Têm sido inúmeras as vezes em que ouvimos desabafos, ou lemos textos inteiros dedicados à questão do excesso de informação providenciada pelas tecnologias de informação. É uma queixa recorrente, e também é verdade tal como diz Shirky (2008) [1] que todas essas reflexões se tem limitado a constatar que esse excesso existe.
"We were caught unprepared for the amount of information we have to process. We often hear the term “information overload”-most likely as we skim Google Reader, or perhaps while we discuss multitasking as we delete our way toward Inbox Zero. Yet, more so than information overload, we may be facing “filter failure”. [2]
A questão que se levanta é que talvez não estejamos a enfrentar um problema de excesso de informação, mas antes um problema de défice de filtragem. Isto porque,
"there has long been an invisible tribe, a mysterious group, who transform scattered thoughts into compelling stories, who splice hundreds of hours of video into feature-length films, who segregate the semicolons from the em dashes. These are editors working across media sectors-publishing, film, music, more-to deliver transformative stories with clarity and grace."[2]
Mas se isto é verdade, o facto é que a evolução destas tecnologias levaram ao aparecimento de tecnologias sociais que potenciam de tal modo a troca de informação entre pessoas comuns, que leva a que exista cada vez menos tempo para a informação tratada e filtrada pelos tradicionais meios de comunicação social. O mais recente estudo da "
Edelman Trust Barometer" mostra um Grau de Confiança de 29% na "Comunicação Social" e 74% em “pessoas como nós”.
Ou seja as pessoas estão a colocar de lado os agentes de filtragem, o que leva a que aumente a quantidade de informação à nossa volta e que pode mesmo levar-nos para uma incapacidade da sua gestão. Contudo isso não é o que está acontecer, a sociedade não entrou em colapso derivado desta mudança, muito provavelmente porque as pessoas souberam adaptar-se a ela, e souberam tornar-se em editores eles próprios da informação que recebem e da informação que partilham. Como diz a Liz Danzico não fizemos formação para isso, e por isso não somos especialistas ou tão capazes como um jornalista, mas estamos a aprender aos poucos. Esta é uma arte que a Danzico define da seguinte forma:
"Editing is to media as a performance is to a composition: It is an act of interpretation, rich with opportunities for personal insight, misguided judgments, or brilliance. Each individual is different, and each individual will construct experiences differently. In our new editorial roles, we’re tasked with acting as equal parts consumer and editor. What we’re doing is, in fact, parallel to decades of editorial traditions."[2]
E é exactamente isto que as pessoas fazem no seu dia-a-dia no Facebook, no Twitter, no YouTube, nos Blogs, Tumblers, etc. etc. A título de exemplo veja-se como se define Olivier Ertzscheid um professor universitário francês que escreveu um artigo no Liberation admitindo que tem na sua lista de amigos mais de 250 estudantes,
"De plus en plus souvent, ma pratique de l’enseignement comme médiation, comme capacité première de prescription consiste à signaler sur Facebook à tous mes amis-étudiants, les émissions de télé ou de radio intéressantes, les articles de journaux à lire, des ressources ayant trait à leur formation ou plus générales sur l’insertion professionnelle."[3]
Ou seja, Ertzscheid funciona como um verdadeiro filtro de informação. E é um filtro que é mais eficaz do que um jornalista, porque está mais próximo dos seus leitores, conhece-os, sabe as suas necessidades, desejos e crises. Por outro lado os seus alunos vêem este acto de filtragem como algo desinteressado, ao contrário da Comunicação Social que usa todas as artimanhas possíveis para nos convencer a segui-los. Estamos na presença de um Novo Editor, de alguém que corta, elimina, realça a informação em função do seu público.
Deste modo poderíamos pensar que isto representaria o fim do Jornalismo, o que não é verdade de todo. Uma coisa será o fim de uma parte da comunicação social, vazia de conteúdo apenas interessada na obtenção de atenção de modo a pagar-se a si própria. Esta comunicação social não é mais do que uma nova forma parasitária de jornalismo, que existe apenas para sobreviver, não tem qualquer objectivo e muito menos uma missão. Ao contrário do professor acima, que edita a informação que partilha com o objectivo de guiar as pessoas que o seguem num determinado caminho, num caminho que este acredita ser importante, fazendo-o de forma totalmente desinteressada, não dependente do número de pessoas que o vão ler, ou gostar.
Deste modo o jornalismo que sobreviverá só poderá ser o de investigação, um pilar da estrutura base da democracia. Sem este jornalismo é impossível a existência de uma democracia. Veja-se a titulo de exemplo o filme
State of Play (2009) [5] para se perceber o alcance político e social do jornalismo, a sua missão e importância. Em certa medida é abordada a questão da blogosfera e do jornalismo de papel, mas a meu ver de forma muito pouco eficaz. Mas se temos acesso a todos, se todos estão na rede e todos se podem comunicar, porque precisamos deste jornalismo. Por uma razão simples, porque todos podemos construir diferentes realidades nos processos de comunicação. E porque como foi demonstrado por vários estudos entre os quais o
Experimento da Prisão de Stanford [6], todos estamos preparados para o desvio a partir do momento em que assumimos o poder ou controlo.
E o maior problema é que a detecção deste tipo de comportamentos ou acções não é detectável superficialmente, mas requer trabalho de pesquisa, análise, comparação e metodologia lógica para construir hipóteses e chegar a conclusões sobre qual das realidades é a “verdadeira”. Como tal este tipo de trabalho só poderá ser feito por pessoas inteiramente dedicadas ao seu trabalho, não se coadunando de forma alguma com a mera troca de informações numa rede social, ou blog que é feita nos nossos tempos livres. Como refere José Manuel Fernandes [4], citando a Times, “não há jornalismo de qualidade sem recursos dedicados e profissionais a tempo inteiro”.
Para fechar um texto que vai demasiado longo, apenas dizer que não importa a quantidade de informação que se produza ou exista disponível desde que façamos uso dos melhores filtros, e estes serão sempre humanos.
Referências:
[1] Clay Shirky, (2008), Web 2.0 Expo NY,
It's Not Information Overload. It's Filter Failure.
[2] Liz Danzico, (2010),
The Art of Editing: The New Old Skills for a Curated Life, interactions,, XVII.1 - January / February, 2010,
[3] Olivier Ertzscheid, (2010),
Prof 2.0 : Pourquoi je suis « ami » avec mes étudiants, in Liberation,
[4] José Manuel Fernandes (2010),
Do iPad na Quinta Avenida ao "projectista" da Guarda, in Público, Sexta-feira 9 Abril 2010, p.39
[5] Kevin Macdonald, (2009),
State of Play, UK, Drama
[6] Philip G. Zimbardo, (1971),
The Stanford Prison Experiment