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março 18, 2012

Entrevista com o Director Criativo da Dreamlab

A Dreamlab é uma empresa de desenvolvimento multimédia, com destaque para as áreas da composição digital, 3d e marketing digital. Está localizada em Aveiro onde foi fundada há 11 anos, e conta com 15 pessoas neste momento. Estive à conversa com um dos seus fundadores, o Diogo Valente, que é o director criativo da empresa.


O Diogo, atualmente com 34 anos, veio de Sta. Maria da Feira para Aveiro fazer a licenciatura em Novas Tecnologias da Comunicação na Universidade de Aveiro, onde acabou por fundar a Dreamlab no seio da Incubadora. Hoje, para além do trabalho na empresa, realiza diversos projectos pessoais na área de vídeo, e trabalha como consultor e formador nas áreas de 3D, vídeo e animação.



Show Reel de trabalhos de 2010

1 - Criaste a Dreamlab assim que acabaste o curso em 2001 porquê? O que te motivou a criar a tua empresa e a não procurares emprego? 

:: Olhando para trás considero que a decisão foi um pouco ingénua. Apesar da empresa ter dado frutos, se fosse hoje, julgo que teria feito outro percurso. Gostava de ter tido mais experiência fora de Portugal. Gostava de ter passado por algumas empresas de multimédia e VFX mais consolidadas, para entender melhor a realidade desses mercados a nível internacional. Isso provavelmente teria ajudado a não cometer tantos erros no início da empresa.

Eramos 3 recém graduados a acabar uma bolsa de investigação na Universidade de Aveiro. Começámos a questionar-nos sobre o que iríamos fazer a seguir à bolsa e as condições proporcionaram-se. Na altura, alguns colegas ofereceram ajuda para criar a empresa porque de burocracia e gestão percebíamos pouco. A 4ª sócia surgiu para colmatar essa lacuna, a Clara Moreira era a única dos 3 com experiência empresarial.

A Dreamlab acabou por ser uma aventura que durou mais tempo do que aquilo que eu estava à espera. Começámos a aperceber-nos de que o mercado em nosso redor sofria de lacunas profundas em termos de conteúdos de comunicação e promoção. Foi fácil vender os nossos serviços. Principalmente para o mercado industrial que começava a dar os primeiros passos ao nível de promoção digital e internacionalização. O mesmo acontecia com as PMEs que apareciam como cogumelos. Todas elas precisavam de branding, websites, vídeos etc... e nós aparecíamos com uma atitude fresca e com propostas acessíveis em termos de valores.

Vimos imenso potencial à nossa volta ao nível do mercado regional e que as grandes agências de comunicação viravam a cara porque os valores envolvidos muitas vezes não lhes interessavam. Estávamos cheios de trabalho.



Campanha TEDx Youth@Aveiro (2010)
 

2 - Eram diferentes os tempos de há uma década atrás? O que é que para ti mais se modificou nesta indústria em Portugal?

:: Sinceramente não sei se lhe podemos chamar indústria! Sinto que a área está a crescer mas ainda vejo pouca produção, vejo pouca quantidade e pouca aposta. Há 10 anos atrás, existiam empresas multimédia com dezenas ou centenas de funcionários. Hoje acho difícil isso acontecer em Portugal. Existem mais empresas e mais freelancers no mercado. São empresas de poucas pessoas que subcontratam serviços especializados quando precisam. Este é o modelo de negócio hoje, e potencialmente, é o que resulta melhor.

A ultima década serviu essencialmente o processo de evangelização. Foi preciso ver para querer. As empresas começaram aperceber-se de que investir em comunicação e marketing digital era necessário. O acesso a novos mercados, o acesso a ferramentas de troca de informação em tempo real, a aposta em marcas próprias e a aposta em estratégias de comunicação mais inovadoras foram o resultado. Hoje já existe um maior cuidado em termos de investimento.

No ensino também temos muitos cursos mas, sinceramente, se as pessoas que os dão não tiverem experiência na área a coisa torna-se rapidamente muito teórica. Precisamos de professores que tenham posto (ou que ainda ponham!) a "mão na massa". Existem alguns cursos nestas áreas, mas julgo que estão demasiado adaptados à realidade da “indústria” em Portugal, ou seja, podemos chamar-lhes cursos de iniciação.



Campanha Cool Haven (Dezembro 2011)


3 - Em que áreas trabalha a Dreamlab? Porquê esta diversidade, e não uma especialização? 

:: Durante os primeiros anos da Dreamlab eu fazia um pouco de tudo. Fazia angariação, criava propostas de orçamento e a proposta criativa, negociava valores e acabava por desenvolver o projecto (principalmente se fosse relacionado com 3D ou vídeo). Apesar de ser uma abordagem errada, de certa forma, essa experiência foi algo que me enriqueceu, principalmente em termos de gestão de projecto e na relação com os clientes.

Para além da parte de gestão e supervisão de projectos eu também coloco as mãos na massa. Trabalho maioritariamente em composição de vídeo e motion graphics. Comecei por trabalhar em 3D mas à medida que fomos contratando pessoas para ajudar nessa área eu fui-me dedicando mais à parte de composição, motion design e vídeo (realização/filmagem/edição).

Diria que 40% do meu tempo é dedicado a gestão e 60% é produção... sendo que a percentagem de gestão está todos os anos “assustadoramente” a subir mais... eu bem tento equilibrar as coisas, nem que seja produzindo alguns projectos pessoais. A minha luta diária é esta, entre o meu "eu" gestor vs o meu "eu" criador.

A questão da diversidade da empresa ao nível de projectos tem a ver com o facto de que cada vez mais a linha entre disciplinas, dentro da produção multimédia, se estar a dissipar. Hoje se virmos um site com 3D ou vídeo é algo normal. A área de programação pode servir para web como para mobile e o design tem de estar preparado para conseguir criar e adaptar soluções para esses diferentes outputs.

Eu julgo que é bom termos uma equipa base com esta diversidade de know how, de maneira a conseguir dar resposta. Mesmo que no final tenhamos que subcontratar alguém tecnicamente mais especializado para executar determinada situação. Eu gosto do controlo em tempo real. Testar coisas. Julgo que não seria possível se a equipa não estivesse disponível ou fosse menos polivalente.



Vídeo Institucional PLM (2011)


5 - Como é que uma empresa no campo criativo, consegue trabalhar com o vosso ritmo estando fora das duas grandes cidades? 

:: Cada vez mais o local onde a empresa se localiza é irrelevante para o seu sucesso. O que conta é o seu trabalho, é o seu portfólio e se é eficaz ao nível da sua promoção. Felizmente já temos um leque de projectos interessantes que ajudam a dar credibilidade e a fazer com que muitas empresas venham ter connosco. E isso foi algo interessante de ver acontecer;  quando os clientes nos começaram a procurar. Normalmente estavamos habituados ao contrário.

A nossa tentativa de fazer trabalhos acima da média, o tentar fazer algo que se diferenciasse, a constante aprendizagem e a aposta em testar novas técnicas, (aplicando-as nos projectos dos nossos clientes)... tudo isso compensou e marcou a diferença em termos do nosso sucesso.

Não vou dizer que tudo correu bem porque seria mentira. Investimos muito nos primeiros anos da empresa para construir um bom portfólio. Sem ele nunca seriamos credíveis para o outro tipo de clientes que nos interessava... as agências de comunicação e clientes de maior estatura.

Também acho que o nível de vida é mais caro nos grandes centros urbanos como Porto e Lisboa e isso implica que os salários tem de ser mais elevados, aumentando os custos para as empresas. Para nós isso é uma vantagem porque em Aveiro temos uma qualidade de vida excelente e com custos relativamente mais baixos. Isso reflete-se nas facturas dos clientes o que faz com que a procura aumente e comece a sair dos grandes centros.



Campanha Hotel Moliceiro (2011)


6 - O que é que falta em Portugal, para avançarmos mais nesta área em termos de indústria? Financiamento do estado, elevação da cultura de exigência de qualidade dos trabalhos criativos?

:: Em minha opinião, se se pudesse minimizar o impacto do estado em Portugal e nas empresas em particular, acho que isso iria resolver muitos problemas. Sinceramente acho que a dependência do estado é um dos grandes problemas do nosso país. Torna as empresas preguiçosas e a consequência é a degradação da qualidade dos seus serviços. Se existissem apoios acho que deveriam ocorrer em moldes diferentes dos que existem agora, que acho que são demasiado burocráticos e lentos. Por vezes isso pode matar uma empresa ou projecto.

Por outro lado, na realidade, desde que esta história da crise começou, eu tenho sentido um acréscimo ao nível da qualidade de trabalhos na nossa área. As empresas estão a esforçar-se mais e a tentar agarrar os clientes a todo o custo. Acho que os clientes já não compram qualquer coisa.

Julgo que o processo de evangelização ainda não acabou. Simplesmente está a passar por uma nova fase. A fase de linguagem de iniciação já passou, agora temos de passar para uma linguagem mais profissional e consequentemente, internacional. Esta situação talvez seja mais evidente na área de VFX e 3D. Julgo que ao nível de multimédia para web, marketing digital, publicidade e até no cinema tradicional, estamos muito bem. No caso do cinema acho que só falta mais apoio financeiro. Existem bons “storytellers” em Portugal.



Campanha Granorte (2011)


7 - A indústria na área em Portugal é unida? As empresas conhecem-se, comunicam, dialogam sobre os problemas que enfrentam, partilham abordagens, ideias ou nem por isso?

:: Aquilo que sinto é que a maior parte das empresas se conhecem minimamente. Julgo que as pessoas também se conhecem porque é fácil expor o trabalho e ligar-se a outros profissionais da área. Julgo que o facebook e grupos de discussão e alguns eventos da área facilitam tudo isso.  Agora, se me perguntas se são unidas e falam dos problemas da área? Isso não me parece que aconteça. Ou melhor, dos problemas falam, não falam é de soluções.

Julgo que há falta de confiança entre as empresas, medo de se abrirem um pouco mais, medo de perderem clientes e claro Infelizmente também existe muita mediocridade no mercado. Julgo que isto acontece em todas as áreas, só que na nossa, infelizmente, acontece demasiado. Eu costumo dizer que hoje em dia toda a gente é realizador, toda a gente é editor, toda a gente é designer... como é que identificamos o verdadeiro profissional? Se eu tenho uma DSLR topo de gama isso quer dizer que eu faço filmagens profissionais?  No final não se lembram de que quem vai sofrer mais com isso, para além do cliente, é a própria indústria que acaba por perder confiança, respeito e força.

Julgo que falta maior diálogo e acordo entre empresas. Julgo que até deveriam de existir algumas directrizes na indústria. Dou um exemplo prático, o das propostas criativas que se preparam para os clientes. Porque é que não se cobram as propostas (pitch)? Às vezes demoramos dias a prepará-las. É trabalho duro! E o cliente por vezes coloca várias empresas a disputar as contas. Para no final dizer que o projecto vai ficar em stand by. Parece-me abusivo e julgo até que é uma falta de respeito por quem trabalha nesta área. Eu julgo que é uma liberdade que o cliente deveria deixar de ter. O meu ponto de vista é que acaba por ser trabalho de consultoria e o cliente vai ser o único a beneficiar destas análises ou propostas... sem custos!

Acho que também faltam mais eventos especializados em Portugal. E no caso de VFX vai existir só em sonhos... como não existe indústria não existem eventos. Temos de mudar isso. Temos de importar know how e exportar este tipo de serviços e projectos. Filmes, séries, curtas...  Também acho que deviamos promover uma maior ligação com os estabelecimentos de ensino. O mercado (global) normalmente é quem dita a oferta de ensino. Provavelmente parte destas produções poderia partir de parcerias com universidades e empresas da área.



Campanha Salinas Village (2010)


8 - Ter pessoas em regime de freelance, parece ser uma necessidade imperiosa nesta área, porquê? 

:: Julgo que existem freelancers muito talentosos e experientes que podem ser uma ajuda preciosa em determinadas situações. Muitos deles até bastante conhecidos porque têm estilos muito específicos e o cliente quer algo parecido. Alguns deles até tentaram criar a sua própria empresa e alguns meses depois desistiram da aventura alegando que se estavam a perder demasiado na parte de gestão e a focarem-se menos na parte criativa... nessa altura eu só pensava "welcome to my world ".

Manter pipelines de produção complexos é extremamente difícil. E não é só em Portugal. Já é normal ouvirmos notícias de estúdios que abrem filiais na Índia ou no Canadá dispersando as equipas de produção. Ou então parcerias entre estúdios especializados em áreas distintas a trabalharem contas conjuntas. A união é a força! Tem de existir um ponto forte em cada empresa. Por isso é que vemos empresas que são procuradas especificamente pelos seus trabalhos de character animation, ou pelos trabalhos de fluid simulation, ou motion design, ou fotografia... etc.

O conceito de especialização é muito importante mas acho que o de diferenciação ainda é mais. Andam ambos de mão dada. Julgo que esse é o único caminho a seguir. Isto porque não é o facto de sabermos fazer bom character animation, ou bons motion graphics, que nos vai safar, temos de o fazer de forma diferente dos outros... e de preferência melhor!



Memory Status: Infinite (2010), projecto pessoal de Diogo Valente


9 - Em termos genéricos os clientes, procuram vídeos com VFX/3d, ou querem apenas um vídeo que transmita o produto? Ou seja, apresentam requisitos para ideias que são apenas possíveis com VFX, ou isso tem sido mais vocês a fazer o esforço da pedagogia das novas tecnologias?

:: Esse trabalho é mais nosso. A grande percentagem de clientes normalmente não sabe o que quer. Ou melhor, existem aqueles que sabem que precisam de um site, ou de um vídeo mas não sabe como transpor isso para um nível mais estratégico. Depois existem os outros que têm a estratégia mas não sabem como a transpôr de forma visual.
Em ambos os casos esperam que nós apresentemos melhorias ou alternativas. Os VFX/3D são quase sempre sugeridos por nós. Na maior parte dos casos esperamos pelo cliente ou projecto certo para implementarmos ou testarmos determinadas técnicas.



Non-Linear Space (2011), projecto pessoal de Diogo Valente


10 - Para ti enquanto Director Criativo da Dreamlab, o que é que te dá mais gozo fazer?

:: É uma pergunta difícil e não devia ser! Como falei acima, eu divido o meu tempo entre gestão e produção. E em ambas as partes existem coisas que gosto de fazer.

Ao  nível de gestão gosto da parte criativa. Gosto de me reunir com o cliente e falar com ele, perceber o que ele pretende e principalmente surpreendê-lo. Gosto de resolver os problemas de comunicação e das reuniões criativas com a equipa. É algo que dá muito gozo. Gosto de criar as condições para que a equipa consiga ter ideias. O facto de ser director criativo não significa que só eu é que tenho as ideias. Pelo contrário, existe muito trabalho de equipa.

Ao nível de  produção, eu gosto principalmente de trabalhos que envolvem integração de CGI com imagem real. Esse tipo de projectos sempre me atraiu. São projectos que envolvem quase tudo: filmagem, tracking, 3D ou motion design, animação, composição.. etc. E julgo que é isso que me atrai neles, o facto de que para que a cena resulte necessites de conjugar know how de várias disciplinas. É a união de tudo. Até de questões mais estéticas como o design, a forma, a composição. Para mim é o cruzamento perfeito entre o técnico e o artístico.



Vídeo institucional DETI / UA


11 - Qual o trabalho mais complexo que realizaste na Dreamlab, podes dar-nos detalhes da complexidade e do problema?

:: Sinceramente não consigo precisar nenhum em particular, todos tiveram um desafio específico mas julgo que posso destacar o projecto do DETI (Departamento de electrónica da Univ. de Aveiro) foi um dos mais complexos tecnicamente.

Fizemos concept design de robôs, filmagens com "actores" (que eram alunos do DETI, ou seja, não eram actores!) que interagiam com algo virtual, fizemos levantamento fotográfico dos locais, incluindo HDRs para iluminação e reflexão. O número de cenas e a quantidade de robôs envolvidos foi megalómana para uma equipa de 4/5 pessoas. Desde a modelação, tracking 3D, texturização, animação e composição de vídeo... Acho que neste caso só faltou character animation e algum tipo de simulação para ter um pouco de tudo.

Levámos tudo até onde pudemos e julgo que o resultado foi interessante e importante para nós. Percebemos que a nossa pequena equipa conseguia fazer trabalhos de topo ao nível de VFX.



Video clip Always Remember (2011), projecto pessoal do Diogo Valente


12 - Como é que uma pessoa se prepara para dar resposta à inovação tecnológica nas indústrias criativas, chega fazer um curso superior? 

:: Na minha opinião o curso superior não chega. Muitos dos meus melhores colaboradores não tinham sequer curso superior. Para dar resposta à inovação tecnológica julgo que simplesmente temos que competir com os melhores. Temos de estar atentos para não sermos ultrapassados e temos de ser mais experimentalistas. A cultura do erro é a chave! Temos de ter margem para errar e aprender com isso. Neste momento a “indústria” em Portugal não tem grande margem para erros, e isso é um problema.

Também acho que aqueles que vão lá para fora deveriam voltar, trazendo novas competências para o país e tentar implementá-las cá.



Campanha Decenio (2011)


13 - O que aconselhas ao pessoal que está a sair das universidades com vontade de trabalhar nestas áreas criativas, devem criar a própria empresa? Devem especializar-se, ou dominar o máximo de tecnologias? 

:: Na minha opinião, hoje, se fosse eu a sair da universidade não formava empresa de imediato. Eu preferia ganhar alguma experiência de trabalho primeiro. Acho que isso é que me iria ajudar a perceber se de facto é aquilo que quereria fazer e iria também perceber em que área é que potencialmente seria mais forte e poderia dar mais cartas. Ninguém é bom em tudo.

É vantajoso poder ter uma veia genérica e poder dar uma ajuda em diferentes áreas ou disciplinas mas é importante especializarem-se numa ou duas em particular. Só dessa forma é que se irão conseguir destacar/diferenciar do resto da concorrência.

E atenção, nem sempre a nossa vocação está na parte de produção técnica. A parte de gestão e supervisão é algo muito importante e necessário. Eu acho que até pode ser aquela que mais falta faz ao mercado neste momento. Se têm boas "people skills" e percebem o suficiente da parte técnica podem ter uma vantagem sobre colegas tecnicamente mais bem preparados mas que não conseguem gerir bem projectos ou lidar com pessoas.



Campanha própria, Basta Acreditar (2012)


14 - Quais são as 3 características humanas que mais valorizas numa pessoa quando precisas de contratar alguém?

:: Paixão pelo que faz, empenho e espírito de entre-ajuda, coragem para arriscar, pro-actividade... são mais do que 3 mas estão todas interligadas.

março 13, 2012

Entrevista com Rui Louro - Artista 3d

Rui Louro tem 35 anos, reside em Lisboa sendo natural de Évora. É licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e é Artista 3d. Desenvolve o seu trabalho na produtora Até ao Fim do Mundo, e na escola de formação em digital media Odd School.

Blacksmith (2011)

1 - Porque fizeste um curso em Escultura? Pode viver-se em Portugal apenas da Escultura?  
:: Desde pequeno que tinha aptidão para as artes. Gostava muito de desenhar (coisa que há já algum tempo que não faço),  montar e desmontar coisas. Sempre houve curiosidade de como as coisas são e como funcionam. O curso de Escultura veio na sequência natural do que era a minha vida do Secundário enquanto estudante de Arte.  Quanto a viver da escultura, isso poderia dar uma longa conversa.  O que te posso dizer é que depois de ter concluído o curso de escultura da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, trabalhei como Técnico Superior na Universidade de Évora. Fui responsável pelas tecnologias de Escultura (ferro, pedra e madeiras) no curso de Artes Visuais, e estive nessa situação durante seis anos. Foi dando para pagar as contas :)


Dragon Character (2009) 

2 - Já conhecias a modelação 3d quando foste para o curso, ou como é foste parar à modelação 3d? Encaras esta área como uma nova oportunidade para o pessoal formado em Escultura? 
:: Foi precisamente devido a uma necessidade que tive aquando da realização de um trabalho para uma disciplina do curso, que contactei pela primeira vez com um software de modelação 3D. Até à data eram-me totalmente desconhecidos. Se é ou não uma nova oportunidade para os escultores não te sei responder, para mim foi, mas é sem dúvida mais uma óptima ferramenta de exploração e criação.
Pode ser uma excelente maneira de explorar uma ideia antes de esta ser concebida fisicamente. Inclusive já produzi algumas visualizações de obras minhas e de alguns escultores antes das mesmas serem construídas fisicamente.

Trabalho (2010): Rigging / Animation / Tracking / Lighting / Render

3 - Como é o mundo da modelação 3d quando comparado com o mundo da escultura fisica? Podemos chamar a modelação 3d, de Escultura Digital? 
:: Pessoalmente, prefiro sem dúvida o mundo da modelação 3D, porque praticamente não tem limites, ainda que goste da escultura a que chamas física. Mas para mim existem demasiadas condicionantes nesta última. Precisa de ter espaço próprio, a matéria prima com que gosto de trabalhar é cara, requer demasiadas ferramentas que são dispendiosas. E para poderes viver delas tens de as vender o que nem sempre acontece. E ainda condicionantes como o próprio mundo da arte hoje em dia, que daria ainda uma conversa muito maior :) O facto de fazer o que faço permite-me chegar a muito mais áreas do meu interesse. O leque de oportunidades é muitíssimo maior.
Sim, podemos chamar de Escultura Digital. Inclusive um dos software que uso com frequência, o Zbrush, serve para isso mesmo - para criar escultura digital.

Trabalho (2010): Character Design / Modeling / Texturing / Rigging / Animation / Lighting/ Render

4 - De que modo é que uma formação em escultura, nomeadamente a que fizeste pode ajudar uma pessoa a ser melhor modelador 3d? É uma opção de formação para quem desejar trabalhar em 3d? 
:: O facto de ter tirado o curso de Escultura, não o posso negar, foi uma mais valia para mim. Ter passado horas agarrado a um bloco de barro a esculpir modelos deu-me algumas boas noções de volumetria e proporções, que são essenciais, por exemplo, para se criar qualquer tipo de modelo. As aulas de anatomia, desenho de modelo nu e uma ou outra disciplina teórica também foram importantes. Mas não acho que o curso de escultura tenha tido um papel assim tão importante no meu percurso enquanto modelador ou animador 3d.
Penso que não é uma boa opção para quem quer seguir esta carreira. Não é uma opção focalizada e que oriente os alunos nessa direcção. Felizmente, hoje, existem outras opções de formação muito mais interesantes e dedicadas.
É o caso da Odd-School, da qual sou Co-fundador, e que se dedica a dar formação especializada nesta e noutras áreas (passo a publicidade :) ).

Pato (2010)

5 - Vi que já trabalhaste 3d para arquitectura e para jogos, ou seja animação em tempo real. Quais as maiores diferenças entre as duas áreas? É viável alguém passar do 3d arquitectura para o 3d em jogos, ou vice versa? 
:: Sim já trabalhei nessas duas vertentes, se bem que a visualização para arquitectura nunca foi o que gostei mais de fazer. Quanto aos jogos foi uma experiência muito curta. Mas em ambas conheci pessoas excepcionais e aprendi bastante com elas.
Quer numa empresa quer noutra a minha função era essencialmente animar personagens, objectos, etc. Tirando algumas condicionantes no que toca à forma de fazer as coisas é essencialmente a mesma coisa (na perspectiva do animador). Os jogos vivem essencialmente dos motores de jogo, cujo objectivo é funcionar em tempo real, e por isso as condicionantes no que toca à quantidade e tipo de geometria a usar. Para as visualizações de arquitectura a única condicionante é saber se os render vão ou não estar prontos a tempo de se pós-produzir o trabalho e entregá-lo ao cliente a horas.
Da minha perspectiva não encontro motivos nenhuns para que isso não aconteça. Obviamente a forma como se trabalha é diferente mas os conteúdos são basicamente os mesmos.

Bedroom (2009)

6 - Como te parece que está o domínio da Modelação 3d em Portugal, tanto em termos de formação, como de qualidade das pessoas que existem cá, assim como dos trabahos que se vai fazendo? 
:: Posso-te dizer que está numa evolução muito boa. Infelizmente o nosso mercado ainda não é dos mais interessantes mas tem tido um bom crescimento nos últimos anos. Sou um bocado suspeito para falar de formação, mas do ponto de vista da Odd-School enquanto escola de formação na área, a evolução tem sido muito boa e os resultados falam por si. Isto também é demonstrativo da capacidade e qualidade das pessoas que nos têm batido à porta. Mas não é mais do que a confirmação do que tenho encontrado em todo o meu percurso. Em todos os sítios onde trabalhei e trabalho encontrei excelentes profissionais.

Bedroom (2009)

7 - Qual o melhor trabalho que já fizeste, e porquê?  
:: Acho que ainda não o fiz :). Tenho um carinho muito especial por alguns deles mas em verdade não te consigo dizer que um é melhor que outro.

8 - Quais te parecem ser os erros mais comum na modelação de objectos/personagens 3d? 
:: Daquilo que observo, por exemplo dos meus alunos, é a dificuldade que eles tem em simplificar a modelação. Por vezes cria-se demasiada geometria onde não é preciso. O tipo de modelação depende acima de tudo do objectivo desse objecto ou personagem. Se o objectivo for, por exemplo, uma animação, a forma como se modela é completamente diferente da modelação de um objecto ou personagem para um jogo, ainda que se toquem em alguns pontos. Por isso primeiro, há que saber para que tipo de produção vai servir esse modelo e depois é ter algumas considerações técnicas no processo de modelação para o conseguir da melhor forma.

Trabalho (2010): Design/ Modeling / Animation / Lighting / Render

9 - Alguém que esteja a ler isto, e que tenha aquele desejo de trabalhar na área, que 3 conselhos lhe darias?  
1 - Não desistam - é preciso dedicar muitas horas do nosso tempo para evoluir.
2 - Estejam sempre disponíveis para aprender - é uma área que está em constante mudança.
3 - Criem um bom portefólio dos vossos trabalhos - essa é a principal arma para entrar no mercado de trabalho.

Este é extra :)
4 - Ter uma boa formação é essencial não só porque acelera o processo de aprendizagem, mas principalmente porque conhecemos pessoas com as mesmas motivações que as nossas e isso ajuda a abrir muitas portas. Digo isto por experiência própria.

fevereiro 23, 2012

Entrevista sobre a concepção de Nostalgiqa

Trabalhei no passado com algumas das pessoas que constituem a empresa HumanSpot, no campo da produção audiovisual e que agora nos traz a App Nostalgiqa para o iPhone. Desse modo conhecendo as pessoas por detrás de Nostalgiqa quis saber mais sobre as motivações da sua criação, e sobre o modo como tinha sido definido o conceito. As respostas às minhas perguntas ficam aqui abaixo.


1 – Quem é a HumanSpot? Quantas pessoas trabalham aí, e que formações têm? 
A HumanSpot é uma startup incubada no Instituto Pedro Nunes em Coimbra. A equipa onde todos se desdobram e partilham funções é constituída por: Emanuel Silva - Creative, Musician - Eng. Materiais; João França - Coder - Eng. Informática; Paulo Ribeiro - Coder, Musician - Eng. Informática; Ruben Semedo - Designer - Arquitectura


2 – Que projectos anteriores fizeram? 
Com o objectivo de financiar projectos internos, como o Nostalgiqa, a empresa dedica-se essencialmente à consultoria e desenvolvimento de software à medida, bem como à criação de conteúdos multimedia. O primeiro projecto com visibilidade foi e é a participação na série de animação infantil Gombby, concebida e produzida em Portugal pela Big Storm Studios. A série passa actualmente na RTP 2 e no canal Panda. O processo de internacionalização iniciou-se há poucos meses com a entrada no mercado espanhol através do canal TVE Clan. A colaboração da HumanSpot passa pela composição musical, sonoplastia e pós-produção audio para a série, que conta já com 52 episódios e um CD/DVD musical.



3 - Porquê uma aplicação interativa, e porquê sobre a Nostalgia, de onde veio a inspiração? 
Como o próprio nome indica, embora a tecnologia marque presença em todos os processos da HumanSpot, temos a preocupação de ocultar essa componente, dando destaque à componente humana. É certo que muitas empresas de base tecnológica mostram um cuidado crescente com usabilidade e experiência do utilizador. A HumanSpot pretende aproximar-se ainda um pouco mais do que é humano através de um apelo directo à emoção, não pela interface ou forma de utilização, mas pela temática dos seus conteúdos e das suas aplicações.

Esta vontade nasceu da experiência de dois dos elementos da HumanSpot, cujo percurso de trabalho os colocou em contacto directo com realidades empresariais onde a sobrevalorização da tecnologia e do negócio se alia muitas vezes à desumanização. O nosso objectivo foi, por isso, criar um produto que pudesse continuar a evoluir, tal como um quadro pintado por diversos artistas ou um livro escrito por diversos autores. Pensamos num produto como um ser vivo, alguém que precisa de condições para nascer, para crescer e para se desenvolver de forma sã e equilibrada. Utilizando a mesma imagem, uma aplicação é o resultado da sua herança genética - concepção, design e código - e do ambiente em que se desenvolve - os objectivos e acções dos seus criadores e da sua comunidade de utilizadores - sendo que todas as partes são essenciais para uma vida longa e próspera.

Se a tecnologia corre a um ritmo alucinante, as emoções permanecem porque são intemporais. Podemos conversar com uma pessoa que, independentemente do país onde vive, da tecnologia que usa (ou não) e da sua idade, saberá sempre expressar aquilo de que gosta e não gosta, aquilo que a faz rir ou faz chorar. A ligação com essa pessoa será tanto mais forte quanto maior e mais aberta for a partilha mútua de experiências. Quando o presente de duas ou mais pessoas se cruza, criam-se memórias e quando essas memórias se cruzam, estabelecem-se ligações, sendo que as memórias passam a funcionar como um fio condutor entre as suas vidas e as gerações seguintes.

Aquilo que somos e a forma como agimos deve-se em grande parte a experiências passadas - pessoais e de outros - que não são mais do que memórias. Talvez por isso elas sejam universais e intrinsecamente humanas. O Nostalgiqa baseia-se nesta visão poética e ao mesmo tempo romântica do tempo que passa e que promove a transmissão de momentos, vivências e emoções comuns a qualquer ser humano.


4 - Tendo nós em português a particularidade da palavra Saudade, imortalizada pela Sodade da saudosa Cesaria Evora, porquê a enfase em Nostalgia? 
Como portugueses que somos, gostamos imenso da palavra “saudade” e ponderámos várias vezes a sua utilização. No entanto, o obstáculo que se apresentou foi a sua adaptação/tradução. Quando se pretende um alcance universal, torna-se difícil utilizar palavras específicas de uma cultura, neste caso a portuguesa, desconhecidas para uma boa parte do mundo. A palavra “saudade” insere-se neste conjunto de palavras para as quais não existe tradução directa noutras línguas. Como tal, “nostalgia” pareceu-nos a solução mais adequada. Nostalgiqa é a primeira aplicação da HumanSpot, sendo que outras se seguirão a médio prazo. Com o objectivo de manter uma certa coerência na nomenclatura aliada a facilidade na memorização, a escolha de um nome com base na palavra “nostalgia” também fazia mais sentido.


5 - Em que termos Nostalgiqa se diferencia de outras redes sociais como o Facebook, mas mais em particular do Flickr? Além do facto de terem uma temática em concreto, como é que vocês garantem uma mais valia experiencial às pessoas ? 
Existem várias diferenças entre o Nostalgiqa e as principais redes sociais a que nos habituámos, das quais destacamos:

● O Nostalgiqa valoriza tanto a componente privada como a componente social. Isto significa que os utilizadores podem manter as suas memórias privadas ou partilha-las com os restantes utilizadores. A própria aplicação foi construída para dar ao utilizador uma sensação de privacidade pouco comum em redes sociais, pelo que o acesso a conteúdos produzidos pelos outros utilizadores não é feito a partir da primeira página.

● O facto de existir uma temática clara permite-nos escapar com maior facilidade do principal problema das redes sociais: a perda de contexto, que se traduz em quantidades significativas de ruído. Se, por um lado, o Nostalgiqa não é uma aplicação onde os utilizadores criem conteúdos com a regularidade que vemos no Twitter, Facebook ou Flickr, por outro lado, os utilizadores têm um cuidado adicional com as memórias que capturam e partilham.

● São disponibilizadas várias ferramentas aos utilizadores para que eles se comportem como “curadores” do Nostalgiqa. Em vez de utilizarmos um botão “like” demasiado generalista e tantas vezes sobre-utilizado, criámos os botões “meaningful” e “nostalgic”, de forma a promover uma maior coerência e qualidade dos conteúdos. Além disso desenvolvemos o “Emotiqa”, uma ferramenta que permite aos utilizadores catalogarem memórias com emoções.

● Porque as memórias são geralmente constituídas por mais do que uma simples experiência que possa ser retratada por um texto ou fotografia, existe a possibilidade de agregar diversos fragmentos numa única memória. Isto permite aos utilizadores criarem histórias à volta das suas memórias.

● Pedindo às pessoas para introduzirem a data/época e o local em que as memórias foram vividas, ganhamos duas novas dimensões que enriquecem a aplicação: o espaço e o tempo.

Resumindo, a nossa preocupação é mais qualitativa do que quantitativa. Enquanto que as redes sociais têm como objectivo principal o crescimento em termos de utilizadores e conteúdos, o nosso foco recai sobre o contexto e a qualidade desses conteúdos dentro de um tema muito específico - neste caso memórias - com o objectivo de acrescentar algum valor humano que traga maior significado e impacto emocional para os nossos utilizadores.

janeiro 19, 2012

Entrevista com Nuno Caroço - Composite Artist

Nuno Caroço é artista de Composição Digital, nasceu em Lisboa em 1975, mas vive no Porto. Formou-se em Artes Plásticas na ESAD.Cr (Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha). Trabalha há mais de 10 anos em composição digital com After Effects. Encontrei o seu trabalho por acaso no Vimeo, e chamou-me a atenção pela qualidade técnica, e sensibilidade visual. Troquei umas palavras com ele via Facebook e resolvi realizar-lhe uma entrevista para o Virtual Illusion.


1 - Que hobbies tinhas em miúdo?
:: Principalmente pintar! Mas desde pequeno ia com o meu pai ao cinema, via animação na TV, visitava museus e exposições. Mas foi o Cinema, o acto de ir ao Cinema e vê-lo numa tela que me inspirou profundamente mais tarde.

2 - Podes dizer em que empresas trabalhaste até aqui, tens vídeos ou imagens do trabalho que lá fizeste. Ou podes apontar os artefactos em que trabalhaste?
:: Tendo em conta que as empresas com as quais colaborei não me autorizam a mostrar o trabalho que lá realizei, prefiro não especificar. Posso adiantar que trabalhei para a indústria nacional de animação e visualização 3D.



3 - Como é que chegaste até esta qualidade de trabalho? Auto-didactismo, workshops, ou cursos superiores? 
:: Muito sinceramente, acho que a qualidade do trabalho está diretamente ligada ao esforço e prazer que retirei do contacto que procurei estabelecer desde cedo com a cultura visual, estética e a sensibilidade artística. Quando comecei, havia pouco divulgação sobre o AE em Portugal, portanto grande parte dessa aprendizagem foi auto-didacta. Confesso que foi muito benéfico o facto de não haver assim tanta informação disponível, fosse através de outras pessoas, manuais ou tutoriais. Assim não houve espaço para maus hábitos e vícios de aprender apenas por tutoriais, descarregar e copiar projectos e presets. A incógnita pode ser compensada por algo muito valioso, a experimentação.
Mas ao longo deste tempo fiz vários workshops online e tive a sorte de ter um curso superior que incidia muito sobre a experimentação prática e na exploração de muitas técnicas no campo das artes plásticas e tentei sempre manter esse workflow no meu trabalho pessoal.



4 - Acreditas que aquilo que fazes se deve mais ao trabalho e à quantidade de investimento e dedicação ou é fruto do facto de teres nascido com um talento específico para esta área?
:: É uma questão muito interessante, Nelson. Eu trabalhei imenso e investi ainda mais na minha formação em todos estes anos, ponho o talento de algo de lado porque penso que o que definimos como talento é muito relativo e subjectivo. Acima de tudo foi a dedicação, paixão, insistência e luta nos maus momentos e como falei acima o gosto em "sujar as mãos" experimentando às cegas com o software.



5 - Porquê o AE? Que outras ferramentas utilizas sem ser de composição, e de que modo são importantes para o teu trabalho?
:: Existem 2 razões por ter escolhido o After Effects: A primeira pela versatilidade de cenários em que se pode usar. A segunda razão e para mim a mais importante, enquanto que outras aplicações de composição estão preparadas para criar imagens tecnicamente "perfeitas" o After Effects consegue fazer algo único, que é criar imagens artisticamente apelativas, fazendo o "shot" conquistar a audiência. É a cereja em cima do bolo! :)
É sem dúvida essencial trabalharmos com outras aplicações que complementem a nossa ferramenta principal. Para além do óbvio (Photoshop), trabalho com software dedicado a tracking, rotoscopia, color grading e gestão de media.



6 - Achas que o AE deve ser categorizado como um software low-end, em comparação com por exemplo o Nuke? Ou seja acreditas que o AE é uma ferramenta na qual ainda se deve investir, em vez de avançar para as chamadas high-end?
:: Acho que se deve olhar essa primeira questão racionalmente e sem olhos de "fanboy", que é o que muitas vezes acontece. São AMBOS softwares "high-end" e o Nuke não possui os todos os pontos fortes e capacidades do After Effects, da mesma forma que o AE não possui tudo o que o Nuke possui. São ambos softwares fantásticos, que se soubermos utilizar corretamente no workflow se complementam de forma muito sólida. Por essa razão as maiores casas de Visual Effects não utilizam um em vez do outro, mas sim os dois em sintonia. O After Effects (entre outros softwares evidentemente, como o Nuke) foi exaustivamente utilizado no Avatar, penso que o mérito visual desse filme, marca neste momento a fasquia à qual o After Effects pode chegar.
O AE tem um custo muito mais baixo em relação a outros softwares concorrentes e é muito mais versátil. Isso é sem dúvida uma mais valia, mas penso que no final, a escolha do investimento deve ir para um pensamento cuidado do cenário, funções e workflow em que se vai aplicar. A minha opinião profissional é que pequenos estúdios de visual effects podem ganhar imenso e fazer face a uma concorrência de casas maiores utilizando o After Effects, conseguindo assim um produto final muito polido, de aspecto profissional, e com um custo de produção muito inferior.



7 – O que te motiva a trabalhar em composição digital? Estar sempre à procura do último grito tecnológico como é o caso do teu vídeo Flux?
:: É simplesmente conseguir fazer parte de um acto de magia, por assim dizer! Pegar em elementos de meios diferentes e combiná-los para criar algo absolutamente novo e apelativo, que possa deslumbrar e conquistar a audiência. Sem dúvida que as integrações real com CG são as que têm os mais interessantes desafios técnicos, mas que também requerem um bom olho artístico. Mas é puro prazer artístico, que no caso do Flux foi aliado ao gosto pela experimentação técnica de uma nova ferramenta disponível.


8 - O que te parece Portugal neste campo da criação artística, em que ponto estamos? O que podemos fazer? O que podes dizer às pessoas para enveredarem por este campo?
:: O que vou apontar, vai deixar alguns ofendidos, mas penso que Portugal tem excelentes criativos "técnicos" e pessoas muito dedicadas e trabalhadoras, mas também maus artistas e demasiada pretensão. Perdemos mais tempo a ver o tipo de trabalho na moda lá fora e tentar fazer igual ou parecido mas pior executado, do que esforçar-nos para fazer uma coisa genuína, artística e tecnicamente bem feita, ainda que não chegue imediatamente a um grande número de "likes".
Joshua Davis quando esteve cá na Offf 2009 deu-nos uma bela achega sobre isso, mas penso que não atingiu muitos. Até mesmo os plágios, chamados por alguns de "inspiração" são muitas vezes mal executados. Penso que temos que mudar atitudes, e começar por gostar da nossa história visual mais antiga, que apesar de pequena face a outros países é muito rica. Conhecer o que se faz lá fora, sim, mas também o que se faz cá dentro, não guardar o conhecimento só para si, comunicando e trocando ideias, experimentar, não ter medo de falhar e de não agradar. Sermos honestos com o nosso trabalho, continuar a lutar e a criar sem estar à espera da última moda ou tutorial em voga!
O meu trabalho pessoal é pequeno, não me considero assim tão grande talento ou artista, e quase não sou conhecido no meio, mas luto para ser sincero com o meu trabalho e pela sua qualidade.


9 - O que estás a fazer neste momento em termos profissionais, trabalhas apenas em formação ou fazes trabalhos freelance? 
:: Neste momento estou a trabalhar como freelancer, não só em formação, mas em pós-produção, são duas áreas que gosto bastante e acredito que a formação é a melhor forma de partilhar o meu conhecimento e se possível contribuir para a evolução do mercado.
O mercado nacional em Post Production está limitado a poucos estúdios e alguns destes, ainda preferem soluções económicas baseadas em tutoriais e presets de plugins que podem ser realizadas por pessoal inexperiente na área, a ter por exemplo alguém com conhecimento dedicado em Post e na análise das necessidades de cada projeto.
Tenho esperança no entanto que este cenário mude, mas todos precisamos de mudar, desde as empresas investirem em talento dedicado, até a nós contribuirmos com conteúdos mais originais, e trabalharmos para a qualidade e originalidade dos mesmos.

dezembro 26, 2011

Entrevista: desenvolvimento de "Ca'Crise Moço!"

A NO3XIT criou uma pequena sátira social, Ca'Crise Moço! (2011), no formato de videojogo, no qual substituiu o Mario da Nintendo pelo Zé Povinho de Portugal, e em que, em vez de ganharmos bónus e sermos surpreendidos por cogumelos e tartarugas, somos assaltados a todo o momento pelo IVA e IRS, pela Troika, pelo PS e PSD. É aquilo que poderíamos definir de "videojogo cartoon". Em termos de mecânicas o jogo é do género plataformas totalmente decalcado dos jogos 2d do Super Mario. Não prima pela originalidade do gameplay, nem pela qualidade gráfica, contudo esse não era o objectivo da NO3XIT como se poderá ver pela pequena entrevista que lhes fiz aquando do lançamento do jogo.


Podemos chamar-lhe operação de marketing, uma tentativa de criar um viral para chamar atenção para o lançamento da sua empresa. Contudo o que é relevante aqui para mim, é o facto de ter usado a linguagem particular dos videojogos para o fazer. E que bem, porque conseguiram não só fazer um produto de marketing online como conseguiram criar um cartoon político que fala às pessoas. Deste modo não posso deixar de dar os parabéns à NO3XIT por ter posto em prática um trabalho criativo desta natureza, que alia o cartoon ao jogo, e claro pela sátira social apropriada ao momento que atravessamos. Aqui fica a entrevista.


1 - Como surgiu a ideia? Porquê um videojogo?

Sendo Natal e estando Portugal a sofrer particularmente com a crise mundial, que melhor prenda para os portugueses que poder gozar por um bocadinho com a dita. Portanto, a ideia era criar algo viral que “infectasse” os cibernautas lusos com o desejo de brincar com malfadada crise através de um simples e despretensioso videojogo. Adicionalmente considerámos que seria uma boa estratégia para promover a capacidade de desenvolvimento de produtos multimédia da nossa empresa, a No3xit.
Para além do óbvio valor de entretenimento, os videojogos também podem ser utilizados como um importante meio de comunicação. Com esse intuito, desenvolvemos um videojogo que retratasse, com muito humor, o panorama social e político que o nosso país atravessa neste momento. O elevado nível de dificuldade que o jogador sente ao jogá-lo, reflete as inúmeras dificuldades que o Povo Português sente e, provavelmente, continuará a sentir nos próximos tempos. Assim sendo, quando alguém diz que o jogo é bastante difícil, a pergunta a fazer é a seguinte: “Realmente é mesmo difícil, mas será mais difícil que a própria crise”.


2 - Quem está por detrás do jogo e o que pretendem com o jogo? Quem é a NO3XIT?

O “Cá’Crise Moço” é o resultado de um trabalho de equipa e por isso é difícil dar um só nome. Na No3xit orgulhamo-nos de ter um espírito muito democrático e de partilha, incentivando as diferentes pessoas a contribuir com seu cunho pessoal. Foram muitas as trocas de ideias e os “brainstormings”.Com o jogo pretendemos oferecer uma prenda de Natal a todos os cibernautas lusitanos (de Norte a Sul do país, regiões autónomas e, não esquecendo, a grande comunidade de emigrantes).
A No3xit foi fundada no mês de Agosto, trata-se, essencialmente, de uma produtora de videojogos. No entanto, apesar de queremos especializar nesse domínio, também desenvolvemos outro tipo de produtos, como: websites (criativos), vídeos/animações e aplicações para telemóvel.


3 - Quantas pessoas estiveram envolvidas na criação, e que formação têm?

A prática da empresa é que, dentro do possível, todos deverão intervir nos projetos. Nesse sentido, todos tiveram uma participação no desenvolvimento deste videojogo. Em alguns casos, curta, noutros, mais longa. Efetivamente, a equipa regular foi constituída por 4 pessoas.
Atualmente a No3xit é constituída por 14 pessoas que formam uma equipa multidisciplinar que inclui ilustradores, animadores, modeladores e programadores. A formação dos nossos elementos é muita variada, incluindo pessoas com um CET, estudantes de licenciatura, licenciados, mestres e até um estudante de doutoramento, nas áreas da Multimédia, Sistemas de Informação e afins. Infelizmente, apesarem de contarmos com pessoas com um enorme potencial, muita criatividade e paixão pelos videojogos, estas não possuem a experiência necessária para se constituir uma equipa verdadeiramente especializada. Portanto, desde a génese da empresa, temos sobretudo investigado e aprendido o mais possível sobre o desenvolvimento de videojogos


4 - Quanto tempo demorou desde a ideia à publicação?

Foi tudo muito rápido! A rapidez resultou da urgência em promover a empresa combinada com um grande esforço de trabalho. Tivemos a ideia, sensivelmente, no início do mês de Dezembro. Contudo, o jogo foi implementado praticamente numa semana de trabalho.


5 - O que é que vos deu mais gozo em todo este processo?

Toda a concepção do videojogo (game design) deu-nos imenso gozo. Pensar o conceito. Traduzir a linguagem da crise para a dos videojogos. Aspectos, conceitos e simbologias como as SCUTs, a Troika, o IRS, o IVA, o “buraco” da Madeira e os partidos políticos não são facilmente traduzíveis, quer pelo seu nível de seriedade, quer pelo facto de serem fundamentalmente conceitos abstractos com impactos muito reais na vida das pessoas. Mas no fim, essas dificuldades só serviram para aguçar o nosso engenho.
Adicionalmente foi igualmente muito engraçado toda a concepção do nível (level design) e os próprios testes de fiabilidade (beta testing) demonstraram ser “dolorosamente” divertidos.


6 - Utilizaram o Flash para fazer o jogo por alguma razão em especial?

O Adobe Flash, apesar das críticas que é alvo, é um software ensinado em várias escolas e institutos superiores. Como a maioria das pessoas da No3xit já possuía bons conhecimentos académicos de Flash e também levando em consideração a celeridade do projecto, neste contexto específico, tornou-se facilmente a escolha óbvia para desenvolvimento do jogo. No entanto, também temos a noção que perdemos bastante pelo facto do jogo não correr em iPad ou iPhone, mas tinha que ser desenvolvido muito rapidamente. Contudo, a partir de Janeiro, a nossa estratégia é a de passar a usar o HTML5 em detrimento do Flash.

dezembro 20, 2011

a arte de Alice por Luis Melo

Alice: Madness Returns (2011) é sucessor do imensamente badalado American McGee's Alice de 2000. Um sucesso que se deveu na altura muito à sua abordagem visual, tendo recebido um 10/10 da GameZone e um 9.4/10 da IGN. Desta forma não surpreende que o regresso da Alice de McGee seja agora coroado com o prémio Best Video Game Art in 2011 pela MSNBC.


Mas se trago aqui este prémio, não é apenas por ser admirador do trabalho de McGee, mas porque o prémio foi dado a uma equipa de artistas visuais, liderada por Ken Wong, e entre esses encontra-se o português Luis Melo.

Concept art de Ken Wong para Alice: Madness Returns (2011)

Screenshot do Hysteria Mode do jogo Alice: Madness Returns (2011)

Luis Melo com 30 anos e formado em belas-artes, tem-se dedicado à ilustração para videojogos. Esteve envolvido no projecto durante cerca de um ano e meio, tendo trabalhado apenas um par de meses em Portugal, e o resto do tempo em Shanghai junto da restante equipa da Spicy Horse que criou o jogo com American McGee. Interessante ver como é que o Luís chega ao mundo da ilustração e concept art.
"Foi algo imprevisível, e devido à minha ignorância sobre o meio, um pouco tardio. A meio da faculdade e um pouco insatisfeito com o curso, comecei a brincar com software para fazer jogos. Não sabia sequer que havia profissões a sério como “concept artist”. Foi ao pesquisar sobre arte para jogos e tutoriais que descobri a pintura digital. A partir do momento em que encontrei fóruns de ilustradores, tudo mudou para mim e começou a evoluir muito depressa. As comunidades online eram muito activas e o feedback que tive de outros artistas fez com que aprendesse imenso em pouco tempo"
Theatre, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Apesar de não ser um prémio muito conhecido no meio, não é de somenos quando sabemos que em competição estavam pesos pesados como Rage, Batman: Arkham City, ou The Elder Scrolls V: Skyrim. Aliás em conversa com o Luís no Facebook ambos declarámos o nosso espanto por este prémio tendo em conta a competição. Contudo a verdade é que os trabalhos criativos de McGee obedecem a um traço marcadamente singular em termos visuais, e isso sem dúvida está na base deste prémio. Nesse sentido o Luis Melo diz-nos,
"Não só a componente artística do jogo foi extremamente cuidada, como possui um estilo muito específico e muito difícil de “dominar”. Ideias que pareciam boas muitas vezes não funcionavam ou não se enquadravam, e foi um duro processo de aprendizagem que parecia nunca estar terminado. Ao mesmo tempo, foi um projecto altamente motivante do ponto de vista do design. Não é em qualquer jogo que somos premiados por desenhar chaleiras diabólicas ou polvos alcoólicos. Independentemente da originalidade deste título como jogo do ponto de vista técnico, a arte e o design que o compõem tiveram por trás um tipo de pensamento louco que não é comum na indústria mainstream" 
Maze, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Underwater, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Sheet do personagem Octopus, com traços de José Saramago, por Luis Melo, para Alice: MR (2011)

Entretanto se quiserem mais, vejam o site do Luis Melo, joguem o jogo, ou então deliciem-se com o livro The Art Of Alice: Madness Returns da Dark Horse.

novembro 25, 2011

Entrevista com o designer de Freeway Fury 2 (2011)

Vasco Freitas acaba de lançar online o seu último jogo free-to-play, criado em Flash. Freeway Fury 2 (2011) é uma versão melhorada do primeiro jogo lançado em 2010 e foi desenvolvido pelo Vasco no game design e programação, conjuntamente com o Frederico Martins na arte 3d, o David Sequeira nos comics e design visual de informação, e o Francisco Furtado nos efeitos de som e música.
Entretanto trago aqui uma entrevista realizada com o Vasco a propósito de FF2, sobre as melhorias, a evolução, as tecnologias e os aspetos financeiros do mercado de free-to-play.


1 - Quais as razões e objectivos para fazer uma parte 2 de Freeway Fury? Procuravas melhorar, estender ou antes rentabilizar a experiência criada na parte 1?

Depois de lançar a primeira versão, senti que havia muito por onde melhorar e estender, e muita vontade dos jogadores em ver uma sequela. Era também um jogo que eu pessoalmente tinha vontade de fazer, senão nunca o teria feito. A ideia foi melhorar o jogo todo, mas talvez se possa dizer que a diferença maior foi a inclusão de mais elementos de gameplay.

 
2 - Em termos de impacto do primeiro jogo, aproximadamente em quantos portais de jogos foi distribuído o jogo? Qual o total de plays/views obtido? E prémios arrecadados?

Infelizmente, não incluí no jogo uma forma de recolher estatísticas, por isso há muitos valores que não sei ao certo. Se contarmos com portais pequenos, apareceu em várias centenas; e que eu saiba esteve em todos os portais principais. Como a Crazy Monkey Games foi o patrocinador, imagino que tenha tido o maior número de plays, e entre os portais mais conhecidos talvez a Kongregate.

O total de views (o número de vezes que o jogo foi carregado) vai em cerca de 35 milhões, e continua a ter mais de um milhão por mês. O jogo ganhou um prémio de 2º melhor jogo da semana na Newgrounds (através dos ratings do jogadores), e esteve na "front page" da mesma. Esteve também na front page da Kongregate, e foi utilizado para promover o jogo Driver: San Francisco num concurso na Kongregate. Apareceu também no conhecido blog de jogos Kotaku.


3 - Ainda no caso do primeiro, tiveste muito feedback dos jogadores? Via portais ou contactavam-te directamente? O que diziam estes?

Sim, tive bastante feedback através de comentários que escreviam nos portais. Alguns jogadores também me contactaram directamente. Os comentários foram quase todos extremamente positivos, transmitindo muito entusiasmo pelo jogo. Frequentemente comentavam sobre algo que lhes aconteceu no jogo que acharam "brutal" ou hilariante. As vozes do "locutor" (feitas pelo Francisco Furtado) foram frequentemente mencionadas. Deram-me também críticas muito construtivas que foram valiosas para melhorar o jogo na sequela. Pedidos para fazer uma sequela foram também muito frequentes.

4 - Em tua opinião qual o factor que mais contribuiu para o sucesso de Freeway Fury?

Regra geral, acho que para qualquer jogo ter sucesso tem de conjugar bem vários factores; é complicado nomear um factor que tenha sobressaído entre eles. De qualquer forma, se tivesse de escolher um diria talvez a forma como o jogador se sente constantemente surpreendido, tanto por algo que acontece no jogo em si, como algo que o jogador consegue provocar. Ver o personagem cair no asfalto pela primeira vez provoca sempre um riso. Depois o jogador fica curioso para saber o que acontece se fizer "isto" ou "aquilo"; eu tentei fazer o jogo de forma a incentivar e recompensar jogadores por serem curiosos e correrem riscos. Se calhar já estou a falar de outros factores... :)


5 - Sobre a tecnologia, os teus jogos têm sido todos desenvolvidos em Flash (AS 3.0), porquê? Qual a vantagem face a sistemas como o XNA, o Torque, o Unity ou outros?

Isto não foi algo sobre o qual me debrucei durante muito tempo, a considerar todos os prós e contras. Comecei a desenvolver jogos Flash em AS 3.0 porque já tinha criado um jogo, o G-Switch (2010) em C++, e eu queria que mais pessoas o jogassem. Pareceu-me que a melhor forma de fazer isso seria fazer o jogo em Flash, já que assim qualquer pessoa com um browser podia facilmente jogá-lo. E essa é a grande vantagem do Flash.
Outro factor importante foi a facilidade de fazer jogos em AS 3.0 com uma framework chamada Flixel, que tinha saído há pouco tempo na altura. Não tenho muita paciência para aprender outras linguagens ou paradigmas de programação, por isso tenho tendência a escolher algo fácil de utilizar, mas que funcione bem e seja flexível. O Unity parece-me bastante interessante, já que possui um excelente editor em 3D, e permite desenvolver para várias plataformas. Se um dia decidir fazer jogos 3D provavelmente experimento o Unity. Também me parece interessante o Corona SDK devido à facilidade em fazer jogos para iPhone e Android, e o Stencyl que é uma ferramenta nova baseada em Flixel e faz jogos Flash, mas também terá suporte para iOS e Android.

6 - O que te parece toda esta discussão à volta da morte do Flash, e da elevação do HTML a reposta para todas as necessidades online?

Não me preocupo muito com isso, já que se o Flash desaparecer há-de aparecer uma alternativa. De qualquer forma, a ideia do HTML 5 parece-me excelente em teoria, mas ainda tem muito que amadurecer (tanto o HTML em si como ferramentas relacionadas) para que seja tão viável como o Flash. Acho que o Flash ainda tem bastante para dar.

7 - Em termos financeiros o primeiro jogo deu lucro, tendo em conta o tempo pessoal de todos os envolvidos investido?

Sim, sem dúvida que deu um bom lucro, cerca de 30€ por hora de trabalho (embora possa variar dependendo do acordo feito com cada colaborador). Mas é importante referir que, apenas uma percentagem muito pequena dos jogos Flash chega a estes valores. Um jogo pode até ser relativamente bom, mas se não for um verdadeiro "hit", algo que realmente apanhe o interesse dos jogadores, pode nem chegar a 10% deste lucro.

8 - No primeiro jogo tiveste o suporte da CrazyMonkeyGames.com, desta vez temos a notDoppler. Que tipo de suporte estamos a falar, financeiro, distribuição ou outro?

É principalmente suporte financeiro. Basicamente vendo-lhes uma licença na altura de lançar o jogo, que eles pagam à partida, e em troca ponho os logotipos e links deles no jogo. É também possível fazerem-se acordos chamados "performance deals", em que o valor que o patrocinador paga é dependente de quantos views o jogo tem, ou se tem destaque especial nalgum site. Também há outras fontes de rendimento, como incluir um sistema de anúncios que aparecem no princípio do jogo, ou vender licenças "secundárias" de versões especiais do jogo que só aparecem num determinado site.

9 - O que é aquela "marca" que aparece agora no início de Freeway Fury 2, "Serius Games"?

A Serius Games foi uma "marca" que criei recentemente para identificar os jogos feitos por mim e pela minha equipa. É também uma tentativa de rentabilizar mais os jogos, através do site da Serius Games, que terá os nossos jogos e anúncios no site. É desta forma que os patrocinadores também lucram com a compra de licenças.


10 - Como é que vês a carreira de um game designer que trabalha neste campo? É possível viver apenas da criação de jogos que são Free to Play online, ou isto é deve ser encarado como um hobby

Viver apenas da criação de jogos grátis online depende inteiramente da capacidade do designer em criar jogos que cativam os jogadores. Acho que fazer jogos Flash grátis, como hobby, é uma excelente forma de se começar. É de baixo risco, pode-se fazer um jogo simples em relativamente pouco tempo, e depois dependendo do feedback e sucesso do jogo o designer pode decidir se quer continuar ou não.
Se ele deve dedicar-se integralmente a este tipo de jogo, depende completamente dos seus objectivos pessoais. Devido ao ciclo de desenvolvimento mais curto, jogos Flash são uma forma excelente de se experimentar ideias novas e criativas, e de ter muita exposição. Se for esse o objectivo, faz todo o sentido investir apenas neste tipo de jogo. Se o objectivo for outro, como trabalhar em equipas maiores, projectos maiores, ou rentabilizar mais, jogos grátis podem na mesma ser uma boa forma de aprendizagem. Jogos maiores diferem na quantidade de elementos que os compõem, e consequentemente na maior dificuldade de os organizar e gerir, mas as bases de game design mantêm-se. Ou, se o objectivo for rentabilizar o máximo, o melhor seria fazer jogos para iPhone, que parece-me ser a plataforma mais rentável do momento. Mas o que realmente interessa é começar por algum lado!

outubro 16, 2011

Entrevista com o concept artist Rui Pereira

Hoje trago uma entrevista que realizei via e-mail a um concept artist nacional com forte interesse no domínio dos videojogos. O Rui Pereira (36) é ex-professor de Educação Visual e Tecnológica, licenciado pela Escola Superior de Educação de Lisboa, tendo realizado cursos de animação tradicional na Gulbenkian (por Fernando Galrito), e de introdução ao 3d (por Omar Fernandes). Julgo que as respostas dadas são muito interessantes porque oferecem à comunidade uma visão por dentro dos processos criativos, e por outro lado apontam problemas e caminhos no campo da formação nesta área.

 
1 - Podes explicar-nos qual o processo genérico que segues na criação de ilustração e concept art? Ou seja por onde começas, fazes esboços, começas directamente no computador? Tens uma ideia de partida ou vais construindo?


Não tenho um método fixo para realizar uma ilustração, o processo é bastante orgânico e flexível. As ilustrações têm início logo em suporte digital mediante a utilização de uma mesa digital da Wacom. Por vezes, também o início é feito em papel, mas sem definir de forma rígida como a ilustração vai ficar. Normalmente são mais as linhas orientadoras da imagem que quero criar.

Uma ilustração pode ter início tendo como base várias técnicas. Pode ser iniciada a partir de uma fotografia, ou de uma pintura já feita anteriormente, ou simplesmente de uma sobreposição de imagens que sugiram formas e composições. A utilização de fotografias é um procedimento muito utilizado na criação de imagens, seja para criar ambientes realistas ou estilizados.

Quando crio uma imagem o ponto de partida nasce da minha cabeça, não de uma fotografia. Estar dependente única e exclusivamente desse suporte seria redutor. Quando quero ser eu a controlar este processo e não estar a depender dos famosos happy accidents ou da serendipidade, como lhe quisermos chamar, faço pequenos esboços onde organizo a composição e as formas recorrendo a valores claro escuro. Quando tenho algo mais concreto, aumento o tamanho do esboço e começo a definir melhor as formas. Ao mesmo tempo vou adicionando a cor, os blending modes do Photoshop dão muito jeito nesta fase.

Se optar por adicionar cor numa layer normal do Photoshop, defino primeiro as formas através da linha para ver concretamente aquilo que estou a pintar, muito semelhante àquilo que se faz numa pintura tradicional.


O grosso da imagem é definido logo de início, no entanto nada está definido que não possa ser alterado. À medida que vamos refinando a imagem, existem sempre novas ideias que podem ser postas em prática, umas resultam bem, outras nem por isso... A elasticidade do suporte digital também acaba por se tornar um dos seus defeitos. Por haver a possibilidade de alterar qualquer coisa em qualquer altura faz com que mudemos de ideia frequentemente, por vezes acabamos por nos perder...


É possível iniciar uma imagem a partir de uma fotografia, o software de edição de imagem actual permite manipular bitmaps de forma bastante fléxivel e dinâmica. Normalmente as fotografias são utilizadas para adicionar textura, variação cromática e interesse nas pinturas, recorrendo por exemplo aos blending modes do photoshop, ferramenta que mais utilizo para pintar digitalmente.

Apesar de ser uma aplicação muito poderosa, no fim, as decisões que tomamos na elaboração de uma imagem definem a mesma. Um filtro ou efeito especial não vão salvar uma ilustração. Existem muito bons ilustradores a usar o Photoshop de forma bastante amadora e no entanto conseguem realizar trabalhos fantásticos.


2 - Quais são as tuas fontes de inspiração? Diz-nos um ou dois autores que sigas e escolhe uma ou duas obras que consideres marcos nesta área.

Nos últimos dez anos houve um grande “boom” de artistas porque a pintura foi transportada para o meio digital. No passado os artistas tinham que investir muito mais dinheiro em materiais do que hoje. O acesso ao computador pela maioria das pessoas permitiu-lhes aceder a programas grátis que permitem desenhar e pintar, tais como o Gimp e outros. O único verdadeiro investimento obrigatório é naturalmente uma mesa digitalizadora, preços, há para todos os gostos e carteiras.


Penso que no que diz respeito a criação de imagens, a arte democratizou-se, pois permitiu que as pessoas que tinham vontade de pintar o fizessem de uma forma livre e despreocupada. Sem que a aquisição de materiais e outras condições os limitassem. Nesse sentido creio que o grande contributo do digital na pintura é realmente contrariar a linearidade criativa permitindo-nos fazer as experiências que quisermos e consequentemente desenvolvermos mais rápidamente as nossas competências enquanto pintores.

Mas respondendo à tua pergunta, as minhas fontes de inspiração são naturalmente os videojogos, o cinema e a ilustração em geral. Existem muito bons concept artists actualmente. Sou influenciado por todos eles sem excepção. Tento aprender com cada um alguma coisa que possa aplicar no meu trabalho.

Gosto particularmente do Daryl Mandryk e o Feng Zhu na área de concept design. Kekai Kotaki é excelente em ilustração e também concept design. Em matte painting o Dylan Cole é a minha referência, um artista de topo. No 3d talvez o brasileiro Krishnamurti Martins Costa, mais conhecido por Antropus.


Sou assinante da revista inglesa ImagineFX que curiosamente foi criada na década passada para responder a esta tendência para a fantasia e para a hiper realidade, presente nos jogos e no cinema. Os mundos e as histórias que no passado eram difíceis de reproduzir com os meios existentes, reemergiram com filmes como as prequelas da guerra das estrelas ou o Senhor dos Anéis de Peter Jackson. A revolução tecnológica que se viveu e vive actualmente deu asas à imaginação dos artistas e materializou as suas visões.


3 - De que modo a formação que fizeste te ajudou a desenvolver no teu trabalho?

O curso superior que fiz está naturalmente ligado às artes visuais, porém a formação que é feita carece de muitos factores decisivos de aprendizagem. Não nos foram dadas competências para sermos capazes de comunicar visualmente de forma eficaz e concreta.

Obviamente que o curso era para ensinar artes visuais e não para me tornar artista, contudo penso que as duas coisas estão ligadas. No meu percurso académico só me lembro de um professor de artes entre muitos que tive ao longo dos anos. Curiosamente foi o único que vi a desenhar e pintar para os alunos aprenderem.

De facto muitos dos académicos que dão formação não estão preparados para explicar conceitos importantíssimos como composição, teoria da cor, proporção, entre outros factores. Aqueles que o fazem tocam muito ao de leve nestas áreas essenciais. Lembro-me, já no ensino superior, de andar a pintar uma roda da cor onde a principal preocupação do professor era que eu não pintasse fora das linhas. Teria sido muito mais importante perceber a relação entre as cores e como elas são aplicadas nas obras dos pintores, essa matéria ficou por falar...

Tudo é deixado ao acaso e à "inspiração" interior do aluno. A verdade é que se alguém não tiver estes conceitos compreendidos, ou pelo menos presentes na concepção de uma imagem, algo vai falhar. A arte não funciona só por intuição, ela é noventa por cento trabalho e dez por cento inspiração. Ela só irá funcionará por intuição quando “tudo” o que está antes tenha sido apreendido. Só nessa altura é que deixamos de prestar atenção ao acelarador, à embraiagem, às mudanças e ao volante para estarmos mais atentos aquilo que se passa na estrada, permitam-me a metáfora. É o velho binómio: inconsciência/incompetência e inconsciência/competência...


Felizmente aprendi um pouco mais no ano em que fui aluno da sociedade nacional das Belas Artes. Todavia, esta instituição baseia-se numa formação clássica que não foca os ensinamentos em elementos verdadeiramente relevantes para um aspirante a concept artist. Não quero com isto dizer que aquilo que se aprende é irrelevante, longe disso, no entanto era interessante apostar mais em instituições que promovam a formação de alunos e especializá-los nestas áreas.

Existem escolas nos Estados Unidos da América focadas na formação de designers para a indústria de entretenimento, o Art Center College of Design em Pasadena, California é um deles. É normal que seja assim tendo em conta que a maior indústria de cinema do mundo esteja lá sediada, bem como muitos estúdios de videojogos. Mas também nem tudo são rosas, pelo que me apercebo em fóruns estrangeiros muitos users se queixam da falta de agentes formadores que preparem profissionais para estas áreas.

Tenho dedicado autonomamente bastante tempo a aprender os programas e a tentar entender a linguagem visual. Naturalmente que o tempo despendido é muito maior do que se me estivessem a indicar o caminho certo das coisas. As poucas escolas nacionais que oferecem formação nestas áreas pedem valores exorbitantes pelas formações que disponibilizam, pelo menos no meu entender. Se houver tempo disponível resta aos aspirantes a concept designers educarem-se a eles próprios e com alguma sorte ser-lhes dada uma oportunidade para mostrar o que valem.


4 - No campo dos jogos, fazes apenas arte? Tens interesse por outras componentes dos jogos como o design ou a programação? Gostarias de desempenhar outras funções?

Joguei pela primeira vez um jogo de computador em 1981, desde aí que fiquei apaixonado pelos jogos. Esse gosto manteve-se até hoje, ainda que jogue bastante menos do que no passado. Mas vou-me mantendo actualizado e estou atento às novas tendências. Possuo todas as consolas da "nova geração" e ocasionalmente jogo. Talvez me dê mais gozo nesta etapa como gamer de ver os outros a jogar, e reparar como a jogabilidade os afecta.

Gosto de criar imagens que espelhem mundos distantes e personagens de mundos fantásticos, mas também tenho muito interesse em participar na elaboração da experiência de jogo. Todos nós poderemos ter ideia para um jogo, mas materializar essas ideias é um processo bastante mais complicado. Penso ter a psicologia de um game designer no sentido em que tenho bastante presente a psicologia de que tudo tem que ser pensado, tudo tem que fazer sentido, seja na mecânica de jogo, seja na coerência da realidade alternativa que tentamos criar. No livro "Game Design - From blue sky to Green Light" de Deborah Todd no primeiro capítulo escreve: "Game designers are universally fascinated by what makes people tick" - Penso que me identifico bastante com esta definição.