui:
A Educação em Portugal e na Europa, Virtual Illusion, Novembro 10, 2011
Mitos dos Custos da Educação em Portugal, Virtual Illusion, Novembro 21, 2011
Educação: O Estado Somos Todos Nós, Virtual Illusion, Janeiro 09, 2013

novembro 04, 2013

Amadeo de Souza-Cardoso - À Velocidade da Inquietação

 Velocidade da Inquietação" (2012) é o nome do documentário biográfico sobre o pintor português Amadeo de Souza-Cardoso. Realizado por António José de Almeida e produzido pela Panavideo para RTP2, o trabalho de 58 minutos pode ser visto na íntegra online.

"Nasceu em Manhufe, Amarante. Estudou em Paris. Foi amigo de Modigliani e vizinho de Picasso. Participou ativamente na revolução artística do início do século XX. Expôs ao lado dos maiores pintores vanguardistas do Modernismo, em Paris, Nova Iorque, Londres, Berlim. Foi o primeiro modernista português. Causou escândalo em Portugal. Teve uma vida relâmpago. Viveu e criou à velocidade da inquietação. Foi Amadeo de Souza-Cardoso."
O documentário apesar de por vezes um pouco pretensioso, em termos de impacto e ritmo é um belíssimo trabalho de documentação e divulgação sobre um dos mais importantes artistas que Portugal já teve. São múltiplas as entrevistas apresentadas que dão suporte à pesquisa de arquivo realizada e apresentada. Toda a informação é tratada numa linearidade cronológica temporal e estética, o que dá sentido ao que vamos apreendendo sobre o personagem, permitindo-nos conhecer melhor quem era Amadeo, assim como perceber porque o seu nome acabaria por ficar arredado tantos anos do circuito internacional de arte.

Os galgos, 1911

Avant la Corrida, 1912

Cozinha da Casa de Manhufe, 1913

Dom Quixote, 1914

Ao longo dos mais de cinquenta minutos, acompanhamos o desenvolvimento da arte e estética de Amadeo, o documentário é bastante rico em imagens alusivas à cronologia, desde fotografias, a documentos oficiais, a filmagens dos locais, entrevistas e críticas visuais com especialistas. O documentário trabalha literalmente para dar a ver a vida e obra de Amadeo de Souza-Cardoso. No campo sonoro, diga-se que a música e efeitos estão muito bem trabalhados obedecendo ao título escolhido para sintetizar a vida de Amadeo, "À velocidade da Inquietação". No final do documentário, quase que podemos sentir essa sua inquietação, e é com alguma melancolia que aceitamos que alguém com tanta garra, tanta vontade, tanto ainda para dar, nos deixaria tão cedo.

Amadeu de Souza-Cardoso está para pintura portuguesa do século XX, como Fernando Pessoa está para literatura portuguesa do século XX. Ambos foram expoentes máximos do nosso modernismo, juntamente com Mário Sá Carneiro. Pessoa acabaria por ficar como uma espécie de orfão na representação desse modernismo nacional, ao perder Mário Sá Carneiro em 1916, e Amadeu de Souza-Cardoso em 1918.

Amadeo de Souza-Cardoso - À Velocidade da Inquietação (2012)

novembro 01, 2013

Filmes de Outubro 2013

Há algum tempo que não dava uma nota máxima, este mês foi para Gravity. Uma experiência poderosa capaz de nos transportar para o reino do puro espetáculo sensorial, sem nunca deixar de procurar construir um sentido coerente e completo. A prova disso é o espectáculo visual ser acompanhado por uma performance soberba de Sandra Bullock. No patamar abaixo vi muitos bons filmes, alguns falei já deles aqui, a série Before..., Room237, e Chugyeogja. Além desses vi A Gaiola Dourada, que não sendo um filme brilhante, é tecnicamente muito bom e muito interessante tematicamente. Existem várias nuances da cultura portuguesa aqui tratadas, diria de uma forma quase brilhante, e muito raramente vistas no cinema, nomeadamente no cinema feito por nós próprios. Fiquei algo desiludido com A Night Train to Lisbon, apesar de ter gostado, de ter uma trama e atmosfera que nos agarra até meio do filme, depois disso e aos poucos vai-se desmoranando. A mesma coisa acontece com Pacific Rim mas com um efeito final ainda pior, já que ao contrário de Gravity despeja sobre nós uma torrente de efeitos visuais sem contudo nunca lhes atribuir qualquer sentido ou necessidade, é o espectáculo pelo espectáculo.

xxxxx Gravity 2013 Alfonso Cuarón USA


xxxx Before Midnight 2013 Richard Linklater USA [Análise]

xxxx La Cage Dorée 2013 Ruben Alves France

xxxx Room 237 2012 Rodney Ascher USA [Análise]

xxxx Chugyeogja 2008 Hong-jin Na South Korea [Análise]

xxxx Le chiavi di casa 2004 Gianni Amelio Italy


xxx Night Train to Lisbon 2013 Bille August European

xxx Iron Man 3 2013 Shane Black USA

xxx The Fountainhead 1949 King Vidor USA


xx Pacific Rim 2013 Guillermo del Toro USA

xx Film socialisme 2010 Jean Luc Godard France

outubro 31, 2013

Símbolos e ultra-interpretação no Cinema

Room 237 (2012) de Rodney Ascher é um documentário belíssimo, não pelo que aparentemente parece querer dizer, mas antes pelo que diz enquanto representação de um fenómeno humano. Ou seja, Room 237 apresenta-se como um documentário em que se discute e desmontam possíveis simbologias presentes no filme The Shining (1980) de Stanley Kubrick. Mas no fundo, o que podemos verdadeira ver neste documentário são relatos de uma das maiores obsessões humanas, a avidez por padrões, ou a aversão ao acaso. Ao longo de cem minutos somos presenteados com algumas das maiores ultra-interpretações jamais realizadas sobre um filme.


Em parte, este filme apresenta as razões pelas quais ao longo dos últimos 20 anos me fui afastando da análise semiótica do cinema (já para não falar da análise psicanalítica - Freud, Lacan, etc -) e passei a defender quase exclusivamente as análises cognitivistas. Porque o que se pretendia nessas abordagens de investigação estava totalmente concentrado sobre o artefacto apenas e as suas simbologias. Ainda admitindo que a semiótica é uma ciência, e nada tem que ver com a psicanálise e as ultra-interpretações, as suas abordagens aproximam-se perigosamente destas. Ou seja, não há lugar para a intenção do criador, nem há lugar para o receptor enquanto sujeito natural, apenas cultural. Não é aceitável que se conceba que uma obra existe sem um autor, sem uma vontade de comunicar.


Aliás nesse sentido, as primeiras grandes refutações ao que é dito em Room 237 podem ser encontradas no The Elstree Project da University of Hertfordshire com o apoio do The Kubrick Estate, da Warner Brothers e ainda do British Film Institute e da Academy of Motion Picture Arts and Sciences. Ao longo de três anos, foram entrevistados para memória futura, nove membros da equipa que trabalhou em The Shinning. Estas entrevistas podem ser todas vistas num documentário, Staircases to Nowhere: Making Stanley Kubrick's 'The Shining' (2013).

Staircases to Nowhere: Making Stanley Kubrick's 'The Shining' (2013)

Assim, confrontando Room 237 e Staircases to Nowhere, a primeira evidência que podemos constatar é a alucinação completa de quem se dedica a estas ultra-interpretações, que tem como único parente, as conhecidas teorias de conspiração política. Kubrick era obcecado, era perfeccionista, e talvez por isso mesmo tenha levado muitas pessoas a acreditar, que nada nos seus filmes pode ser fruto do acaso. Cada erro de continuidade encontrado é imediatamente identificado, não como erro mas como símbolo de uma qualquer obscura ideia de Kubrick. Algumas das mais discutidas questões têm que ver com o espaço interior do hotel, a forma como este não é realista. Ora ouvindo os seus criadores falar, percebe-se porquê, percebe-se que não estamos a falar de um hotel real, mas de um espaço reconstruído em estúdio. Além disso, dada a impossibilidade de reproduzir integralmente o hotel, as várias salas da simulação do hotel, iam servido diferentes simulações de salas em função das necessidades de gravação. Ora assim sendo, é natural que por mais perfeccionista que fossem, que muitos detalhes acabariam por escapar ao real espacial do hotel.

O mais evidente problema de tudo isto, é de certo modo explicado por muita da mais recente teoria da psicologia sobre a nossa obsessão com padrões e simbolismos, e acima de tudo incapacidade para aceitar o acaso da natureza, e das nossas vidas. Para quem estiver interessado em aprofundar isto, aconselho vivamente a leitura de Thinking, Fast and Slow (2011) de Daniel Kahneman, na minha análise podem encontrar outras referências sobre este mesmo assunto.


Uma das teorias que não quero deixar de rebater, e não é a loucura de The Shining ser um filme sobre o holocausto, mas antes a ideia de que The Shining seria o filme-confissão de Stantely Kubrick do seu envolvimento na criação da encenação da aterragem na lua em 1969 da missão Apollo 11. É verdade que Kubrick depois depois de fazer 2001, poderia ter sido o génio a contratar para o fazer. Mas também é verdade que as condições para o fazer não se coadunam em nada com aquilo que foi possível ser visto pelas pessoas na televisão em todo o planeta. E isso já foi extensamente explicado por S.G. Collins no seu pequeno documento, Moon Hoax Not (2012).

Moon Hoax Not (2012) de S.G. Collins 

Para terminar, Room 237 é um projecto que serviu para dar voz a alguns dos mais obsessivos descobridores de teorias da conspiração na internet. Mas serviu para bem mais do que isso, para nos questionarmos sempre que entramos numa espiral de ultra-interpretação, não apenas cinematográfica mas em tudo o resto, que nos rodeia na vida. Além disso, serviu para nos abrir o apetite para voltar a ver The Shining!

outubro 30, 2013

a natureza da narrativa

"Red Dead Redemption" foi jogo do ano em 2010, tendo ganho os mais diversos prémios da indústria e crítica. Na altura não me senti propriamente atraído, confesso que para isso contribuiu a fraca experiência de “Gun” (2005) e a minha saturação com o género cinematográfico de western. Passados 3 anos, reconheço o meu erro, e confesso que Red Dead Redemption (RDR) é tudo aquilo que poderíamos esperar do tema western explorado pelo media dos videojogos. Mais ainda, RDR tem potencial para demover quem nunca gostou, ou como eu se cansou, do tema no cinema.


O mais interessante de RDR no campo do tema é a forma como atualiza o western, como consegue casar os mundos clássicos do western americano de John Ford e Howard Hawks, com os mundos do anti-herói enigmático e emocional do “spaghetti western” de Sergio Leone e Sergio Corbucci. As enormes pradarias e a longa busca em equipa pela vingança, acaba por dar lugar a uma busca solitária e desinteressada, totalmente anti-heróica. Mas ao mesmo tempo que John Marston ganha densidade, as referencias cinematográficas vão-se descolando, e este vai ganhando o seu lugar na galeria do género.

The Searchers (1956) de John Ford

Django (1966) de Sergio Corbucci

Red Dead Redemption (2010) da Rockstar

RDR é um videojogo, mas antes disso é um western, e para todos os efeitos será como tal que ficará preservado nas nossas memórias. A Rockstar prova com RDR mais uma vez que os videojogos são um excelente meio de comunicação e expressão artística, extremamente eficazes na capacidade de construção de universos ficcionais. Poderia ter sido um filme, um livro, ou uma banda desenhada. Mas então o que o distingue desses outros meios? Chegados aqui, esta é a grande questão que me coloco.

O que é que eu prezo mais, o modo como chego até ao universo ficcional e o apreendo, ou o modo como ele gera uma experiência memorável e inesquecível dentro de mim? Eu poderia dissertar aqui sobre todas as diferenças formais, entre jogar, ler e ver. Mas isso será mesmo relevante? Vou mais longe ainda, será mesmo relevante escolher o melhor medium, como venho defendendo nos últimos anos, para a história que se quer contar?

Serão mesmo diferentes, para nós, seres-humanos dotados de um poder de imaginação admirável, a teia de ideias gerada a partir do rádio-drama “The War of the Worlds” (1938) de Orson Welles, da banda desenhada “The Walking Dead” (2003) de Robert Kirkman, do filme “The Shawshank Redemption” (1994) de Frank Darabont, do livro “Perfume” (1985) de Patrick Süskind, do videojogo “The Last of Us” (2013) de Neil Druckmann? A resposta, talvez seja que não. Não existe diferença, porque essa teia, não é mais do que o modo como criamos sentido a partir do mundo que nos rodeia. Essa teia de ideias, é o modelo narrativo, que fomos obrigados a imprimir em todos os media que fomos criando com as tecnologias que fomos desenvolvendo.

A cada novo medium, entramos em devaneios sobre as suas novas possibilidades formais, sobre o modo como pode contribuir para mudar o modo como vemos o mundo. Mas quando a tecnologia, e o conhecimento sobre o seu uso estabiliza, percebemos, que não passámos de crianças deslumbradas com o novo. Inevitavelmente voltamos sempre ao mesmo modo de fazer, porque é só através desse modo de contar, que conseguimos fazer explodir ideias na imaginação de quem nos ouve, lê, vê ou joga. Isto são ideias que me perseguem há vários anos, para o qual os avanços na neurociência muito contribuíram, e aos poucos me foram convencendo da sua veracidade. Sobre isto aconselho vivamente a leitura do texto de Pedro Monteiro “On Defense Of A Biological Link Between The Human Brain And The Narrative Form” (2013) no qual ele realiza um exercício de demonstração da biologia da teia narrativa.
“most universal human cultural creations are made as a reflection of the way human minds work – what this concept represents is that brains don’t have to evolve to accommodate new cultural creations, since those creations are but a mirror of the old brain way of working.”
Tudo isto para dizer que de certo modo estamos na recta final da busca por um modo próprio de contar histórias nos videojogos. Ao longo dos últimos 10 anos, já nos dedicámos mais a criar os artifícios da gramática narrativa do meio, do que a tentar inovar o modelo de contar histórias. A estabilização epistemológica deste aparelho não é uma coisa má, em si. Se é verdade que perde algum encanto científico, porque o lado exploratório aproxima-se da total desvelação, também é verdade que o meio amadureceu, e é hoje capaz de expressar-se de uma forma muito mais completa.


***SPOILER******
Voltando a RDR em concreto, não posso deixar de discutir uma sequência relevante em termos do design de interactividade. O modo como está desenhada a morte do personagem principal deixa algo a desejar. A razão para o meu descontentamento prende-se com o facto de terem desenhado a sua morte como qualquer uma das outras mortes que experienciámos ao longo de todo o jogo. Ou seja, quando morro o impacto que sofro, não é aquele de uma narrativa com toda a carga já construída por RDR, mas antes, a morte normal dos videojogos, em que em vez de nos deixarmos levar pela perda, nos começamos a questionar “como é que tenho de sair do celeiro, para evitar ser morto?” Até que percebemos que não há segunda chance, que estamos mesmo mortos. Se senti algum impacto maior foi mais porque já estava de pré-aviso para algo de grande impacto no final do jogo. Mas o Dan Houser perdeu aqui a oportunidade de criar uma das cenas mais memoráveis de toda a história dos videojogos. A interactividade tem um potencial estético enorme em termos de responsabilização quando agimos, e de impotência quando nos é retirada. Esta cena final merecia mais, muito mais em termos de design de interacção.
*******************

Para fechar, apenas dizer que RDR é uma experiência inesquecível, os personagens, o ambiente e os eventos formam um todo muito completo, coerente e esteticamente muito aprazível. RDR será uma referência não apenas na cultura dos videojogos, mas do western, durante muitos anos.



Nota: Muitas das ideias que lanço neste texto sobre a narrativa e os aspectos formais do videojogo, são ideias com que venho trabalhando, mas estão longe de se apresentar num forma definitiva. Agradeço todos os comentários que queiram partilhar sobre o assunto. E para adensar a discussão vejam a média-metragem feita por John Hillcoat fazendo uso do mundo do jogo, Red Dead Redemption: The Man From Blackwater (2010) .

outubro 29, 2013

efeitos da multidisciplinaridade entre ciência e arte

Faz-nos falta esta visão americana do ensino, em que a multidisciplinaridade é verdadeiramente aceite, e vista como uma mais valia para o sujeito. Xiangjun Shi acaba de se licenciar no Programa Dual Brown-RISD (parceria entre a Brown University e o Rhode Island School of Design) em Física e em Animação. Ou seja, foi possível combinar aqui uma ciência dura com uma arte que ainda nem sequer aparece no panteão das Belas Artes. Isto seria impensável na Europa, menos ainda em Portugal. Os resultados, estão à vista, vejam abaixo Why Do I Study Physics? (2013).


É claro que esta multidisciplinaridade não é para todos. Só uma minoria pode almejar realizar este tipo de cruzamentos que apresenta exigências altamente diversas, com caminhos difusos, e ainda por trilhar. Isto requer não apenas uma enorme motivação, mas enorme proactividade e humildade por parte do aluno. Mas também é por aqui que podemos vir a criar novos caminhos, novo pensamento, e assim incrementar a nossa criatividade.

Aliás, o filme de Xiangjun Shi é um contributo essencial para sociedade em termos de dar a conhecer o mundo mais abstracto da Física. O que podemos experienciar neste filme, só muito dificilmente poderia ser feito por alguém sem estes dois backgrounds. Conseguir transformar em imagem, ideias e conceitos tão distantes das metáforas que facilmente reconhecemos, em algo tão acessível e facilmente compreensível por nós, leigos em Física. Vejam mais trabalhos de Xiangjun Shi na sua página.

Why Do I Study Physics? (2013) de Xiangjun Shi