Não só pelo facto de ter prometido que deixaria aqui o meu testemunho da conferência mas também porque julgo que as ideias e argumentos que me chegaram e me fizeram mudar subtilmente algumas ideias ou afunilar alguns objectivos poderão ter também alguma validade para quem não pôde estar no National Bank of Greece Training and Conference Centre situado numa zona costeira de Atenas, Glyfada.
A conferência foi aberta por Angelos Amditis investigador sénior do Institute of Communications and Computer Systems da National Technical University of Athens e coordenador da INTUITION Network of Excellence financiada pelo FP6-EC. A INTUITION, que está no centro da organização desta conferência, é uma rede com 58 parceiros de 15 países europeus, Portugal não está representado infelizmente, relacionada com a investigação sobre o estado actual da Realidade Virtual tanto da área académica como industrial, mais especificamente "to overcome fragmentation and promote VE establishment within product and process design".
Amditis falou sobre a forma como a INTUITION permitiu realizar alguns avanços para a re-estruturação do conhecimento na área da realidade virtual e deixou ficar algumas ideias sobre os possíveis caminhos a seguir na investigação da RV. Especificamente levantou pistas sobre os principais problemas que a RV enfrenta na penetração na industria, tais como:
1- Technology
Falta de tecnologia de fácil utilização.
2- Interaction concepts
"The lack of immersive 3D-UI paradigm (comparable to the 2D WIMP paradigm) and the fact that spatial interaction is not properly understood at cognitive level are the main barriers in terms of interaction."
3- Integration
Muitos dos conceitos, possibilidades de software e hardware estão já à disposição, as a sua não integração em plataformas estandardizadas dificulta o seu uso.4- Socio-economic issues
"high cost of VR-systems are avertive factors towards VR penetration"
E em face destas barreiras Amditis apresentou os pontos que considera de "motivação" para se poder dar a volta ao problema,
1- Industry requests
A industria reclama novas tecnologias e novas funcionalidades da RV.
2- Socio-Economic
"Complexity of information grows (..) users with VR/AR interface awareness is grow-ing (..) increased interest of investors in novel technology opportunities."
3- Technology
"The game industry is technology driver for real-time 3D graphics hardware"
No final Amditis sintetizou as áreas de investigação urgentes que a rede INTUITION considera como necessárias na investigação;
1- Interface Technologies
"Components of multimodal interfaces(..)
2- Content Technologies
"Realistic behaviour of VEs (..) Visual realism (..) Representation of real and virtual humans (..) Content Management"
3- System and Integration Technologies
"Software Architectures (..) Interoperability"
4- Interaction
Na minha óptica é verdadeiramente a área que precisa de investigação que permita avançar o estado actual, se não veja-se o tipo de interacção que temos actualmente em ambientes como Second Life. "Natural interaction for creation and composing of geometry/objects/worlds in immersive environments (design)"
5- Human Factors
Ou seja investigação fundamental ou básica "Presence Research (..) Perception/Cognition Research (..) Understanding of collaboration in immersive environments (..) Evaluation Technologies"
Todos estes pontos podem ser analisados mais em detalhe no paper publicado por Amditis et. al (2007) Towards Networked and Structured VR European Research Area: Intuition Network of Excellence and Future Research Challenges.
Depois desta excelente introdução, tivemos também direito a um excelente keynote que quase nem parecia investigador das ciências da computação mas parecia mais ter caído ali vindo directamente das ciências cognitivas. Mel Slater apresentou-se com uma comunicação intitulada "Interaction with Self and Others" onde retratou as problemáticas da representação do Eu nos ambientes virtuais (Virtual Environments - VE), da interacção com os Outros situando sempre o discurso numa base de "body centered interaction".
Sobre a "representação do Eu nos VE", Slater veio defender um novo paradigma de interacção em ambientes virtuais que assentem no envolvimento do corpo como um todo. Para isso apresentou um estudo bastante detalhado de testes psicológicos/fisiológicos sobre a "ancoragem do corpo" no mundo virtual através das "sombras e reflexão" demonstrando ainda que num estudo limitado (33 sujeitos) existe um aumento do "sentimento de presença" quando as sombras e as reflexões estão activas no mundo.
Sobre a interacção com o outro, Slater, defendeu que a interacção com personagens de tamanho real (ou seja, em que a representação apresenta dimensões facilmente transponíveis para um ambiente real) pode ser mais eficaz do que a interacção criada nos videojogos com pequenos personagens. Sobre este ponto questionei-o no final, por achar que apesar de ele poder ter alguma razão, não podermos esquecer a força do envolvimento emocional criado com personagens em ambientes de jogo em modo third-person view. Sobre isto anuiu que não queria dizer que era mais eficaz, mas que era apenas diferente. O que eu aceito, é diferente e pode até ser mais eficaz para VEs orientados a tarefas especificas mas não pode por isso ser automaticamente catalogado como simplesmente mais eficaz e desse modo aconselhado para todos os tipos de VEs. Assim os chamados personagens de tamanho real seriam na sua óptica indicados especialmente para as áreas da psicologia "social phobia" e "exposure therapy" e Slater considerou mesmo que a RV seria um dos melhores laboratórios actuais para testes de psicologia. Finalmente Slater ainda falou do seu mais recente estudo no qual replicou a conhecida experiência de Milgram, os dados dessa experiência podem ser analisados em um dos seus recentes papers, mas Slater salientou que apesar de ter conseguido dados interessantes sobre as reacções dos sujeitos reais quando confrontados com a "dor" ou expressão de dor dos sujeitos virtuais, ficaram ainda bastante longe da experiência realizada com sujeitos reais.
Seguidamente a esta abertura de Slater decorreram 3 sessões paralelas e eu participei na sessão de Design & Authoring onde apresentei algum do trabalho desenvolvido no projecto INSCAPE sobre o plugin Atmosphere Editor que estamos a desenvolver e que permitirá a qualquer utilizador muito facilmente manipular os ambientes e personagens num âmbito emocional dentro das motivações da história que se pretende contar interactivamente.
Da parte da tarde tivemos o outro keynote Doug Bowman da Virginia Tech que veio falar sobre as questões paralelas ao trabalho de Slater, o processo de Imersão. O domínio de Slater está centrado no utilizador e daí o conceito de Presença, enquanto que a Imersão, tal como apresentada por Bowman, é um conceito centrado na tecnologia. Bowman apresentou várias problemáticas agregadas à questão da imersividade e apresentou algumas ideias sobre os benefícios desta,
1- Increase Spatial Understanding
2- Increase peripheral awareness
3- Increase Bandwidth (attention demanding tasks)
4- Decrease information "cluster" (information visualization)
Bowman julga também ser necessário ponderarmos a possibilidade de se alargar o domínio da RV enquanto área de investigação a outros domínios e para isso considera que não devemos categorizar a RV apenas em "true or immersive" (HMDs e CAVEs) e "non immersive" (VR desktop), a RV deve ser vista como um continuum. No final deixou alguns questões no ar para que a audiência pudesse discutir e que deixo aqui para vossa reflexão,
- "Will true immersive VR still make a large real-world impact?
- "What are some other ways to apply VR research to non-VR contexts?"
- "What are some non-traditional benefits or applications of immersive VR"
Obrigado Nelson, muito interessante!
ResponderEliminarxxx mouse
Olá Patrícia, na verdade a conferência fez-me pensar que por vezes não devemos estar agarrados à expansão do que investigamos para poder abarcar outras áreas mas que precisamos de refinar e aprofundar mais aquilo a que demos tantos anos de investigação, nomeadamente neste caso, que é uma área em franca emergência. Por vezes sentia uma necessidade de incluir mais e mais no pensamento e isso contaminava as ideias e as linhas inicialmente escolhidas para o trabalho. Nesta última fase mudei bastante o rumo dessas linhas porque acreditava que as respostas poderiam estar nessas outras áreas paralelas, mas a verdade é que apenas se torna tudo mais difícil. Quando abordamos outra área científica é necessário fazer todo um reconhecimento do campo e aceitar que não se é dali oriundo e que desse modo se parte em completa desvantagem correndo o risco de se esquecer ou deixar para trás o local de onde se parte por ser tão intenso o trabalho de aproximação. Assim julgo que é essencial continuar o caminho da interdisciplinaridade sem com isso esquecer o centro das nossas motivações e sem deixar que todo o pensamento resvale ou seja atraído por outras áreas que têm por vezes esse dom de ser mais atractivas que outras porque parecem capazes de oferecer respostas no imediato.
ResponderEliminarOlá Nelson,
ResponderEliminarAcho que a complexidade dos objectos interactivos requer um reconhecimento de várias áreas mesmo que com isso tenhamos consciência que perdemos em especialização o que ganhamos em "imagem geral" do campo como um todo. Hoje a crítica e a investigação inglesa (Bryce & Rutter, 2006) também adoptam este paradigma, ouvir essencialmente de todos os campos para com isso construir um possível discurso sobre a complexidade dos jogos digitais. Menos funcionalista e ordotoxo do que aquele produzido pelos nórdicos? Hehehe. Daí que tenha apreciado tanto o vídeo do Maeda, pelo tema essencialmente (complexidade versus simplicidade). Venden-nos a simplicidade num mundo cada vez mais complexo...
Concordo com a questão do foco, o meu já sabes qual é: mais estética (experiência) do que poética (convenções) e menos hermenêutico (interpretação).
xxx mouse
ERRATA: Em cima é vendem-nos, claro! xxx mouse
ResponderEliminarEu sei, eu sei. É uma sensação de estar no fio da navalha, por vezes parece que vamos cair para o lado da multidisciplinaridade total, outras para o da focagem total. Eu sei que a virtude está no meio, mas não é fácil mantermos o equilibro no meio e por vezes parece que já mergulhámos demasiado para um lado e que o resto ficou tão lá atrás. Mas é verdade, a simplicidade vende-se a rodos quando a complexidade é tão grande. Mas também me questiono, para nós é complexo o novo mundo, mas não o foi sempre na nossa evolução? À medida que vamos evoluindo como espécie, vamos crescendo em complexidade, acredito que quando tiver 80 anos, quando olhar para a tecnologia desse tempo, vou sentir o que sente hoje uma pessoa de 80 anos, um desconforto, uma estranheza, um distanciamento, mas se calhar faz parte... não sei... é um tanto ou quanto melancólico pensar nisso, não porque não pretenda que isso me aconteça, mas porque julgo que faz parte do lado romancista, narrativo, ficcional e imaginário que a nossa vida no essencial é.
ResponderEliminarE quanto ao foco, a experiência é importante, mas não me consigo desligar da poética :o) acho que é o meu lado mais computacional a puxar para a esquematização e lógica.
Olá Nelson,
ResponderEliminarhehehe gostei das tuas considerações ;-)) e é engraçado que há tempos li um artigo onde se dizia que qualquer livro sobre game design era de alguma forma prescritivo... os artistas têm sempre problemas com as convenções e é engraçado como o Maeda fala da proliferação da àrvore nas ciências da computação, achei isso delicioso. Para mim será sempre algo mais rizomático, hihihi, isto é, fora do esquema.
xx mouse
Por isso são artistas, porque caminham lateralmente às convenções :). Agora uma coisa é necessária dizer, tanto precisamos de pessoas que vejam além da prescrição, como pessoas que sejam capazes de pegar nelas e optimizá-las, estandardiza-las, torna-las o mais adequadas possível à função que possuem e assim precisamos de pessoas que se orientem pelo esquema e não se desorientem com a atracção rizomática :)
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