Faço um post com base em alguma discussão gerada no Facebook com vários colegas - João Martinho, Diogo Andrade, Nelson Ramos, - previamente e também porque encontrei mais algumas pessoas a discutirem o tema de uma perspectiva semelhante no grupo Flash Game Developers do LinkedIn. Não quero deixar de registar esta controvérsia com o objectivo de olhar para este post daqui a um ano e ver o que mudou entretanto. Julgo também que é um post que interessará a muitos dos que se preparam para comprar o iPad sem terem noção do que os espera.
Como declaração de interesses, uso o Flash há muitos anos, muito antes de ser Adobe. Antes disso utilizei o praticamente defunto Director, e antes o Hypercard desde sensivelmente 1995. Objectivo: sempre e apenas o authoring de conteúdos multimédia. Por outro lado uso um Macbook há três anos, e desde essa altura que utilizo apenas o Mac Os (tinha utilizado nos anos 90 para publicação). Ponto final, o iPad atrai-me enquanto artefacto, e estive com um nas mãos na passada sexta-feira e confirmei a atracção do objecto enquanto tal.
Não é de agora a discussão em redor da Apple não querer ler conteúdos Flash, é algo que se arrasta à algum tempo desde o lançamento do iPhone. O ridículo da situação aconteceu no dia do lançamento mundial do iPad em que Steve Jobs nos seus típicos "shows" abriu uma página do New York Times e apareceu uma zona na página frontal em branco por falta de plug-in Flash. Mas tudo isto se teria desvanecido se Jobs não fosse teimoso como é...
Assim há umas semanas antes do lançamento do CS5 foi anunciado pela Adobe e mostrado em vídeo um "packager" de Flash para Iphone que sairia com o Flash CS5.
Passado pouquíssimo tempo, no dia 8 de Abril, a Apple anunciou o novo normativo para licenciamento de aplicações a serem criadas para o sistema operativo iPhone 4.0 que incluía uma alteração de um ponto anterior, que punha fim à possibilidade de serem utilizadas aplicações externas para produzir conteúdos para o iPhone ou iPad. De um dia para o outro a Apple resolveu cortar o acesso a qualquer aplicação externa. Para quem trabalhou no desenvolvimento deste packager na Adobe este deve ter sido um dos maiores baldes de água fria que terão tido, e que dará para contar aos netos. Mas não foi só na Adobe, outras empresas como a Unity vão ver as suas aplicações deixar de funcionar para iPhone. Foi esta atitude da parte da Apple/Jobs que criou toda a celeuma que percorre a web entre os criadores de conteúdos multimédia.
A resposta da Adobe a esta atitude foi muito interessante:
"multiscreen is growing beyond Apple's devices. This year we will see a wide range of excellent smartphones, tablets, smartbooks, televisions and more coming to market and we are continuing to work with partners across this whole range to enable your content and applications to be viewed, interacted with and purchased".E isto veio gerar a segunda onda de ataques da Apple, processando a HTC por utilização de patentes de interacção no seus telemóveis que utilizam o Google Android. Estamos a falar do famoso zoom com os dois dedos, entre outras coisas. Ou seja neste momento a guerra é já entre a Apple e a Google, com a Adobe pelo meio.
Razões para isto, são apontadas muitas na web, existe muita especulação desde os desentendimentos pessoais, ao consumo de bateria excessivo por parte das aplicações Flash, à banalização de conteúdos, aos conteúdos ofensivos, etc. Mas no fundo, o que estamos assistir é simplesmente ao fechamento completo da plataforma criando uma espécie de prisão para os criadores de conteúdos. O mesmo que Apple fez nos anos 80, e com o qual se deu muito mal, muitos já referem que este poderá ter sido o segundo erro de gestão de Jobs e que provavelmente será o seu fim, a ver vamos. Nem a Sony realizou este tipo de bloqueio no browser web da PS3, onde é possível aceder a conteúdos Flash, ainda que apenas da geração anterior ou seja em AS2.0 e lentos, mas permite.
Mas porquê, como é que o simples não uso de um plugin web pode ditar o fim de um dos gestores mais criativos da computação? Vejamos alguns factos sobre o Flash. Antes de tudo o mais o Flash está intimamente ligado a um dos braços direitos da Google, o Youtube. Hoje o Youtube está a testar uma nova plataforma sem recurso a Flash, mas há cinco anos quando foi adquirido pela Google, a razão do seu sucesso foi o Flash. Só o Flash permitiu que com a instalação de um simples plug-in milhões de pessoas em qualquer plataforma de acesso à web pudessem aceder aos conteúdos. Antes do Flash conseguir esta proeza, usar vídeo na web era um martírio por falta de standards de codificação para web.
Mas não só no vídeo o Flash foi importante, muito antes disso no final dos anos 90 os sites graficamente dinâmicos era inexistentes, o pouco movimento que podíamos ver na web era proporcionado pelos famigerados gifs animados. Apareceram depois algumas opções como o Shockwave que permitia codificar objectos feitos em Macromedia Director para ambientes web, mas eram muito pesados e o próprio plug-in era ainda mais pesado. Havia os Applets em Java que eram ainda piores coitadas das máquinas quando utilizávamos o Java para gráficos o processamento esgotava-se só aí, para além disso nunca houve quem desenvolvesse uma plataforma para o desenho de objectos interactivos, era tudo baseado em programação apenas. Se houve software na história da web capaz de traduzir o essencial das condições de interactividade multimédia foi o Flash. O Flash nasceu directamente do Director, que por sua vez nasceu do Hypercard a primeira grande aplicação de authoring de multimédia interactiva. O que aconteceu com o Flash foi passar de uma condição bitmap a uma condição vectorial e com isso poder circular na web facilmente dado o seu reduzido tamanho. É claro que hoje temos muitas outras opções e linguagens que permitem criar o que o Flash criava há 12 anos atrás. Mesmo assim criar animação interactiva ou videojogos web com uma interface dedicada é muito diferente de o tentar fazer com programação apenas. Aliás veja-se a plataforma de jogos que reina no Facebook, se pensarem adquirir o iPad e aproveitar a tranquilidade do fim do serão para descontrair um pouco no sofá fazendo umas colheitas no Facebook ou dando ums ordens no Mafia Wars, iso não vai acontecer, porque não há acesso ao Flash.
A Apple está a basear toda a sua estratégia apontando problemas de pesquisa dos conteúdos em objectos Flash, o que é verdade. Ou seja quando tenho um site em Flash, não posso ter um link directo para um determinado texto, nem copiar e colar texto directamente de dentro de um objecto Flash. Mas sobre isto a Adobe a tem estado a trabalhar em parceria com a Google e esperam-se novidades para breve. No entanto não devemos deixar de lembrar que o Flash não é, nem nunca foi uma ferramenta criada para fazer sites completos. Ou seja se esta for utilizada como deve ser, ou seja para criar objectos interactivos concretos como os objectos interactivos /jogos, pode muito bem continuar a ser utilizada no seio do HTML. O outro argumento da Apple é o HTML5 que vai aumentar drasticamente as potencialidades dinâmicas da web. Mais uma falácia. A web é hoje muito mais do que HTML4 e Flash, temos muitas outras tecnologias como os CSS, Javascript, Ajax, Java, Silverlight, etc. Ou seja porque é que o HTML5 vem revolucionar algo que já existe? O que o Flash tem que supera todas as outras tecnologias é uma ferramenta de Authoring Multimédia. Criar arte gráfica dinâmica e interactiva é um trabalho feito por designers de orientação artística e não de programação. A título meramente de exemplo vejam, e experienciem os dois sites abaixo:
O problema é que se a web é hoje o que é, é graças a esta componente estética que os artistas de comunicação gráfica e de interacção souberam criar, gerando experiências, entretenimento e recompensas visuais e sonoras. Há 15 anos atrás assistimos a um digladiar sobre o que deveria ser a principal função da web. Para uns a pesquisa, a tarefa (Nielsen) para muitos outros a emoção e o sentimento. Jakob Nielsen e as suas malfadadas Heurísticas de Usabilidade foi um dos grandes detractores do Flash e Donald Norman acompanhou-o até uma certa altura. Mas em 2002 percebeu que o caminho do design não podia ser isso e seguiu um outro completamente diferente o do Emotional Design (2004). As pessoas gostam de encontrar o que procuram na web, é certo e isso faz parte de um dos grandes apelos do que ela é. Mas nunca nos poderemos esquecer 80% do tempo que as pessoas passam hoje ligadas à web não é a procurar coisas que precisam, mas é a experienciarem a interactividade da web e à espera que esta lhes proporcione novas experiências.
Estamos a falar principalmente de toda uma área que se desenvolveu fortemente nos últimos dois anos com o lançamento da nova linguagem do Flash, os chamados Flash Games (Kongregate ou Newgrounds). Finalmente para terem uma imagem do que perde um utilizador do iPad ao passear pela web, basta aceder ao The Flash Awards, é todo um desenvolvimento Criativo sem paralelo na web por qualquer outra tecnologia.
Os impactos estão à vista começam a aparecer grupos que tinham previsto e investido no desenvolvimento Flash para iPhone e que estão agora a direccionar os seus esforços para o Android. Além disso a taxa de penetração do Android começa, como seria de esperar, a deitar abaixo o iPhone.
Não faz sentido... e se sinto que fiz a opção correcta adoptando o Android há 3 meses atrás, começo a pensar seriamente em abandonar a plataforma Mac Os...