Steve Jobs (1955-2011) foi um visionário, porque viu diferente, e viu à frente de todos nós. Steve Jobs não inventou, fez antes aquilo que os melhores criativos e grandes inovadores sempre fizeram, pegou em algo e transformou, deu-lhe uma nova forma e um novo uso.
No caso de Jobs a sua maior sensibilidade criativa passou pelo modo visionário como deu forma à experiência das tecnologias computacionais. Ou seja Steve Jobs foi um dos maiores génios de sempre no campo do Design de Interacção, um dos campos mais relevantes dos estudos da Interação Humano-Computador (IHC).
A primeira apresentação pública do Macintosh, 1984
O seu maior legado à humanidade tem o nome que durante décadas se confundiu com o nome da própria marca, o Macintosh, lançado em 1984. O Macintosh tecnologicamente era um bom computador pessoal e essencialmente apresentava um excelente preço para a altura. Basta pensar que o primeiro Macintosh custava 2 mil dólares, enquanto o seu antecessor, o Lisa, custava 10 mil. Esta redução de preço deve-o fundamentalmente ao co-fundador da Apple, Steve Wosniak. Wosniak é um dos mais brilhantes engenheiros de eletrónica de sempre, e claramente que sem ele não teríamos tido o Macintosh.
Steve Wosniak falando pouco depois de ter sabido da morte de Steve Jobs a 6 de Outubro de 2011. Pela Associated Press.
Mas se o Macintosh se tornou em um dos ícones mundiais da computação, não foi por causa da sua eletrónica, embora claramente tenha impulsionado. Foi antes pelo modo como foi desenhada a relação entre o utilizador e o computador. Até aqui o utilizador de computadores tinha de ler e aprender muita coisa antes de poder começar a usar um computador. Com o Macintosh foi inaugurado o caminho das interfaces gráficas para os utilizadores (GUI) que faziam uso do rato e do teclado.
O utilizador tinha sido libertado da opressão das interfaces crípticas de comandos textuais, algo que foi metaforizado de forma brilhante numa campanha publicitária.
1984, publicidade de lançamento do Macintosh
A grande questão que muitos levantam é que este sistema de interface gráfica não terá sido inventado pela Apple nem pelo Steve Jobs como popularmente se costuma pensar. A interface gráfica do Macintosh nasceu de uma máquina anterior, a workstation Xerox Star, comercializada pela Xerox em 1981.
Xerox Alto, 1973
À primeira vista poderíamos dizer então que Jobs nada fez e que se terá limitado a usar o que já existia. O problema é que a realidade não é tão simples. O Xerox Star não foi de todo o primeiro computador com interface gráfica a fazer uso do rato. Antes deste, a Xerox na sua divisão de investigação a PARC (Palo Alto Research Center Incorporated) tinha já criado um computador com interface gráfica, o Xerox Alto, em 1973, que era utilizado internamente e nunca foi comercializado.
Mas a Xerox foi apenas um passo intermédio, a base está lá mais atrás em nome de três senhores Vannevar Bush, Ivan Sutherland e Douglas Engelbart. Assim Bush foi o primeiro grande visionário de todos estes sistemas de acesso aos dados, através de uma ideia conceptual apelidada de MEMEX e que apareceu publicada no mais importante texto dos estudos sobre Interacção Humano-Computador,
As We May Think, um texto de 1945. Neste texto Bush desenvolve a ideia de que os computadores deveriam permitir um acesso à informação da mesma forma como o nosso cérebro funciona. Ou seja em Pensamento Associativo, as ideias ligadas entre si por nós, o que daria origem àquilo que viria a ser definido como Hipertexto, depois Hipermédia, mais comummente Multimédia, ou então como é hoje apelidado em termos corretos pela academia, os Media Interativos.
O MEMEX era de uma forma simplificada aquilo que hoje conhecemos como a WWW. Mas não passava de uma visão, não existia qualquer tecnologia que lhe pudesse dar corpo à altura. Assim em 1961 Sutherland criará o primeiro sistema computacional de interacção gráfica, que recebeu o nome de
Sketchpad. Este sistema é assim a primeira tecnologia de sempre a permitir uma interatividade gráfica na relação Humano-Computador. Fazendo uso de uma Caneta de Luz podíamos interagir com o ecrã. E foi o Sketchpad que levaria depois em 1967 Engelbart a inventar e a patentear
o primeiro rato para computador, na altura feito em caixa de madeira, mas conceptualmente o mesmo tal como o conhecemos ainda hoje.
Sketchpad (1961) de Ivan Sutherland
Dito tudo isto, e mais se poderia dizer, o que podemos ver, é que como nos diz Kevin Kelly, as invenções tecnológicas não são algo que possamos atribuir a uma pessoa apenas. Existe uma espécie de
inevitabilidade tecnológica que empurra o desenvolvimento e que pode levar mesmo a que várias pessoas criem tecnologias muito próximas quase simultaneamente em diferentes partes do globo. Isto mesmo falei aqui no VI sobre as
tecnologias de criação do Cinema a propósito dos Irmãos Lumière.
Como se pode ver por esta descrição entre o artigo de Bush e o primeiro Macintosh distam praticamente 40 anos. Ou seja, de todo podemos dizer que Jobs inventou a interação gráfica entre o homem e o computador. Mas o que podemos dizer é que foi ele o primeiro a conseguir juntar a tecnologia correta com a interface correta. Ou seja, Jobs consegui ao fim de 40 anos concretizar a visão de Bush.
O que isto me diz a mim, é algo sobejamente conhecido sobre a sua pessoa, é que ele era um “doer”, alguém que fazia, e não sonhava apenas em vir a fazer. Era alguém capaz de liderar várias pessoas, obter o melhor de cada uma delas, e chegar a um objeto final que respondesse de forma altamente eficiente às necessidades. O seu talento e genialidade define-se assim no campo do Design de Interação, da Interacção Humano-Computador.
Jobs não se limitou a marcar em 1984 com o Macintosh, mas voltaria a marcar novamente em 2007 com o iPhone. Mais uma vez o iPhone está longe de ter sido a primeira tecnologia do tipo, a Apple investiu nisto durante uma década num projeto chamado Newton, ainda antes dos primeiros Pocket PCs e PDAs terem surgido. Mas o iPhone tal como o Macintosh revolucionou por completo o campo dos telemóveis, dos smartphones, dos Pocket PCs, dos PDAs, no fundo de toda a computação móvel. E a sua revolução não foi a tecnologia, mas sim a forma e corpo dada à experiência dessa tecnologia.
A conceptualização do iPhone assente num único botão físico é impressionante e a concorrência demorou a encaixar esta inovação em termos de design de interface, enquanto os utilizadores se sentiram de imediato aptos a fazer uso disso mesmo. Todo aquele objecto e sistema operativo é eficiência e funcionalidade, com um grau de usabilidade que a concorrência não pôde reinventar, mas apenas copiar.
Muito mais se poderia dizer, mas serão precisos vários livros para falar de todo o impacto que esta pessoa teve no mundo das tecnologias de computação. Pelo meu lado tento seguir todos os dias muito do seu legado, na minha investigação diária no
engageLab, e tento passar muito deste legado aos meus alunos do
Mestrado em Tecnologia e Arte Digital e do
Mestrado em Media Interativos na Universidade do Minho.
Deixo aqui apenas mais três links para que possam ver e ler mais um pouquinho sobre esta pessoa que nos deixou.
Apple’s Passionate pitchman - Um histórico das apresentações mais importantes realizadas por Steve Jobs na Apple, pela CNN.
Steve Jobs’s Patents - Infografia interactiva do NYTimes onde podemos rever todas as patentes em que Steve Jobs esteve envolvido ao longo da sua vida.
Steve Jobs e o mundo dos Games - Apontamento sobre quatro legados ao mundo dos videojogos.