novembro 05, 2013

Indústrias criativas num mar de iliteracia, é possível?

A Diretoria-Geral para a Educação e Cultura em conjunto com a Diretoria-Geral para a Comunicação da Comissão Europeia desenvolveram um estudo empírico sobre o "Acesso à Cultura e Participação" na Europa. O relatório completo pode ser descarregado online, assim como um sumário, e ainda um resumo visual relativo a Portugal. Os resultados não podiam ser mais desastrosos, mas ao mesmo tempo reveladores daquilo que muitos de nós andamos a dizer há imenso tempo: sem educação, não há país desenvolvido.

Gráfico 1: O nível de envolvimento em actividades culturais (Resumo PT visual) [Clique para ampliar]

Olhando para este gráfico de forma invertida, podemos compreender melhor como vai a nossa cultura. Das atividades culturais listadas, a percentagem de portugueses que não participaram em nada ao longo dos últimos 12 meses é a seguinte:
  • Ballet, Dança ou Ópera: 92%
  • Teatro: 87% 
  • Bibliotecas públicas: 85%
  • Museus ou galerias: 83%
  • Concertos de música: 81%
  • Monumentos históricos: 73%
  • Cinema: 71% 
  • Ler um livro: 60%
É verdade que estes números são para Portugal a confirmação de um desígnio político. Desde há três anos que o país se encontra sem Ministério da Cultura, caso único da UE. Por isso estes números, assim como chegam assim cairão no esquecimento, porque não há quem os analise. Não fosse a vergonha da página 12 deste relatório, na qual se pode ver de forma bem destacada no gráfico, com caixinhas a negro, que Portugal supera todos no número de indicadores negativos.

Gráfico 2: Comparação entre países. A cinza os melhores indicadores, linha sem preenchimento, os piores. (p.12 do Relatório completo) [Clique para ampliar]

O que podemos ver neste gráfico são dois países com o mesmo número de habitantes, Portugal e Suécia, mas com participação cultural diametralmente opostas. A base fundadora desta distinção está na Educação, como o venho aqui dizendo, e contra tudo aquilo que o FMI preconiza como o futuro da nossa educação.

Não temos matérias primas, as únicas vezes que as tivemos, foi quando explorámos os outros (India, África, América do Sul). Por isso só nos resta a massa cinzenta. Mas para isso é preciso educá-la. É difícil, mas longe de impossível, veja-se o exemplo da Suécia, ou da Coreia do Sul, e perceba-se como tudo é diferente quando se tem elevados níveis de educação. E se dúvidas ainda existirem quanto à raiz deste problema ser a educação ou outro, fica um outro gráfico que é cristalino.

Gráfico 3: Barreiras no acesso à Cultura (Resumo PT visual[Clique para ampliar]

Neste gráfico 3, o que se torna cabalmente evidente é que o problema da participação cultural portuguesa não é financeiro, antes fosse. O problema é tão só o desinteresse. Em todos os pontos, sem excepção, a Falta de Interesse dos portugueses é maior que a Falta de Tempo, a Falta de Dinheiro, ou a Falta de Diversidade. As diferenças entre a média europeia e a portuguesa, neste itens assumem os níveis mais gritantes na Leitura.

Gráfico 4: Envolvimento em atividades artísticas (Resumo PT visual[Clique para ampliar]

Para fechar deixo um último gráfico (4), sobre os efeitos que tudo isto depois tem sobre a vertente Económica, já que hoje tudo se resume a isso. Neste gráfico, podemos ver como os nossos níveis de participação ativa, em modo criativo, são praticamente inexistentes, ou seja irrelevantes para o país. Tirando a Dança, que provavelmente se refere a práticas de mera diversão nocturna, em todo os outros pontos, estamos 50%, ou mesmo 75%, abaixo da média Europeia. A ter em atenção que falamos da média, e não dos países que mais se têm desenvolvido por via das Indústrias Criativas.

Por isso pensar em desenvolver clusters de indústrias culturais, criativas, de informação, do conhecimento, etc., em Portugal, é para mim apenas comparável ao desejo do Dubai de criar ilhas artificiais em forma de "mundo". O que os políticos se deveriam questionar é como é que se pode fomentar o interesse da sociedade portuguesa? Porque já deviam ter percebido que fazendo edifícios para a cultura, ou estradas para o interior, não é o caminho, que o mais importante encontra-se no interior das pessoas, não no exterior.


Notas: 
O estudo da CE foi realizado através de entrevistas a cerca de 27.563 pessoas no espaço europeu, das quais 1015 em Portugal. A minha leitura deste estudo deve, em parte, a algumas ideias previamente apresentadas no blogue de Luís Soares.

Sobre este assunto aqui:
A Educação em Portugal e na Europa, Virtual Illusion, Novembro 10, 2011
Mitos dos Custos da Educação em Portugal, Virtual Illusion, Novembro 21, 2011
Educação: O Estado Somos Todos Nós, Virtual Illusion, Janeiro 09, 2013

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