dezembro 27, 2011

The Cat and the Coup (2010), política e arte persa nos videojogos

The Cat and the Coup (2010) é um brilhante artefacto que mescla a linguagem dos videojogos e do filme de documentário. São os próprios autores Peter Brinson e Kurosh ValaNejad que o qualificam como videojogo de documentário, e não discordando podemos dizer que é um tipo de jogo que se poderia enquadrar também no campo dos newsgames ou ainda mais lato, dos serious games.


Em The Cat and the Coup jogamos um personagem que tem a forma de um gato, o gato do primeiro Primeiro-Ministro do Irão eleito democraticamente. Nesse sentido, enquanto gato, podemos estar perto do político e perceber o que se terá passado no verão de 1953 quando uma tentativa de golpe de estado foi engendrada pela CIA.


Em termos de jogo somos levados por entre um espantoso trabalho de ilustração, com mecânicas simples mas envolventes, e através do qual vamos percebendo o desenrolar dos factos. A ilustração socorre-se de todo o texturado muito típico dos padrões da pérsia, pouco comuns para os ocidentais mas atraentes pelo exotismo. As mecânicas estão praticamente assentes em puzzles de física, em que vamos descobrindo como utilizar a gravidade e as acções do gato para ir passando de sala em sala.


The Cat and the Coup foi criado na University of Southern California, no motor Torque, e ganhou o prémio "Documentary Game" no CADE 2010. Pode ser adquirido grátis no Steam, e podem contar com uma experiência altamente enriquecedora de cerca de 20 a 30 minutos.





dezembro 26, 2011

Entrevista: desenvolvimento de "Ca'Crise Moço!"

A NO3XIT criou uma pequena sátira social, Ca'Crise Moço! (2011), no formato de videojogo, no qual substituiu o Mario da Nintendo pelo Zé Povinho de Portugal, e em que, em vez de ganharmos bónus e sermos surpreendidos por cogumelos e tartarugas, somos assaltados a todo o momento pelo IVA e IRS, pela Troika, pelo PS e PSD. É aquilo que poderíamos definir de "videojogo cartoon". Em termos de mecânicas o jogo é do género plataformas totalmente decalcado dos jogos 2d do Super Mario. Não prima pela originalidade do gameplay, nem pela qualidade gráfica, contudo esse não era o objectivo da NO3XIT como se poderá ver pela pequena entrevista que lhes fiz aquando do lançamento do jogo.


Podemos chamar-lhe operação de marketing, uma tentativa de criar um viral para chamar atenção para o lançamento da sua empresa. Contudo o que é relevante aqui para mim, é o facto de ter usado a linguagem particular dos videojogos para o fazer. E que bem, porque conseguiram não só fazer um produto de marketing online como conseguiram criar um cartoon político que fala às pessoas. Deste modo não posso deixar de dar os parabéns à NO3XIT por ter posto em prática um trabalho criativo desta natureza, que alia o cartoon ao jogo, e claro pela sátira social apropriada ao momento que atravessamos. Aqui fica a entrevista.


1 - Como surgiu a ideia? Porquê um videojogo?

Sendo Natal e estando Portugal a sofrer particularmente com a crise mundial, que melhor prenda para os portugueses que poder gozar por um bocadinho com a dita. Portanto, a ideia era criar algo viral que “infectasse” os cibernautas lusos com o desejo de brincar com malfadada crise através de um simples e despretensioso videojogo. Adicionalmente considerámos que seria uma boa estratégia para promover a capacidade de desenvolvimento de produtos multimédia da nossa empresa, a No3xit.
Para além do óbvio valor de entretenimento, os videojogos também podem ser utilizados como um importante meio de comunicação. Com esse intuito, desenvolvemos um videojogo que retratasse, com muito humor, o panorama social e político que o nosso país atravessa neste momento. O elevado nível de dificuldade que o jogador sente ao jogá-lo, reflete as inúmeras dificuldades que o Povo Português sente e, provavelmente, continuará a sentir nos próximos tempos. Assim sendo, quando alguém diz que o jogo é bastante difícil, a pergunta a fazer é a seguinte: “Realmente é mesmo difícil, mas será mais difícil que a própria crise”.


2 - Quem está por detrás do jogo e o que pretendem com o jogo? Quem é a NO3XIT?

O “Cá’Crise Moço” é o resultado de um trabalho de equipa e por isso é difícil dar um só nome. Na No3xit orgulhamo-nos de ter um espírito muito democrático e de partilha, incentivando as diferentes pessoas a contribuir com seu cunho pessoal. Foram muitas as trocas de ideias e os “brainstormings”.Com o jogo pretendemos oferecer uma prenda de Natal a todos os cibernautas lusitanos (de Norte a Sul do país, regiões autónomas e, não esquecendo, a grande comunidade de emigrantes).
A No3xit foi fundada no mês de Agosto, trata-se, essencialmente, de uma produtora de videojogos. No entanto, apesar de queremos especializar nesse domínio, também desenvolvemos outro tipo de produtos, como: websites (criativos), vídeos/animações e aplicações para telemóvel.


3 - Quantas pessoas estiveram envolvidas na criação, e que formação têm?

A prática da empresa é que, dentro do possível, todos deverão intervir nos projetos. Nesse sentido, todos tiveram uma participação no desenvolvimento deste videojogo. Em alguns casos, curta, noutros, mais longa. Efetivamente, a equipa regular foi constituída por 4 pessoas.
Atualmente a No3xit é constituída por 14 pessoas que formam uma equipa multidisciplinar que inclui ilustradores, animadores, modeladores e programadores. A formação dos nossos elementos é muita variada, incluindo pessoas com um CET, estudantes de licenciatura, licenciados, mestres e até um estudante de doutoramento, nas áreas da Multimédia, Sistemas de Informação e afins. Infelizmente, apesarem de contarmos com pessoas com um enorme potencial, muita criatividade e paixão pelos videojogos, estas não possuem a experiência necessária para se constituir uma equipa verdadeiramente especializada. Portanto, desde a génese da empresa, temos sobretudo investigado e aprendido o mais possível sobre o desenvolvimento de videojogos


4 - Quanto tempo demorou desde a ideia à publicação?

Foi tudo muito rápido! A rapidez resultou da urgência em promover a empresa combinada com um grande esforço de trabalho. Tivemos a ideia, sensivelmente, no início do mês de Dezembro. Contudo, o jogo foi implementado praticamente numa semana de trabalho.


5 - O que é que vos deu mais gozo em todo este processo?

Toda a concepção do videojogo (game design) deu-nos imenso gozo. Pensar o conceito. Traduzir a linguagem da crise para a dos videojogos. Aspectos, conceitos e simbologias como as SCUTs, a Troika, o IRS, o IVA, o “buraco” da Madeira e os partidos políticos não são facilmente traduzíveis, quer pelo seu nível de seriedade, quer pelo facto de serem fundamentalmente conceitos abstractos com impactos muito reais na vida das pessoas. Mas no fim, essas dificuldades só serviram para aguçar o nosso engenho.
Adicionalmente foi igualmente muito engraçado toda a concepção do nível (level design) e os próprios testes de fiabilidade (beta testing) demonstraram ser “dolorosamente” divertidos.


6 - Utilizaram o Flash para fazer o jogo por alguma razão em especial?

O Adobe Flash, apesar das críticas que é alvo, é um software ensinado em várias escolas e institutos superiores. Como a maioria das pessoas da No3xit já possuía bons conhecimentos académicos de Flash e também levando em consideração a celeridade do projecto, neste contexto específico, tornou-se facilmente a escolha óbvia para desenvolvimento do jogo. No entanto, também temos a noção que perdemos bastante pelo facto do jogo não correr em iPad ou iPhone, mas tinha que ser desenvolvido muito rapidamente. Contudo, a partir de Janeiro, a nossa estratégia é a de passar a usar o HTML5 em detrimento do Flash.

dezembro 22, 2011

Oíche Mhaith (2011), um murro no estômago

Oíche Mhaith (2011) é um forte murro no estômago, para mim um dos mais fortes que levei num videojogo. Ao início não percebemos, somos levados pela menina, mas a pouco e pouco vamos entendendo o que se passa naquela casa, as emoções começam a subir, a meio do jogo o coração já está fortemente acelerado e os níveis de ansiedade são bem elevados, o mal-estar, a melancolia, a ansiedade apoderam-se de nós.


A forma como Terry Cavanagh e Stephen Lavelle desenharam a experiência e escreveram a narrativa é soberba, no sentido em que através de formas tão simples, ainda que com níveis de interactividade algo reduzida, conseguem levar-nos a estados emocionais raros neste media. Não é de todo fácil estimular este tipo de emocionalidade num jogador, e só por isso esta obra merece que nos detenhamos contemplativamente sobre ela muito após o termino do jogo. Mais ainda ao som da belíssima composição musical do próprio Lavelle.


Oíche Mhaith é uma expressão do gaélico irlandês que quer dizer, "Boa Noite". Em termos narrativos e sem querer levantar demasiado sobre a mensagem podemos dizer que Oíche Mhaith é o equivalente de Precious (2009) no mundo dos videojogos, ainda que seja um jogo muito curto.

Precious (2009) de Lee Daniels

Os criadores desta pérola foram Terry Cavanagh sobejamente conhecido na cena indie pelos jogos - Don’t Look Back (2009),  VVVVVV (2010), e At a Distance (2011), e Stephen Lavelle que é um dos designers indie mais prolíficos de sempre, na página do próprio podem jogar os seus mais de 150 jogos criados. Lavelle tem vindo a colaborar com outros criadores, de entre os quais destaco aqui também a colaboração com Hayden Scott-Baron na criação do excelente Piroutte (2011). Um jogo que a Apple obrigou a que fosse resubmetido à App Store, mudando a categoria de jogo para livro, algo que por si só daria para um artigo completo.

dezembro 20, 2011

a arte de Alice por Luis Melo

Alice: Madness Returns (2011) é sucessor do imensamente badalado American McGee's Alice de 2000. Um sucesso que se deveu na altura muito à sua abordagem visual, tendo recebido um 10/10 da GameZone e um 9.4/10 da IGN. Desta forma não surpreende que o regresso da Alice de McGee seja agora coroado com o prémio Best Video Game Art in 2011 pela MSNBC.


Mas se trago aqui este prémio, não é apenas por ser admirador do trabalho de McGee, mas porque o prémio foi dado a uma equipa de artistas visuais, liderada por Ken Wong, e entre esses encontra-se o português Luis Melo.

Concept art de Ken Wong para Alice: Madness Returns (2011)

Screenshot do Hysteria Mode do jogo Alice: Madness Returns (2011)

Luis Melo com 30 anos e formado em belas-artes, tem-se dedicado à ilustração para videojogos. Esteve envolvido no projecto durante cerca de um ano e meio, tendo trabalhado apenas um par de meses em Portugal, e o resto do tempo em Shanghai junto da restante equipa da Spicy Horse que criou o jogo com American McGee. Interessante ver como é que o Luís chega ao mundo da ilustração e concept art.
"Foi algo imprevisível, e devido à minha ignorância sobre o meio, um pouco tardio. A meio da faculdade e um pouco insatisfeito com o curso, comecei a brincar com software para fazer jogos. Não sabia sequer que havia profissões a sério como “concept artist”. Foi ao pesquisar sobre arte para jogos e tutoriais que descobri a pintura digital. A partir do momento em que encontrei fóruns de ilustradores, tudo mudou para mim e começou a evoluir muito depressa. As comunidades online eram muito activas e o feedback que tive de outros artistas fez com que aprendesse imenso em pouco tempo"
Theatre, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Apesar de não ser um prémio muito conhecido no meio, não é de somenos quando sabemos que em competição estavam pesos pesados como Rage, Batman: Arkham City, ou The Elder Scrolls V: Skyrim. Aliás em conversa com o Luís no Facebook ambos declarámos o nosso espanto por este prémio tendo em conta a competição. Contudo a verdade é que os trabalhos criativos de McGee obedecem a um traço marcadamente singular em termos visuais, e isso sem dúvida está na base deste prémio. Nesse sentido o Luis Melo diz-nos,
"Não só a componente artística do jogo foi extremamente cuidada, como possui um estilo muito específico e muito difícil de “dominar”. Ideias que pareciam boas muitas vezes não funcionavam ou não se enquadravam, e foi um duro processo de aprendizagem que parecia nunca estar terminado. Ao mesmo tempo, foi um projecto altamente motivante do ponto de vista do design. Não é em qualquer jogo que somos premiados por desenhar chaleiras diabólicas ou polvos alcoólicos. Independentemente da originalidade deste título como jogo do ponto de vista técnico, a arte e o design que o compõem tiveram por trás um tipo de pensamento louco que não é comum na indústria mainstream" 
Maze, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Underwater, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Sheet do personagem Octopus, com traços de José Saramago, por Luis Melo, para Alice: MR (2011)

Entretanto se quiserem mais, vejam o site do Luis Melo, joguem o jogo, ou então deliciem-se com o livro The Art Of Alice: Madness Returns da Dark Horse.

dezembro 18, 2011

José e Pilar (2010), a simplicidade da vida

Tenho de confessar que ainda não tinha visto o filme, vi-o ontem à noite finalmente, e fiquei muito emocionado. José e Pilar (2010) é um retrato fiel do que é ser-se humano, no qual a genialidade humana é resumida através de uma surpreendente simplicidade, em que somos conduzidos pela vida sem dogmas, transcendências ou mistérios. É um filme frontal que luta por um posicionamento justo na relação entre humanos, contra as ideias de ordem política, religiosa, ou sexual que oprimem, impõem, ou discriminam.


O filme nasceu das imagens recolhidas, por Miguel Gonçalves Mendes e a sua equipa da JumpCut, ao longo de 4 anos (2006-2009), na intimidade de José Saramago e Pilar del Río. Ao longo dos últimos anos de vida de Saramago, Miguel Gonçalves Mendes gravou 240 horas de imagens e sons de depoimentos, desabafos, suspiros, e muito amor. Por momentos podemos até pensar que José e Pilar é o que é por causa dos seus protagonistas serem quem são. Se não é menos verdade, que sendo quem é nos entusiasma, mais ainda sabendo que estamos a presenciar os últimos dias de alguém, aquilo que é preciso dizer é que esta não é uma obra de José Saramago mas do Miguel Gonçalves Mendes.


São quatro anos reais, resumidos em duas horas que nos apresentam uma realidade re-construída com base no melhor que a gramática fílmica tem. Miguel Gonçalves Mendes construiu uma obra que nos carrega, nos conduz, nos condiciona e emociona. Temos aqui uma narrativa plena, não há lugar ao meramente descritivo, apenas à dramatização. Por vezes quase que esquecemos que é um documentário, que são pessoas reais, que não há guião, nem ensaio, que não há direcção de actores que o que vemos são vidas que se desenrolam em frente a uma câmara. E isto acontece porque o trabalho realizado, tanto na captura das imagens, nas entrevistas e construção de questões, como depois na selecção e edição é de uma enorme qualidade. E só esta qualidade é que permite que o filme quase se apague, se torne invisível, e nos dê apenas a sentir José e Pilar, ainda que pelos olhos de Miguel Gonçalves Mendes.


A música ajuda muito, é um documentário carregado de música, não apenas para encher a paisagem sonora, mas para conduzir a narrativa. Faz parte da linguagem, porque o meio é não apenas visual, mas também sonoro. A banda sonora é aqui ainda mais importante uma vez que grande parte da construção dramática é construída sobre fragmentos de realidade. O filme fica assim a dever bastante à excelência do trabalho de David Santos, aka Noiserv.

"Nascer, viver e morrer. E acabou. Mais nada." Saramago in José e Pilar (2010)


Impressiona como a simplicidade nos torna mais lúcidos, menos ansiosos, e mais humanos.

dezembro 17, 2011

Off Book: "Product Design"

Mais um episódio da série Off Book, este trata o Design de Produto. É mais uma óptima oportunidade para confrontar as ideias entre o valor da arte e o valor do design e perceber não apenas a diferença, mas a enorme importância do design para a sociedade.


"opportunities for design to continue to make a difference, it's going to be about sustainability examples that actually work"


"We swim in an ocean of products. Behind each one, there is someone (hopefully) thinking about the way we experience it."


Episódios anteriores da série Off Book

1 - Light Paint
2 - Type
3 - Visual Culture Online
4 - Steampunk
5 - Hacking Art 
6 - Street Art
7 - Etsy Art & Culture
8 - Video Games
9 - Fashion of Artists
10 - Generative Art

Alucinando Imagens, à la CSI

Um grupo de investigação da Microsoft Research, liderado por Ce Liu, anda há alguns anos a trabalhar num método de "alucinação facial" para imagens estáticas. Este método tem sido melhorado e o mais recente desenvolvimento publicado pela equipa, A Bayesian Approach to Adaptive Video Super Resolution (2011), dirige-se ao vídeo, ou seja às imagens em movimento.

Acima tenho apenas uma imagem, o vídeo pode ser visto no site de Ce Liu

A alucinação de imagens diz respeito a um método que procura dar resposta a um dos maiores problemas que ocorre no processo de aumento de imagens. Ou seja quando tenho uma imagem pequena digital e preciso de a aumentar, o resultado é sempre bastante fraco, e quanto mais aumentamos menos semelhança vai tendo a imagem aumentada com a original. No fundo a alucinação é um processo que melhora a qualidade dos processos de aumento de imagem. O método chama-se alucinação, porque não se trata de uma reconstrução mas antes de uma criação sintética extrapulada a partir de uma análise matemática das imagens.

O sistema tem de ser previamente ensinado em termos do tipo de imagens (neste caso grandes planos de faces) que deve alucinar.

É uma área de investigação muito interessante porque não só complexa, mas também pela quantidade de aplicações que pode servir. Aliás isto é algo que vemos muito no cinema e séries como o CSI, como processos de pura ficção, quando eles ampliam reflexos em espelhos, ou sombras e reconstroem a cara do assassino. O que a equipa de Ce Liu faz, assim como outras equipas a trabalhar neste campo, é tentar apontar possíveis soluções para este problema.


Contudo devemos continuar bastante cépticos, o termo alucinação é o termo adequado porque continuamos longe da realidade. Dificilmente algum dia poderemos ampliar uma imagem para ver lá detalhes que não eram visíveis no seu tamanho original reduzido. É muito bom isto que aqui vemos, mas na verdade é mais uma melhoria estética do que propriamente uma revelação do não visível. E aquilo que vamos vendo no CSI, como neste excerto, continua a ser uma utopia.

dezembro 15, 2011

Pacotes de Jogos Indie #4

Os Humble Indie Bundles são pacotes de jogos independentes, que são vendidos e distribuídos online, por um preço que é determinado pelo jogador que compra. Para além disso os jogos são sempre multi-plataforma (Win, Mac e Linux) e livres de DRM. Uma vez comprados, ficamos com acesso a download vitalício do jogo.


De cada compra reverte sempre uma parte para associações de caridade (Cruz Vermelha Americana, ou Child's Play), no momento em que compramos podemos definir como é feita a divisão do dinheiro que pagamos: a percentagem que vai para a caridade, a percentagem para a distribuição, e a percentagem para os autores dos jogos. Como estes pacotes contém normalmente jogos num valor muito acima da média do que cada jogador paga, os pacotes nunca são disponibilizados durante mais do que 15 dias. Neste 4º pacote temos quatro grandes jogos independentes, entre outros.

Super Meat Boy (2010) é um jogo plataformas controverso, desenvolvido por apenas duas pessoas, Edmund McMillen e Tommy Refenes numa autêntica maratona para cumprir o calendário imposto pela Microsoft. Leiam o magnifico post-mortem do jogo realizado pela Game Developer Magazine.


Bit.Trip Runner (2011), foi o vencedor este ano do Excellence in Visual Arts, no 14º Annual Independent Games Festival.

NightSky (2011) é um jogo muito interessante de fisica em plataformas, mas que prima sobretudo pela beleza atmosférica.

Shank (2010), é destes quatro o que apresenta uma estética menos indie, e mais próximo da grande indústria até porque é distribuido pela EA. Julgo que a arte está muito boa, e só por isso vale a pena jogar.

A arte vista pelo nosso cérebro

Enquanto visitava virtualmente a Capela Sistina pintada por Michelangelo (tecto e altar), lia o recente artigo que Jonah Lehrer publica no seu blog, How Does the Brain Perceive Art?. Um artigo no qual Lehrer trata um assunto previamente muito bem trabalhado por Paul Bloom, em How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like, mas que ganha aqui mais estudos de suporte científico do campo da neurociência. Basicamente, o que está aqui em causa fica sintetizado nesta frase de Lehrer.
"We only see the beauty because we are looking for it." 
Capela Sistina (Séc. XV), Vaticano

Neste caso da capela em que Michelangelo trabalhou com vários outros artistas na pintura da capela, é interessante como as pessoas falam normalmente apenas e só do tecto da capela, e esquecem todo o restante trabalho aí presente.

Tecto da Capela Sistina (1508-1512), frescos de Michelangelo

Ou seja, claramente que se perderem algum tempo a olhar para os frescos da capela vão perceber que existem diferenças entre os que são do Michelangelo e os que são de Botticelli, Rosselli, ou Perugino mas essas diferenças não têm de significar obrigatoriamente uma superioridade, antes marcam diferenças estilísticas.

Punição dos Rebeldes (1480-1482), fresco de Botticelli na Capela Sistina

O que acontece é que quando se constrói toda uma ideia à volta de um determinado artista, essa ideia tolda a capacidade de análise do receptor. No estudo de Huang da Universidade de Oxford foram analisadas imagens da ativação cerebral durante o visionamento de trabalhos de Rembrandt, sobre a variável de autenticidade. Ou seja eram apresentados quadros de Rembrandt e cópias, e alternadamente era dito às pessoas que os quadros reais eram cópias, e vice-versa.


A resposta da nossa capacidade analítica é muitíssimo interessante, confirmando os trabalhos de Paul Bloom,
Interestingly, there was no difference in orbitofrontal response when the stamp of authenticity was applied to a fake Rembrandt, as the brain area responded just as robustly. The quality of art seemed to be irrelevant. 
Ou seja, mais importante do que aquilo que estamos a ver, é aquilo que nós já sabemos sobre aquilo que estamos a ver. E é exatamente este fenómeno que permite à arte criar toda uma cultura, capaz de através do enaltecimento crítico subjugar e dominar massas. Consequentemente permite que uma tela com apenas 77cm x 53cm tenha visto o seu valor subir astronomicamente ao longo da sua existência. Falo da Mona Lisa (1503–1506) de Da Vinci que avaliado apenas em termos de seguro, em 1962, estaria na casa dos mil milhões de euros, em valores de hoje. Mas em termos reais o quadro vale mais do que isso porque passou de não vendável ao estado de não poder sequer ser emprestado entre museus, o que lhe atribui um valor incalculável.


Será que podemos atribuir isto à qualidade do trabalho de Da Vinci? Claramente que não, o que está aqui em causa, é toda uma componente misticista construída culturalmente na psique colectiva que é conferida pelo carácter da autenticidade. As massas quando entram na sala 6 do Louvre, não olham verdadeiramente para a arte do desenho e pintura de Da Vinci, mas antes apenas e só, conferem e associam aquela imagem a todas histórias anteriormente contadas sobre aquela tela. E a verdade é que todo o tempo que estão naquela sala, estão de costas voltadas para uma obra magnífica de Veronese, Les Noces de Cana, saindo da sala quase sem reparar em algo que é impossível de passar despercebido, dado o seu tamanho imponente (994cm x 677cm).

Les Noces de Cana, (1563) óleo de Veronese

Levando estes dados para outras áreas da arte, mais dedicadas ao entretenimento por exemplo, talvez isto explique a razão pela qual a grande indústria americana, não se importe de pegar em 30% do valor investido na criação de um filme ou jogo, para produzir publicidade e acções de marketing. Porque sabe que mais importante do que a qualidade da obra que estão a vender, é aquilo que as pessoas pensam em associação a essa obra.