Em parte, este filme apresenta as razões pelas quais ao longo dos últimos 20 anos me fui afastando da análise semiótica do cinema (já para não falar da análise psicanalítica - Freud, Lacan, etc -) e passei a defender quase exclusivamente as análises cognitivistas. Porque o que se pretendia nessas abordagens de investigação estava totalmente concentrado sobre o artefacto apenas e as suas simbologias. Ainda admitindo que a semiótica é uma ciência, e nada tem que ver com a psicanálise e as ultra-interpretações, as suas abordagens aproximam-se perigosamente destas. Ou seja, não há lugar para a intenção do criador, nem há lugar para o receptor enquanto sujeito natural, apenas cultural. Não é aceitável que se conceba que uma obra existe sem um autor, sem uma vontade de comunicar.
Staircases to Nowhere: Making Stanley Kubrick's 'The Shining' (2013)
Assim, confrontando Room 237 e Staircases to Nowhere, a primeira evidência que podemos constatar é a alucinação completa de quem se dedica a estas ultra-interpretações, que tem como único parente, as conhecidas teorias de conspiração política. Kubrick era obcecado, era perfeccionista, e talvez por isso mesmo tenha levado muitas pessoas a acreditar, que nada nos seus filmes pode ser fruto do acaso. Cada erro de continuidade encontrado é imediatamente identificado, não como erro mas como símbolo de uma qualquer obscura ideia de Kubrick. Algumas das mais discutidas questões têm que ver com o espaço interior do hotel, a forma como este não é realista. Ora ouvindo os seus criadores falar, percebe-se porquê, percebe-se que não estamos a falar de um hotel real, mas de um espaço reconstruído em estúdio. Além disso, dada a impossibilidade de reproduzir integralmente o hotel, as várias salas da simulação do hotel, iam servido diferentes simulações de salas em função das necessidades de gravação. Ora assim sendo, é natural que por mais perfeccionista que fossem, que muitos detalhes acabariam por escapar ao real espacial do hotel.
O mais evidente problema de tudo isto, é de certo modo explicado por muita da mais recente teoria da psicologia sobre a nossa obsessão com padrões e simbolismos, e acima de tudo incapacidade para aceitar o acaso da natureza, e das nossas vidas. Para quem estiver interessado em aprofundar isto, aconselho vivamente a leitura de Thinking, Fast and Slow (2011) de Daniel Kahneman, na minha análise podem encontrar outras referências sobre este mesmo assunto.
Uma das teorias que não quero deixar de rebater, e não é a loucura de The Shining ser um filme sobre o holocausto, mas antes a ideia de que The Shining seria o filme-confissão de Stantely Kubrick do seu envolvimento na criação da encenação da aterragem na lua em 1969 da missão Apollo 11. É verdade que Kubrick depois depois de fazer 2001, poderia ter sido o génio a contratar para o fazer. Mas também é verdade que as condições para o fazer não se coadunam em nada com aquilo que foi possível ser visto pelas pessoas na televisão em todo o planeta. E isso já foi extensamente explicado por S.G. Collins no seu pequeno documento, Moon Hoax Not (2012).
Moon Hoax Not (2012) de S.G. Collins
Para terminar, Room 237 é um projecto que serviu para dar voz a alguns dos mais obsessivos descobridores de teorias da conspiração na internet. Mas serviu para bem mais do que isso, para nos questionarmos sempre que entramos numa espiral de ultra-interpretação, não apenas cinematográfica mas em tudo o resto, que nos rodeia na vida. Além disso, serviu para nos abrir o apetite para voltar a ver The Shining!
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