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março 14, 2013

Hobbit, tão pequeno e tão longo

The Hobbit: An Unexpected Journey (2012) é longo, muito longo. Como se não chegasse, não consegui extrair absolutamente nada de novo face à trilogia The Lord of the Rings (2001, 2002, 2003) que vimos antes. Mas o que me impressionou verdadeiramente foi o final do filme, quando descobri que estas três horas eram apenas as primeiras de três partes!!! Peço desculpa aos fãs de Tolkien, mas está aqui a acontecer algo inacreditável. Como é que três volumes de 500 páginas cada um, dão 3 filmes de 3 horas, e depois um pequeno livro de 300 páginas dá sozinho, mais 3 filmes de 3 horas?!



Primeiro, é um desrespeito pela obra do autor. Não se espera que eles vão além do que Tolkien deixou escrito, o objectivo de uma adaptação deste género, seguindo o que foi feito antes, não é pôr-se a especular. Mas o desrespeito maior surge porque como dizia alguém na IMDB, isto é uma atitude puramente mercenária. Pegar neste livro e esticá-lo para três filmes, tem apenas e só um objectivo, criar máquinas de fazer dinheiro.

 




Apesar de tudo, o que mais importa para mim em The Hobbit é a arte visual. Sinto uma sensação estranha ao ver este filme, no qual se mistura claramente a arte da pintura e ilustração com o cinema. Ver Hobbit é como ver uma tela em movimento. Não é animação, nem é filme de imagem real clássica, é um novo meio de expressão. Os mundos e personagens criados em CGI juntos com os atores reais e as paisagens da Nova Zelândia, criam uma espécie de novo universo mágico, mas plausível e crível. Como se tívessemos um meio de expressão intermédio, entre o formato do Livro e do Filme. Um formato que permite representar toda a abstração contida num texto quando esta é impossível de representar em imagens da realidade visível. Não é que tenhamos aqui nada de muito novo, já vimos isto antes, não só na trilogia, como em Avatar entre outros, contudo aqui reforcei esta noção do novo meio de expressão de forma ainda mais clara. Acredito que em breve teremos de criar novos prémios para reconhecer este trabalho, nomeadamente na criação de universos e interpretação de personagens virtuais.

março 13, 2013

a Felicidade segundo o budista Matthieu Ricard

Matthieu Ricard tornou-se mundialmente conhecido depois de ter participado em vários testes com MRI (ressonância magnética) na Universidade de Wisconsin–Madison e se ter verificado que a sua serenidade ou capacidade para controlar as emoções estava completamente fora dos parâmetros normais. A partir daqui Ricard tornou-se conhecido como o "homem mais feliz do mundo". Isto é apenas um detalhe sobre a sua pessoa, saber mais sobre o seu passado, as suas origens e o que tem feito é muito mais impressionante e é isso que se pode descobrir no seu livro Happiness (2007).


Matthieu Ricard é hoje um monge budista e vive na zona dos Himalaias - entre a Índia, Nepal, Tibete e Butão - há mais de 40 anos. Ricard nasce num berço dedicado à arte e à filosofia, filho do reconhecido filósofo francês Jean-Francois Revel e da pintora Yahne Le Toumelin, o que lhe daria acesso às mais altas esferas intelectuais em França. Realiza toda uma primeira fase da sua vida dedicada à ciência terminando com um doutoramento em Genética Molecular no Instituto Pasteur em 1972. Terminado o doutoramento, larga tudo o que tem e que conseguiu fazer, e vai viver para o Nepal para se dedicar totalmente aos ensinamentos do budismo.


Claro que o facto de ter tantos contactos no ocidente, lhe permitiu ao longo de todos estes 40 anos realizar a ponte através de seminários, palestras e livros. Um dos mais interessantes livros que escreveu, foi feito a meias com o seu pai, The Monk and the Philosopher (1997). Um livro escrito a partir de uma dezena de conversas ocorridas entre ambos em Katmandu aquando duma visita do seu pai. No livro ambos discutem, e colocam em confronto as posições ocidente e oriente, a propósito da essência do ser humano. Outros livros foram escritos, entretanto mais testes foram realizados por alguns dos mais renomeados cientistas e autoridades no campo da psicologia cognitiva. E é aqui que chegamos ao cerne do livro.

Este livro fala-nos da Felicidade, mas não é um mero livro de auto-ajuda. Aqui procura-se entender o que é a felicidade, de que é feita, o que a constrói e o que a destrói. Para muitos este é um tópico banal sem interesse, e Ricard passa boa parte do livro a explicar a importância do tópico. Não vou detalhar aqui a importância, porque falei já disto no texto Acções para a Felicidade. Aliás como diz Ricard na sua TED,
"As a Frenchman, I must say that there are a lot of French intellectuals that think happiness is not at all interesting. I just wrote an essay on happiness, and there was a controversy. And someone wrote an article saying, "Don't impose on us the dirty work of happiness." "We don't care about being happy. We need to live with passion. We like the ups and downs of life. We like our suffering because it's so good when it ceases for a while."
Este texto demonstra muito claramente o entendimento que grande parte de nós tem sobre o que é a Felicidade, os altos e baixos, os momentos de sofrimento que depois de passarem conduzem ao que acreditamos serem os momentos de Felicidade. E o interessante é ver Ricard explicar, que esta ideia, está errada, porque não define felicidade, define apenas o prazer. Como explica Ricard, o prazer não é felicidade, no sentido em que este é limitado no tempo e se refere a um objeto ou lugar. O prazer consome-se. Eu adoro gelado, mas se tentar comer cinco Magnum de chocolate branco, o prazer irá transformar-se em nojo.

Neste sentido Ricard procura trabalhar a Felicidade como algo para além das meras sensações e emoções de prazer. Ricard aborda a felicidade como um estado interior de serenidade e preenchimento, um estado capaz de se ocupar de todas as emoções e sensações que possamos sentir, e nesse sentido capaz de controlar os nossos altos e baixos, mantendo-nos num estado de maior constância de bem-estar. Isto parece algo absurdo, porque na verdade a nossa interacção constante com o mundo impossibilita esta constância. Por outro lado o que Ricard defende, e essa é a essência deste seu livro, é que assim como podemos treinar 10 mil horas para ser um grande violinista, também podemos treinar para controlar as nossas emoções. Ao contrário do que acreditávamos há 20 anos atrás, o cérebro  não é uma matéria fixa e imutável, é antes maleável, podemos adaptar-nos e transformar as nossas capacidades. Na sua TED Ricard dá um óptimo exemplo desta busca interior, a propósito da visita do Dalai Lama a Portugal
"The Dalai Lama was once in Portugal, and there was a lot of construction going on everywhere. So one evening, he said, "Look, you are doing all these things, but isn't it nice, also, to build something within?" And he said, "Unless that -- even you get high-tech flat on the 100th floor of a super-modern and comfortable building, if you are deeply unhappy within, all you are going to look for is a window from which to jump." So now, at the opposite, we know a lot of people who, in very difficult circumstances, manage to keep serenity, inner strength, inner freedom, confidence."
Ao longo do livro Ricard ajuda-nos a construir uma nova ideia do Eu e do Meu, através do definição do Ego. Ajuda-nos a compreender que a essência do Ego como o construímos, está numa constante busca por conseguir tudo o que deseja a qualquer custo. A ideia do prazer, advém desta constante satisfação do nosso Ego. Nesse sentido deixamos de ser o Eu para estarmos constantemente centrados no Meu. Deixo dois belíssimos exemplos dados no livro, na página 84,
"A friend of mine had come to Nepal from Hong Kong to attend some teachings. Thousands of people had gathered and were jam-packed on the floor of our monastery's vast courtyard. As my friend was moving back and forth trying to seat herself a bit more comfortably, cross-legged on her cushion, someone punched her in the back. As she told me later: "I felt irritated for a whole hour. How could someone attending Buddhist teachings behave in such a rude and uncompassionate way toward me, who had come so far to receive these teachings! But after a while I realized that although my irritation had been long-lasting, the actual physical pain had faded quickly and had soon become imperceptible. The only thing that continued to hurt was my wounded ego! I had one minute of body pain and fifty-nine minutes of ego pain!" When we see the self as a mere concept and not as an autonomous entity that we must protect and satisfy at all costs, we react in completely different ways."
"Here is another example to illustrate our attachment to the idea of "mine." You are looking at a beautiful porcelain vase in a shopwindow when a clumsy salesman knocks it over. "What a shame! Such a lovely vase!" you sigh, and continue calmly on your way. On the other hand, if you had just bought that vase and had placed it proudly on the mantle, only to see it fall and smash to smithereens, you would cry out in horror, "My vase is broken!" and be deeply affected by the accident. The sole difference is the label "my" that you had stuck to the vase. This erroneous sense of a real and independent self is of course based on egocentricity, which persuades us that our own
fate is of greater value than that of others."
O que precisamos é de ser capazes de desligar do objecto externo, e olhar directamente para dentro, para o sentimento que nos acossa, para assim o controlar e evitar que este se auto-perpetue sobre a nossa consciência, contaminando todo o nosso ser e eliminado o bem-estar. E é a esta capacidade de auto-controlo cognitivo que Ricard refere como o aspecto que o treino pela meditação nos pode garantir. Ou seja,
"So the whole point of that is not, sort of, to make, like, a circus thing of showing exceptional beings who can jump, or whatever. It's more to say that mind training matters. That this is not just a luxury. This is not a supplementary vitamin for the soul. This is something that's going to determine the quality of every instant of our lives."
No fundo é um livro que nos dá a visão budista do mundo, dada a necessidade de estabelecer a ponte com o pensamento ocidental, fá-lo pela discussão da felicidade, um tema que se tornou bem visto na academia recentemente. Mas em certa medida é um livro mais de introdução ao budismo, do que de discussão sobre a ciência da felicidade. Para quem quiser mergulhar um pouco mais na discussão da Felicidade, pode ver os links no meu post anterior sobre o assunto, quem quiser avançar um pouco mais no budismo aconselho vivamente a leitura de O Livro Tibetano da Vida e da Morte (1992) de Sogyal Rinpoche. Entretanto se quiserem um acesso rápido ao conteúdo do livro, vejam a TED talk de Ricard de 2004, porque é um bom resumo do que podem encontrar no livro.

março 05, 2013

Criatividade colaborativa contra o Bullying

To This Day (2013) é um dos mais impressionantes projectos criativos colaborativos que vi até hoje. Um filme com 7 minutos e 37 segundos foi criado a partir de dezenas de segmentos de 20 segundos, em 20 dias por cerca de 80 animadores espalhados pelo mundo. A mensagem é sobre o bullying, é forte e muito importante, mas o desafio criativo aqui alcançado dá todo um outro significado ao tema do filme.


Aliás o objectivo de criar um filme a partir de dezenas de pessoas foi exactamente o de demonstrar que o valor da colaboração, da compreensão e do diálogo é do mais importante que podemos conseguir obter numa comunidade e que o bullying é completamente desprovido de tudo isto. O filme funciona como uma espécie de prova demonstrativa do poder de trabalharmos em conjunto, independentemente das diferenças. Se podemos fazer uma obra com esta força estética, ainda que estejamos todos a utilizar linguagens diferentes, é porque não somos assim tão diferentes, e é porque podemos em conjunto fazer mais e melhor.

Porque é isso que o filme faz quando mistura o trabalho de mais de 80 animadores e motion designers provenientes de diferentes culturas e línguas, e que utilizam neste trabalho diferentes linguagens fílmicas. Temos na animação tradicional desde o simples desenho-a-desenho feito numa enorme variedade de técnicas (lápis, carvão, aguarela, óleo, etc.), à animação em rotoscopia, ou ainda à mistura com imagem real; no stop-motion temos da plasticina ao cartão, das marionetes às colagens de papel; no computador do 2d ao 3d. Mas não são apenas as técnicas, as estéticas espelham bem todas essas diferenças, desde estilos alegres cheio de cores e muito fluídos, a cenários pesados a preto e branco e muito sorumbáticos; temos desde o traço desarticulado infantil ao traço mais geométrico científico; temos desde a perfeição da técnica à subversão da aplicação dessa mesma técnica; desde a mais pura arte de ilustração, autêntica no traço à mão, ao mais puro movimento de motion graphics criado por software. Findo o filme é inacreditável a quantidade de técnicas, fico com a ideia que foi pedido assim mesmo, que cada um utilizasse uma técnica distinta. Mas não sei se assim foi, só sei que o fizeram e funcionou. Só sei que vai contra toda a teoria da criação de coerência visual cinematográfica, e ainda assim funcionou belissimamente bem. O projecto foi lançado e depois montado pela Giant Ant no Canadá.

Mas a grande razão porque funciona tão bem, tem um nome e chama-se Shane Koyczan, o autor do poema, To This Day, que o declamou com toda uma veemência, entusiasmo e arrebatamento capaz de nos tocar cá dentro. Associado ao poema temos a belíssima faixa sonora criada pelos The Short Story Long, que trabalham normalmente com Shane Koyczan, que arrasta e encorpa o poder da declamação, através de coros, violinos e pianos. O som, da declamação aos violinos, é o mestre de toda a coesão estética neste filme. Se os estilos diferem brutalmente na imagem, no som agrupam-se e dão forma ao todo. E nós enquanto espectadores só queremos ouvir, saber, e compreender o que esta voz tem para nos dizer, para nos contar. Ficam os links para o poema escrito completo e para o audio do poema declamado.




Sobre os objectivos, a mensagem aqui exposta é conhecida por todos, porque todos passaram pela escola, e todos pelo menos uma vez na sua vida sentiram a crueldade do próximo, não é por acaso que o filme em apenas 10 dias conseguiu mais de 6 milhões de visualizações. Digo apenas que para se perceber o Bullying em maior profundidade, temos de perceber que ele não aparece do nada, não é sequer uma variável cultural, é antes uma variável biologicamente inscrita em cada um de nós. Porque o Bullying surge do conflito com a diferença, e nós não nascemos preparados para lidar com ela (para saber mais sobre isto vejam O Lado Negro da Moral). Desse modo, só existe uma forma de lutar contra o Bullying, é através da Educação, e em todas as frentes, na escola, nas associações desportivas ou culturais, em casa, em todo o lado e sempre. E este filme é um belíssimo ponto de partida para começar a Educar. Ficam as palavras de Koyczan.

“My experiences with violence in schools still echo throughout my life but standing to face the problem has helped me in immeasurable ways. I wrote 'To This Day', a spoken word poem, to further explore the profound and lasting impact that bullying can have on an individual. Schools and families are in desperate need of proper tools to confront this problem. We can give them a starting point… A message that will have a far reaching and long lasting effect in confronting bullying.”


To This Day (2013) de Shane Koyczan


março 04, 2013

Loom (2012) de Luke Scott

Luke Scott tem realizado uma carreira de excelência no mundo da publicidade, para além de ser filho de Ridley Scott e trabalharem aqui juntos. Nesse sentido foi convidado pelos criadores das câmaras RED no início de 2012 para testar a sua mais recente criação a RED EPIC. A câmara capta em 5K e pode fazê-lo entre 1 a 120 frames por segundo, o que permite que seja utilizada para simples fotografia, como vem sendo usada para criar capas de revistas, ou para grandes produções cinematográficas. Luke Scott criou assim em Abril de 2012 a curta de ficção-científica, Loom (2012) que foi distribuida em 4K e foi entretanto disponibilizada no YouTube. Aqui está só em simples HD, que é cerca de 1K.


A cinematografia de Loom ficou a cargo de Dariusz Wolski, que conhecemos dos fantásticos trabalhos realizados para Pirates of the Caribbea (2003, 2006, 2007, 2011); Alice in Wonderland (2010), Dark City (1998) entre muitos outros. Em Loom não sei se é efeito da câmara, se é o director de fotografia que ganha total liberdade de exposição do poder da câmara, mas a imagem é absolutamente estonteante em termos de qualidade. Ou seja no detalhe que consegue captar, no brilho, contraste em baixa luminosidade, na cor, tudo tão cristalino, pura perfeição.


O filme em si é uma curta interessante de FC, com um tema conhecido, mas bem explorado. Gostei do mundo criado por Scott, apesar de se aproximar da distopia de Blade Runner (1982), nomeadamente na cena inicial do autocarro, demonstra diferenças claras com um ambiente menos negro, menos deteriorado e mais limpo.

março 03, 2013

BIPOLAND (2013), emoções bipolares

Matthew Brown chega à rede com mais uma curta, BIPOLAND (2013) carregada de emoções a partir do coração da Polónia em Auschwitz. Cada vez que lança um novo trabalho é uma enorme satisfação, posso dizer que a primeira vez que os vejo, guardo a experiência para um momento de silêncio e sem interrupções, tal é a forma como ele conduz o poder audiovisual na estimulação emocional, nomeadamente o uso da montagem em total sincronismo com a escolha musical. Já aqui falei de Brown antes, sobre os seus trabalhos Look Up at the Stars, Portugal! (2010) e Hectometer - World Record (2012), e outros belíssimos que apenas partilhei mas que valem a pena serem vistos também: Sincerely, Spain (Março 2010); Dear Japan (Agosto, 2010); Dreaming It{aly} (2011); The Piano (2012).



Os títulos das curtas de Brown são sempre bastante sugestivos ou auto-explicativos, e este não foge a essa idea. BIPOLAND apresenta uma mistura entre a palavra Bipolar e Polónia. No sentido em que o filme se divide literalmente em duas fortes emoções opostas. Apesar de nos mostrar a Polónia de hoje, uma parte é passada dentro de Auschwitz com a música sincronizada nas emoções que daí emergem, enquanto outra parte nos mostra a beleza e a vida da Polónia atual. A música é de Philip Glass Tirol Concerto for Piano and Orchestra: Movement II e carrega forte, mas a magnificência surge da captura de imagens, na beleza de cada enquadramento e depois no seu trabalho de correcção de cor, em que Brown leva a saturação ao extremo. Sobre tudo isto temos uma montagem de grande rigor, velocidade e pura sincronia com o tema e a sonoridade, uma pequena jóia visual.


"Kary, Sheila, Sandy, Michael, my beloved husband and my family. I have been in a place for six incredible years where winning meant a crust of bread and to live another day. Since the blessed day of my liberation I have asked the question, why am I here? I am no better. In my mind's eye I see those years and days and those who never lived to see the magic of a boring evening at home. On their behalf I wish to thank you for honoring their memory, and you cannot do it in any better way than when you return to your homes tonight to realize that each of you who know the joy of freedom."

Vale a pena ler depois esta entrevista com Matty Brown sobre a sua inspiração criativa e sobre Portugal. Muito bom o momento em que ele refere que os portugueses não gostam de ser filmados. Entrevista realizada por Gabriella Opaz para o site CataVino.

março 02, 2013

Filmes de Fevereiro 2013

Mês curto, mas com muitos filmes, nomeadamente mês de filmes na corrida aos oscars. O lote de filmes nomeados até era bastante bom, mas os premiados deixaram um pouco a desejar, como já vem sendo hábito. Ainda pensei fazer um texto sobre o assunto mas não vale a pena, julgo que as notas que dou aqui a cada filme são suficientes para mostrar o meu acordo e desacordo com algumas escolhas. O principal, a perda de Lincoln, tanto no melhor filme, como para melhor realizador. Argo é um bom filme mas está longe de ser um filme tão completo como Lincoln, o simples facto de não ter visto o seu realizador nomeado sequer dá bem uma ideia de algumas das suas fragilidades. Ang Lee leva novamente o prémio por um trabalho mediano, que se suporta muito mais no guião e nos efeitos visuais do que na realização. Por outro lado Zero Dark Thirty foi completamente posto de lado.


Lo Impossible foi uma boa surpresa, embora tenha sido desenhado para um target muito específico. Quem tiver passado férias num qualquer resort com os seus filhos pequenos, será difícil não sentir o arrepio e a felicidade do impossível. Para um projecto europeu, é algo muito grande, que ombreia com qualquer grande produção americana. As cenas debaixo de águas são absolutamente impressionantes. Já Tarantino trouxe um trabalho eficiente com Django mas que não me surpreendeu, achei-o longo, e algo desarticulado, aliás em linha com Skyfall.

xxxx Lincoln 2012 Steven Spielberg EUA

xxxx Zero Dark Thirty 2012 Kathryn Bigelow EUA

xxxx Argo 2012 Ben Affleck EUA

xxxx Lo Impossible 2012 Juan Antonio Bayona Espanha

xxxx Et maintenant on va où? 2011 Nadine Labaki Líbano

xxxx Reprise 2006 Joachim Trier Noruega [Análise]


xxx Django Unchained 2012 Quentin Tarantino EUA

xxx Liberal Arts 2012 Josh Radnor EUA

xxx The Master 2012 Paul Thomas Anderson EUA [Análise]

xxx Life of Pi 2012 Ang Lee EUA

xxx Skyfall 2012 Sam Mendes UK [Análise]

xxx Poulet aux Prunes 2011 V. Paronnaud, Marjane Satrapi França

xxx Primer 2004 Shane Carruth EUA

xx Side by Side 2012 Christopher Kenneally EUA [Análise]
xx Killing Them Softly 2012 Andrew Dominik EUA
xx Hot Fuzz 2007 Edgar Wright UK
xx Shaun of the Dead 2004 Edgar Wright UK

[Nota, Título, Ano, Realizador, País] 
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]

Para ver as notas dadas nos meses anteriores podem seguir a etiqueta FilmeMês. Para acompanhar as notas que vou dando ao longo do mês, ou ver a listagem de notas dos últimos anos podem visitar a minha folha de notas online.

fevereiro 26, 2013

"The Room" e os efeitos free-to-play

The Room (2012) impressionou-me pela qualidade da sua arte que acaba por fazer de um jogo bastante simples de resolução de enigmas um jogo extremamente envolvente e imersivo. Acredito mesmo que essa terá sido uma das razões que mais terá pesado para ter sido eleito o Melhor Jogo do Ano 2012 na App Store pela Apple.


The Room foi criado pela Fireproof, uma empresa especializada no outsourcing de arte, tendo trabalhado para a série LittleBigPlanet (2008, 2011, 2012) ou a DJ Hero (2009, 2010). Numa entrevista na EDGE referem que não tinham pensado fazer o seu primeiro jogo para iPad. Esta ideia terá surgido apenas depois de terem jogado Epic Citadel (2012). Ficaram impressionados com a arte, e eu confesso que também fiquei, Citadel é uma dessas pequenas pérolas visuais que vale a pena jogar apenas para desfrutar da arte visual. The Room apesar de não ter a paisagem e o espaço de Citadel, não fica atrás em nada, aliás em detalhe e atmosfera consegue mesmo ser mais elaborado e por isso mais fascinante.


Mas uma das coisas mais interessantes reveladas na entrevista, foi a decisão de lançar o jogo em versão paga e não free-to-play. Porque chegaram a equacionar a ideia de exigir pagamento pelas ajudas dadas dentro do jogo para a resolução de cada enigmam referindo depois que não o fizeram porque tiveram receio de desvirtuar o gameplay. Ou seja de criar na cabeça do jogador a ideia de que os enigmas eram mais difíceis apenas para obter mais dinheiro pelas ajudas. Isto deixou-me realmente bastante reflexivo porque na verdade consegui imaginar-me nessa situação, e a desistir do jogo caso me pedissem dinheiro por cada ajuda. Ficaria aquela sensação de jogo barato, que apenas está ali para nos sacar dinheiro, e que não está suficientemente preocupado com aquilo que tem para dizer, ou que não acredita suficientemente naquilo que tem para vender.



Por outro lado é como diz Robert Dodd (programador do jogo) se eles não tivessem o seu negócio de outsourcing de arte, provavelmente não teriam arriscado lançar o jogo numa versão paga, já que o os jogos de maior sucesso são praticamente todos Free-to-Play. A realidade é que cada decisão que temos no game design de um jogo pode trazer consigo uma imensidão de efeitos e impactos inesperados na atitude do jogador.

fevereiro 25, 2013

entre a película e o digital

Side by Side (2012) é um documentário interessante sobre o momento de transição que atravessa a indústria cinematográfica a propósito da descontinuação da película e da invasão do digital. O documentário em si nao é nada de especial, falta ritmo e falta densidade informativa. Diz-se pouco de relevante e original sobre o assunto. Mistura-se suporte digital e imagem digital. Acaba por funcionar mais como um documento que permite guardar impressões de alguns dos principais actores no meio desta transição.


O final acaba por ser o melhor, quando se questiona o futuro do cinema, o futuro da película e do digital. As facções emergem, com uns a defender que o único meio de preservação do cinema que garante a sua permanência é a película. Por outro lado gostei de ver Steven Soderbergh a subverter esta ideia feita sobre o poder de preservação da película e a defender que não, que o digital sim permitirá algo que a película nunca permitiu, porque no futuro poderemos reconstituir qualquer obra digital tal como foi criada. O que é verdade, sabemos bem de todos os problemas que temos tido com os restauros de película que nos mostram hoje coisas no cinema que o próprio realizador não viu na altura.


No meio de todas as discussões ainda há tempo para a provocação do costume, sobre os baixos custos e o facto de todos agora poderem produzir um filme. Interessante ver como até aqui as facções emergem. De um lado os que acham que a democratização só trará lixo, do outro alguns que consideram que este é o futuro do meio, a democratização da criação. Desta conversa é impossível não reter a lucidez da afirmação simples e certeira de David Lynch,
"Everybody, and his little brother, has piece of paper and a pencil, but how many great stories have been written on that piece of paper. Now the same thing is going to happen in cinema."

Sobre isto quero apenas dizer que esta é a realidade, claramente que tivemos, temos e continuaremos a ter um incremento na produção audiovisual, tal como tivemos com a literatura, mas isso está longe de querer dizer que vamos ter todas as pessoas a criar, ou que isso per se é condição suficiente para surgirem melhores criações.

fevereiro 13, 2013

"The Master", porque não é o filme do ano

The Master (2012) é um filme inesquecível pelas duas interpretações principais - Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman - que são de nos tirar o fôlego. E só não digo três porque o papel de Amy Adams é muito menor por comparação, ainda assim sinto que os momentos em que aparece iguala, se não mesmo supera, os seus congéneres masculinos. Aliás estão os três nomeados, e são as únicas nomeações do filme.


Julgo que as nomeações poderiam ter ido mais longe, nomeadamente pela magnífica cinematografia suportada pela imponência dos 70 mm que servem uma imagem carregada de detalhe, textura e profundidade. Assim como a realização e a direção de actores que são absolutamente perfeitas, podendo não surpreender, mas ainda assim raramente se quedarem pelo conservadorismo.

No campo do guião, o filme pode até ser sobre Ron Hubbard, o criador da Cientologia, mas isso é na verdade pouco relevante para o filme. O que é aqui relevante é a história entre duas personagens opostas, em que uma tenta ser guia espiritual e converter a outra, sem que se perceba se o consegue alguma vez. No fundo é como Paul Thomas Anderson disse numa entrevista - "saímos como entramos". E isto é no fundo aquilo que caracteriza a filmografia de Anderson porque os seus filmes são obras desenhadas para criar experiências emocionais, ligando-nos mais perceptivamente do que cognitivamente. Por exemplo adorei e considero um dos seus melhores filmes, Punch-Drunk Love (2002), assim como Magnolia (1999), que não são diferentes deste no sentido em que saímos como entramos em termos de resolução narrativa. A gratificação dos filmes de Anderson não está nas ideias, mas nos estados de alma, nos momentos vicários, nos passeios por mundos ligeiramente deslocados da realidade, o suficiente para nos questionarem sobre a mesma. Realidades distintas, algo simbólicas, que nos tocam e abraçam.

Julgo que não me consegui ligar a The Master, algo parecido já me tinha acontecido com There Will Be Blood (2007) embora num grau muito menor. Talvez a ideia das seitas e religiosidades me afastem, ainda para mais quando Anderson provoca a todo custo o confronto, mas sem causa e menos ainda efeito. The Master é uma experiência muito interessante apesar de deixar um amargo de boca a quem procura respostas, podendo ainda assim extasiar quem apenas se deixar levar pelo fluxo da experiência.






Nota: 3/5

fevereiro 11, 2013

"Head Over Heels" (2012), de pernas para o ar

Head Over Heels (2012) de Timothy Reckart é o terceiro filme candidato ao Oscar de Melhor Curta de Animação 2013 a chegar à rede, depois de Paperman (2012) de John Kahrs e Adam and Dog (2012) de Minkyu Lee. Head Over Heels é um filme de estudante criado por Timothy Reckart, 24 anos, como filme de graduação do mestrado em Realização de Animação na National Film & Television School (UK). A mesma escola por onde passaram Nick Park ou Mark Baker.


Na arte temos stop-motion com personagens e ambientes criados em plasticina, rugosos mas muito consistentes e coerentes. A cinematografia está bem trabalhada conseguindo apresentar o espaço de modo credível e facilmente inteligível tendo em conta os espaços invertidos e sobrepostos. Por sua vez a imagem é rica em textura, com muita cor e boa diferençiação espacial através da iluminação.


Mas a excelência de Head Over Heels brilha mais ao nível do conceito narrativo. A base da ideia passa por representar o sentimento de um casal que ao fim de muitos anos de vivência em comum deixaram de concordar sobre o sentido de cima ou baixo, e desse modo passaram a viver em sentidos inversos, ela no tecto e ele no chão. O conceito ajuda a inovar no campo visual, servindo ao mesmo tempo de metáfora brilhante sobre o desencontro entre casais, algo que vai surgindo naturalmente com o tempo.


Relativamente à inversão da gravidade, Reckart refere que a inspiração lhe surgiu a partir do quadro The Philosopher in Meditation (1632) de Rembrandt. Ao olhar para a simetria das escadas em espiral questionou-se sobre a possibilidade de duas pessoas poderem partilhar aquela mesma casa, uma no tecto e outra no chão. Quero no entanto relembrar que ainda há muito pouco tempo trouxe aqui um filme, Reverso (2012), também de estudante da escola ArtFx de Montpellier, no qual o personagem principal tinha perdido o sentido de gravidade. Vale a pena ver ou rever.

Head Over Heels (2012) de Timothy Reckart