dezembro 10, 2011

Melancholia (2011), sem esperança, não há medo


Depois de ver o filme e ler o press release, fico contente de saber que Lars não pretende que o filme seja mais do que aquilo que nos mostra. O filme é bastante simples, e com pouco enquadramento é possível chegar à simplicidade do que está em questão. Existe aqui apenas uma pequena condição, é que o filme irá dar-se muito melhor com quem já sofreu algum dia de depressão. O nome do filme define ao que vimos, a Melancolia, e a raiz nasceu de uma afirmação do psicanalista de Lars,
"My analyst told me that melancholiacs will usually be more level-headed than ordinary people in a disastrous situation, partly because they can say: 'What did I tell you? But also because they have nothing to lose."
Algo que me faz recuar no tempo, lembro-me de ter afixado na parede do meu quarto uma frase que tinha retirado do cd Bloody Kisses (1993) dos Type O Negative,

No Hope = No Fear

E é isso que o filme nos trás, de forma singela e plasticamente perfeita. Uma das irmãs, Justine (Kirsten Dunst), sofre de uma profunda depressão, ou estado de melancolia, enquanto a outra irmã, Claire (Charlotte Gainsbourg), representa o contra-ponto, a regularidade, e a aceitação da vida. Assim numa primeira parte vemos o desmoronar de Justine, enquanto Claire tenta dar suporte à sua irmã, no enfrentar da normalidade, dos rituais da vida. Na segunda parte, com a aproximação do fim do mundo, os papéis invertem-se, e a melancolia torna-se mais forte, e é ela agora quem dá suporte a quem desespera.


Lars assume claramente que o personagem de Justine é decalcado da sua pessoa, o que não é difícil de perceber, enquanto Claire é supostamente a encarnação da pessoa normal, sem problemas do foro depressivo. Lars não se cansa de dizer que o filme é menos árido que Antichrist (2009), que é muito mais polido, o que é verdade. Melancholia é todo ele um objeto que se dá sem esforço, sem complexidade, que não se esconde por detrás de incertezas de sentido. Mas é apenas à primeira impressão, porque quando mergulhamos em profundidade no tema, damo-nos conta que Lars nunca tinha utilizado um tema tão limite, porque não existe limite para além deste.

If it could happen in an instant, the idea appeals to me. As Justine says: Life is evil, right? And life is a wicked idea. God may have had fun at creation, but he didn't really think things through... So if the world ended and all the suffering and longing disappeared in a flash, I'm likely to press the button myself. If nobody would be in pain. Then people might say: how nasty, what about all the lives that wouldn't be lived? But I can't help seeing it all as a mean streak.
Nem mais. E agora podemos perceber muito melhor o que se passou na conferência em Cannes.


Em termos estilísticos, e à semelhança do que já acontecia em Antichrist, temos um objeto tecnicamente muito perfeito. Embora possa dizer desde já, que de tudo o que menos gostei foi do constante tremer da câmara, percebo a necessidade de contraste com o classicismo do resto da representação, mas acho que contrasta em demasia. Por vezes só me apetecia sorver o que está dentro do enquadramento e não ser incomodado com as tremuras, mas também percebo que talvez sem elas teríamos voado para outras paragens que não eram as do interesse deste filme. A magnífica imagem do filme ficou a cargo de Manuel Alberto Claro que fez uso de uma Arri Alexa e uma Phantom, e os efeitos visuais foram desenvolvidos pela polaca Platige Image. No campo da música, é muito interessante que apesar de ser o filme de Lars mais musicado, é-o fazendo uso quase apenas e só do prelúdio de Tristan und Isolde (1865) de Richard Wagner, que serve para engrandecer e embelezar, carregando em força no classicismo.


O filme foi feito com recurso a muito improviso, e isso está em total sintonia com a câmara ao ombro, sente-se por vezes que os atores voam livremente, recebem apenas algumas instruções prévias aos takes e depois são lançados na personagem. Ainda bem que a Penélope Cruz não pôde fazer o filme, e ficou para a Kirsten Dunst. Lars refere que ficou admirado com o seu largo espectro de nuances, e isso pode ser comprovado neste filme.


Em termos de proximidades, senti durante a primeira parte uma pequena colagem a Festen (1998) do seu colega Thomas Vinterberg, mas sem dúvida que a grande colagem aqui vai para Solaris (1972) de Tarkovsky. Apesar do contraste que falei acima, o classicismo apresentado, a música, o ritmo, as paisagens verdes e abertas, o algo maior (ou ausente) que a humanidade, segue uma veia poética muito próxima de Tarkovsky.

Composição Real + 3d, pela Big Lazy Robot

A espanhola Big Lazy Robot acaba de lançar mais um trabalho na rede, o trailer para a sua curta Keloid (TBC), com uma qualidade assombrosa. A história é baseada num experimento de investigação que roça a FC, "A.I. Box" (2002) de Eliezer Yudkowsky, e é de si já bastante impressionante.


Mas é o trabalho de 3d, e acima de tudo de composição entre real e 3d, que mais impressiona aqui. A BLR (constituída por Hugo Bermúdez, Juan Civera, David Cordero, Alex Martín, JJ Palomo e Leopoldo Palomo) tem já uma vasta experiência com outros trabalhos neste campo. Para além de terem já participado nos efeitos visuais de um filme de grande orçamento de Hollywood,  Transformers (2007), um dos trabalhos que mais recordo deles é o do robô que fazia parkour num anúncio da Nike, Runner (2009). Vejam aqui abaixo, e depois vale a pena ver também o making of desse anúncio.



Depois disso realizaram os efeitos visuais para Gift (2010), realizado por Carl E. Rinsch para a Philips, que me parece ter servido de forte influência para avançarem com a sua própria curta. Como ainda não nos dão a ver a curta nova completa, aproveitem para ver este Gift, que se passa também na Rússia e apresenta toda uma atmosfera FC muito interessante.



Vendo Gift, e vendo o trailer de Keloid, percebemos que existem aqui muitas aproximações, tanto estéticas, como geográficas, como até de conteúdo. Não sabemos se a curta sairá ainda em 2011 ou só em 2012.



Trailer: Keloid (2011)

entrevista ao Nós da UMinho

Este mês de Dezembro aparece no Nós, Jornal On-line da Uminho uma entrevista minha a propósito do campo de estudos dos videojogos na academia. Mas mais do que isso a entrevista reflete sobre o trabalho que tenho andado a fazer sobre a história nacional dos videojogos e que espero ver publicada no ano de 2012. Ficam aqui alguns excertos,


Sobre a formação superior
A formação superior permite melhorar talentos inatos, dominar várias áreas, despertar a inovação e o empreendedorismo, gerar empregos; enfim, é aprender a aprender, ganhar bagagem cultural com professores e colegas, construir um novo mundo para melhor chegar às pessoas.
Sobre a história nacional,
Mal se sabe o que foi feito nos videojogos em Portugal e as pessoas não se conhecem. Podemos ter uma indústria mais sedimentada ao reunir a história e colocar todos no mesmo barco, mostrar que, juntos, podemos fazer melhor. Ao darmos conta deste potencial e do que já se conseguiu, perceberemos que é possível ir mais além.

Leiam a entrevista completa.

dezembro 09, 2011

Musicophilia (2007), música e consciência

Musicophilia (2007) de Oliver Sacks fala-nos sobre o modo como o nosso cérebro reage à música, através da descrição de vários casos patológicos analisados à luz da neurociência. O mais interessante desta leitura foi que o livro gerou um impacto em mim muito para além da compreensão do fenómeno perceptivo musical. Este livro abriu-me toda uma nova forma de nos compreendermos a nós mesmos, mais concretamente de compreender o que somos, de poder pela primeira vez perceber do que falamos quando falamos de consciência.


Musicophilia é um livro carregado de histórias de pacientes que nos ilumina sobre o assunto mas que não traz conclusões, sumários, nem síntese. Sacks dá-nos a ver o sumo e pede-nos que sejamos nós a tirar ilações. Concordo e discordo de Kakutani do NYTimes quando diz que um trabalho em profundidade de edição poderia ter ajudado, porque se sinto que segue um trajeto demasiado descritivo das patologias, percebo que o assunto em questão é complexo e difícil, ou impossível, de explicar com o conhecimento que possuímos atualmente.


A história que abre o livro é das mais impressionantes e é aquela que me atira diretamente para a discussão sobre o que é a consciência. Tony Cicoria é um cirurgião que foi atingido por um relâmpago tendo sofrido alterações de percepção. Ou seja, a partir dessa altura começou a ouvir música dentro da sua cabeça. Não quando queria ou imaginava, mas como ele descreve de forma quase “possuída”, e em torrentes, a tal ponto que apesar de nunca ter estudado música começou a aprender piano, e ao fim de algum tempo começou a compor a partir daquilo que ouvia.

Visualização de Musicophilia realizada por Austin Kleon

O que acontece neste exemplo é que sem uma perspectiva científica do assunto, sem uma abordagem neurológica, poderíamos ser levados por caminhos da religião, de forças do oculto, ou de forças do além. Imaginem o que é estarem a tentar fazer alguma coisa, ou a tentar dormir e a música estar a tocar dentro da vossa cabeça sem parar, sem terem qualquer controlo sobre a mesma. Depois, todo o lado romântico da música, da inspiração e das musas contribui ainda mais para que possamos voar em busca de valores espirituais, dada a não-representabilidade da música, dada a sua existência não material. Cicoria a uma certa altura chega a pensar que poderia estar conectado ao céu, ter uma ligação telefónica direta com Deus.

E é exatamente por isto que eu me comecei a questionar sobre o valor da consciência. É impossível não pensar em Damásio, mas Damásio nos seus trabalhos literários, apesar de ser um neurocientista, teve sempre uma certa inclinação para colocar a consciência num certo pedestal, num lugar imaculado, longe da nossa compreensão. E se é verdade que ainda hoje não conseguimos perceber como se forma, como emerge a consciência dentro de nós, não é menos verdade que sabemos que ela não é nenhum fantasma ou espírito que paira dentro de nós, ou dentro do nosso cérebro.

Julgo que Sacks ao apresentar os casos desta forma clínica, tão despegado da tentativa de lhes dar sentido, acabou por nos dar a ver aquilo de que é feita a nossa consciência, no nosso cérebro. Ou seja, algo bastante mecânico que sofre com cada ajuste neuronal operado na camada física. Se levamos uma pancada, um raio, um choque, ou se somos atacados por uma qualquer doença degenerativa do cérebro, como o Alzheimer, ou se sofremos um acidente vascular, o nosso cérebro altera-se fisicamente. E essa alteração física trás sempre associada, de modo inevitável, alterações do foro da consciência. Ora se assim é, restam poucas dúvidas de que aquilo que somos, aquilo que identificamos como a nossa pessoa, a nossa consciência, não é mais do que uma combinação bem intrincada da informação presente no nosso cérebro e das inter-relações que se sucedem entre essa informação.


No fundo, somos tecnologia construída a partir de tecidos orgânicos, que evoluíram ao longo de milénios de anos permitindo que a complexidade de armazenamento de informação na nossa cabeça se complexificasse a um tal ponto levando a que esta própria complexidade fizesse emergir em cada um de nós, personalidades com traços próprios. Mas no fundo não passamos de máquinas biológicas com data de validade inscrita à nascença. Aliás nesse sentido, se algum dia viermos a perceber o que faz despoletar a emergência do ser no nosso cérebro, poderemos simular isso em computadores, e a partir daí seremos obrigados a respeitá-los tanto, como respeitamos hoje qualquer outro ser humano. Talvez Kubrick e Spielberg (AI, 2001), tivessem razão, e daqui a 10 mil anos já não existiremos por cá enquanto máquinas biológicas, mas antes como resquícios esquecidos em pequenos robôs.

Voltando à música e a Sacks, depois de apresentados mais de uma dezena de casos, acaba por fechar dando a música como algo que continua a fugir à compreensão científica. Aliás talvez por isso mesmo tantos cientistas tenham sempre evitado discutir o assunto. Sacks refere que William James por exemplo se referiu parcamente ao fenómeno, e quando o fez foi para dizer que esta não tinha qualquer utilidade biológica. Que Darwin se desinteressou totalmente pela música a partir do momento em que começou a teorizar sobre os processos de seleção natural. Que Freud terá dito que o seu lado racional o impedia de ser afectado por algo que este não conseguia compreender porque é que o afectava. E ainda Steven Pinker que se refere à música como um “acidente evolucionário”, uma espécie de “doce auditivo” que explora recursos que inicialmente teriam evoluído para dar reposta à fala.

Sacks responde a todos eles que é muito fácil tornarmo-nos seres obcecados com as nossas ideias e atividades, com as nossas teorizações sobre o funcionamento do mundo, e pararmos de reparar na beleza de que é feito o mundo à nossa volta. Não é por acaso que Sacks acaba por terminar o livro defendendo a musicoterapia, dizendo que a música pode ser muito útil em termos terapêuticos, que esta é capaz de levar as pessoas a aceder a determinadas partes do cérebro aonde a consciência sozinha não consegue chegar.

dezembro 06, 2011

A Walk in the Dark (em desenvolvimento)

 A Walk in the Dark é um jogo nacional em desenvolvimento que acaba de lançar o seu primeiro trailer como forma de chegar às pessoas, de criar interesse no público e assim abrir melhores perspectivas para o momento da distribuição, que será digital, e que está prevista para o primeiro semestre de 2012.


É um projecto da autoria do Paulo Cesar Ribeiro Silva (26), formado em Design Multimédia e do Bruno Vidal, formado em Eng. Informática. Deste modo o Paulo Silva responde pela componente artística, narrativa e game design e o Bruno por toda a parte tecnológica, desenvolvendo o engine e editor para o jogo em XNA.


O Paulo e o Bruno encarnam o verdadeiro espírito do empreendedor auto-motivado. Iniciaram este projeto há um ano em part-time, mas entretanto perderam os seus empregos. Não esmoreceram, antes pelo contrário, empenharam-se ainda mais, tendo passado a trabalhar full-time em A Walk in the Dark. Têm um objetivo muito claro, que é criar um jogo indie e distribuí-lo fazendo uso das múltiplas possibilidades oferecidas pelas plataformas digitais que hoje existem.


Na música estão a trabalhar com o Cody Cook. E recentemente têm contado com a ajuda de mais dois elementos, o Vando Pereira na tecnologia, e a Anabela Faria que ajudou no desenvolvimento do trailer, nomeadamente no campo da pintura dos cenários.


Vejam o trailer e deliciem-se com a atmosfera criada, para um jogo que promete. O trailer que demorou 2 meses a produzir, funciona muito bem, passando uma noção dos personagens em 3d, e apresentando uma parte do gameplay em 2d com excelentes cenários de fundo. Tudo em conjunto, cria uma atmosfera capaz de despoletar o interesse e a expectativa nos jogadores.

Arte, Esforço e Mestria

Um vídeo que mostra o desenvolvimento de um trabalho gráfico desenvolvido na base de pontos criados com uma caneta. Podemos dizer que seguindo uma técnica denominada de pontilhismo, embora não siga a corrente nos termos e objetivos da criação de cor, mas apenas da forma.  É um trabalho impressionante criado por Miguel Endara e que segundo ele, a imagem final conterá à volta de 3.2 milhões de pontos.


O que me parece mais relevante neste trabalho, é o impacto que este vídeo gera nas pessoas, a ver pelas várias reações online. As pessoas ficam abismadas com o investimento de tempo e paciência apresentados. Os comentários pouco falam da imagem final, do que ali veem, o que esta representa. Mesmo sabendo que o autor estava a desenhar um retrato do seu pai, o que poderia levar as pessoas a questionar-se porquê, o que teria acontecido para um trabalha desta escala. Por outro lado a imagem apresenta um claro momento de conflito, repleto de emoção, mas nem isso é chamado à discussão. As pessoas questionam e surpreendem-se sobretudo com o esforço envolvido na criação do trabalho.


E se enfatizo esta questão, é apenas para dizer que este vídeo e as reações evidenciam muito claramente que um dos elementos mais importantes na aferição do valor daquilo que é Arte, é o reconhecimento do esforço e da mestria envolvidos na conceção de uma obra. Muito mais do que tudo aquilo que ela possa dizer em nome das interpretações que cada um lhe quiser atribuir.

dezembro 05, 2011

Privates (2010), um BAFTA para o jogo proibido pela Microsoft

Estive agora a jogar Privates (2010) e adorei, um jogo simples, com um 3d que faz uso de mecânicas de plataformas 2d, muito divertido. Fiquei mesmo surpreendido com o seu valor educacional, porque enquanto jogamos e comandamos um grupo de soldados com um preservativo na cabeça, através dos vários orifícios do corpo humano, uma voz cómica explica-nos o que temos de fazer. Informação detalhada sobre cada assunto é dada, e nós somos levados a reter essa mesma informação para poder continuar a jogar (vejam o trailer no final do texto).

 “a funky little game about tiny little condom-hatted marines going right up peoples’ rude areas [vagina, rectum, balls, penis], and shooting all the nasty chompy things that tend to live there…”
Este é o jogo que a Microsoft proibiu, no ano passado, de fazer parte da Xbox Live, por ser sexualmente explícito. Mas é também o jogo que no passado dia 27 Novembro ganhou o BAFTA Learning-Secondary, na cerimónia dos prémios BAFTA para conteúdos dirigidos a crianças, a British Academy Children's Awards.

Pode parecer algo menor mas a concorrência era de peso, com trabalhos de documentário com a qualidade da BBC Learning, com jogos de estímulo à aprendizagem de música, ou ainda o reconhecido projeto do Jamie Oliver para as escolas britânicas. Podem ver detalhes de cada um dos nomeados, e o anúncio do prémio com uma entrevista a Dan Marshall imediatamente a seguir no site dos BAFTA.


Privates é um jogo educacional do princípio ao fim, encomendado e totalmente suportado pelo Channel 4 e baseado nos currículos nacionais britânicos de Educação Sexual. Aborda temas como o sexo seguro, o uso de preservativos, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez não planeada entre outros temas. Por tudo isto é que se torna tão ridícula a decisão da Microsoft, tendo o prémio BAFTA apenas servido para pôr um ponto final em toda esta arrogância de quem distribui os conteúdos desta forma puritana e conservadora.


O mais preocupante é que isto não é um exclusivo da Microsoft, mas é a mesma política seguida pela Apple, pela Sony, pela Nintendo, pela Facebook, etc. Aliás sobre isto mesmo falei há uns meses na Eurogamer a propósito da "Expressão nos Videojogos. A autocensura e a higienização dos discursos". Todos estes impérios financeiros preocupam-se apenas com uma coisa, evitar assuntos complexos que possam pôr em causa o seu bom-nome, por forma a garantir o máximo retorno possível. À conta disso vimos assistindo a décadas de um total ascetismo ideológico, uma tentativa de purificação da vivência das comunidades consumidoras através de um compromisso de impossibilidade de discussão. Não se fala de sexo, não se fala de política, não se fala de religião, não se fala de nada que traga à discussão a condição humana. Nada que possa gerar desacordos entre mentes livres, porque isso pode colocar em perigo a receita final.


E se dúvidas houvesse quanto à honestidade de quem fez o jogo, basta jogar, porque o jogo é grátis. Sim, está disponivel para download gratuitamente online, podendo ser jogado em qualquer PC com uma boa placa gráfica.




dezembro 04, 2011

Quem é Han Hoogerbrugge?

A propósito do meu último texto, resolvi revisitar o trabalho de Han Hoogerbrugge, um nome que é uma referência no mundo da interatividade web desde os anos 90. Hoogerbrugge surpreende pela sua enorme multidisciplinaridade, aliás nos dias que correm diria transmedialidade. Começou como artista de cartoons e comics, chegou à web via Gifs Animados, e depressa se apoderou da ferramenta de authoring de referência na web nos últimos 15 anos, o Flash.


Hoogerbrugge é em primeiro lugar um artista visual, um rótulo que lhe permite trabalhar desde a Ilustração, aos Comics, à Animação, aos Video Clips, à Animação Interativa, aos Brinquedos, e agora aos Videojogos. Hoogerbrugge criou um universo artístico próprio, no sentido em que concebeu toda uma forma de gerar envolvência com os experienciadores fazendo uso de pequenas ligações com a realidade do nosso dia-a-dia envolvidas por grandes doses de non-sense e abstracionismo minimal. Podemos dizer que Hoogerbrugge é em si uma corrente estética, muito também graças à enorme quantidade de material que produz. Com esta atitude está a dizer-nos que o que interessa é fazer, criar.
Creativity, it's not a thing, is something that happens. Creativity is not the point, sometimes it'll be bad, others it'll be good. You seat down, and you got to think of something, or you go around and get an idea for free.
Quando falo em transmedia no caso de Hoogerbrugge, não é apenas e só por causa da sua capacidade de usar várias media, mas é antes pela forma como ao longo destes 15 anos criou um universo próprio que pulula os vários media.
You bring together different kinds of disciplines whitout any kind of prejudice. That's what I really like. An open approach to the creative fields.
Criou um mundo narrativo à volta de um alter ego ilustrado da sua própria imagem. Este alter ego serve-lhe para satirizar o mundo a partir de conceitos base sobre a condição humana. É um trabalho assumidamente minimalista, tanto conceptual como tecnicamente, fazendo quase sempre uso do preto e branco. Aqui ficam alguns dos trabalhos essenciais,


Modern Living/Neurotica Series (1998-2001) [Interactividade]


Hotel (2004 - 2006) [Interactividade]


Nails (2002-2007) [Interactividade] 


Fuck Death (2008) [Brinquedo] 
Treating a very heavy subject, but it's inevitable, so why don't make fun of it.


Prostress 2.0 (2008 - presente) [Comic/Cartoon] 
So many things going on today, it's very difficult to focus.





The Young Punx - "MASHitUP" (2008) [Video Clip]



Pet Shop Boys - "Love etc." (2009) [Video Clip]





Prostress Ad (2010) [Publicidade]





Quatrosopus, Pavilhão Dinamarquês na Biennale de Arte de Veneza 2011 [Exposição Artística]



Mais info:
Livros [1] [2] [3]
Entrevista Make Blog (video)
OFFF Festival
Flash on the Beach Conference

FLX. (2011), um multiplayer kinect no museu

Fiquei deslumbrado com o novo conceito para um multiplayer Kinect, FLX. (2011), desenvolvido pelo reconhecido artista digital Han Hoogerbrugge conjuntamente com o o game designer Sander van der Vegte (Rocket Riot, 2009; Gatling Gears, 2011).


Aqui 4 jogadores são enlaçados por um elástico virtual, obrigando à colaboração entre os 4 jogadores para que estes possam progredir no jogo. O jogo funciona como uma corrida através de um espaço cheio de obstáculos, típicos dos mundos de Hoogerbrugge. Os jogadores não podem falar, sendo obrigados a colaborar através da linguagem não-verbal, o que desenvolve toda uma lógica de comunicação obrigacionista entre os jogadores.

Sessão de apresentação do jogo no Stedelijk Museum Amsterdam

Este jogo faz parte de um projecto de investigação a três anos, A Split Second (2010), financiado pelo Fundo de Desenvolvimento de Jogos da Holanda, o Ministério da Educação da Holanda e ainda o Museu Stedelijk e o Submarine Channel, que tem por objectivo estimular a cruzamento de disciplinas entre artistas e game designers.


FLX. funciona como uma instalação jogo. Para aqueles que já se começam a questionar sobre o sentido que faz criar um jogo para um museu, deixo aqui a definição de videojogo dada por Sander van der Vegte ao Indie Game, com a qual não posso deixar de concordar,
"I think a game is an interactive medium with a small set of rules that offers a certain challenge."
Mais informação sobre os dois artistas e o que está por detrás das suas visões e do processo criativo, pode ser visto neste excelente "Making of FLX.". Em adição ao making of, a componente técnica de 3d foi desenvolvida por Beorn Leonard no Blender e depois transposta para o Unity.