A vida é ‘pesada’. (compreender a Vida pelo conceito de Peso)
Estás a ‘gastar’ o meu tempo. (compreender o Tempo pelo conceito de Dinheiro)
Ela vai subir até ao topo. (compreender o Sucesso pelo conceito de Espaço)
A minha cabeça não está a funcionar hoje. (compreender o Cérebro pelo conceito de Máquina)
Na verdade o nosso poder de metaforizarão vai ao ponto de desenvolver estruturas complexas de atribuição, em que os conceitos se metaforizam em função daquilo que somos enquanto humanos, e corpos no mundo, ou seja metáforas ontológicas. Assim podemos ter, segundo Lakoff & Johnson
Eventos e ações -> objetos
Atividades -> substâncias
Estados -> contentores
Um exemplo para compreendermos esta abordagem pode ser um Jogo de (qualquer coisa, futebol, cartas, etc.).
João, ‘viste o’ jogo no outro dia? (objeto: detém propriedade física)
O jogo acabou sendo muito ‘pesado’. (substância: detém propriedade sentiente)
Eu não aguentei ‘até ao final’. (contentor: detém propriedades variáveis)
A metáfora é distinta da metonímia e da sinédoque. Na metonímia não acontece comparação, de modo direto, nem se objetiva a dar a entender por outros meios, antes se produz uma substituição de termos, que de algum modo estão interligados (Ex. “Beber um copo”, o copo assume o significado do seu conteúdo). Não se metaforiza, mas antes se substitui pela sua variável dependente. Já a sinédoque, acaba aproximando-se muito da metonímia, no sentido, em que substitui o topo pelas partes, ou a parte pelo todo (ex. Lisboa caiu nas ‘mãos’ dos espanhóis).
Podemos então compreender o mundo sem metáforas? Podemos, tudo aquilo que experienciamos de forma física direta (Cima-Baixo, Dentro-Fora, Leve-Pesado, Frente-Trás, Escuro-Claro, Quente-Frio). Mas o mais interessante, é que partimos desta relação direta, tão básica e pobre em significação, para a construção conceptual de tudo o resto. Da acumulação de conceitos, camada sobre camada, chega-se à complexidade conceptual, aquela que nos permite detalhar aquilo que percepcionamos. Sem esta complexidade não conseguiríamos explicar as emoções que nos trespassam de cada vez que as sentimos na relação com o mundo. Ou seja, a construção de cada uma das metáforas, decorre de um processo causal baseado na manipulação direta (causa-efeito) dos conceitos, que quando bem sucedidas, atualizam os nossos mapas mentais do mundo.
Assim o uso de metáforas, representações do real, conhecidas por ambas as pessoas num diálogo é o que permite a comunicação. Percebemos tão bem isto, quando na leitura de um livro, o autor descreve um sentir, e nos revemos na metáfora aplicada. Mas quando por exemplo conversamos com uma criança, ou pessoa de outro país, damos por nós a gerar diferentes metáforas até encontrar aquela que faz acender a luz na cabeça do nosso interlocutor. Por não deterem o mesmo tipo de experiência que nós, por ainda serem novos ou terem experiências do mundo distintas, as metáforas não funcionam de modo automático. Isto quer dizer que o conhecimento, e a sua expressão (linguagem), funciona como uma espécie de pirâmide (metáfora para o conhecimento baseada em estrutura física) conceptual, que vai crescendo, com os conceitos a alicerçarem-se uns nos outros para ir aumentando o detalhamento e definição do mundo que conseguimos percepcionar. Quanto maior for o nosso mapa mental de conceitos, de metáforas, maior será a nossa capacidade para descrever o mundo, e ao mesmo tempo descrever-nos a nós mesmos.
O facto de eu trazer a comunicação para a discussão, interessa-me pelo que falarei a seguir sobre a literatura e o cinema, mas acaba por servir de resposta à discussão que Lakoff e Johnson produzem no final dobre livro, e que muita celeuma tem gerado, sobre o Objetivismo e Subjetivismo. O que percebemos a partir deste modo de conceptualização do mundo, baseado na metáfora, é que ele não pode decorrer apenas do mundo enquanto objeto, a realidade é construída, a factualidade não é verdadeiramente empírica já que precisa de ser recriada por nós internamente. Mas isso também não suporta a ideia de que vivemos perante uma inevitável subjetividade, em que o real é aquilo que a nossa imaginação quiser. No fundo voltamos à essência do que criou, e mantém viva, a ideia de sociedade, e que são as crenças partilhadas, produzidas pelo objetivismo (avaliação e contra-avaliação contínua da causalidade) mas devidamente sustentadas pelo subjetivismo (significação dessa causalidade) que tornam a realidade um bem comum. Considero assim, que é da comunicação humana que emerge aquilo que Lakoff & Johnson categorizam como via alternativa, o Experiencialismo, que não é mais do que uma atualização do 'pragmatismo' de Dewey que o levou a definir a Estética a partir da Experiência. (Do mesmo, modo tenho vindo a defender, do ponto de vista académico, a Comunicação como ponte essencial entre a Arte e a Tecnologia.)
E aqui surge então a parte a que pretendia chegar, e que no último texto aqui dava conta, falando da especificidade do cinema: “Como filmar o Pensamento?”. Na verdade o cinema está limitado a mostrar aquilo que percepcionamos de modo direto, pela visão e audição, já que regista a realidade. Ao contrário do texto que usa símbolos para descrever esse real. Contudo, como percebemos a literatura não usa esse símbolos para dar a ver o pensamento. As tradicionais descrições psicológicas do realismo russo (ex. Dostoiévski), são poderosas, não pelas palavras ou frases empregues, mas antes pela metaforizarão do interior dos personagens. Talvez por isso mesmo, Eisenstein, nos anos 20 do século passado, tenha tentado um tipo de expressão cinematográfica, que ficou conhecida por montagem intelectual, que nada mais é do que a criação de metáforas visuais (mais detalhe).
Excerto de “Strike” (1925) de Sergei Eisenstein
Não podemos esquecer que por esta altura o cinema não continha som, por isso tinha de se expressar o mais possível por meio das imagens em movimento. O cinema acabaria por progredir tecnologicamente e nos anos 1930 assimilaria o som, transformando-se numa arte audiovisual completa. A partir daí começou a contar com o poder da linguagem para expressar muito do que não conseguia mostrar. Isto não quer dizer que o cinema passasse a mera filmagem de cabeças falantes, já que isso iria contra o que o separava das outras expressões narrativas (oralidade e literatura). O cinema continuaria o seu caminho na tentativa de mostrar o que vai dentro da cabeça dos personagens, mas abandonaria a montagem intelectual, pelo distanciamento que cria face à ação, substituindo-a pela linguagem e música, mas focando-se cada vez mais em mostrar efeitos perceptíveis pela visão e audição. Daí que nesses anos 1930, o cinema alemão tenha criado aquilo que ficou conhecido pelo Expressionismo, uma tentativa de plasmar na imagem os sentimentos dos personagens, algo que também acabaria por atingir a saturação.
Hoje, passadas décadas, e milhares de experiências, o cinema desenvolveu toda uma forma de comunicação própria, com a qual os espetadores estão em sintonia, e que é utilizada por todos os criadores de imagens audiovisuais em qualquer canal, da televisão ao vídeo, online, móvel. Essa constitui-se por uma amalgama perfeita entre cinematografia, montagem, música (dietética e extra-diegética) e linguagem (voz off, monólogo e diálogo), que em conjunto trabalham para significar.
Sem ainda ter suficientemente confrontado, nem experimentado empiricamente, deixo uma hipótese: A imagem em movimento dedica-se acima de tudo a mostrar o real experiencial direto, sobre o qual a trabalham de modo metafórico a música e a palavra.