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maio 07, 2012

o Prazer de ler

Acabo de descobrir uma obra de grande valor, Como um Romance (1992) de Daniel Pennac (edição ASA). Foi-me recomendada pelo João Cardoso, um aluno meu de mestrado, não pelo conteúdo, mas pela forma. O livro desenvolve-se em pequenos capítulos de 2 a 3 páginas, criando no leitor um amplo sentimento de progressão, que facilita per se o acto de leitura.


Mas o que descobri no seu conteúdo deixou-me ainda mais encantado. Neste livro de 1992 Pennac já diz muito daquilo que hoje discutimos em redor das palestras de Ken Robinson. Neste ensaio defende o valor da leitura, não pela sua necessidade mas antes pelo seu prazer. Critica fortemente as práticas pedagógicas que fazem da leitura uma tortura e com isso retiram o prazer de ler às crianças.

Autor desconhecido

Pelo meio apercebi-me de algo que comentei aqui sobre o livro The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (2010), é que esta coisa de os alunos e as pessoas não gostarem de ler não tem nada que ver com a Internet. Este ensaio é de 1992, tem 20 anos, e aponta exactamente os mesmos dramas no incentivo à leitura nos liceus franceses. Por isso hoje quando nos dizem que as crianças têm muitas outras atracções, é verdade, mas não é por causa disso que não lêem. Cabe-nos a nós descobrir a forma de os ajudar, e não apenas resignar-nos. Este livro de Pennac é um excelente ponto de partida para encontrar formas de o fazer.


Pennac relembra os pais de que mais importante do que compreender as histórias que lhes leram, é que as crianças tenham prazer com esses momentos. Não posso concordar mais, assim como tenho de concordar com a sua ideia de exame final de liceu em Português, que deveria passar não por exigir a análise de um texto, mas antes por contar sobre os livros que leu.

Ao longo do livro Pennac demonstra com vários exemplos como a análise vem pouco a pouco, à medida que se vai lendo mais e mais, e que não se aprende apenas porque é ensinada de modo obrigatório. Pennac faz do objecto um prazer, e não uma tortura, dessacralizando a leitura e elevando o amor à leitura. Trabalha a arte da leitura como algo que nos deve tocar profundamente o coração, em vez de nos colocar a debitar respostas. E para isso fecha o livro com os fantásticos 10 direitos do leitor:
1. O Direito de Não Ler
2. O Direito de Saltar Páginas
3. O Direito de Não Acabar Um Livro
4. O Direito de Reler
5. O Direito de Ler Não Importa o Quê
6. O Direito de Amar os «Heróis» dos Romances
7. O Direito de Ler Não Importa Onde
8. O Direito de Saltar de Livro em Livro
9. O Direito de Ler em Voz Alta
10. O Direito de Não Falar do Que se Leu
Com um discurso bem disposto e convincente, quase que me consegue fazer sentir culpado. Culpado por ter deixado de ler romances. Uma decisão consciente que tomei há alguns anos. Porque não é possível dedicarmo-nos a todos os prazeres, deixei o lado do romance para o cinema. Mas por vezes, nomeadamente nas paragens mais longas do verão, ainda volto aos seus prazeres por breves passagens.


maio 04, 2012

Nicholas Carr, a internet e o nosso cérebro

O livro de Nicholas Carr, The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (2010) não é um grande livro, mas é um livro sobre a nossa condição actual, que nos fala das preocupações produzidas pela cultura contemporânea, nomeadamente a produzida pelos tempos da internet. Como tal é um livro que faz parte de um pensamento em construção, e que no futuro ele próprio fará parte desta história. E é por isso que faz sentido deter-nos um pouco sobre o que nos diz Carr. Não sendo propriamente um ludita, está longe de se apresentar como um defensor das tecnologias web. É um livro anterior à publicação do artigo da Science do ano passado de que falei aqui, mas que se foca sobre a mesma problemática das supostas alterações cognitivas despoletadas pelos novos modos de aceder à informação via internet.


O maior erro deste livro passa por assumir as teorias da neuroplasticidade como algo muito mais activo do que aquilo que realmente é. É verdade que fomos descobrindo que o nosso cérebro não pára de se adaptar aos 16 ou 17 anos, que continua a fazê-lo pela vida fora. Mas também é verdade que se o faz é a um ritmo bastante lento, e não em toda a sua extensão. Por isso procurar basear toda uma teoria no facto de que os nossos cérebros se alteram apenas com o contacto com a web é esperar demasiado desta nossa capacidade. Era bom que assim fosse, pois muitos outros problemas e patologias teria aqui muitas soluções.

Assim e passada a primeira grande metade do livro a discutir a neuroplasticidade, existem porém coisas a reter porque não são meras especulações, são trabalhos que temos feito e sobre os quais temos dados. Nesse sentido concordo com algumas das questões lançadas sobre a dispersão e fragmentação de mensagem que o hipertexto veio introduzir no discurso do Livro. É algo que transcrevo para aqui, porque é importante em termos de percepção sobre a Interactividade.
"Back in the 1980s, when schools began investing heavily in computers, there was much enthusiasm about the apparent advantages of digital documents over paper ones. Many educators were convinced that introducing hyperlinks into text displayed on monitors would be a boon to learning. Hypertext would strengthen critical thinking, the argument went, by enabling students to switch easily between different viewpoints. Freed from the lockstep reading demanded by printed pages, readers would make all sorts of new intellectual connections between diverse works. The hyperlink would be a technology of liberation.

By the end of the decade, the enthusiasm was turning to skepticism. Research was painting a fuller, very different picture of the cognitive effects of hypertext. Navigating linked documents, it turned out, entails a lot of mental calisthenics—evaluating hyperlinks, deciding whether to click, adjusting to different formats—that are extraneous to the process of reading. Because it disrupts concentration, such activity weakens comprehension. A 1989 study showed that readers tended just to click around aimlessly when reading something that included hypertext links to other selected pieces of information. A 1990 experiment revealed that some “could not remember what they had and had not read.”
Aliás isto mesmo é o que ainda hoje muitos continuam a pedir à Escola, que esta avance no sentido do ensino online por vias interactivas, quando essa não pode nunca servir de via substitutiva, mas apenas complementar. Esta questão do hipertexto e do ensino online, liga-se muito intimamente ao assunto do multitasking. Porque nestes discursos do ensino tecnológico, começamos a ouvir falar das novas gerações, dos nativos digitais. Jovens que não só sabem mais do que os professores como possuem capacidade para fazer várias coisas em simultâneo. Mas a realidade é que um pequeno teste, como o que se pode ver no vídeo aqui abaixo, em que pedimos a um jovem em 2012, ou seja um suposto nativo digital, para conduzir e mandar um SMS ao mesmo tempo, e o desastre é total. Simplesmente verificamos, que o milagre da Neuroplasticidade nas novas gerações não aconteceu, e que o Multistasking humano não é mais do que um mito.


Este discurso mais negativo sobre o Hipertexto, Hipermedia e Multitasking faz sentido e temos estudos que o suportam. Aliás sabemos disto quando partimos para a construção de narrativas em ambientes interactivos. Que se cedermos à vontade total da interactividade, e criarmos um jogo totalmente hipermediado, perdemos o nosso jogador, em termos narrativos. Ou seja a história fragmenta-se e no final do jogo, o jogador já não se lembra de onde partiu a história, menos ainda por onde andou. Por isso mesmo nos jogos mais interactivos, continuamos a forçar a linearidade narrativa, porque essa é o garante da construção de compreensão da mensagem. Sobre isto escrevi bastante em Emoções Interactivas.

Isto relaciona-se com várias coisas, nomeadamente com o modo como construímos as nossas memórias. Estas requerem altos níveis de atenção focada, por forma a dar tempo à criação de novas ligações, ou novas sinapses. Estas ligações só se conseguem com concentração mental, repetição e forte envolvimento. Isto é o que fazemos num livro, mantemos a atenção focada apenas naquela página, e naquele fio narrativo. O problema do objecto hipermedia ou internet é que este ao permitir saltitar entre assuntos, ou linhas narrativas, retira a focagem, logo diminui atenção, por sua vez diminui a solidificação de novas memórias. Carr vai pegar nisto para explicar que a web está a danificar as nossas capacidades de concentração, a diminuir as nossas memórias, e logo a diminuir as nossas capacidades cognitivas de aprendizagem e de crescimento enquanto seres.

How to focus... , de Leo Babauta

Ora isto não faz muito sentido, porque ninguém disse, quer dizer exceptuando os arautos do novo mundo tecnológico, que o multimedia, que a interactividade, ou que a internet, estava cá para substituir os livros, o cinema, o teatro ou qualquer outra forma de expressão e construção do Eu ou do Nós. Os Media Interactivos possuem muitas valências de relevo, nomeadamente a sua componente de interactividade que lhes permite gerar situações de pura simulação e experienciação e que com isso conseguem gerar aprendizagens mais eficientes e duradouras que um livro. Aliás basta ver o exemplo da diminuição drástica de acidentes de aviação após os pilotos terem deixado de aprender a pilotar ouvindo os pilotos mais experientes, e terem passado a treinar em simuladores, como nos relata Lehrer.


Mas este tipo de aprendizagem por acção, ou simulação de acção, não se aplica a tudo aquilo que nós somos enquanto espécie. Existe todo um mundo de acções externas as quais acredito que a internet e nomeadamente os artefactos interactivos desenhados para o efeito conseguem ultrapassar facilmente o livro na transmissão e construção de novas memórias. Mas depois existe todo um reino de inacções, de construção interna do ser, do indivíduo que não se consegue construir por aqui. Interactividade, significa acima de tudo acção e reacção que por sua vez está na antítese da empatia e da contemplação. Características essenciais na construção emocional, social e cultural do indivíduo.

Quanto às questões levantadas por Carr sobre a sua experiência pessoal de se sentir cada vez mais incapaz de concentrar, e de ter que se deslocar para as montanhas para conseguir escrever este livro. Nada de novo, isso já acontecia antes com diferença entre o ambiente citadino e rural. O problema da nossa concentração no dia a dia não é a internet, mas a quantidade de coisas em que nos envolvemos, e sobre as quais temos de aprender a dizer que não.

À la recherche du temps perdu (1913-1927), de Marcel Proust

E isto aplica-se também à questão do Deep Reading que Carr diz que está a desaparecer da sociedade, e que de algum modo o próprio Clay Shirky vem dizendo em alguns dos seus textos, argumentando que nos dias de hoje já ninguém quer saber de ler Guerra e Paz ou Em Busca do Tempo Perdido. Mas isto nada tem que ver com a internet basta pegar em qualquer jornal, revista ou livro que relate experiências escolares dos anos 1980 ou 1990 pré-internet para vermos como os alunos já fugiam da leitura. Livros grandes ou pequenos, a leitura sempre foi vista como a impossibilidade do acto de brincar livre, pela sua necessidade de absoluta concentração. Por isso mesmo a escola, continua a ser um lugar de esforço, de obrigatoriedades, em que não podemos fazer apenas aquilo que queremos. Sem esforço, não se consegue o deep reading, sem o deep reading, não se consegue a construção de conhecimento interno capaz de nos fazer evoluir enquanto indivíduos.

março 05, 2012

Steve Jobs (2011) de Walter Isaacson, e o seu Manifesto

Acabei de ler Steve Jobs (2011) de Walter Isaacson. A minha primeira impressão, é que este é um relato poderoso. Para quem acompanhou a informática desde muito cedo, a Apple sempre fez parte do nosso imaginário. Para quem sempre se interessou pela animação, e em especial a animação 3d, a Pixar sempre fez parte do nosso imaginário. Ler este livro é revisitar todo esse imaginário, é preencher espaços com informação desconhecida, é construir uma visão mais alargada e aprofundada destes dois universos. É entrar adentro da essência destas duas marcas culturais da nossa contemporaneidade. Porque conhecer Jobs, é conhecer o seu trabalho, o seu legado.


Apesar das críticas, o livro está repleto de detalhes, provenientes de centenas de entrevistas que nos permitem compreender melhor quem era Steve Jobs. Isaacson procura manter a distância, ser imparcial. Mas é verdade que os factos dificilmente nos poderão deixar indiferentes. Aquilo que Jobs conseguiu realizar durante apenas uma vida, é impressionante. E por muito que odiemos a sua quase dupla personalidade, que por vezes na leitura do livro cheguei a categorizar mesmo como bi-polaridade. Para Steve Jobs, nunca existiu meio-termo, não havia lugar ao polite, ao protocolo. Para ele alguém ou alguma coisa, era "totally shit" ou "brilliant". E este comportamento é a fonte de todos os seus problemas, e que levanta muitos ânimos contra ele.

Steve Jobs numa sessão em Stanford em 1982, perguntando aos alunos,
"How many of you are virgins? How many of you have taken LSD?"

Mas para mim, este comportamento está na raiz de tudo aquilo que ele conseguiu. Não existiria a Apple sem esta atitude, nem a Pixar. E por isso não teríamos tido o Macintosh (1984), Toy Story (1995), iPod (2001), iTunes (2001), iPhone (2007), App Store (2008) e o iPad (2010). Cada um destes produtos, ou melhor destas invenções, teve um tremendo impacto directo nas suas indústrias, mas não só, o seu impacto foi tão forte que as ondas fizeram mudar muita da indústria à sua volta ao ponto de mudar comportamentos e atitudes em toda a sociedade.

Com o seu pai adoptivo Paul Jobs. Steve Jobs reencontrou a sua mãe biológica, e a sua irmã Mona Simpson. Mas recusou-se sempre a conhecer o seu pai biológico.

A base do trabalho de Jobs foi a busca pela essência do Design Perfeito. Como diz Morozov "The cult of the designer is the foundation of Apple’s secular religion". E claramente que este culto o deve também, como diz o Morozov à "functionalist ideology of Bauhaus and its successors", e que é espelhado no livro do Isaacson.

Steve Jobs em sua casa em 2004

Claramente que um livro de 630 páginas não se pode resumir num curto texto. Mas por isso mesmo, irei realizar um recensão sobre as questões do Design e do Design de Interacção e a sua ligação à atitude de Steve Jobs para o nº 22 da revista científica Comunicação e Sociedade sobre as Tecnologias Criativas. No qual procurarei trabalhar mais a atitude de Jobs face ao mundo, e os seus impactos sobre aquilo que foi e ainda é a Apple.

Steve Jobs em sua casa em 2004

Não quero fechar este texto apenas dizendo que escreverei mais sobre este livro, vejo-me obrigado a transcrever para aqui a carta do Steve Jobs que fecha o livro de Isaacson. Esta carta é um verdadeiro manifesto de Steve Jobs e espelha toda a ideologia que este procurou incutir em si e no seu trabalho. Depois da morte de Jobs e ao fim de 600 páginas, ler este texto, faz-nos sentir que tivemos o prazer de ter tido esta pessoa connosco durante a nossa época neste planeta. Se não puderem ler o livro, leiam pelo menos esta carta.

My passion has been to build an enduring company where people were motivated to make great products. Everything else was secondary. Sure, it was great to make a profit, because that was what allowed you to make great products. But the products, not the profits, were the motivation. Sculley flipped these priorities to where the goal was to make money. It’s a subtle difference, but it ends up meaning everything: the people you hire, who gets promoted, what you discuss in meetings.

Some people say, “Give the customers what they want.” But that’s not my approach. Our job is to figure out what they’re going to want before they do. I think Henry Ford once said, “If I’d asked customers what they wanted, they would have told me, ‘A faster horse!’” People don’t know what they want until you show it to them. That’s why I never rely on market research. Our task is to read things that are not yet on the page. 

Edwin Land of Polaroid talked about the intersection of the humanities and science. I like that intersection. There’s something magical about that place. There are a lot of people innovating, and that’s not the main distinction of my career. The reason Apple resonates with people is that there’s a deep current of humanity in our innovation. I think great artists and great engineers are similar, in that they both have a desire to express themselves. In fact some of the best people working on the original Mac were poets and musicians on the side. In the seventies computers became a way for people to express their creativity. Great artists like Leonardo da Vinci and Michelangelo were also great at science. Michelangelo knew a lot about how to quarry stone, not just how to be a sculptor.

People pay us to integrate things for them, because they don’t have the time to think about this stuff 24/7. If you have an extreme passion for producing great products, it pushes you to be integrated, to connect your hardware and your software and content management. You want to break new ground, so you have to do it yourself. If you want to allow your products to be open to other hardware or software, you have to give up some of your vision.

At different times in the past, there were companies that exemplified Silicon Valley. It was Hewlett-Packard for a long time. Then, in the semiconductor era, it was Fairchild and Intel. I think that it was Apple for a while, and then that faded. And then today, I think it’s Apple and Google—and a little more so Apple. I think Apple has stood the test of time. It’s been around for a while, but it’s still at the cutting edge of what’s going on.

It’s easy to throw stones at Microsoft. They’ve clearly fallen from their dominance. They’ve become mostly irrelevant. And yet I appreciate what they did and how hard it was. They were very good at the business side of things. They were never as ambitious product-wise as they should have been. Bill likes to portray himself as a man of the product, but he’s really not. He’s a businessperson. Winning business was more important than making great products. He ended up the wealthiest guy around, and if that was his goal, then he achieved it. But it’s never been my goal, and I wonder, in the end, if it was his goal. I admire him for the company he built—it’s impressive— and I enjoyed working with him. He’s bright and actually has a good sense of humor. But Microsoft never had the humanities and liberal arts in its DNA. Even when they saw the Mac, they couldn’t copy it well. They totally didn’t get it.

I have my own theory about why decline happens at companies like IBM or Microsoft. The company does a great job, innovates and becomes a monopoly or close to it in some field, and then the quality of the product becomes less important. The company starts valuing the great salesmen, because they’re the ones who can move the needle on revenues, not the product engineers and designers. So the salespeople end up running the company. John Akers at IBM was a smart, eloquent, fantastic salesperson, but he didn’t know anything about product. The same thing happened at Xerox. When the sales guys run the company, the product guys don’t matter so much, and a lot of them just turn off. It happened at Apple when Sculley came in, which was my fault, and it happened when Ballmer took over at Microsoft. Apple was lucky and it rebounded, but I don’t think anything will change at Microsoft as long as Ballmer is running it.

I hate it when people call themselves “entrepreneurs” when what they’re really trying to do is launch a startup and then sell or go public, so they can cash in and move on. They’re unwilling to do the work it takes to build a real company, which is the hardest work in business. That’s how you really make a contribution and add to the legacy of those who went before. You build a company that will still stand for something a generation or two from now. That’s what Walt Disney did, and Hewlett and Packard, and the people who built Intel. They created a company to last, not just to make money. That’s what I want Apple to be.

I don’t think I run roughshod over people, but if something sucks, I tell people to their face. It’s my job to be honest. I know what I’m talking about, and I usually turn out to be right. That’s the culture I tried to create. We are brutally honest with each other, and anyone can tell me they think I am full of shit and I can tell them the same. And we’ve had some rip-roaring arguments, where we are yelling at each other, and it’s some of the best times I’ve ever had. I feel totally comfortable saying “Ron, that store looks like shit” in front of everyone else. Or I might say “God, we really fucked up the engineering on this” in front of the person that’s responsible. That’s the ante for being in the room: You’ve got to be able to be super honest. Maybe there’s a better way, a gentlemen’s club where we all wear ties and speak in this Brahmin language and velvet code-words, but I don’t know that way, because I am middle class from California.

I was hard on people sometimes, probably harder than I needed to be. I remember the time when Reed was six years old, coming home, and I had just fired somebody that day, and I imagined what it was like for that person to tell his family and his young son that he had lost his job. It was hard. But somebody’s got to do it. I figured that it was always my job to make sure that the team was excellent, and if I didn’t do it, nobody was going to do it.

You always have to keep pushing to innovate. Dylan could have sung protest songs forever and probably made a lot of money, but he didn’t. He had to move on, and when he did, by going electric in 1965, he alienated a lot of people. His 1966 Europe tour was his greatest. He would come on and do a set of acoustic guitar, and the audiences loved him. Then he brought out what became The Band, and they would all do an electric set, and the audience sometimes booed. There was one point where he was about to sing “Like a Rolling Stone” and someone from the audience yells “Judas!” And Dylan then says, “Play it fucking loud!” And they did. The Beatles were the same way. They kept evolving, moving, refining their art. That’s what I’ve always tried to do—keep moving. Otherwise, as Dylan says, if you’re not busy being born, you’re busy dying.

What drove me? I think most creative people want to express appreciation for being able to take advantage of the work that’s been done by others before us. I didn’t invent the language or mathematics I use. I make little of my own food, none of my own clothes. Everything I do depends on other members of our species and the shoulders that we stand on. And a lot of us want to contribute something back to our species and to add something to the flow. It’s about trying to express something in the only way that most of us know how—because we can’t write Bob Dylan songs or Tom Stoppard plays. We try to use the talents we do have to express our deep feelings, to show our appreciation of all the contributions that came before us, and to add something to that flow. That’s what has driven me.

Steve Jobs

janeiro 13, 2012

Back in Time (2011), uma excelente App portuguesa

É uma notícia excelente, para nós que nos preparamos para dar início a um projeto científico de estudo dos novos modelos de livro em interfaces de toque. Saber que em Portugal foi desenvolvida uma aplicação/livro para iPad, pela Landka, que está a funcionar muito bem junto do público internacional com vários 1º lugares de tabelas de vendas e muitas críticas online [iPad ModoiPad Insight, Feker,  Smart Apps for Kids;, MyMac, PadGadget, Touch Reviews].


Back in Time (2011) foi lançado em Setembro para o iPad, e em Dezembro para o iPhone. O livro é fundamentalmente um enciclopédia sobre o Universo, e daí que o tempo de criação da mesma tenha demorado cerca de um ano a desenvolver. O livro vem carregado com mais de 300 imagens, 60 vídeos, e 40 timelines ilustradas. A música é do Rodrigo Leão e a App está já em Inglês, Espanhol, Francês, Alemão, Chinês e claro Português. Um ano para tudo isto é muito pouco, mas para o universo de apps para estes formatos é imenso. É difícil investir tanto dinheiro numa aplicação, sem qualquer garantia de retorno, e para um universo tão difícil de prever como são as apps no iPad.

Um relógio imaginário irá guiá-lo ao longo desta descoberta, através de uma analogia simples: o Universo começou há 24 horas.
O Big Bang, fonte do tempo e espaço, é o primeiro evento na nossa viagem – o relógio marca 0:00 horas. Hoje, 13,7 mil milhões de anos depois, o relógio marca meia-noite. Pelo meio, uma sequência de acontecimentos-chave que nos trouxeram aos dias de hoje. Explore-os, coloque-os em perspectiva, veja como estão relacionados, compreenda as consequências e pergunte-se “E se?”… 

Em termos de design de interação, o que é para mim mais relevante é a metáfora que eles criaram para aceder aos conteúdos e que passa por um simples relógio com 24 horas, que condensa toda a história até ao Big Bang. Isto permite a qualquer interator ganhar uma noção muito completa do que tem nas mãos. São 24 horas, que nos levam através de toda a nossa existência, não são livros e livros, cds e cds, páginas e páginas, links e links. A partir de uma interface simplicíssima é visualizado, nas 24 horas, todo o tempo do Universo, e isso é o grande atractivo de Back In Time.


Tenho poucas dúvidas de que foi esta a razão pela qual Back in Time foi eleita App of the Day no Gizmodo quando saiu, e tenha agora aparecido no TOP 10 de Bob Tedeschi no NY Times. E que tenha chegado ao primeiro lugar da tabela iPad nos EUA, UK, França, Espanha, China entre muitos outros países. E é preciso ter em atenção que não é um jogo de 0.99 dólares, mas uma aplicação que custa 7.99 dólares.


Switch: How to change things when change is hard (2010)

O livro de Chip e Dan Heath, Switch: How to change things when change is hard (2010) é de leitura fácil e grande fluidez, prende bem o leitor através da apresentação de estudos de psicologia que suportam as suas ideias e ainda pela progressão na apresentação do seu quadro de trabalho. Mas antes de apresentar o coração da argumentação, devemos perceber que o livro trata de uma forma geral os aspectos da mudança do comportamento humano.


Nesse sentido Chip & Dan Heath dizem que a mudança tem sido apresentada quase sempre como muito difícil, algo a que as pessoas têm muita tendência a resistir, ou de que as grandes mudanças exigem grandes ações. Mas para estes autores nenhuma destas ideias corresponde propriamente à verdade. E uma das razões que estes apresentam para tal é simplesmente o facto de despendermos demasiada energia a controlar os nossos impulsos. O facto de estarmos sempre a monitorizar tudo, drena tanta energia que a que sobra se torna insuficiente para perspectivar a mudança. Aliás neste mesmo sentido, e aplicado em concreto aos processos de tomada de decisão, é a discussão que vem sendo levada a cabo sobre a Fadiga da Decisão, e que pode ser lido num artigo extenso do NYT.

Posto isto os Heath entram na discussão sobre o que está em causa na mudança em termos psicológicos. E é aqui que vão utilizar uma magnífica metáfora desenvolvida por Jonathon Haidt no seu livro The Happiness Hypothesis (2005), para estabelecer o quadro de trabalho central a todo o livro:
“Haidt says that our emotional side is the Elephant and our rational side is the Rider.  Perched atop the Elephant, the Rider holds the reins and seems to be the leader.  But the Rider’s control is precarious because the Rider is so small relative to the Elephant.  Anytime the six-ton Elephant and the Rider disagree about which direction to go, the Rider is going to lose. He’s completely overmatched.
Most of us are all too familiar with situations in which our Elephant overpowers our Rider.  You’ve experienced this if you’ve ever slept in, overeaten, dialed up your ex at midnight, procrastinated, tried to quit smoking and failed, skipped the gym, gotten angry and said something you regretted, abandoned your Spanish or piano lessons, refused to speak up in a meeting because you were scared, and so on”
Recordando algumas destas situações, é facil percebermos como as constantes ações para produzir mudança drenam ferozmente a nossa capacidade cognitiva (Condutor) de controlo das emoções (Elefante). O controlo que o condutor tem sobre o elefante é bastante limitado, e exigente, por isso é preciso encontrar a melhor forma de o levar a fazer o que é bom para ambos, tanto o Condutor como o Elefante. Nesse sentido os irmãos Heath introduzem um terceiro elemento na equação da mudança, que é o Caminho para chegar à mudança, ou seja o ambiente em que mudança terá de ocorrer. Com o terceiro elemento introduzido, abre-se o mantra do livro para a resolução da mudança: "Direct the Rider, Motivate the Elephant, and Shape the Path"


Ou seja os autores acreditam que a resposta à mudança acontece numa configuração tripartida, que passa por Dirigir o Condutor (Cognição), Motivar o Elefante (Emoção), e Moldar o Caminho (Ambiente). Isto é aquilo que poderão ganhar com a leitura do livro, e que deixo a seguir apenas algumas ideias, as que me pareceram mais reveladoras.


1. Dirigir o Condutor
A nossa atitude natural é acreditar que a razão consegue levar a emoção, contra a sua vontade, a fazer aquilo que é o mais correto. E a verdade é que podemos até conseguir em parte, mas por pouco tempo. Como vimos acima a nossa capacidade de controlo é limitada e rapidamente se irá exaurir deitando por terra as mudanças conseguidas (ex. dietas, deixar de fumar, etc). Nesse sentido a sugestão mais interessante dos autores para mim, é sem dúvida o oposto daquilo que normalmente fazemos, quando refletimos sobre as nossas acções passadas. E que passa por encontrar os chamados Bright Spots.
Ou seja normalmente quando analisamos o passado, temos tendência a concentrar-nos no que fizemos mal, para perceber como podemos melhorar. Somos capazes de passar horas moer em cima de algo que correu mal, mas quando as coisas correm bem, simplesmente correram e deixamos para trás.
Ora o que nos dizem os autores, é que devemos fazer exatamente o contrário, dando o exemplo da criança que chega a casa com a caderneta das notas. O que é importante não é perceber o que se passou com a nota negativa, mas antes perceber melhor porque se teve uma nota máxima. Ou seja procurar perceber o que está a funcionar bem, e perceber como se consegue mais dessa componente.


2. Motivar o Elefante
O elefante é normalmente visto como o problema, mas se o conseguirmos manobrar em favor do que nos interessa, ele será uma força tremenda no processo de mudança. Para tal os autores sugerem que mudemos a abordagem, em vez de analisar-pensar-mudar (ou seja atacar a Conductor), precisamos é de ver-sentir-mudar. O cerne da mudança está na Emoção.
Deste modo precisamos de pensar como motivar o elefante, dar-lhe confiança, e mante-lo em movimento. Assim as questões centrais passam por esquecer factos e números, este só servem ao condutor. Precisamos de histórias e anedotas viscerais, de experiências directas da mudança, ou de imagens. Precisamos de o convencer a começar a mexer, através de pequenos passinhos, se pedirmos demasiado de uma vez só, o mais certo nem sequer se mover. Precisamos de criar expectativa para o erro e falha, para que esta não tenha um impacto de tal forma forte que leve a parar todo o processo. A última parte passa pela identidade e pressão de grupo social.


3. Moldar o Caminho
A componente do ambiente é atribuída a vários estudos que demonstram a nossa clara tendência para atribuir as culpas da não mudança ao individuo, ao que ele é intrinsecamente, esquecendo a situação em que ele está. E o que acontece é que por vezes mudando pequenos elementos da situação é possível alterar por completo o cenário da mudança. Aqui aquilo que os autores dizem, não é tão surpreendente, mas nunca é demais repetir aqueles que me parecem os dois factores principais: criar rotinas, e celebrar os pequenos passos. No fundo dois dos fatores principais seguindos em associações como as dos alcoólicos anónimos, em que são criadas rotinas muito claras, com objectivos muito bem identificados. E em que cada passo conseguido é celebrado em grupo, ganhando força positiva do da pressão social.


Direct the Rider, Motivate the Elephant, and Shape the Path

dezembro 09, 2011

Musicophilia (2007), música e consciência

Musicophilia (2007) de Oliver Sacks fala-nos sobre o modo como o nosso cérebro reage à música, através da descrição de vários casos patológicos analisados à luz da neurociência. O mais interessante desta leitura foi que o livro gerou um impacto em mim muito para além da compreensão do fenómeno perceptivo musical. Este livro abriu-me toda uma nova forma de nos compreendermos a nós mesmos, mais concretamente de compreender o que somos, de poder pela primeira vez perceber do que falamos quando falamos de consciência.


Musicophilia é um livro carregado de histórias de pacientes que nos ilumina sobre o assunto mas que não traz conclusões, sumários, nem síntese. Sacks dá-nos a ver o sumo e pede-nos que sejamos nós a tirar ilações. Concordo e discordo de Kakutani do NYTimes quando diz que um trabalho em profundidade de edição poderia ter ajudado, porque se sinto que segue um trajeto demasiado descritivo das patologias, percebo que o assunto em questão é complexo e difícil, ou impossível, de explicar com o conhecimento que possuímos atualmente.


A história que abre o livro é das mais impressionantes e é aquela que me atira diretamente para a discussão sobre o que é a consciência. Tony Cicoria é um cirurgião que foi atingido por um relâmpago tendo sofrido alterações de percepção. Ou seja, a partir dessa altura começou a ouvir música dentro da sua cabeça. Não quando queria ou imaginava, mas como ele descreve de forma quase “possuída”, e em torrentes, a tal ponto que apesar de nunca ter estudado música começou a aprender piano, e ao fim de algum tempo começou a compor a partir daquilo que ouvia.

Visualização de Musicophilia realizada por Austin Kleon

O que acontece neste exemplo é que sem uma perspectiva científica do assunto, sem uma abordagem neurológica, poderíamos ser levados por caminhos da religião, de forças do oculto, ou de forças do além. Imaginem o que é estarem a tentar fazer alguma coisa, ou a tentar dormir e a música estar a tocar dentro da vossa cabeça sem parar, sem terem qualquer controlo sobre a mesma. Depois, todo o lado romântico da música, da inspiração e das musas contribui ainda mais para que possamos voar em busca de valores espirituais, dada a não-representabilidade da música, dada a sua existência não material. Cicoria a uma certa altura chega a pensar que poderia estar conectado ao céu, ter uma ligação telefónica direta com Deus.

E é exatamente por isto que eu me comecei a questionar sobre o valor da consciência. É impossível não pensar em Damásio, mas Damásio nos seus trabalhos literários, apesar de ser um neurocientista, teve sempre uma certa inclinação para colocar a consciência num certo pedestal, num lugar imaculado, longe da nossa compreensão. E se é verdade que ainda hoje não conseguimos perceber como se forma, como emerge a consciência dentro de nós, não é menos verdade que sabemos que ela não é nenhum fantasma ou espírito que paira dentro de nós, ou dentro do nosso cérebro.

Julgo que Sacks ao apresentar os casos desta forma clínica, tão despegado da tentativa de lhes dar sentido, acabou por nos dar a ver aquilo de que é feita a nossa consciência, no nosso cérebro. Ou seja, algo bastante mecânico que sofre com cada ajuste neuronal operado na camada física. Se levamos uma pancada, um raio, um choque, ou se somos atacados por uma qualquer doença degenerativa do cérebro, como o Alzheimer, ou se sofremos um acidente vascular, o nosso cérebro altera-se fisicamente. E essa alteração física trás sempre associada, de modo inevitável, alterações do foro da consciência. Ora se assim é, restam poucas dúvidas de que aquilo que somos, aquilo que identificamos como a nossa pessoa, a nossa consciência, não é mais do que uma combinação bem intrincada da informação presente no nosso cérebro e das inter-relações que se sucedem entre essa informação.


No fundo, somos tecnologia construída a partir de tecidos orgânicos, que evoluíram ao longo de milénios de anos permitindo que a complexidade de armazenamento de informação na nossa cabeça se complexificasse a um tal ponto levando a que esta própria complexidade fizesse emergir em cada um de nós, personalidades com traços próprios. Mas no fundo não passamos de máquinas biológicas com data de validade inscrita à nascença. Aliás nesse sentido, se algum dia viermos a perceber o que faz despoletar a emergência do ser no nosso cérebro, poderemos simular isso em computadores, e a partir daí seremos obrigados a respeitá-los tanto, como respeitamos hoje qualquer outro ser humano. Talvez Kubrick e Spielberg (AI, 2001), tivessem razão, e daqui a 10 mil anos já não existiremos por cá enquanto máquinas biológicas, mas antes como resquícios esquecidos em pequenos robôs.

Voltando à música e a Sacks, depois de apresentados mais de uma dezena de casos, acaba por fechar dando a música como algo que continua a fugir à compreensão científica. Aliás talvez por isso mesmo tantos cientistas tenham sempre evitado discutir o assunto. Sacks refere que William James por exemplo se referiu parcamente ao fenómeno, e quando o fez foi para dizer que esta não tinha qualquer utilidade biológica. Que Darwin se desinteressou totalmente pela música a partir do momento em que começou a teorizar sobre os processos de seleção natural. Que Freud terá dito que o seu lado racional o impedia de ser afectado por algo que este não conseguia compreender porque é que o afectava. E ainda Steven Pinker que se refere à música como um “acidente evolucionário”, uma espécie de “doce auditivo” que explora recursos que inicialmente teriam evoluído para dar reposta à fala.

Sacks responde a todos eles que é muito fácil tornarmo-nos seres obcecados com as nossas ideias e atividades, com as nossas teorizações sobre o funcionamento do mundo, e pararmos de reparar na beleza de que é feito o mundo à nossa volta. Não é por acaso que Sacks acaba por terminar o livro defendendo a musicoterapia, dizendo que a música pode ser muito útil em termos terapêuticos, que esta é capaz de levar as pessoas a aceder a determinadas partes do cérebro aonde a consciência sozinha não consegue chegar.

outubro 21, 2011

Godin: "Somos todos Esquisitos" (2011)

O último livro de Seth Godin é mais um manifesto sobre o funcionamento do marketing e das sociedades, das transformações que as tecnologias têm vindo a impor aos modelos de consumo. Godin é autor de mais de uma dezena de livros, incluindo Permission marketing (1995), Unleashing the Ideavirus (ebook grátis) (2000), Tribes (2008) todos no campo do marketing.


We Are All Weird (2011), é um pequeno livro de cento e poucas páginas, no qual Godin vem defender que para o marketing, as massas deixaram de ser prioridade, e o que é agora necessário é trabalhar para os Esquisitos, os nichos, as minorias. Godin assenta esta sua idea na expansão da base curva da normalidade, eboçando uma análise sobre o modo como esta se desenvolveu ao longo dos últimos 50 anos.


A partir desta análise, podemos verificar que as curvas de Bell se têm vindo a abater, a estender na base, fazendo com que a área central seja cada vez menor. Assim Godin diz-nos que a normalidade, que as massas que seguem um mesmo gosto, que ouvem uma mesma opinião, uma mesma música, veem um mesmo filme, leem um mesmo livro estão a desaparecer, e a dar lugar a pequenos grupos. Estes seus gráficos são bastante elucidativos de uma transformação decorrente do desenvolvimento tecnológico, nomeadamente a internet que consequentemente está a provocar alterações na nossa sociedade, desde o marketing aos mass media.

agosto 28, 2011

How we Decide (2009)

Jonah Lehrer é Contributing Editor na Wired, na Scientific American Mind e no Radio Lab da NPR. Já escreveu para The New Yorker, Nature, Seed, The Washington Post e The Boston Globe. E finalmente é autor do fantástico livro Proust Was a Neuroscientist (2007) que nos diz que os artistas já tinham previsto muitas das ideias que a ciência acabou por vir a demonstrar.


O seu mais recente livro, How we Decide (2009), apresenta a qualidade das revistas/jornais acima referenciadas, e para quem leu o seu primeiro livro, voltará a encontrar a beleza da prosa, da simplicidade, e da enorme capacidade de comunicação de Lehrer. Da minha leitura existem várias coisas que me apetece aqui focar. Existem várias folhas do meu livro marcadas, outras sublinhadas, outras apontadas em ficheiros txt, doc ou com entradas no meu blog. Foi um livro que demorei a ler, porque ia apontando muita coisa. O livro como disse é de digestão fácil, o problema é que nos faz pensar muito sobre o mundo que nos rodeia e como tal acabamos por demorar-nos sobre o mesmo.

Em termos de conteúdo, o que este livro nos traz é uma reafirmação do trabalho levado a cabo por Damásio e publicado em 1994, e que viria a mudar para sempre o modo como olhamos para o ser humano em termos científicos. Deixámos para trás Platão e Descartes, deixámos para trás o Racional, o Intelectual, o Consciente, e hoje sabemos que se somos a espécie mais avançada à face do planeta, é porque fazemos uso das nossas emoções, porque tomamos muitas decisões fazendo uso da nossa não-consciência, ou do Cérebro Insconsciente como lhe chama Lehrer.
"It's not how the brain works. For the first time in human history, we can look inside our brain and see how we think. It turns out that we weren't engineered to be rational or logical or even particularly deliberate. Instead, our mind holds a messy network of different areas, many of which are involved with the production of emotion. Whenever we make a decision, the brain is awash in feeling, driven by its inexplicable passions. Even when we try to be reasonable and restrained, these emotional impulses secretly influence our judgment."  Lehrer em Entrevista

01
Ao longo de todo o livro somos levados por um discurso contaminado por estudos desenvolvidos no campo das neurociências, somos levados pelo cérebro adentro. É-nos explicado como funcionam as nossas emoções, como funciona o nosso centro de controlo racional, o córtex pré-frontal. Somos atingidos por neurónios e muita dopamina. O livro abre com várias demonstrações do poder da dopamina sobre o modo como esta nos ajuda a lidar com a complexidade do mundo. Sendo este neurotransmissor responsável por nos transmitir sensações de recompensa, ele é também responsável por desenvolver dentro do nosso cérebro previsões do que vai acontecer.
Seja um filme que estamos a ver e começamos a desenhar mentalmente como vai terminar - quem será o culpado - seja uma jogada de futebol que parte do meio campo até junto da baliza - mas o nosso guarda-redes defende -. A dopamina impulsiona-nos a encontrar padrões sobre o que estamos a ver, e leva-nos a prever como se deverão desenrolar as coisas dentro de cada padrão. A previsão confirmada, liberta grandes doses de dopamina que nos deixa muito satisfeitos, o seu contrário corta a libertação da dopamina que já estava em curso, e deixa-nos frustrados e em baixo.


02
A Dopamina sendo responsável pela gratificação, é também responsável por evitar que entremos em frustração, daí que ela nos obrigue a executar a análise de padrões e a busca de possível sucesso. Por isso desenvolvemos em nós um sentimento muito emocional que é caracterizado pelo conceito de Aversão à Perda (falei disto a propósito dos videojogos). Sempre que perdemos e a dopamina não é libertada, ficamos mal, como tal ao longo da nossa aprendizagem vamos aprendendo a evitar qualquer atividade que possa contribuir para a nossa perda.
Até aqui tudo bem, o problema é que com a evolução da nossa espécie, e com a compreensão destes mecanismos, fomos desenvolvendo mecanismos para ludibriar a dopamina, ou melhor ludibriar as barreira criadas por ela. Dois dos mecanismos mais eficazes nesse logro são o Cartão de Crédito e mais recentemente, o maior responsável pela crise atual internacional, os créditos à habitação americanos, Sub-Prime.
O nosso cérebro parece ter dificuldade em registar perdas futuras, lida melhor com o presente, com o imediato. Aliás o neuro-economista George Loewenstein da Carnegie Mellon diz que os "cartões de crédito… anestesiam o nosso cérebro em relação à dor do pagamento".


No fundo o que acontece é que lidamos com a informação em níveis distintos dentro do nosso cérebro, como demonstram os estudos. Um perda imediata, ativa determinadas áreas do nosso cérebro, que fazem disparar de imediato os alertas. Uma perda futura, leva a que o nosso cérebro desenvolva todo um raciocínio sobre esse futuro, criando uma grande abstração em redor da perda, minimizando essa perda.
“Paying with plastic fundamentally changes the way we spend money, altering the calculus of our financial decisions… When you buy something with cash, the purchase involves an actual loss — your wallet is literally lighter. Credit cards, however, make the transaction abstract.”
No caso do sub-prime nos EUA, foi exatamente isto que aconteceu. Vender casas a pessoas sem posses, acenando com dois anos iniciais de pagamentos muito abaixo da prestação real, e depois quando chega a prestação real passados os dois anos é que as pessoas entram em choque, a dopamina dispara e percebem que não podem pagar.


03
Aliás isto vem no sentido de um outro conceito desenvolvido no livro, que tem que ver com a racionalização em demasia, e as limitações do nosso raciocínio. Lehrer explica-nos que o nosso Cortex Pré-frontal é muito bom a decidir mas apenas quando a decisão envolve um número reduzido de variáveis. E aqui voltamos à velha teoria psicológica, sempre presente, de que a nossa memória de curto prazo, consegue apenas reter entre 7 a 9 elementos máximo. Ora o que acontece quando temos de comprar um Carro, uma Casa, ou qualquer outro objeto complexo, este possui demasiadas variáveis para analisar, e deste modo acabamos por sucumbir à racionalidade da análise das variáveis, muitas vezes toldando aquilo que realmente seria importante para nós. Demonstrando claramente o alcance do Racional, e indo de encontro à teorização de Damásio, sobre a necessidade do uso da emoção pela razão.

O mesmo acontece na relação com a arte, sendo muito diferente a relação que se estabelece com um quadro ou um filme, quando sentimos essa obra, ou quando nos é pedido para explicar porque gostamos dessa obra. Nos estudos realizados por Timothy Wilson da Universidade da Virginia, ficou demonstrado que as pessoas quando escolhem um quadro por instinto, sentem-se mais satisfeitas com ele passado alguns meses, do que aquelas pessoas a quem se pede que explique a razão da sua escolha antes de levarem o quadro para casa. A racionalização da escolha de algo complexo como uma obra de arte, tolda o nosso córtex pré-frontal, e impossibilita-nos de ver com clareza emocional aquilo que realmente gostamos.

Black on Maroon, de Mark Rothko, 1959

O problema disto é que vivemos numa sociedade, que dita, quanto mais informação melhor. E Lehrer dá exemplos como o dos médicos que se socorriam de MRIs (imagens do interior do corpo criadas por  ressonância magnética) para analisar problemas de coluna, cometendo mais erros de cálculo do que aqueles que apenas analisavam os problemas por Raio-X. Ou seja no MRI conseguiam ver na perfeição a coluna, vendo todos os defeitos, deixando de se concentrar no essencial para se concentrar na enorme quantidade de problemas visíveis no MRI. Aliás isto foi demonstrado e levou mesmo a que a Associação de Médicos Americana começasse a recomendar que não se fizessem MRIs à coluna nas consultas iniciais, e que estes se limitassem ao Raio-X.

Outros casos falados no livro são os corretores da bolsa, e a quantidade de variáveis com que têm de lidar, ou os orientadores de carreira, que recebem portefólios tão pormenorizados das pessoas, que acabam por emitir pareceres sem qualquer utilidade. Aliás esta mesma ideia foi já discutida em Blink de Malcolm Gladwell.

Para resolver esta problemática, Lehrer sugere-nos que para tomar decisões com grande número de variáveis, o melhor a fazer é: “Take your time, to allow the unconscious brain to digest the overwhelming information”. Porque como ele diz nas suas conclusões finais, nós sabemos mais do que aquilo que pensamos saber. E a melhor forma de libertar todo esse conhecimento é permitir que o Não-Consciente tome decisões também. Mas atenção isto só é válido para quando existe experiência acumulada que só pode ser fruto do investimento de muito tempo e prática. Aliás mais uma vez em sintonia com Gladwell, agora no seu livro Outliers, quando este refere, que para nos tornarmos verdadeiros experts em algo, precisamos de um investimento médio de 10,000 horas. O interessante em Lehrer, é dizer que este conhecimento está dentro de nós, e que não é possível sintetiza-lo no imediato e de forma racional, porque este está espalhado por zonas do nosso cérebro ao qual o nosso Cortex Pre-frontal não consegue aceder, porque acederá apenas a um numero limitado de zonas para tomar decisões, as tais 7 a 9 possibilidades.


04
Dois apontamentos finais, um sobre a distinção entre o - Conscious Brain (Racional) – Unconscious Brain (Emocional) e outro sobre a arte do Learn by Doing.

04.1
Lehrer diz-nos que nos estudos realizados é necessário utilizar pequenos artifícios para “enganar” os sujeitos, ou seja, para os fazer tomar atitudes Conscientes, ou atitudes Inconscientes. Num desses estudos ele refere o seguinte

“… a person would be forced to make a decision using the unconscious brain, by relying on his or her emotions. (Conscious attentions had been focused on solving the word puzzle).” P.233

Isto abre a porta para várias discussões sobre o modo como as emoções são processadas diferentemente durante a experiência de um Videojogo e durante a experiência de um livro ou filme. Deixo o apontamento, e qualquer dia voltarei a ele.

04.2
O segundo apontamento tem que ver com as estatísticas da aviação. Os riscos de acidentes de aviação cometidos por erros dos pilotos desceu drasticamente após a introdução dos simuladores de voo (P.253) nos anos de 1990. Anteriormente à existência desta tecnologia, os pilotos aprendiam por recursos tradicionais de educação, em que os pilotos mais velhos davam seminários. Assim em vez de memorizar as lições dadas pelos pilotos mais velhos, o simulador passou a permitir que os pilotos iniciassem de imediato o treino do Cérebro Emocional. Este treino permite assim uma capacidade de resposta emocional em voo, ao passo que o conhecimento memorizado orbriga sempre a uma reposta racional, muito mais lenta e limitada como já vimos acima.


Para além disto, os pilotos eram levados ao extremo nos simuladores, levados a cometer erros, para que percebessem, mas mais do que isso, para reterem informação emocional do erro e saberem como reagir quando estivessem a pilotar realmente um avião.

Este é mais um assunto que me interessa particularmente pelo modo como se cruza no uso dos videojogos em sala de aula. Ou seja, estes dados dos pilotos, demonstram claramente o que temos vindo a dizer de que muito mais importante que ouvir, ler ou ver, é experienciar, decidir, repetir, repetir, errar, e errar, repetir e acertar. E isto é aquilo que nos vem dizendo Paul Gee fazendo uso das teorias da cognição situada.

julho 19, 2011

The Art of Choosing (2010)

The Art of Choosing é um livro extraordinário que nos ilumina o processo social por detrás das nossas escolhas, mas é também uma viagem pela vida da autora. Sheena Iyengar é doutorada em Psicologia Social pela Universidade de Stanford. É filha de pais indianos, com costumes enraizados, e ainda em criança perdeu a visão por doença. Para se ter uma ideia do que podem encontrar neste livro vejam a sua Ted Talk de 2010.


A discussão aqui lançada por Sheena Iyengar centra-se sobre o ato de escolha ser fortemente condicionado pela cultura, pelas variáveis de contexto em que crescemos e nos movemos, assim como por mecanismos biológicos de sobrevivência que nascem conosco. Sendo ela filha de pais indianos tem facilidade em colocar em perspectiva a cultura Americana em que vive atualmente. O livro é assim constituído de muitas histórias, de muitos estudos que sustentam as teorias e as concepções apresentadas, passo aqui em análise apenas duas abordagens que me parecem muito relevantes neste livro: a liberdade e a unicidade.

Começo pelo exemplo citado do experimento de Seligman e Maier (1967) que viria a dar origem ao conceito de Learning Helplessness, ou a "Desamparo Aprendido". De forma muito resumida, nesse experimento foram criados grupos de cães para testar os efeitos da escolha e da não escolha sobre os seus comportamentos em duas fases seguidas.
Na primeira fase, a um grupo de cães foi infligida dor através de choques eléctricos, que os cães poderiam parar através de um botão à sua frente. Com um outro grupo de cães procedeu-se da mesma forma mas o botão colocado à sua frente não tinha qualquer efeito sobre os choques elétricos. Neste segundo grupo os choques eram sentidos de forma aleatória, criando a sensação aparente de impossibilidade de escape. Assim enquanto no primeiro grupo os cães recuperaram muito rapidamente da experiência, no segundo grupo os cães aprenderam a sentir-se desamparados, manifestando um comportamento muito próximo da depressão crónica clínica.
Na segunda fase ou momento, os cães foram colocados dentro de uma zona com o chão eletrificado e da qual podiam escapar saltando uma pequena cerca que se encontrava à volta dessa zona. A maior parte dos cães do segundo grupo, os que tinham aprendido o sentimento de desamparo, ou seja que por mais que tentassem clicar no botão nada fazia parar os choques, simplesmente se sentaram passivamente a choramingar. Mesmo tendo o acesso à escapatória dos choques tão facilitada, os cães simplesmente não tentaram. Ou seja, não só aprenderam que nada poderia alterar o estado das coisas, como transferiram essa aprendizagem para uma situação nova.

imagem de Emiliano Boga

Ora este experimento vai ao fundo do âmago daquilo que é ser livre, ser autónomo. Questiona como o sentimento de liberdade pode ser manipulado e facilmente controlado. Mas mais interessante do que isso, esta desconstrução empírica da nossa relação com a autonomia e a escolha, leva-nos a questionar muito daquilo que fazemos no dia-a-dia, e daquilo que defendemos como as melhores abordagens para a sociedade.

A título de exemplo uma das coisas que este experimento me fez pensar imediatamente foi a quão pouca autonomia é concedida ao estudante do Ensino Superior português, e o modo como provavelmente isso estigmatiza e reduz os níveis de empreendedorismo e criatividade. Quando comparado com o ensino nos EUA em que o aluno desenha o seu percurso, é autónomo e responsável pelo seu caminho, por cá nós insistimos na ideia de que o aluno só pode fazer aquelas cadeiras. Damos como bónus num curso de três anos a hipótese de este poder fazer 2 ou 3 cadeiras de opção que muitas vezes já estão condicionadas por falta de recursos humanos. Como é que podemos depois esperar que o aluno chegue lá fora, e seja autónomo, procure, invista, desenvolva, quando passou quinze anos da sua vida a fazer o que lhe mandavam, quando sempre lhe foi dito exatamente o que tinha de fazer!

A esta constatação devemos ainda não esquecer outra levantada pelos estudos da autora sobre o facto do processo de escolha condicionar fortemente a motivação dos indivíduos. Ou seja, quando os sujeitos são obrigados ou levados a fazer algo, a sua produção é muito menor do que quando o fazem porque são eles que o decidem fazer. Ou seja, quando estes são livres para fazer. Algo muito próximo daquilo que é também defendido por Daniel Pink no seu livro Drive (2010).

Findo o caso da liberdade, relato agora um pouco da sua discussão em redor do tema da unicidade humana. A autora diz-nos que somos todos muito parecidos, mas temos algo dentro de nós, que nos conduz por uma obsessiva necessidade de sermos únicos. O nosso sistema interno diz-nos a todo o momento
1. I'm different from others.
2. My belief system, ideas and values are unique and significantly different from those of others.
3. By Logical /Rational observation I think I'm unique.
Sheena Iyengar defende que esta crença se destina a servir de mecanismo de auto-preservação. Cada individuo pensa que é especial, e tenta a todo o momento convencer-se a si próprio e aos outros de que é mais esperto. Aliás isto é evidenciado pelo efeito conhecido como Melhor que a Média. Este é um mecanismo que por vezes se manifesta de forma bastante subtil e subconsciente mas que existe em nós. Assim e em resposta a este mecanismo de sobrevivência que condiciona as nossas escolhas, Iyengar suportada por vários estudos, diz-nos que:
1. People are more alike than they think.
2. What people believe about themselves, or what they would like to believe, doesn't vary much from person to person.
3. Each person is convinced that he or she is unique.
Esta questão mexe comigo, não pela superioridade, mas pela unicidade. Queremos realmente acreditar que somos únicos. E mais do que isso, acreditamos que isso nos distingue de tudo o que já existe e de tudo o que possa a vir a existir. Esta é uma questão muito bem aflorada no filme Artificial Intelligence: AI (2001) de Steven Spielberg, e que vale a pena ver ou rever.

 "I thought I was one of a kind", in Artificial Intelligence: AI (2001)

junho 24, 2011

Drive (2010) de Daniel Pink


Daniel Pink é uma espécie de estrela americana da literatura não ficcional que trabalha temas como as alterações introduzidas pelas tecnologias da informação nos comportamentos sociais, nomeadamente as novas abordagens e as novas motivações. É um autor que anda na mesma órbita de Malcolm Gladwell, Chris Anderson, ou Stephen Dubner.

O primeiro trabalho que li dele foi A Whole New Mind (2006), um livro muito interessante sobre as alterações introduzidas pela globalização nas necessidades dos novos empregos na Europa e EUA. Uma discussão muito atual que discute como necessidade básica da nossa sociedade atual a inovação e a criatividade. Entretanto Daniel Pink lançou em 2010 Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us um livro completamente focado sobre o modo como funcionamos em termos de estímulos, sobre a motivação no trabalho e alguns dos seus mitos.

Em Drive, Daniel Pink vai tocar alguns aspetos que já discuti a propósito de The Element (2009) de Ken Robinson, nomeadamente a questão de que quando as pessoas são levadas a trabalhar em algo que é fruto da sua própria escolha, elas produzem muito mais, do que quando lhes chega como um pedido externo. Neste sentido Pink vai discutir o que motiva as pessoas no mundo atual, nomeadamente a diferença entre o pagamento de serviços e a cumplicidade ou reconhecimento. Vou aproveitar para deixar aqui alguns dos exemplos trabalhados por Pink e que encerram em si o foco do livro.

Num dos estudos apresentados, sobre a motivação de crianças para desenhar, criaram-se três grupos,

1 - A quem se prometeu um certificado para que desenhassem.
2 - A quem não se prometeu, mas se deu um certificado por terem desenhado.
3 - Um grupo a quem não se prometeu nada, nem se deu nada.

O primeiro grupo, assim que se retirou a variável do certificado deixou de achar piada a desenhar, e aos poucos acabou por deixar de desenhar. Por outro lado os outros dois grupos, continuaram a desenhar. O que aconteceu foi que se transformou aquela atividade auto-motivada, numa atividade de trabalho. O pior impacto disto, foi que se destruiu a autonomia das crianças do primeiro grupo, porque passaram a ficar dependentes de alguém lhes dizer o que fazer e quando fazer. A motivação intrínseca, ou auto-motivada, foi exteriorizada, ou substituída por um estimulo externo. 
“Try to encourage a kid to learn math by paying her for each workbook page she completes—and she’ll almost certainly become more diligent in the short term and lose interest in math in the long term.”
Assim Pink diz-nos que no curto termo, podemos levar as pessoas a alterar os seus comportamentos. Mas no longo termo isto conduzirá à destruição da autonomia das pessoas, ou seja à destruição da motivação auto-motivada. O grande problema é que para produzirmos grandes obras, para trabalharmos sobre o nosso elemento, descobrimos aquilo que nos move, temos de possuir esta funcionalidade intacta, se esta for corrompida, podemos estar a comprometer o futuro destas crianças.


Segundo Pink as recompensas extrínsecas funcionam para o ser humano como objetivos a atingir, e estes são do pior que pode existir para um trabalho ético. Os objetivos atravessam-se na frente, e levam a que os atletas se dopem, que os alunos façam cábulas, que os economistas façam trafulha nas contas, que uma empresa em função de um deadline descure critérios de qualidade. Os objetivos são geradores de atalhos para atingir os fins. As coisas deixam de ser intrinsecamente motivadas, e passam a estar motivadas por algo externo, sendo então esse algo externo (objetivo) que é preciso atingir a todo o custo.

Deste modo Pink apresenta-nos as recompensas como viciantes em termos de psicologia humana. Dar um caramelo a um filho para levar o lixo, fará com este da próxima vez exija o mesmo caramelo para voltar a levar o lixo. A pessoa passa a assumir aquela tarefa como desprovida de valor, e que precisa de ser recompensada para ser realizada. Com o passar do tempo, e à semelhança de qualquer adição, será preciso pagar cada vez mais, dar mais recompensa para que a pessoa faça a mesma coisa.


Estas são algumas das essências discutidas no livro, fundamentadas com vários estudos. Para abrir o apetite fica uma palestra que Daniel Pink fez na RSA, dessa palestra foi criado um pequeno vídeo de ilustração das principais ideias. Este vídeo tornou-se entretanto no vídeo mais visto da coleção de vídeos ilustrados da RSA, com quase 6 milhões de visualizações.

junho 19, 2011

As narrativas “perdidas”

Tenho andado a ruminar sobre um tópico relativo ao design de narrativa, algo do tipo, teorias do objecto último, ou das narrativas perdidas, a propósito das narrativas da série Lost e do último livro de Dan Brown, The Lost Symbol (2010). Nesta teorização o objecto último aparece ao espetador definido como algo de totalmente desconhecido, intangível e inatingível.


Assim podemos verificar a sua ocorrência em narrativas que começam por gerar expectativas demasiado elevadas e transportam o espetador por um caminho sem fim, em que repetidamente somos lembrados de que existe algo no final, mas que por ora está reservado o seu acesso. Uma espécie de busca pelo ouro no final do arco-íris, em que nada mais existe para além do ouro. Ou seja quando uma narrativa propõe ao seu leitor que algo de infinitamente poderoso, infinitamente mau, ou infinitamente bom pode estar à nossa espera no final da obra comete-se um erro grave.


É isto que acontece com Lost que por trabalhar sobre um fechamento demasiado óbvio, a saída de uma ilha, se obriga a elevar a fasquia a um nível altíssimo, apresentando a ilha como imbuída de forças desconhecidas e não naturais, propondo assim um caminho em crescendo para algo que não poderá entregar ao espetador, se se quiser manter credível não evocando o sobre-natural. O mesmo vai acontecer com The Lost Symbol, no qual Dan Brown depois de uma narrativa em que oferecia a resposta para o Santo Graal (O Código DaVinci, 2003) se vê obrigado a elevar a oferta para um patamar totalmente inaudito. Assim cria a ideia de um símbolo maçónico perdido, um símbolo com um poder magnificente, capaz das coisas mais grandiosas.
Em consequência destas escolhas dos autores de ambas as obras, geram-se expectativas altíssimas em função de um anunciado final explicativo de todo um processo que se prolonga por dias de leitura ou visualização. No seio deste modelo existem duas questões que devem fazer refletir quem escreve:

1º - O fechamento não é Tudo
A narrativa deve ser capaz de proporcionar uma experiência que é um processo no tempo que nos ajuda a construir uma fábula daquilo que se está a passar. Para isso precisa de se auto-sustentar sem recurso constante ao anúncio da explicação última. Quando o fechamento é quem suporta toda a expectativa, funcionando como a cenoura na ponta do cordel, acaba por no final ser insuficiente para matar toda a fome de explicações gerada no leitor.

2º Quando o fechamento é Tudo
O não desvelar informações mínimas que permitam compreender o que está para ser anunciado no final implica uma construção narrativa conceptualmente poderosa mas de complexa gestão. A retenção de informação sobre o que está no final à nossa espera, gera um mundo de possibilidades na cabeça do espetador. Este processo para funcionar é normalmente respondido com um final em aberto, capaz de alimentar a imaginação do espetador.  O problema é que este tipo de estrutura narrativa está normalmente centrada sobre questões do foro intímo humano, onde a complexidade humana é capaz de servir qualquer significado. Ora nestes dois exemplos praticamente não temos conflitos internos, o que temos são meras ações externas, como a busca de objeto ou a descoberta de uma lógica para um local.

Isto explica a minha decepção com The Lost Symbol e explica também porque nunca tive grande interesse em seguir Lost. Desde o primeiro episódio que sabendo que a narrativa teria de ser estendida estruturalmente que não quis seguir algo que tinha um fechamento inevitável. Claramente que temos de dar a mão à palmatória e aceitar que a mestria dos guionistas de Lost é do mais alto nível, ser capaz de sustentar seis seasons é brutal. Uma narrativa morta à nascença vai abrir-se em múltiplas dimensões que vão girar em vários patamares ao longo de um eixo que une toda a série e sobre esse eixo manter o interesse do espectador até ao final, impressiona.