maio 31, 2012

Imagine: How Creativity Works (2012)

Imagine: How Creativity Works (2012) é o terceiro livro de Jonah Lehrer. Depois de Proust era um Neurocientista (2007) e How We Decide (2009), dois belíssimos livros de divulgação na área das neurociências, traz-nos agora um trabalho à volta das questões da criatividade. Um livro que faz todo o sentido no seguimento de How We Decide, porque a criatividade no fundo, não é mais do que um processo refinado de tomada de decisões, de resolução de problemas.


Em termos gerais o livro é muito interessante, condensa muito daquilo que se tem estudado sobre o assunto em poucas páginas, carregadas de exemplos e estudos que suportam o que se vai alegando. Apesar de me parecer um bom livro, julgo que fica algo abaixo daquilo a que Lehrer nos habituou. Senti o estilo da escrita a aproximar-se demais de alguns bestsellers de divulgação de ciência, como os livros de Malcolm Gladwell ou Daniel Pink, que pegam em meia dúzia de casos e constroem um livro a partir desses casos. Nos seus anteriores dois livros, Lehrer usava os casos apenas como mote para ir ao fundo das questões, para sobre eles trabalhar a forma como ele próprio vê a realidade. Dando a sua visão pessoal, contribuindo para um avanço do pensamento. Aqui por vezes parece que se fica por agregar casos que suportem uma ideia, sem depois a aprofundar na sua visão pessoal.

Síntese de ideias do livro narrado pelo próprio Jonah Lehrer

Apesar de tudo isto é um livro obrigatório. Food for thought, para vos ajudar no vosso caminho. Não é um livro de receitas, mas em certa medida pode quase funcionar como tal. Em termos específicos existem vários momentos altos no livro, que diga-se, lê-se muito rapidamente e fluidamente. Passo assim em revista aqui alguns dos pontos que mais me interessaram desta leitura.


1. Analisar de fora (Outsider)

O livro começa com o caso de R&D do produto Swiffer. Depois dos PhDs em química terem chegado à conclusão que não era possível melhorar mais os produtos de limpeza, a Procter & Gamble resolveu fazer outsourcing numa empresa de design. Pedindo especificamente um produto novo. Estes, ao contrário dos químicos, não foram ver como melhorar o produto, mas foram antes tentar perceber como é que a actividade era realizada, passaram 3 anos a estudar os comportamentos das pessoas que limpam o chão. Gravaram e viram centenas de horas de vídeo, até que um dia viram alguém usar papel de cozinha meio-húmido para limpar o sujo e deitar fora. E foi aqui que se deu a epifania para criar o Swiffer.


O que a Procter & Gamble aprendeu com tudo isto foi que as soluções por vezes têm de vir de pessoas não especialistas, pessoas de fora do meio. Neste sentido Lehrer dá também o exemplo da 3M uma das empresas que mais patentes tem criado nos últimos anos, porque praticamente se dedica apenas à inovação e ao desenvolvimento de novas ideias para outras empresas. E o que estes fazem no seio da empresa, é muito particular. Possuem pessoas de áreas científicas muito distintas que rodam regularmente entre distintas áreas, mesmo que nada tenham a ver com elas. Para além disso existem processos na empresa que sugerem o transporte de técnicas de umas áreas para outras. Depois de ler isto, sem dúvida que a 3M merece um estudo em profundidade relacionado com a noção de transdisciplinaridade.


Com tudo isto a Procter&Gamble e outras empressa resolveram criar o site Innocentive. Neste site depositam os problemas que as suas equipas de R&D não conseguem resolver. E esperam que apareça alguém que seja capaz de oferecer uma solução. Pode parecer uma forma de outsourcing barata, uma vez que no fundo não há investimento. Mas não é disso que se trata. O que está aqui em questão é garantir que pessoas que nada têm que ver com aquelas áreas possam surgir com uma ideia a partir de um ponto nunca antes imaginado possível. É algo que vai muito para além dos focus groups ou inquéritos, porque podemos ter milhares de pessoas a olhar para o problema de ângulos inimagináveis. E só isso per se garantirá à partida avanços e inovação. Aliás Lehrer dá o caso de um físico que resolvia problemas de química,
“Ed Melcarek, a seven-time solver on InnoCentive, perfectly exemplifies this finding. Although Melcarek has a master’s degree in particle physics, he has never solved a physics challenge on InnoCentive. Instead, he peruses the chemistry and engineering categories on the site, searching for problems that might benefit from his expertise.”
2. Epifania e Serendipidade

A meio do livro Lehrer tenta definir mais em concreto o conceito de criatividade, acabando por o rotular de momento de epifania. Aquele momento em que a nossa mente vê claramente a ideia cristalizada, em que se faz luz. Um momento que é normalmente precedido de serendipidade na associação de ideias mentais. Lehrer fala nas ondas Alfa, que se verificam nos momentos que precedem a epifania. É como se estas varressem o nosso cérebro à procura de ligações, até descobrir o caminho entre ligações correcto. Quando encontram dá-se a epifania. Ao que parece estas ondas alfa não se activam de modo igual em todos nós, e parece, não é uma verdade absoluta, que as pessoas que produzem doses mais elevadas destas ondas são normalmente mais criativas, mais capazes de gerar novas ideias.


Em termos menos técnicos, Lehrer define de forma muito interessante o que diferencia a epifania do pensamento analítico, dedutivo ou indutivo. É que aqui a ideia aparece-nos à mente de modo quasi-instântaneo, como que empurrada pela serendipidade, enquanto no analítico sentimos claramente a nossa mente a deambular por entre ideias e pensamentos em busca de soluções lógicas.

3. Trabalho e Foco

Mas a criatividade não é, de todo, apenas fruto da serendipidade, e de ondas alfa. Lehrer dá-nos muitos exemplos ao longo do livro que demonstram o quanto a criatividade advém e muito do trabalho duro e persistente.
“The reality of the creative process is that it often requires persistence, the ability to stare at a problem until it makes sense. It’s forcing oneself to pay attention, to write all night and then fix those words in the morning. It’s sticking with a poem until it’s perfect; refusing to quit on a math question; working until the cut of a dress is just right. The answer won’t arrive suddenly, in a flash of insight. Instead, it will be revealed slowly, like a coastline emerging from the clouds.”
Exemplos disto são a quantidade enorme de cientistas, artistas e outros que tomavam drogas para acelerar o seu trabalho, para se manterem acordados, tudo em nome da persistência da busca pelas respostas. E daqui Lehrer vai falar-nos de um caso extremamente interessante que é o de Clay Marzo, um surfista campeão mundial com Síndrome de Asperger. O que o Asperger faz é normalmente levar a pessoa a evitar o contacto social e a concentrar-se intensamente numa actividade. Neste caso Marzo só consegue estar bem consigo próprio estando dentro de água, e a surfar. Pode passar mais de 8 horas diárias a fazê-lo.



E é isto que faz a diferença, alguém que treina, e treina, e treina vai tornar-se cada vez melhor. Não porque é um criativo, com excesso de ondas Alfa, mas por focar-se, treinar, experimentar, testar, tão intensivamente que acabará por conseguir desenvolver qualidades que os outros não conseguem. E a verdade é que se procurarem por doentes com Asperger vão encontrar muitos que se deram muito bem na vida. Apesar de não estarem identificados como tal, muitos acreditam por exemplo que Bill Gates, Steven Spielberg, Mark Zuckerberg entre outros sofrem de Asperger. A razão é a sua declarada inabilidade para lidar com o social, e a sua obsessão com aquilo que fazem. Estes possuem um problema que os leva a focar todas as suas energias apenas naquilo que lhes interessa, e podem por isso conseguir destacar-se.

Isto não quer dizer que o Asperger seja uma bênção. Um doente com asperger pode focar-se em coisas que não são de todo relevantes em termos financeiros na nossa sociedade. Por exemplo saber os nomes todos de listas telefónicas, ou contar folhas de árvores. Ou seja, o que nos diz este ponto, é apenas e só, que a capacidade de nos focar-nos intensamente sobre algo pode ajudar em muito ao desenvolvimento de acções criativas, originais, que inovam.

4. Deixar Fluir

Neste ponto Lehrer trabalha sobre as questões da limitação do nosso córtex pré-frontal, que já tinha discutido em How we Decide, e dando vários exemplos que poderão ler no livro. O que me interessa aqui reter é o facto de o nosso córtex pré-frontal ser limitado em termos de quantidade de informação que consegue processar. Ou seja enquanto estamos totalmente conscientes não conseguimos lidar com mais do que 5 a 7 elementos simultaneamente. Existem drogas que ajudam, os chamados desinibidores, e existem pessoas que conseguem de algum modo suspender esse controlo do córtex pré-frontal, embora isto tenha as suas consequências no resto dos comportamentos.
“The lesson of letting go is that we constrain our own creativity. We are so worried about playing the wrong note or saying the wrong thing that we end up with nothing at all, the silence of the scared imagination. While the best performers learn how to selectively repress their inhibitions, to quiet the DLPFC [Dorsolateral Prefrontal Cortex] on command, it’s also possible to lose one’s inhibitions entirely. The result is always tragic, but it’s a tragedy often limned with art.”
O nosso sistema DLPFC é dos últimos a desenvolver-se integralmente durante a nossa infância. Por isso existem ideias como a de Picasso “Every child is an artist. The problem is how to remain an artist once we grow up”. Ou seja o que se passa é que em crianças os nossos sistemas de censura não estão activos, e à medida que vamos crescendo vamo-nos tornando cada vez mais conscientes impossibilitando o improviso, ficando demasiado preocupados com o dizer a coisa errada no momento errado. Como refere Lehrer "It’s at this point that the infamous “fourth-grade slump” in creativity sets in, as students suddenly stop wanting to make art in the classroom.” 

Ainda assim podemos sonhar com a fluição de ideias mesmo em adultos, temos é de saber como. Por exemplo o passear livremente pela cidade experienciando as suas sensações, aquilo que Baudelaire qualificou de actividade de Flanêur, podem ser momentos que ajudem a exponenciar a criatividade. Porque é nesses momentos de despreendimento, de deixar fluir, que somos capazes de estabelecer mais pensamentos associativos entre ideias que jazem no nosso inconsciente. Aliás alguns estudos feitos sobre a sesta, demonstram o quão positiva esta é em termos criativos, por permitir esses momentos de relaxe e abertura ao inconsciente na troca de ideias.
“Once we fall asleep, the prefrontal cortex shuts itself down; the censor goes eerily quiet. Meanwhile, neurons all across the brain start shooting out squirts of acetylcholine. But this isn’t the usual excitement of reality; this activity is semi-random and unpredictable. It’s as if the mind is entertaining itself with improv, filling nighttime narratives with whatever spare details happen to be lying around.”

5. Social e Small Talk (Pixar)

Num estudo realizado sobre os musicais da Broadway chegou-se a uma conclusão que nos parece perfeito senso comum, mas que devemos recordar constantemente.
“creative collaborations have a sweet spot: “The best Broadway teams, by far, were those with a mix of relationships,” Uzzi says. “These teams had some old friends, but they also had newbies. This mixture meant that the artists could interact efficiently — they had a familiar structure to fall back on — but they also managed to incorporate some new ideas. They were comfortable with each other, but they weren’t too comfortable.”

Ou seja, para que possamos ser mais criativos, não devemos estar apenas rodeados de grandes amigos, nem de grandes desconhecidos, precisamos de uma mistura saudável. Por outro lado não basta juntar as pessoas de qualquer forma e esperar que estas colaborem apenas e só. Para isso Lehrer dá o excelente exemplo da Pixar, e dos seus métodos de trabalho. A Pixar lançou-se na construção de um novo edifício que foi totalmente pensado por Steve Jobs para poder estimular a criatividade dos criadores da Pixar. Nesse sentido em vez de criarem 3 edifícios separados, foi criado apenas um, e foi criado um enorme hall no centro do edifício de modo a permitir que todos se encontrassem. Para Jobs a questão central de uma empresa passava pela estimulação de interação entre os seus empregados.

But Jobs realized that it wasn’t enough simply to create an airy atrium; he needed to force people to go there. Jobs began with the mailboxes, which he shifted to the lobby. Then he moved the meeting rooms to the center of the building, followed by the cafeteria and coffee bar and gift shop. But that still wasn’t enough, which is why Jobs eventually decided to locate the only set of bathrooms in the atrium.
Jobs acreditava que os melhores encontros acontecem por acidente, no hall, no estacionamento, no bar. Jobs sabia que a chamada small talk não era uma perda de tempo, que as conversas aleatórias seriam uma fonte constante de novas ideias. E este tipo de ambiente é o que podemos hoje encontrar em empresas como a Apple, a Google ou a 3M. Como disse Brad Bird o criador de Incredibles e Ratatouille
“The atrium initially might seem like a waste of space . . . But Steve realized that when people run into each other, when they make eye contact, things happen. So he made it impossible for you not to run into the rest of the company.”

6. A Crítica é fundamental na criatividade

Um outro ponto importante no livro de Lehrer e que é ainda trabalhado na questão dos métodos de trabalho da Pixar, tem que ver com uma das maiores falácias de sempre no mundo das técnicas de criatividade, nomeadamente a técnica do Brainstorm. Vários estudos têm mostrado que esta técnica não é particularmente feliz quando comparada com outras, ou mesmo quando comparada com indivíduos a trabalhar isoladamente. Ainda assim, eu acredito particularmente no seu potencial, mais ainda se seguirmos a lógica espacial apresentada no ponto anterior.


Ou seja, o que Alex Osborn nos disse sobre a sua ideia do Brainstorm é que esta devia ser aplicada de forma a evitar a crítica. Ou seja juntar as pessoas e levá-las a regurgitar tudo o que lhes vai na mente, sem o receio de que alguém as criticasse. Isto faz algum sentido quando pensamos no ponto acima discutido sobre o Deixar Fluir. O problema é que os estudos têm demonstrado que as ideias que surgem dos normais processo de brainstorm são em número e qualidade reduzidas.

Na Pixar, todos os dias de manhã existem reuniões de Brainstorm, mas com uma nuance muito distinta de Osborn, é que aqui todos devem contribuir, criticando aquilo que está mal feito. Apontando os defeitos, chamando as coisas pelos nomes. O problema de um brainstorm deste tipo é que tem de ser muito bem gerido e regrado, porque corre o risco de rapidamente resvalar para a agressividade. Nesse sentido a Pixar impõe a seguinte conduta, denominada de Plussing. Uma ideia muito simples, que passa por, sempre que alguém critica alguma coisa, essa crítica deve conter um Plus, ou seja uma nova ideia que ajude a combater o problema encontrado. Segundo Charlan Nemeth, psicólgoca at UC-Berkeley, o que acontece é que,
“the reason criticism leads to more new ideas is that it encourages us to fully engage with the work of others. We think about their concepts because we want to improve them; it’s the imperfection that leads us to really listen.”
Aliás é por causa disto que as provas de doutoramento ou mestrado, ou os processos de revisão de artigos dos nossos pares, são tão importantes, nomeadamente quando trabalhados numa perspectiva crítica. É que para eu apontar uma crítica a um trabalho tenho de me envolver totalmente com ele, tenho de entrar dentro da cabeça do seu autor, e pensar como ele, ver a raiz do problema e procurar a sua solução. Se for apenas para dizer bem, esse processo nunca chega a acontecer. Envolver-me com o trabalho significa que não só o aluno vai ganhar, mas eu próprio ganho.


Charlan Nemeth realizou mais alguns estudos que demonstram a raiz do problema do brainstorming tradicional, e que passa pelo facto de o nosso cérebro não funcionar muito bem em termos de livre associação de ideias. Temos tendência para associar ao comum, fácil e familiar. Se perguntam por cor azul, o nosso cérebro diz Céu, ou Oceano. O interessante é a sugestão descoberta por Nemeth para evitar estes buracos do nosso pensamento associativo, e que passa por estimular as pessoas com ideias contrárias, mesmo que erradas, mas que nos façam tirar do marasmo do cliché.

Num dos seus estudos, colocou sujeitos a dizer as cores dos slides que passavam na tela, e no meio dos sujeitos colocou um colaborador, que de vez em quando gritava umas cores ao lado, ou menos usuais, como em vez de dizer vermelho dizia rosa, ou em vez de azul, Turquesa. Quando a seguir questionou as pessoas que tinham sido expostas à sessão com o colaborador que emitia respostas contrárias ou à margem, as pessoas reagiam com respostas mais invulgares que o grupo que não tinha sido exposto ao colaborador. Ou seja, à pergunta associativa para azul, já não diziam céu ou oceano, mas diziam por exemplo Smurfs ou Tarte de Amora.


7. A fricção humana e não a cidade

Este último ponto que aqui discuto é aquele em que mais discordo do pensamento de Lehrer. Ele monta todo um discurso para justificar o facto de que as Cidades são por natureza mais criativas que os meios pequenos, as aldeias. Lehrer suporta-se em Geoffrey West que nos diz que,

"As cities get bigger, everything starts accelerating. Each individual unit becomes more productive and more innovative. There is no equivalent for this in nature. Cities are a total biological anomaly. But you can’t understand modern life without understanding cities. They are the force behind everything interesting. They are where everything new is coming from."
É verdade que concordo com a necessidade de “fricção urbana”, esta pode ser muito útil e benéfica. Aliás responde àquilo que Jobs professava, de todos encontrarem-se com todos, da small talk, do inesperado. Mas não podemos tão facilmente extrapolar isto de um grupo de pessoas para um grande cidade. E o maior problema é que isso está à vista, se por exemplo Silicon Valley é um dos maiores centros criativos do mundo, por outro lado cidades gigantescas na China, México ou Brasil não se tornam automaticamente criativas apenas através da sua densidade populacional. Lehrer admite que estas discrepâncias entre cidades existem e procura trabalhar o problema realizando uma interessantíssima comparação, mas na qual falha para mim o seu objectivo. Realiza uma comparação entre a Route 128 em Boston e Silicon Valley, segundo Vivek Wadhwa, professor da Duke

 “If you were betting on an area to dominate [the tech sector] in 1975, you’d have been wise to bet on Route 128. It had a giant head start over everywhere else. The region had several elite research universities, such as MIT and Harvard, and a long list of successful technology firms. These companies had big contracts with the Defense Department and controlled the market for microchips and electronic hardware."
A verdade é que a história não deu razão a este pensamento. Aliás este caso de Leher está mal desde o ponto de partida, porque Moutain View em San Jose, era um lugar agrícola em 1956 quando William Shockley o co-criador do transístor aí se instalou para abrir a Shockley Transistor Corporation, que viria a impulsionar a criação da Intel. Vejam o que é hoje Mountain View, o que demonstra que foi possível gerar grande criatividade num meio pequeno. Para além disso, Mountain View tinha nessa altura uma população de 6 mil pessoas, e em 2010 apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, e patentes criadas, está abaixo das 100 mil pessoas, longe, muito longe de ser uma grande cidade.

Mountain View

Depois Lehrer vai tentar demonstrar que o problema da Route 128 ter perdido para Silicon Valley se deveu ao facto de esta ser dominada por empresas gigantes que preservavam segredo de tudo o que faziam e que com isso impediam a criatividade de brotar. Ao contrário de Silicon Valley aonde as pequenas empresas dependiam umas das outras para se fazerem valer, e que por isso partilhavam muitas ideias. O que é em parte verdade, a partilha criativa é um enorme estímulo à criatividade, mas não é o único caminho.  

Steve Wozniak e Steve Jobs com o Apple I

Para fechar o assunto Leher dá o exemplo do aparecimento da Apple baseado no sistema de partilha, que é verdade. Nisso Wozniak era totalmente diferente de Jobs, tinham visões muito diferentes. Mas a verdade é que a marca criativa deixada pela Apple, não é o Apple I e II de Wozniak, mas o Macintosh e o iPhone, que por sinal foram criados em grande segredo por Steve Jobs. A diferença, é que esses produtos foram criados em segredo, mas por uma equipa de pessoas que trabalhava sob um ambiente criativo igual ao que foi discutido acima no caso da Pixar.


Jobs era extremamente indelicado e rude nas críticas que fazia aos seus colaboradores, mas a verdade é que exigia destes que também fossem críticos e exigentes para com ele. Nas suas reuniões, não era anormal existirem grandes discussões e perturbação emocional entre as pessoas, e estas insurgirem-se contra as ideias de Jobs. Claro que se o fizessem teriam de ter argumentos para sustentar a sua crítica. E talvez seja esse um dos maiores segredos da história da Apple. A discussão profundamente crítica e exigente dos mais ínfimos detalhes dos produtos em desenvolvimento.

Para fechar, este não é o derradeiro livro sobre Criativade, talvez porque isso não seja possível, porque esta é em si mesma impossível de definir. Na sua essência, a criativdade é a originalidade, sempre diferente, não padronizável. Aliás como o próprio Jonah Lehrer admite quase no final do livro "Every creative story is different".

maio 29, 2012

gafes de informação, descuido ou manipulação

Foi detectada mais uma gafe na BBC com recurso ao uso de informação proveniente do mundo dos videojogos. Não é bem uma gafe menor, porque confundir o símbolo do Conselho de Segurança das Nações Unidas com o Comando Espacial de Halo é grave em termos de cultura geral. O vídeo pode ser visto na Eurogamer.pt.


Não são novidade as gafes nos media, sempre as houve, e sempre haverão. Também é verdade que nos dias que correm em que estamos todos sempre ligados é mais fácil detectar erros e gafes. Os fãs ou pequenas minorias detectam muito facilmente coisas estranhas ao seu universo, e podem facilmente fazer chegar essa informação a comunidades mais alargadas.

Noticiário da BBC usa símbolo de Halo em vez de símbolo da UN

Existe também aqui uma questão mais profunda, que tem de ver com a velocidade a que as coisas decorrem, a pressão que é jogada sobre as pessoas, à custa da existência destas novas tecnologias e que como não podia deixar de ser terá que ter um reverso da medalha. Porque estas são as gafes encontradas, mas quantas outras não passam despercebidas, e acabam por levar ao engano muitas das pessoas.

Por outro lado, estas gafes, poderão nem sempre ser apenas descuido ou ingenuidade. Há uns meses atrás tinha sido detectada um gafe também proveniente dos videojogos, neste caso num documentário, Exposure da ITV. Neste documentário eram apresentadas imagens de um suposto ataque do IRA a um helicoptero britânico fazendo uso de armas providenciadas por Kadaffi. O problema é que as imagens não eram reais, mas retiradas do videojogo Arma 2.


As imagens do jogo até poderiam ter servido de ilustração, mas não foi o caso pois elas aparecem descritas como sendo imagens reais captadas pelo próprio IRA. A ITV veio dizer que teria confundido as imagens numa busca no YouTube com umas outras. Mas pelo que o The Guardian veio depois a descobrir, parece-nos antes que não se tratou propriamente de uma gafe, mas antes de uma deliberada manipulação por parte da ITV. A ITV não quis gastar dinheiro na aquisição de imagens aproximadas, porque pensou que tinha encontrado no YouTube imagens reais do acidente. Entretanto a ITV tentou apagar os registos no YouTube mas a comunidade vai mantendo alguns mirrors activos, fica aqui abaixo até ser apagado.

Documentário da ITV com imagens falsas do IRA, assumidas como reais.

Nos dias que correm tornou-se inevitável que o cidadão façam ele próprio o cruzamento da informação. Não pode ficar sentado à espera que os media o façam por si. Estes sempre foram, apenas uma visão, uma perspectiva dos acontecimentos. Cabe-nos a nós analisar o que nos é dito, como é dito, e porque é que é dito.

maio 25, 2012

discurso de Neil Gaiman

Neil Gaiman foi convidado pela Universidade de Artes de Filadélfia para realizar um discurso aos alunos finalistas das artes. Para quem não conhece, Gaiman é um conceituado autor de banda desenhada, autor de inúmeros livros de banda desenhada, romances, peças de teatro e filmes. Ao longo da sua carreira ganhou os prémios Hugo, Nebula, Bram Stoker e ainda as medalhas Newbery Medal e a Carnegie Medal in Literature.


O seu discurso, é dedicado a todos aqueles que trabalham no mundo das indústrias criativas, para quem agora acaba os cursos, os que começam, ou quem nunca os fez ou está no ativo há muito tempo. São palavras carregadas de experiência pessoal, e que sabendo que não podem servir a todos da mesma forma, tenta ainda assim que sirvam de motivação. Gaiman fala claramente na necessidade de nos afirmarmos, de lutarmos por aquilo que mais gostamos e queremos.
"Do what only you could do best. Make Good Art. Is Your voice, Your Mind, Your Story, Your Vision. Live as only you can."
Porque quando se começa, não se sabe o que é possível nem o que é impossível. Assim "If you don't know it is impossible, its easiest to do". Só falhando poderemos aprender, nem todos os projectos vão sobreviver, assim como não vão todas as nossas ideias e desejos. Para Gaiman,
"A freelance life in the arts is sometimes like putting messages in bottles on a desert island and hoping that someone will find one of your bottles and open it and read it and put something in a bottle that will wash its way back to you: appreciation, or a commission, or money or love.
And you have to accept that you may put out hundreds of things for every bottle that winds up coming back.
."
E porque a vida de um criador, é feita do trabalho em regime de freelance, este deixa o seu segredo para que todos possam perceber como sobreviver neste meio, para além das garrafas deitadas ao mar na ilha deserta. Gaiman diz-nos que arranjamos trabalho, porque existe alguém para contratar. O problema é continuarem a pedir-nos trabalho a nós, e para isso existem 3 requisitos:

Ilustração de Yuko Shimizu, a partir do discurso abaixo de Neil Gaiman
People get hired because, somehow, they get hired. People keep working in a freelance world because the work is good, because they’re easy to get along with and because they deliver it on time.
And you don’t even need to do all three. Two out of three is fine.
Sometimes life is hard. Things go wrong. In life, in love, in business and in friendship, in health … and in all the other ways life can go wrong. And when things get tough, this is what you should do: Make good art.
Husband runs off with a politician? Make good art.
IRS on your trail? Make good art.
Cat exploded? Make good art.
Make it on the bad days; make it on the good days too.



"Make glorious mistakes, make good art"

maio 23, 2012

Laurie Anderson, histórias de sonhos

A tour portuguesa de Dirtday (2012), a nova performance de Laurie Anderson, arrancou ontem na Guimarães - Capital Europeia da Cultura no Centro Cultural Vila Flor, com o Grande Auditório (800) esgotado. Dirtday faz jus ao seu trabalho, não foge da linha e por isso não inova propriamente, não nos surpreende. Mas julgo que também não é isso que vamos à procura hoje num espectáculo seu, ao contrário dos anos 1980. Hoje o que pretendemos de Anderson é ser transportados, escapar para o universo gerado pela sua performance, que é acima de tudo uma performance de storytelling.


Ao longo de 1h15 somos transportados para um ambiente novo, criado através da luz, som, performance e claro narrativa. O que Anderson tem acima de tudo é uma capacidade encantatória. Tudo está feito para gerar em nós expectativa, criar o suspense, do que é que virá a seguir e qual a possível relação com aquilo que foi antes. Perceber as ligações, entrar adentro das metáforas e deliciar-nos com o espetáculo.


Adorei a primeira parte do espectáculo, julgo que é mais bem conseguida, ritmicamente e em termos de construção da ideia central daquilo que ela nos quer levar a questionar com Dirtday. A discussão em volta da ciência, evolução e religião é deliciosa. A segunda parte é um pouco alongada, algo redundante até. Apesar de gostar da ideia de entrarmos adentro do sonho, acaba por ser menos organizada, menos rica em metáforas e logo menos criadora de sentido. Contudo os efeitos realizados ao nível da voz são muitíssimos interessantes e cativantes. E no seu todo vale como experiência completa.

Apesar de cliché a discussão política sobre os EUA, chamou-me atenção particularmente o facto de Anderson apontar os políticos como contadores de histórias. E é interessante como ela nesta entrevista aqui abaixo sobre este espectáculo se dá conta, sobre o quanto ela é parecida com todo esse mundo da encenação, e criação de expectativas. Porque no fundo, é aquilo que somos todos, contadores de histórias, o que varia são as nossas audiências.

maio 22, 2012

Indefectible Blemish, projecto do Fantas

Indefectible Blemish é um excelente trabalho criado por um grupo de alunos da Licenciatura de Ciências da Comunicação da UM para o Fantasporto 2012. É um trabalho que foi realizado sob a direcção dos docentes António Branco da Cunha e Martin Dale, tendo na edição a Joana Silva, o Paulo Dias na realização, o João Vilares na luz, o João Braga e o Alejandro Montecatine na imagem, e depois na produção a Andreia Almeida, Cyntia Monteiro, Daniela Pereira, Joana Rodrigues, João Araújo, José Carvalho, Isabel Rodrigues, Paulo Dias e Sílvia Meneses.


Tenho de dizer que não que me surpreendeu, mas que muito me alegrou. Ver num único trabalho vários níveis de excelência, nomeadamente em três vectores - montagem, fotografia e som. A montagem porque tudo faz para para ser invisível, sem nunca deixar de enfatizar o que tem a dizer, ou melhor a mostrar. A fotografia porque é de uma enorme coerência de luz e cor, gerando uma atmosfera totalmente crível e envolvente. E o som porque é o principal narrador do filme, é quem nos conduz e explica verdadeiramente o que vai acontencendo no filme.



A narrativa não é nada do outro mundo, apesar de tratar algo que vem do outro mundo, como seria de esperar de um filme candidato ao Fantas. A forma como nos levam, como geram atmosfera, dá corpo à narrativa, não se esperando mais, pois as expectativas estão na forma e não na história.

escultura estática com dinâmica

Mustangs at Las Colinas (1984) de Robert Glen





Não conheço ao vivo, mas há alguns anos que conheço as imagens, e hoje acabei por não resistir partilhar. Se algum dia passarem por Dallas, Texas nos EUA não se esqueçam de apreciar.

maio 21, 2012

o tempo que passa, animado num mundo sem cor

The Eagleman Stag (2011) é mais um filme de estudante, a tese de Mikey Please no Mestrado em Animação do Royal College of Art (UK), mas que no ano passado arrebatou o BAFTA de Melhor Curta de Animação. O filme é a preto e branco e o material de base utilizado é tudo menos comum: desde esponja, a papel, arame, madeira, são alguns dos materiais utilizados. A narração é de David Cann.


Na forma temos um mundo físico, animado em stop-motion, num ritmo calmo mas naturalista. A atmosfera proporcionada pela clareza do branco de todos os materiais utilizados conduz-nos por entre a narrativa de forma muito subtil, não forçando e até contra-balançando o lado mais pessismista da narrativa. Da história vale mais ler a sinopse, pois apesar da linearidade da evolução do tempo, é tudo menos uma narrativa clássica.


"Peter’s life has been spent in both fascination and fear of his quickening perception of time  with age. As he nears the end of his days, his interest turns to obsession and he undertakes  progressively extreme measures to control and counter times increasing pace. Peter also  discovers that if you repeat the word ‘fly’ for long enough it sounds like you’re saying ‘life’.  This is of no real help to him. His answers lie in the brain of a beetle."

A entrevista dada por Mikey Please aos Bafta é muito interessante, gosto muito da paixão demonstrada por este pela animação enquanto arte, e deixo aqui a sua resposta sobre o que devem fazer aqueles que procuram entrar nesta área.


"Well, I think being represented by a production studio doesn’t guarantee anything, and lots of graduates wrongly seem to make that their goal. I think the trick is just not to stop making work, regardless of resources. It’s tough, but I really think if you put in the hours and enthusiasm you literally can’t fail."


Ou seja, o que Mikey Please diz é exatamente aquilo que Beethoven disse numa citação que partilhei esta semana no Facebook: “Don’t only practice your art, but force your way into its secrets, for it and knowledge can raise men to the divine.”


Sobre como foi feito existe um pequenino filme, com a promessa de em breve ser lançado um making of mais completo. No entanto no site é possível ver mais imagens da criação do filme.

a radiação gama

Poderoso e perturbador. Uma curta que nos fala dos universos de Chernobyl, e que só por nos dar ver o local, nos transporta para uma atmosfera diferente, nos envolve e prende a nossa atenção. Gamma trabalha no sentido de nos deixar a ver, e dá-nos a ver o que podem representar os raios Gamma. Apesar de ficcional, é impossível ficar indiferente a este filme. Não é dito claramente que o filme foi filmado em Chernobyl, apenas que foi filmado na Ucrânia e no Cazaquistão, não sei se por falta de autorização. Pelo que me é dado a ver tudo me convence de que terá sido filmado no local do desastre de 1986.


A composição digital e o 3d terá sido o grande objectivo da realização do filme por parte da equipa da Factory Fifteen (UK). Tenho a dizer que gostei, mas algumas das cenas precisavam de um pouco mais de trabalho nas texturas, nomeadamente para limar brilhos e iluminação. Apesar de tudo o filme é credível e funciona muito bem.

Gamma (2012), Factory Fifteen

Depois de verem o filme dêem uma vista de olhos no making of, vale a pena.

maio 19, 2012

Entrevista com Pedro Mota Teixeira

Depois do enorme sucesso que foi o video clip Sexta Feira do Boss AC resolvi fazer algumas perguntas ao Pedro Mota Teixeira criador do vídeo. O Pedro é para além de um excelente profissional, uma pessoa de uma enorme simpatia e humildade, digo-o porque tenho trabalhado com ele no âmbito do seu doutoramento em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho nos últimos anos, e não deixa de me surpreender. Com 37 anos é licenciado em Design de Comunicação e Mestre em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e é neste momento o director da Licenciatura em Design Gráfico do IPCA.


1 - Começaste pela Ilustração e BD, como é que passaste para a Animação, e depois para a Animação 3D?
:: Sim, comecei pela Banda Desenhada muito cedo. Com 16 anos ganhei dois prémios nacionais de BD (ainda estava no secundário, a frequentar a Escola Artística Soares dos Reis, no Porto). Depois, já na faculdade, continuei a desenvolver ilustração e BD, com mais alguns prémios – ganhei 3 anos seguidos o concurso de BD de Matosinhos, organizado pelo Salão de Banda Desenhada do Porto. Neste enquadramento, fui publicando alguns livros e, quando acabei a licenciatura, fui "recrutado" (soube mais tarde, à custa destes prémios) pela produtora Miragem, para trabalhar no projecto de TV "Major Alvega", para o qual desenvolvi, inicialmente, toda a ilustração, desenhando directamente numa "wacom", e, mais tarde, quando houve necessidade de aumentar a equipa para acelerar todo o processo de animação, fiquei responsável por essa equipa multidisciplinar que ia da ilustração à animação 2D e 3D.
Para poderes entender como tudo isto se desenrolou, tenho que voltar um pouco atrás… Os meus primeiros passos na animação foram guiados pelo Prof. Clídio Nóbio, na altura docente na Escola Artística Soares dos Reis, um homem da animação, que me deu a conhecer a Cinanima, alguma documentação mais "pesada", etc. Sempre fui muito pró-activo, daí ir desenvolvendo, na faculdade, trabalho nas áreas do 2D (flash, sobretudo) e 3D (lembro-me de desenvolver projectos na UC de Vídeo que misturavam 3D com imagem real, coisas muito amadoras, e de me apontarem como sendo “demasiado ilustrativo”. Aliás, devo dizer que o design só, não me completava, tinha alguma necessidade de pôr tudo a mexer!
Mais tarde, na Miragem, tinha as condições todas para evoluir: equipamento profissional, uma equipa muito competente e muita vontade de trabalhar! Fui quase obrigado a tirar, num ano e meio, um curso intensivo em várias aplicações. Sempre me senti confortável com a animação, apesar de, na altura, o 3D estar entregue a outros profissionais, o António Gonçalves (Seed Studios, e Linha de Terra) inicialmente, e o Luís Felix mais tarde (meu incansável amigo com quem há muitos anos comecei nestas andanças). A minha preocupação era conhecer o mais possível as técnicas digitais (2D e 3D) para poder gerir as necessidades de cada sector. Julgo que a minha grande contribuição na altura foi precisamente ter criado uma "linha de montagem", ter recrutado as pessoas certas e ter sido muito rigoroso com a estética da série (a minha costela de designer formado pelas Belas Artes: questões de composição, iluminação, expressão, sempre foram importantes). No final fomos nomeados para os Emmys.
Na Animago, apesar de me focar mais na realização, não deixava de explorar todos os sectores. Nos últimos seis anos, por razões académicas, de facto, tenho investido mais no 3D, mas não quer dizer com isso que privilegie esta técnica. Pelo contrário, aprecio a diversidade das técnicas da animação.



2 - Tanto trabalhas em 2D, como em 3D. É semelhante, é fácil para qualquer animador fazer esse cruzamento de dimensões?
:: Não é. Mas julgo que o mais importante para um animador é saber animar nos moldes tradicionais. Do meu ponto de vista, o computador é mais uma ferramenta, assim como o 3D é mais uma dimensão. É por isso que a Pixar recruta animadores com profundos conhecimentos da animação clássica. Claro que o domínio do software é importante, mas a animação não melhora por ser feita num ou noutro software, é a visão do animador que traz os resultados, independentemente de trabalhar no 3DS, Blender ou no Maya. Para mim, quando o animador tem as noções certas de timing, da importância da luz, da volumetria das sombras, da continuidade de planos, da interpretação da personagem, etc, o 3D traz imensas vantagens. E deixa-me acentuar que não tenho a visão que a “transformação do desenho” seja exclusivo do 2D. Não é um acaso que, nos últimos anos, curtas e longas criadas em 3D tenham arrecadado todos os grandes prémios internacionais. Aliás, a maior parte dos “dinossauros” actualmente já incorpora 3D nos seus projectos, seja de uma forma assumida ou dissimulada. Uma das vantagens do digital, nomeadamente do 3D, é a sua resiliência e capacidade de absorver uma infinidade de disciplinas e de estéticas.



3 – O teu projecto "Pedro e o Gato" é um sucesso na área da animação em Portugal, com a tua empresa de audiovisuais “Animago” acontecera o mesmo, qual é o teu segredo?
:: Julgo que na altura, o sucesso da Animago surgiu porque os principais recursos humanos da Miragem “transitaram” de uma empresa para outra, para além de, confesso, haver na altura falta de bons animadores virados para o mercado. Julgo que a Animago, no Porto, foi pioneira com a prestação de serviços de animação digital para genéricos televisivos, apresentações multimédia, cruzamento da imagem real com animação digital, o que agora designamos de “motion graphics”, etc.
A “Pedro e o Gato”, surge muito simplesmente porque, a determinada altura, me cansei de todo o frenesim que é desenvolver dezenas e dezenas de trabalhos comerciais, e também porque me sentia distanciar cada vez mais da criação (sendo sócio-gerente e director criativo, passava os meus dias em reuniões e viagens). Decidi, então, que estava na altura de desenvolver projectos com mais tranquilidade, e que me realizassem doutra forma. Claro que isso entrava em conflito com a Animago, que existia muito convictamente para prestar serviços ao mercado.
Nessa altura surgiram várias propostas, e aceitei o desafio para assumir a direcção do Curso de Design Gráfico no IPCA (Instituto Politécnico do Cávado e do Ave), participar na criação do MIA (primeiro mestrado público em Ilustração e Animação), conjuntamente com a Paula Tavares e a Marta Madureira, e dar apoio no desenvolvimento de um super laboratório de jogos digitais que, finalmente, irá surgir ainda este ano.
No fundo, em vez de Pedro Mota Teixeira, temos a “assinatura” do gato, que é uma imagem de marca que tinha criado na altura da Animago. Em tudo o que faço (sempre que possível) coloco sempre um gato preto ☺. Foi a forma que encontrei de se identificar facilmente o meu trabalho. E tem funcionado, ouço malta a dizer-me: “Sabes como sei que o filme é teu? Vi um gato preto no genérico, é teu não é?”.




4 - Muito do trabalho 3d em Portugal é feito no campo da publicidade, mas tu tens trabalhado acima de tudo para TV/Cinema (curtas, séries, genéricos, vídeo-clips). Por alguma razão em concreto, é uma opção ou tem mais a ver com a tua rede de contactos?
:: É uma opção pessoal. Normalmente em genéricos e videoclips tenho espaço criativo. Neste momento tenho a sorte de poder aceitar participar em projectos quando são de cariz autoral, quando me permitem explorar diferentes experiências estéticas e, sobretudo, quando me permitem estudar questões ligadas à criação de personagens, a minha área de doutoramento, e de interesse pessoal.


5 - Em termos de trabalho, para quem quer trabalhar na área, existe alternativa ao trabalho empresarial e/ou freelance na área da animação, dos audiovisuais, no fundo das áreas criativas? Em Portugal e mesmo internacionalmente.
:: Como docente preocupam-me as saídas profissionais dos alunos. A minha experiência diz-me que, felizmente, há muitos casos de sucesso. É necessário que o aluno seja competente, saiba pensar e executar; mas a forma como se posiciona na relação com o cliente, os colegas e o trabalho também ditará muito do seu sucesso. Nem todos são empreendedores ou artistas, mas a animação tem surgido em diversas plataformas, na Web, nos videojogos, nos motion graphics, o que também quer dizer que o campo de intervenção é dinâmico e com horizontes cada vez mais alargados. Suzanne Buchan, editora da Animation Journal é peremptória em afirmar que actualmente, a animação existe em formatos híbridos, em múltiplos suportes de comunicação, que podem e devem fomentar a criatividade e o empreendedorismo. Assim, a aposta na cultura e nas áreas criativas não deve ser desvalorizada; pelo contrário, deve ser um forte investimento.

Vasco, mascote do Oceanário

6 – Como é que vês a Animação em Portugal, é uma área com potencial de crescimento, em que áreas devemos apostar? E temos massa crítica para o fazer, ou vamos continuar a olhar para a área como uma actividade secundária?
:: Infelizmente não vejo a animação em Portugal de uma forma muito entusiasmada. Durante muitos anos viveu de curtas-metragens com apoios estatais do ICA e poucos recursos financeiros, distribuídos sempre pelas mesmas produtoras e autores. O circuito dos festivais era o único recurso de divulgação e fazer séries de animação não trazia retorno financeiro nenhum. Em suma, julgo que o futuro da animação passa por apostas em alternativas de financiamento, co-produções nacionais e internacionais, e por tirar proveito das novas tecnologias. O potencial da animação digital é enorme, não deve ser menosprezado, e temos que olhar para ela como uma ferramenta de trabalho com enormes vantagens.


7 - Referes que o vídeo Sexta-feira para o Boss AC, que já vai com mais de 2 milhões de visualizações no YouTube, como um trabalho autoral porquê? Ainda é possível criar trabalho autoral em 3d em Portugal? Quais são os maiores entraves?
:: Agora já vai em quase 4 milhões! O fenómeno das redes sociais é incrível, há meia dúzia de anos atrás isto nunca aconteceria! O termo “trabalho de autor” não me faz confusão nenhuma, basta olhar para trabalhos de Andrew Hickinbottom, Rebeca Puebla, Michael Kutsche, William Joyce, etc. para perceber que existe uma linguagem estética, única e expressiva, independentemente do alto domínio da técnica computacional. O entrave continua a ser a desconfiança com que alguns ainda olham para a ferramenta do computador, mas também a dificuldade em se poder criar “livremente” em projectos comerciais. Com o vídeo do BossAC foi muito fácil, foi-me dada total liberdade criativa.



8 - Ainda sobre este vídeo, como é que deste a volta aos direitos de autor da Lego?
:: Alterando as dimensões do lego. Na realidade é parecido com um lego, mas não tem exactamente as mesmas dimensões, e os encaixes também são diferentes. Por outro lado, por ser um trabalho de autor, não comercial.


9 - O trabalho que fizeste para o Café Central, é bastante diferente do que tens feito, em termos de controlo total da animação final. Em que medida é que isso choca com a tua noção de autoria e como é que minoraste essa questão?
:: Numa altura que o país atravessa um tempo delicado, este era o momento de dar voz a um Silva ou um Águas, no fundo, ao português anónimo. Todos os dias ouvimos injustiças, o caso da escola da Fontinha, dos cortes nos subsídios, nas pensões, etc. Por isso, o desenho das personagens exigia também uma linha mais agressiva, rude, um tom mais polémico que, partindo do humor, pudesse abordar temas sérios. Para tal era necessário que a animação pudesse ser gerada em tempo real de modo a acompanhar a actualidade das notícias. Em prol da importância da mensagem e devido a algumas limitações do software que gera toda a animação das personagens, procurou-se que a interpretação da personagem fosse credível o suficiente para que a mensagem passasse e suplantasse alguma rigidez da animação. Julgo que foi dado um passo importante no que toca a uma animação socialmente “interventiva” e “participativa”, mas também em termos tecnológicos, porque a animação interactiva é um campo com imenso potencial, que poucos conhecem. Diga-se que o desafio foi alargado ao MIA (Mestrado em Ilustração e Animação) do IPCA, que respondeu muito positivamente através da participação de alguns alunos.


10 - Qual o melhor trabalho que fizeste até hoje e porquê? E qual o trabalho que te deu mais prazer, e porquê?
:: Não sei se foi o melhor trabalho, mas tenho um especial carinho pela “História de um Caramelo” porque, em primeiro lugar, identifica uma época importante da minha vida, depois, porque é representativo no meio por ter sido o primeiro filme em tecnologia 3D apoiado pelo ICA, depois ainda, porque envolveu um trabalho de equipa com pessoas que valorizo, e, finalmente, porque foi um daqueles projectos em que a vontade de fazer conseguiu ultrapassar todas as dificuldades. E já agora, quando surgem elogios de animadores e realizadores internacionais, é sempre muito gratificante.