Mostrar mensagens com a etiqueta IxD. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta IxD. Mostrar todas as mensagens

dezembro 06, 2015

"Witcher 3": indústrias criativas e escrita de narrativa interativa

Estou a 2/3 da história principal de “The Witcher 3: Wild Hunt”, mas posso dizer desde que já que estou apaixonado pela sua escrita, não apenas pela profundidade psicológica imprimida à história, mas pelo seu discurso, a forma ou o "como", a história está a ser contada, é impressionante. Jogando Witcher 3 podemos sentir como todo o universo narrativo nos videojogos evoluiu ao longo dos últimos 20 anos, não apenas a sua construção, mas também nas expectativas que temos face a estes. Witcher 3 não está apenas interessado em criar jogo ou interatividade, em criar uma relação sensorial, existe uma vontade enraizada na equipa de criadores de desenvolver algo capaz de tocar o imaginário semântico dos jogadores, de criar nestes, novas formas de ver o mundo, nomeadamente de aprender mais sobre o modo como nos relacionamos enquanto espécie. Witcher 3 pode até partir de um universo de pura fantasia, mas fá-lo com profundas preocupações humanas, e foi por isso que procurei saber mais sobre quem estava por detrás de tudo isto, tendo encontrado na rede uma belíssima entrevista com Jakub Szamałek, um dos escritores principais de Witcher 3, e da qual darei conta nas próximas linhas.



Antes de entrar nas questões relacionadas com o jogo em si, queria dar conta do contexto, que se por um lado parece estranho que um jogo desta dimensão, em termos financeiros (o custo de produção rondou os 75 milhões de dólares), surja num país do leste da Europa, a Polónia, é provável que isso seja aquilo que justifica que tenhamos aqui algo bastante diferente, com um posicionamento que vai buscar inspiração fora de Hollywood, procurando antes beber nos clássicos da literatura europeia.
We show people in Poland that it’s a serious business, that you can produce works of culture that are a hit globally… this is something that up until now has been very difficult, there are a lot of books and films that are written or produced in Eastern Europe but they usually don’t become terribly popular in the west. I think video games are the only medium in which we have been able to produce something that has been appreciated on a global scale. It’s very satisfying.”
Mas se isto é possível a partir da Polónia não é por acaso, e as suas razões devem servir na reflexão da indústria portuguesa de videojogos, não apenas esta, mas de toda a nossa indústria criativa. Porque as razões não passam pelo clima, como ainda há pouco tempo se discutia numa entrevista da GameReactor a José Teixeira que trabalhou nos Efeitos Visuais de Witcher 3, embora possa ter a sua influência, mas assenta essencialmente na formação e cultura da massa cinzenta que suporta estas indústrias. Veja-se o caso do responsável pela escrita do jogo,
“Jakub is a former Oxbridge student with a PhD in ‘Ancient Mediterranean and Near Eastern Studies and Archaeology’. If that doesn’t sound impressive enough, he has authored two (soon to be three I hear) critically acclaimed novels, while also writing for developer CD Projekt Red on a small project called The Witcher 3: Wild Hunt. With all of those credentials under his belt you could suppose that he’d be doing something like lecturing at universities or researching the origins of mankind. The reality is that he predominantly writes for video games — a pretty great profession if you ask me.”
Desta frase ressaltam dois elementos de grande relevância para o caso português: a necessidade de formação; e sua valorização/aceitação. Ou seja, trabalhar nas indústrias criativas em 2015 requer das mais altas competências algumas vez exigidas por alguma indústria, além da investigação científica. Não basta jogar muitos jogos, consumir muito produto criativo, embora ajude, assim como não basta paixão e querer fazer, embora seja fundamental. É necessária toda uma estrutura de base capaz de potenciar, catapultar, tudo o que se consome juntamente com toda a vontade de fazer, para se poder ir verdadeiramente além. Não nos podemos esquecer que estamos competir a um nível global, e não com os nossos vizinhos de bairro.

Temos que nos deixar de frases bacocas como — “Portugal tem licenciados a mais” ou “somos um país de Drs” — fundamentadas apenas no preconceito, sem qualquer suporte empírico, e que apenas servem para nos atirar mais para o fundo no cenário global. Em 2015 já passou tempo suficiente para termos uma democracia amadurecida, para nos deixarmos de tiques salazarentos, e assumir que para enfrentar o mundo em que vivemos, o ponto de partida começa numa simples licenciatura. Que se queremos verdadeiramente enveredar pelo desenvolvimento de indústrias criativas como solução para a nossa falta de matérias primas, teremos de investir na educação, não apenas financeiramente, mas essencialmente em vontade de aprender, de aprofundar o real, ser capaz de abstrair mais e mais camadas da sua estrutura constituinte.

Dito isto, que me parece relevante, e não é novo para quem segue este blog, tenho vindo a falar disto com outros exemplos, como a clássica Escandinávia ou a Coreia do Sul e as suas indústrias electrónica e automóvel (2011, 2013, 2013) ou até no caso por exemplo da artista nacional Capicua. A Polónia é apenas mais um exemplo, é verdade que é um país muito maior que o nosso, podíamos alegar fatores de escala, mas estaríamos apenas a iludir-nos, já que no caso da indústria de videojogos, a escala nunca pôde depender do país de origem. Verdade que um país maior gera maior fricção criativa, mas cabe-nos a nós encontrar a melhor forma de potenciar essa fricção, por exemplo tendo menos grandes cidades, concentrando mais os esforços nas que temos.

E agora o sumo da entrevista da Forerunner a Jakub Szamałek. Podem ver o vídeo realizado ou ler desde já os pontos que me pareceram mais relevantes na conversa, com algumas considerações sobre as mesmas.

Entrevista com Jakub Szamałek, escritor principal de Witcher 3


Sobre a complexidade da escrita
A escrita nos jogos é completamente diferente da escrita para um livro, desde logo por duas razões: a repetição e a avaliação. Ou seja, os personagens podem interagir repetidamente com o jogador, gerando repetição de um diálogo ou monólogo que pode perder todo o seu efeito dramático, enquanto num “book you don’t have to worry about how to make a repetitive conversation interesting”. Por outro lado, como o texto segue em estruturas em árvore, é necessário testar todos os caminhos possíveis e analisar se os seus elementos constituintes continuam a fazer sentido depois das múltiplas interações permitidas.

Sobre a agência e criação de personagens credíveis em Witcher 3
Os personagens com quem interagimos, não são adereços do mundo de jogo, todos eles possuem os seus objetivos e motivações intrínsecas, o que faz com que se tornem sujeitos, vão além da caracterização gráfica. O objetivo, como descreve Jakub passa por eliminar aquela sensação estranha que temos muitas vezes nos jogos, de que os personagens estão ali apenas para debitar informação, de forma a realizar a progressão da narrativa.

Acaba sendo desta vontade dos criadores que emana uma outra característica menos positiva, que por vezes surge mais acentuada: a constante necessidade de dar algo em troca de algo. Ou seja, sempre que vamos falar com alguém que pode ter algo que nos interessa, já sabemos que vamos ter de proceder a uma troca de favores, o que se torna em si repetitivo do ponto de vista da interação e escrita. Contudo, nem sempre é visível este efeito, já que o guião não se limita a este ciclo de interação com o jogador. Ou seja, existe desde logo uma preocupação de desenhar as trocas por via de verdadeiras necessidades e preocupações dos personagens, mas o que garante a envolvência assenta no modo como os personagens tomam conta da relação connosco e procuram, em diversos ciclos interativos, ganhar a nossa confiança e obter de nós o que não estávamos inicialmente preparados para dar. No fundo temos uma escrita profundamente entrosada graças ao desenho de ciclos de conversação, dotados de acessos participativos ou de interação pelo jogador, em que as nossas escolhas no diálogo e ações vão influenciando os personagens e a sua relação connosco, servindo assim um aprofundamento da nossa relação com estes, e por sua vez com todo o universo de jogo. Falamos essencialmente de agência, da consequencialidade da nossa presença naquele mundo.
“It’s very gratifying to see how people get invested in the game, the other day I saw I giant thread on Reddit about a quest that I wrote and people were discussing what they did and why they did it… something that I think is unique to video games is that people identify more strongly with characters because they assume the role of that character while they are playing. The decisions that you face in a game touch you more profoundly than choices you read about in a book for instance; in a video game it’s more personal to you.”
O mais interessante que Jakub nos diz sobre tudo isto é o quão barato é na verdade construir todo este sentimento de agência, tudo aquilo que os jogadores verdadeiramente procuram extrair de um jogo está ao alcance de uma simples caneta e papel. Basta saber ativar a imaginação dos jogadores,  o que claramente requer, como diz Jakub, “competência na escrita”, e que se pode ver em abundância em Witcher 3, mas que ainda se vai vendo pouco no mundo dos videojogos, o que facilmente se percebe, já que uma grande parte das pessoas que está na indústria domina muito pouco a componente da escrita. Aliás basta recordar os tempos áureos dos videojogos, que o entrevistador aqui relembra, com Carmack a lançar uma das mais ridículas frases de sempre do meio, mas que tanto sentido fazia e continuou a fazer durante muitos anos depois: “Story in a game is like story in a porn movie. It’s expected to be there, but it’s not that important”. Como tudo mudou, e em tão pouco tempo.



Sobre a não-linearidade e multilinearidade
Desde logo Witcher 3 apresenta um problema que poucos outros videojogos ou projetos de narrativa interativa apresentaram até agora, uma gigantesca dimensão de estrutura de eventos, algo provavelmente apenas comparável com as séries de televisão e telenovelas. A estrutura central, a chamada “main quest”, é enorme, mas as “secondary quests”, que se revelam aqui ao contrário da grande maioria dos outros jogos, partes integrantes da narrativa central, ao serem dotadas de consequencialidade bidireccional, tornam todo o jogo insanamente gigante. Como diz Jakub, o desenho dos diálogos acaba por dar origem a “massive flowcharts e branching trees”, o que eleva a complexidade do que está a ser feito em Witcher 3 a um patamar que vai muito além da mera boa escrita, sim tem de ser boa, mas tem de existir todo um trabalho de lógica e racionalidade na gestão do sistema que dá estrutura a tudo o que vemos no ecrã. Ou seja, não se trata de um simples trabalho imaginativo, tudo isto assume uma complexidade de abstracionamento que exige dos criadores elevadas competências.

Não deixa de me impressionar a quantidade de personagens e diálogos que se podem encontrar ao longo do mundo de jogo fora da narrativa principal, mas que se interligam perfeitamente com esta, mais ainda quando percebemos que por não serem centrais, serão acedidos por uma minoria de jogadores, e no entanto não deixam de apresentar um enorme cuidado no seu desenho.



Sobre a história e tema
Como disse na abertura deste texto, e apesar da entrevista com Jakub versar mais sobre o discurso e forma, Witcher 3 não deixa de nos impressionar profundamente em termos de história, nomeadamente nos vários temas chamados à discussão, mais ainda quando sabemos que o território de Witcher 3 não deveria ir além da fantasia. Assim temos que Witcher 3 é muito mais do que bruxos e monstros, poções e alquimias, aliás arrisco mesmo a dizer que a contrário da restante fantasia, tudo isso é aqui apenas decorativo. O cerne de Witcher 3 acaba por emergir das pequenas histórias profundamente humanas que vamos desvelando ao longo da nossa viagem pelo seu território fantástico. Ainda tenho de finalizar o jogo para chegar à sua essência, assim espero, mas encontrar e interagir ao longo destes 2/3 com — personagens vítimas de violência doméstica, famílias destroçadas pelos efeitos da guerra, abusos de poder, suicídios por amor, fanatismos religiosos, abortos espontâneos ou discriminação por homosexualidade — tudo tratado com imenso cuidado, detalhe e enorme credibilidade narrativa é para além de inovador, profundamente inspirador no alimentar do sonho de tudo aquilo que este meio ainda tem para nos oferecer.


Ler mais
Videojogo do Ano [AAA:2015] - "The Witcher 3: Wild Hunt",  VI, 2015

novembro 28, 2015

Microinterações

Vivamente recomendado para todos os que desenvolvem IxD ou UX. Dan Saffer é um dos mais interessantes autores da área, sendo capaz de fazer todo um trabalho de tradução e síntese das práticas de interação em linguagem acessível, concreta e de aplicada. Para quem se interesse por iniciar a área costumo recomendar o seu primeiro livro “Designing for Interaction”, este é dirigido a quem já está no mundo da interação, e procura formas de aprofundar o trabalho que faz, assim como compreender aquilo que faz. Este novo livro de Saffer está dentro das dimensões a que nos habitou, sensivelmente 200 páginas e de leitura leve, lendo-se muito rapidamente, mas mais importante que isso, assimilando-se a base conceptual e sua aplicação.


Microinteractions” fala-nos de interação, mas não qualquer tipo, como o nome indica fala das interações mais pequenas, quase reduzidas a um único ciclo - ligar/desligar - tais como ligar um alarme, realizar o login num sistema, regular um termostato, ou realizar uma pesquisa num motor de busca. Falamos de um tipo de ação que pela sua natureza se poderia qualificar mais de reativa do que interativa. Ainda assim, e tendo em conta o enfoque em plataformas computacionais, e ainda o peso que normalmente todo o contexto assume, estas ações não se podem categorizar como meramente reativas. Ou seja, ter uma caixa de pesquisa que tenta adivinhar o que estou à procura à medida que vou escrevendo, ou um alarme que decide se toca ou não quando silencio os sons do telemóvel, implica muitos mais ciclos de informação, do que a mera ação à superfície parece indiciar.



Saffer resume as microinterações a uma base constituída por 4 componentes:  trigger, regras, feedback e loops:

Trigger: Falamos do despoletador da interação, que pode ser um mero botão, simples e direto, a algo mais complexo, menos intuitivo, como uma caixa de inserção de texto ou uma barra de arrastar. Este elemento é em essência a base da affordance da micointeração, aquilo não só que permite iniciar, mas antes de mais aquilo que convida, e incita mesmo à interação.

Regras: Aqui entramos no território da regulação dos efeitos da nossa ação. O que se pressupõe que aconteça, e como é que isso acontece (em que ordem, durante quanto tempo, etc.).

Feedback: A garantia da efetividade das nossas ações, e a forma de garantir ao interator uma compreensão completa do desenrolar das regras da interação.

Loops & Modos: Este elemento poderia perfeitamente estar enquadrado no âmbito das regras, contudo acredito que Saffer opta por o destacar por forma a enfatizar a particularidade do funcionamento da microinteração, que apesar da sua ação focada, se pode ampliar por via da sua componente cíclica. Um exemplo pode ser visto no modo como um simples sensor repete, em loop, a detecção de movimento, tentando perceber se deve manter uma luz acesa ou não.

Se estes 4 componentes são centrais na proposta de Saffer, não deixa de ser interessante um segundo grupo de regras que este vai propondo e repetindo ao longo do livro, sobre o modo como devemos mudar a nossa aproximação ao desenho da microinteração, a que podem desde já aceder através da leitura do poster de referência rápida, mas que aproveito para aqui listar e explicar:

Bring data forward: um princípio que procura garantir que o nosso trigger é capaz de nos incentivar a agir, mas que é também capaz de garantir feedback do estado inicial, durante e final, se possível. Ou seja, uma capacidade de dar conta do estado interno da microinteração. Exemplo: pode ser visto nas barras de loading por vezes incluídas em ícones, que nos permitem saber a posição temporal de uma música que está a tocar, ou perceber a posição em percentagem de um download que estou a realizar num browser.

Don’t start from zero: Este princípio é muitas vezes repetido por Saffer, já que ele enquadra todo o design de interação, contudo neste caso específico ele refere-se à necessidade de pensar a interação, e conceber o seu contexto, procurando desta forma antecipar as necessidades do utilizador, tanto as internas da microinteração, como as que podem surgir após o término da mesma. Exemplo: quando preciso de teclar o e-mail num form no meu smartphone, o sistema de teclado quando chamado, e prevendo a necessidade do símbolo @, pode apresentá-lo desde logo no teclado principal.

Long loops: Este princípio está intimamente ligado ao componente loops assim como ao princípio “don’t start from zero”, e assim o que se procura é, garantir que a interação possa antever as próximas interações, e nesse sentido evoluir o seu funcionamento em função de acções anteriores. Exemplo: se eu nunca uso a função snooze no meu alarme, então ao fim de um determinado número vezes de interações, o sistema pode simplesmente desligar essa opção, não me incomodando depois de eu já estar acordado.

Use the overlooked: No último princípio fica a recomendação do design gráfico e sua preocupação cognitiva, no sentido de facilitar o processo aos interatores, e que passa por evitar adicionar novas componentes visuais ou sonoras para garantir o feedback. O exemplo mais comum na computação está sempre na nossa frente na forma de cursor, que como sabemos vai alterando a sua expressão visual, em função da posição que ocupa no ecrã e o que está por baixo (um botão, um campo de texto, o computador a processar, etc.).


Como disse no início, e se pode ver por estes componentes e princípios que resumem, de forma genérica o livro, a obra de Saffer é bastante direta e aplicada, servindo imensamente todos aqueles que trabalham na área.

novembro 11, 2015

O desastre anunciado no design da Apple

"How Apple Is Giving Design A Bad Name" é um texto fundamental, escrito por duas das mais importantes figuras internacionais do Design de Interação, Don Norman e Bruce Tognazzini, sobre os problemas de que hoje enferma o design da Apple. Aliás, o texto é tão bom e detalhado que merecia ter sido pago, e bem pago, pela Apple como consultoria externa. Vale a pena ler todo o documento, e refletir não apenas naquilo em que a Apple se transformou, mas também aquilo que continua a ser a essência do Design de Interação.


Vou começar pelo final do texto, o momento em que Norman e Tognazzini identificam aquela que eu acredito ser a origem do problema, e que está na seguinte frase:
“Industrial design is primarily concerned with materials and form, and this is the area in which Apple excels. Graphic design is supposed to be about aesthetics and communication, but Apple has emphasized appearance to the great detriment of the communication component.”
Ou seja, a Apple é hoje uma marca de excelência em Design Industrial, deixou de o ser em Design Gráfico, no sentido em que se perdeu no Design de Interação. Porque aconteceu isto? Julgo que a resposta dá pelo nome de Jonathan Yve. Durante anos Jobs vendeu-nos Yve como um visionário, mas eu só percebi concretamente quem era Yve quando li o livro “Jony Ive: The Genius Behind Apple's Greatest Products“ (2013). Foi aí que percebi de onde vinha, e ao que vinha, o que o motiva verdadeiramente. Nada tenho contra Yve, mas a sua filosofia de design é totalmente distinta da de Jobs, acima de tudo porque a base de Yve é o industrial. Aliás esta diferença entre os dois ficou patente quando Jobs morreu e Yve assumiu as funções máximas dentro da Apple, sendo que uma das suas primeiras ordens foi ditar o fim das metáforas nas interfaces, o esqueumorfismo que Jobs tanto idolatrava, propondo em seu lugar o "flat design”.


A Apple sempre teve problemas com o design de interação, principalmente porque como qualificou Dan Saffer em "Designing for Interaction", optou por uma abordagem centrada no Génio. Ou seja, uma pessoa iluminada capaz de ter ideias suficientemente empáticas que todos os outros vão desejar ter. Isto acontecia com Jobs muitas vezes, apesar de não ser infalível, mas está longe de ser o terreno de Yve, que é antes de mais um designer industrial. É alguém muito bom para desenhar o hardware da Apple, como temos visto desde que ele está na Apple, mas não é a pessoa indicada para estar à frente de todo o design, mais concretamente do de interação do OS.

Como dizem os autores, não culpem a Bauhaus ou Dieter Rams, os princípios seguidos hoje pela Apple nada têm que ver com 10 princípios de Rams, e nem sequer com os princípios originais do design do Macintosh que foram centrais no suporte do chamado design de interação focado no génio, em vez de baseado nos utilizadores. Mas como se pode ver no quadro abaixo esses princípios basilares foram completamente deturpados, tudo em nome da obsessão estética, a forma acima da função.

Quadro comparativo dos princípios de design, entre 1995 e 2015

O que mais me choca neste interessantíssimo quadro, para além do reduzido número de princípios que sobraram, depois do desbaste motivado pela obsessão pela simplicidade, é a inversão de prioridades, com a Metáfora a trocar de posição com a Estética. Imperdoável, e Yve sabe tão bem isto, contudo com o tempo claramente que foi perdendo o contacto com a realidade. Mesmo em termos de design industrial, veja-se o último Mac apenas com uma entrada/saída, apesar de ser um feito de design e engenharia, é-o totalmente à custa da funcionalidade e dos seus utilizadores. Yve, ou melhor a Apple, precisa de compreender que não está a desenhar uma jóia mas uma ferramenta de trabalho.


Problemas identificados por Norman e Tognazzini 
“A woman told one of us that she had to use Apple’s assistive tool to make Apple’s undersize fonts large and contrasty enough to be readable. However, she complained that on many app screens, this option made normal fonts so large that the text wouldn’t fit on the screen. It’s important to note that she did not have defective vision. She just didn’t have the eyesight of a 17-year-old.”
“So often, the user has to try touching everything on the screen just to find out what are actually touchable objects.”
“the inability to recover after an undesired action. One way to do that is with undo, the addition of which to the original graphical user interfaces was brilliant. Not only did it allow for recovery from most actions, it gave users the freedom to try new actions, confident of their ability to recover if the result was not to their liking. Alas, Apple, in moving to iOS, initially discarded this essential element of system design (..) So guess what happened? People complained. En masse. So they put undo back in, sort of: All you have to do to undo is to violently shake your phone or tablet. But undo is not universally implemented, and there is no way to know except by shaking.”
“Apple products deliberately hide complexity by obscuring or even removing important controls. As we often like to point out, the ultimate in simplicity is a one-button controller: very simple, but because it has only a single button, its power is very limited unless the system has modes. Modes require a control to take on different meanings at different times, leading to confusion and errors.”

Diferenças entre formação de designers, segundo Norman e Tognazzini
“In the design arena, interaction designers trained in psychology know the principles of conceptual models, clarity, and understandability, while those trained in computer science may not, and those from the graphic design field seem to think that interaction design means websites, and they often fail to understand either programming niceties or human-computer interaction.”

O que se perdeu no processo, segundo Norman e Tognazzini
1 - Discoverability
2 - Feedback
3 - Recovery,
4 - Consistency
5 - Encouragement of growth
O segundo ponto aqui destacada, da perda do feedback é um autêntico tiro no pé da Apple. Como é possível extrair o feedback, se ele não apenas é central na interação, como é a base de qualquer processo de comunicação? Claramente um indicador de que a Apple não pretende mais comunicar, mas apenas transmitir. Outro princípio fundamental é o 5º, a Apple deixou de encorajar o crescimento das pessoas, está apenas focada na transmissão, como tal no consumo por parte das pessoas (iTunes, iPad, Apple TV, etc.) e não no que elas possam criar.
“Good design encourages people to learn and grow, taking on new and more complex tasks once they’ve learned the basics. Snapshot takers grow to become photographers, personal journal writers become bloggers, and children try programming and end up seeking careers in computer science. For decades, encouraging learning and growth was the life blood of Apple, a principle so important that it was universally internalized and understood.”

Leiam o texto completo:
How Apple Is Giving Design A Bad Name”, Don Norman e Bruce Tognazzini, (10.11.2015)

março 15, 2015

Toca Boca e o design de interação

Toca Boca (Suécia) é um estúdio de jogos para tablets que conseguiu alcançar um enorme reconhecimento nos últimos anos, nomeadamente na área dos jogos para crianças. Os seus jogos, ou se preferirem brinquedos digitais, são adorados pelas crianças, os pais sentem-se satisfeitos e seguros, e a crítica baba-se com a sua inventividade. Em três anos, com 30 pessoas, criaram 24 Apps que foram descarregadas mais de 80 milhões de vezes. Como é que isto é possível? Deixo algumas respostas:





1 - Design Centrado no Utilizador (User-Centered Design - UCD)

O estúdio Toca Boca, como não podia deixar de ser num estúdio com origem num dos países que mais tem defendido o UCD, segue as regras básicas, mas fundamentais, do design de interação centrado na pessoa do utilizador. Deste modo, quem desenha está longe de o fazer a partir de um pedestal teórico, ou baseado na experiência de anos de acumulada sapiência. O primeiro ponto, e que é a regra de ouro, é saber para quem estamos a desenhar o nosso jogo. O Toca Boca preocupa-se em analisar as crianças, em saber o que fazem, podem fazer, e quando podem fazer, usando métodos como “Pratical Play”, “Paper Play” ou “Play Observing”, muito próximo dos métodos que vamos usando no engageLab.
children everyday lives are mostly made by adults, directed by them, they are told when to get up, how to learn at school, what to eat, they take on a very observatory role most of the time, the one area where they can take control and experiment with things, play, is schedule into their everyday (..) lots of the times kids take something that exist at the adult world and role play through it, and test and try different things, and it gives them an opportunity to try things out, do things in their own way and not worry about failure (..) we’re inspired by this [kids roleplaying] at Toca Boca and how the digital experience could enhance these forms of roleplaying.Willow Mellbratt, na talk que podem ver no vídeo abaixo
2 - O Hardware faz parte da experiência

A abordagem que é feita à plataforma tablet não é, de todo, desprezível, desde logo porque o estúdio não se limita à ideia de Jogo, abrindo para a ideia do Brincar, tentando assim explorar o tablet como parte da fantasia, como brinquedo que potencia a experiência do brincar.

3 - Creative Play

O creative play está no centro da criação de Empatia. Ao permitir que as crianças criem algo, que sentem como verdadeiramente seu, dá-se a realização pessoal, uma necessidade intelectual fundamental no ser humano. A percepção da realização por meio da actividade, gera uma ligação forte com o jogo, a um nível que normalmente só se consegue gerar na relação com outros seres humanos.

4 - Função Social

A razão pela qual os pais ficam satisfeitos e se sentem seguros com os jogos da Toca Boca é porque eles são criados a pensar no bem estar dos cidadãos, neste caso, das crianças. Vindo de um país em que é proibida a publicidade na televisão dirigida a crianças menores de 12 anos, não seria de esperar outra coisa. Mas é algo que coloca as Apps desta empresa de imediato à parte da grande maioria de empresas, meramente predatórias da consciência dos pais.

Podem descobrir muito disto na interessantíssima talk dada por Willow Mellbratt, uma designer do brincar, na Slush 2014, em Novembro 2014. Vale a pena dizer que tem um mestrado em Design de Experiência, e trabalhou antes na Penguin Books e na IDEO. Aproveito ainda para agradecer ao Nuno Folhadela, do estúdio Bica Studios, o envio desta talk.

Willow Mellbratt  com “Toca Boca: Developing Games For Kids” na Slush 2014

abril 26, 2014

a interacção é a mensagem

A empresa Guy Cotten, especializada em roupas para trabalho no mar, produziu um anúncio de serviço público (PSA) a propósito da necessidade do uso de coletes em alto mar, simplesmente brilhante. O anúncio só pode ser acedido online, uma vez que o centro da sua mensagem só é compreensível através da interactividade. O conceito foi desenvolvido pela agência CLM BBDO, sendo a produção feita pela Wanda Productions e dirigido por Ben Strebel. Se ainda não experimentaram o mesmo, façam-no agora, antes de continuar a ler, em Sortie en Mer (em ecrã pleno e som alto).



O brilho deste trabalho advém do modo como se trabalhou a linguagem de interactividade para expressar o sentir da mensagem. Ou seja, temos um filme com um excelente cenário que nos transporta para uma atmosfera calma, preparando-nos para um choque, mas quando esse choque chega, deixamos de ser meras testemunhas do mesmo, passamos a agir, a participar, e com isso a sentir o choque de forma muito mais memorável. 

Mas não se fica por aqui, tudo isto poderia ter sido desenhado apenas para nos colocar no lugar, mas a forma como a interacção foi concebida, não nos coloca apenas no lugar, vai muito mais longe do que isso, porque nos faz sentir a principal sensação que sente o protagonista, o cansaço. Não conseguindo transmitir a sensação de frio do mar, o facto de termos de desesperadamente continuar a fazer scroll para nos mantermos à tona, exerce sobre nós uma pressão que aos poucos nos vai aproximando mais e mais da realidade do evento. Se juntarmos a isto o facto da experiência ser bastante aberta, ou seja a morte não chega para todos, nem de todas as vezes, ao mesmo tempo, e o tempo que investimos a resistir ser recompensado em progressão narrativa, torna este trabalho num dos melhores anúncios interactivos que alguma vez experienciei.


Em termos gerais, o anúncio situa-se no âmbito dos comuns PSA que usam o choque como prevenção. Temos visto trabalhos só em video, sem interactividade, que são capazes de ser mais aterradores que este. Mas é aí que julgo que estará a diferença deste anúncio, que não se preocupa com o mero choque ou terror, mas antes com o fazer passar pela sensação real, ainda que simulada. Apesar de curta, fico com a ideia de que quem passar por esta experiência dificilmente se esquecerá dela, nomeadamente quando da próxima vez estiver para entrar num catamarã para rumar ao alto mar. A simulação, a participação interactiva desenhada para atingir as nossas emoções, dificilmente descolará das nossas impressões somáticas nos próximos tempos.

Se ainda aqui estão, e ainda não experienciaram, sigam para Sortie en Mer

abril 21, 2014

Inovando o storytelling nos media interactivos

“CIA: Operation Ajax” é uma obra de leitura digital interactiva com uma forte base de banda desenhada (BD). Lançada em onze capítulos entre 2010 e 2012, não é propriamente uma novidade, mas posso dizer que é a melhor experiência que tive até hoje de BD digital. Através de uma lógica que vai para além do “motion comic” e do multimédia documental, faz um aproveitamento soberbo da plataforma tablet.



Ao contrário dos cd-roms dos anos 1990 “CIA: Operation Ajax” não se perde com deslumbramentos tecnológicos e multimédia, somos transportados para o reino da história que nos é contada, e tudo funciona em seu redor. Uma história centrada num evento político do século XX, o golpe de estado no Irão operado pela CIA em 1953. A obra é uma adaptação do livro “All the Shah's Men: An American Coup and the Roots of Middle East Terror” (2003) de Stephen Kinzer, acabando assim por trabalhar a realidade geopolítca atual que vivemos, em profundidade.

Nesta obra a narrativa é o cerne. Para isso contribui imenso a ideia de focalizar a estrutura narrativa na BD, servindo esta muito bem a progressão. Ou seja, a cada toque nosso sentimos o avanço no interior da estrutura de uma prancha, na verdade o conceito de prancha desaparece, o que temos é um “atravessar” das vinhetas, uma espécie de filme entrecortado, quadro a quadro, com animação e som, e a possibilidade de navegar para trás e para a frente. O conjunto cria uma sensação de leitura fluída, com o tempo controlado pelo leitor, mas com uma direcção narrativa capaz de imprimir ritmos e suspense. A isto adiciona-se ainda uma camada adicional de documentos fotográficos e vídeos de época que podem ser acedidos opcionalmente. Segundo Burwen o objectivo desta camada documental não era o mero aproveitamente técnico, mas tinha como objectivo aumentar o realismo narrativo,
"The features we provide will include anything we can find to augment the story we are telling, and to remind people that this stuff really did happen. That real people with personalities and families were making decisions that made a major impact on the way that we think and live today. To be able to be immersed in a narrative, and to have that narrative infused with evidence like photos or newspaper articles from the period in which the story took place, it adds an element of humanity to the drama and intrigue. I can’t go too far in revealing what we have planned, but I can say that I think it’s very exciting." [Link]
Componente documental multimédia

"Ajax" foi criado pela Cognito Comics, com a plataforma The Active Reader da Tall Chair, que funciona sobre Unity, e esteve 4 anos em produção. Parece exagero mas não é, se pensarmos que como livro de BD é desde logo enorme, com 212 páginas, a partir das quais foram produzidas 6 a 7 mil vinhetas animadas!

O que faz a diferença não é a plataforma, mas o facto da animação/interacção, de grande qualidade, ter sido desenhada quadro a quadro. Aquilo que a Marvel e outros têm tentado fazer, é criar um editor que permita rapidamente transformar pranchas em objectos navegáveis. O que temos aqui é um livro de 212 páginas, totalmente reconceptualizado, ou conceptualizado desde o início, para uma lógica de acesso interactivo, com movimento e som. A cada toque no ecrã avançamos um quadro, por vezes 2 ou 3, ou melhor avança-se uma cena. A progressão não está presa a quadros fechados, mas a ambientes que podem ocupar todo o ecrã (a antiga página) que podem desenvolver-se em vários quadros, ou um mesmo quadro no qual vão surgindo novos elementos, novos balões, etc. Não existem vozes, apenas sonoridade ambiente e música, a história continua a ser acedida através dos balões, base da linguagem BD. Ou seja, "Ajax" é todo um novo modo de contar histórias, porque não é livro nem BD, não é animação nem filme, não é site nem jogo, é um novo modo de contar histórias, é um modo integrado e interactivo, e por isso complicado de descrever sem se experienciar.

Três ecrãs que concorrem para criar uma cena, que é uma página completa.

Visão completa de uma cena que comporta vários quadros sobre um quadro geral.

Como é que surge um objecto destes? O seu principal mentor veio da indústria dos videojogos, Daniel Burwen, que trabalhou na EA e Activision, na área da ilustração. Depois de ter estalado a guerra no Iraque, em 2002, e depois de ler o livro de Stephen Kinzer, Burwen encarou o projecto BD como uma forma de dar voz ao que sentia sobre o assunto. Nesse sentido convenceu Kinzer a avançar com a adaptação do seu livro para BD. Mas em 2010, com o anúncio do iPad, resolveu mudar para o formato digital. O guião ficou a cargo de Mike de Seve que depois foi adaptado para BD por Jason McNamara (The Martian Confederacy, Full Moon). Na ilustração as capas foram feitas por Steve Scott (conhecido por Batman Confidential, X-Men Forever), o design dos personagens foi criado por Jim Muniz (X-Men, Hulk), e Steve Ellis (Iron Man, Box 13, High Moon) desenvolveu um capítulo completo. Burwen refere a propósito da complexidade da integração,
“I think the hardest part was learning how to make comics. Ajax is entirely built off traditional comics, and it’s because the traditional compositions work in print that the animation and interactivity works in the iPad version. Figuring out how to create a compelling animation style that honored the print page legacy was key. It was very easy to over-animate the content, and I discovered it’s a fine line between creating a poor film experience versus a rich reading experience.” [link]
Fluxogramas do design de interacção (a qualidade não é a melhor)

Temos aqui um trabalho movido por uma forte vontade de fazer, de comunicar e expressar, e isso faz mover montanhas. Além disso tenho poucas dúvidas em afirmar que Burwen apresenta nesta obra um talento muito especial no que toca à direcção e design de narrativa e interacção. O trabalho contém uma miríade de componentes de grande qualidade, mas a singularidade da obra emerge da direcção, da forma como foi imprimido sentido narrativo e acesso interactivo ao todo.

O maior problema deste formato de contar histórias é que uma produção com este nível de detalhe e qualidade fica muito cara. Se a produção de BD já é hoje considerada cara e de difícil rentabilização, muito por conta do online (pirataria), quando entramos neste detalhe multimédia os preços disparam, tal como diz Don Norman, “What is the future of the book? Very expensive.” Inicialmente cada capítulo era vendido por $7,99 mas recentemente o projecto foi colocado na íntegra grátis na AppStore. Este projecto acaba demonstrando várias coisas, essencialmente que a criatividade e imaginação conseguem ir muito além daquilo que por vezes temos acesso no mercado, mas que a inovação por si só não chega, é preciso que o mercado esteja pronto para a receber.

Trailer

Podem descarregar a obra, para iPad e iPhone, completamente gratuita, na App Store (484 mb).


Links de Interesse
Do comic para a animação interactiva, in Virtual Illusion
Comunicação visual digital, in Virtual Illusion
Brandon Generator, animação interactiva online, in Virtual Illusion
Reinventing the Graphic Novel for the iPadpalestra de Daniel Burwen no SXSW 2012
Narrative Mechanics - The Elements and Spaces of Interactive Storytelling, [Slides] Palestra de Daniel Burwen na React 2013

março 25, 2014

Design de interacção em "Her"

aqui escrevi a propósito de “Her” antes, tendo falado exclusivamente sobre o seu tema e conflito, a Inteligência Artificial (IA) e os potenciais impactos desta sobre a humanidade. Agora venho falar sobre um outro aspecto que esteve comigo ao longo de todo o visionamento do filme, o design de interacção.




Como tinha falado nesse primeiro texto, Jonze optou por apresentar um futuro bastante naturalista, isto é sem grandes transformações operadas pelas possibilidades tecnológicas, ao contrário da tradição que vem de Metropolis ou Blade Runner. Essa foi uma decisão que acabou por ser muito determinada pelo designer de produção KK Barrett, que já trabalhou anteriormente com Jonze (Being John Malkovich, Where the Wild Things Are) e Sofia Coppola (Lost in Translation, Marie Antoinette), tendo chegado a consultar alguns conceituados designers como Stefan Sagmeister, Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio. E assim é muito interessante seguir uma entrevista dada por Barrett à Wired, onde ele começa pela principal grande questão por detrás do design do filme: “In a world where you can buy AI off the shelf, what does all the other technology look like?

Ou seja, é preciso repensar o ecossistema humano e projetá-lo num futuro mais ou menos próximo, capaz de expressar a ideia de ter decorrido progresso tecnológico. E se na Ficção Científica este futuro costuma ser altamente saturado com enorme presença de luzes, ecrãs, movimento (Minority Report, The Fifth Element), em "Her" temos exactamente o contrário de tudo isso. A ideia foi antes pensar em tudo aquilo que a IA poderia simplificar nas nossas vidas, o inverso de um progresso multi, poli, um mundo de tranquilidade, passividade e serenidade. A ideia que subjaz a esta inversão é o mais interessante de tudo, porque se sustenta numa abordagem da tecnologia ao serviço do humano, e não o seu inverso, como tem vindo a acontecer.

Deste modo aquilo que “Her” trabalha estética e tematicamente, do ponto de vista da tecnologia, é o design da sua invisibilidade e nesse sentido acaba por ir de encontro aos princípios de transparência do design de interfaces acabando por depois extravasar para todo o design de interacção e de experiência. De todos os elementos principais do filme, Samantha, a personagem que serve o papel de assistente pessoal artificial de Theo, e que dá o título ao filme “Ela”, é aquele em que estes princípios foram mais cuidados. Esta personagem no filme possui apenas uma interface ou forma de expressão, o som, a voz, ou seja mais transparente era impossível. O filme foge da sua representação visual e física. Pode estar espalhada pela casa, mas o mais comum é estar no auricular, acabando por ser uma voz que apenas ouvimos, residente num ciberespaço sem representação física nem expressão visual. Theo entra em comunicação apenas ativando o auricular, para o espectador é como se a voz estivesse sempre ali presente, num acesso directo entre “mentes”.

Isto leva-nos a outras preocupações, como deve agir a persona (personagem) que continua a ser uma máquina, ou seja como se desenha aqui a interacção humano-computador além da interface, nos seus aspectos de interacção e experiência? A forma escolhida foi aproximá-la do ser humano, o que é a abordagem mais natural, já que quanto mais humano mais transparente, porque mais familiar para nós. Mas existe aqui uma questão que o filme acaba por abordar no final, sendo a IA tão desenvolvida, com uma inteligência elevadíssima e com um acesso quase instantâneo a toda a informação que existe em rede, isto obriga a proceder ao inverso do design de interacção que temos feito até aqui.

Cartoon que me foi enviado no dia do pai, mas que dá conta da questão central por detrás do design de interacção humano-computador, que assenta na procura pela emulação do ser-humano no computador.

Ou seja, até aos dias de hoje, temos procurado sempre emular nas máquinas as atitudes do ser-humano, para criar o máximo de empatia na relação e assim gerar uma interactividade capaz de se aproximar do processo de conversação humana, mas como a IA está ainda pouco desenvolvida, somos obrigados a desenhar quase tudo passo por passo, o que lhe dá um ar mecânico, robotizado. Ora aqui temos o contrário, uma IA tão desenvolvida, que vai obrigar a desenhar passos intermédios na sua capacidade de acção para que ela corresponda ao que o ser humano espera, para que seja transparente e invisível a tecnologia, levando-nos a acreditar que se trata de outro ser-humano. Como Barrett diz,
“…you don’t want a machine that’s always telling you the answer. You want one that approaches you like, ‘let’s solve this together.”
Assim podemos dizer que em termos de design de interacção o filme acerta completamente no que devemos esperar do futuro da tecnologia, já quando entramos no design da experiência, tenho muitas dúvidas, e quase certezas de que o filme está muito longe daquilo que virá a existir. Porque não será isto que o ser-humano vai desejar em termos de experiência, estou a referir-me concretamente ao facto da máquina, o outro que é agora um “ser” dotado de “consciência” gerada por IA, se comunicar conosco apenas através de um único canal perceptivo, a audição. Somos dotados de uma percepção da realidade que se subdivide em cinco sentidos, tendo começado por dar quase atenção exclusiva à visão, depois adicionámos a audição, e mais recentemente introduzimos o tacto com os ecrãs de toque. Ou seja, se hoje conseguimos criar uma experiência que nos envolve por três canais distintos, porque razão haveríamos de andar para trás e voltar a ter apenas um canal novamente?

Aliás, foi isso que mais dúvidas me deixou em toda a relação entre Samantha e Theo, por mais que eu tenha desejado entendê-la, achei-a sempre demasiado distante. Um canal sensorial apenas, não é suficiente para criar o engajamento necessário, fica-se num nível de abstracção demasiado grande. Torna-se impossível atribuir uma identidade concreta a Samantha, quem é ela para além da voz? A voz é sensual, mas pertence a quem? Como identifico o “outro” apenas por detrás de uma voz? (Senti algo parecido com os videojogos em primeira-pessoa, em que o protagonista não tem corpo porque é apenas uma câmara, e como tal fico sem personagem com quem empatizar.) Porque tudo isto se joga, sempre que precisamos de desenhar relações entre humanos e não-humanos. Sabemos que a forma de facilitar essa relação é desenhar a máquina com a forma mais humana possível, já que não existem seres humanos constituídos apenas por voz.

Além de Samantha, temos toda uma outra quantidade de problemas que não são abordados no filme, que cria aquela ideia de que quase tudo pode ser feito apenas por meio da voz, do som. Barrett fala na ideia de que o som passe a representar a nova Realidade Aumentada, em vez de sobrepormos imagens à realidade, sobrepomos o som. O que é interessante, não digo que não é, mas uma coisa é ter acesso a informação textual por voz, outra é trabalhar informação gráfica, visual, apenas por meio de som. A voz pode dar-me informações sobre o local em que estou, mas o modo como ganho compreensão desse local, é muito diferente se puder ter acesso a um mapa do espaço que me enquadra no contexto geral do lugar. Ou seja, o problema do som, é que é um canal muito mais limitado, possui apenas um fluxo de transmissão e em modo contínuo, não posso fazer pausa e ficar a investigar o conteúdo, o que o torna muito difícil de ser trabalhado em termos de elementos de contexto.

Aliás neste sentido os videojogos que Theo joga acabam sendo mais realistas, talvez também porque se tenham distanciado muito pouco daquilo que hoje já é possível fazer. A única parte verdadeiramente interessante dos videojogos de "Her" foi a IA do pequeno personagem, aplicada no sentido de lhe atribuir uma pré-consciência. Ele não é um mero boneco ali à nossa espera, conversa conosco, chateia-se conosco e chama-nos nomes. Mas isto foi muito pouco explorado pelos designers do jogo. Em certa medida o design dos jogos foi feito à margem do design do filme e isso acaba por se tornar evidente.

Apesar desta minha visão menos concordante, continuo a pensar que "Her" é um excelente filme, procurou dar respostas seguindo caminhos diferentes, propondo novas possibilidades. É um filme inteligente, reflectido e que vale a pena ser visto e revisto, porque vai continuar a ser capaz de despertar muita discussão durante os próximos anos.

dezembro 26, 2013

Além dos Múltiplos Finais

“Beyond: Two Souls” (2013) é um videojogo de David Cage e isso fica bem evidente pelo modo como a fusão entre história e jogo é trabalhada, nomeadamente pelo uso de longas cutscenes e múltiplos finais, assim como pelo uso de ambientes e personagens melodramáticos à lá Hollywood. No campo temático, a morte volta a estar presente, mas desta vez a reflexão é sobre o que está para além desta. Interrogações despoletadas pela perda de alguém muito próximo de Cage que não encontrando respostas na religião resolveu escrever um videojogo para verbalizar aquilo que sentia.



Cage pretendia que nos questionássemos sobre a morte, sobre o além, mas para o fazer optou por evocar o fantástico. A morte que era também um tema forte em "Heavy Rain" (2010), era vista mais como consequência, ou seja analisada a partir das emoções e sentimentos de quem fica ("o pai que perdeu o filho"). Aqui a morte é o motivo principal, não interessando tanto as suas consequência sobre os vivos, sendo visualizada através de um canal de acesso proporcionado pelo paranormal. Nesse sentido, quando comparado com "Heavy Rain" perde em capacidade de nos demover emocionalmente, já que se afasta do reduto da objetividade, evocando abstrações e premissas com as quais podemos não estar de acordo e assim falhar a ligação empática. Para agravar a abordagem por via do paranormal, o tratamento dado ao conceito de morte não é propriamente muito elaborado, já que as posições apresentadas são bastante simplistas, trabalhando ideias do senso comum sobre a morte e o chamado além.

Apesar do tratamento dado ao tema não estar dentro do meu comprimento de onda, o trabalho da equipa da Quantic Dream é soberbo no que toca ao desenvolvimento de toda a experiência de interação e storytelling. Cage passou a última a década a trabalhar esta mescla, e tem melhorado de jogo para jogo. Beyond apresenta nesse campo uma evolução significativa, porque simplificada, e muito mais próxima das ações narrativas que em qualquer jogo seu anterior. Deixámos de ter de cumprir repetições de cores no ecrã (uso da interface do jogo “Simon Says” em “Fahrenheit”, 2005), assim como deixámos de tentar imitar as ações visuais no analógico que tornavam a nossa ação complexa e mais centrada sobre si própria do que sobre o que decorria no espaço diegético (em “Heavy Rain", 2010).

Em Beyond, Cage conseguiu encontrar formas simples, como por exemplo através da câmara lenta consegue conduzir-nos a realizar ações sem qualquer suporte visual informativo no ecrã. Por outro lado, o fato de um dos personagens ter uma condição fantástica e fantasmagórica, com ausência de peso, ajudou a construir toda uma interface muito mais próxima das convenções de jogo, embora sempre com um tratamento muito “realista” conferido pelo constante tremer da câmara e alguma latência na resposta às nossas ações.

Posto tudo isto, interessa-me agora analisar em maior detalhe o tratamento realizado sobre o storytelling interactivo. Se nos jogos anteriores Cage se baseou muito nos múltiplos personagens fragmentando a perspectiva mas ampliando a abordagem da mesma, aqui deixou tudo isso para trás. Talvez Cage tenha receado adicionar confusão ao facto de já termos de controlar dois personagens durante quase todo o jogo (Jodie e o seu “amigo imaginário” Aiden), mas na verdade o que acaba por fazer é tornar muito mais forte a nossa ligação com  a personagem de Jodie, já que Aiden nunca é suficientemente caracterizado para ganhar autonomia face a Jodie, tirando o final do jogo.

Mas se no caso dos personagens jogáveis a opção assentou na focagem e concentração num único protagonista, fortalecendo a nossa ligação, já no caso do fechamento da narrativa, Cage optou por manter os tradicionais múltiplos finais. Muito sinceramente, por mais que procure compreender o que se pretende com o desenho de vários finais, não consigo atribuir-lhes lógica nem mais valia. Tenho cada vez mais a certeza de que estes apenas acontecem porque tecnologicamente é possível, e porque o público tem essa expectativa. De resto, nada nesta obsessão pelos múltiplos finais faz sentido. A começar pelo próprio David Cage quando diz,
“Play it once and then don’t replay it. You can if you want, but I think the best way to experience the game is really to make choices and then never know what would have happened if you’d made a different choice. Because life is like this, and Beyond is the life of Jodie Holmes.” [link]
Percebo e concordo, mas se é assim que quer que joguemos, porquê criar os múltiplos finais. Isto é um videojogo, e se é possível tecnologicamente criar múltiplos finais, assim como aceder a eles, não é expectável nem lógico, pedir às pessoas que experienciem apenas um final. A curiosidade é a alma do ser humano, é impossível jogar um jogo destes e não querer saber como acabaria a história se tivesse tomado outra decisão. Aliás basta refletir um mínimo sobre isto para perceber que é exatamente esta mesma curiosidade que faz com que as Sequelas e Prequelas tenham tanto sucesso. As pessoas querem saber, porque faz parte da lógica do storytelling. Enquanto contadores de histórias passamos todo o tempo a convencer as pessoas de que aqueles personagens são importantes, desenhamos formas de gerar empatia, e no final pedimos-lhe que esqueçam!? Cage diz ainda,
“For me, it’s more interesting to have players defining the life of Jodie – this is your version of the life of Jodie. And you can talk to other people and see their versions, and compare what you did, what you missed, what you saw, but never know what would have happened if… I think that’s the beauty of the thing.” [link]
Isto é um paradoxo. Pedem-me que construa a personagem, mas depois pedem-me que a limite, que a castre na sua amplitude. Se é minha, quero saber tudo o que ela pode ou poderia fazer. Julgo que é aqui que está o grande erro de toda esta abordagem aos múltiplos finais. É de uma ingenuidade descomunal acreditar que se pode dar um bombom a uma criança e depois se pode pedir de volta a meio. Não faz o menor sentido, porque a Jodie não é criada por mim, é uma criação de Cage, que eu quero conhecer, quero saber mais. Não quero ser eu a construí-la, a dar-lhe vida, eu quero apenas participar da sua vida, inteirar-me do que ela é capaz, ajudá-la, acompanhá-la, ser co-responsável pelas suas ações mas não quero ser eu quem decide por ela. A Jodie é uma pessoa, tem uma personalidade, tem uma identidade, a Jodie não sou eu. Apenas me identifico e empatizo com ela, sinto com ela e sinto por ela, mas não me sinto ela.

Neste sentido, a Jodie deve tomar as suas decisões, deve principalmente decidir como termina a sua história, e não eu ("Beyond" tem pelo menos 10 finais marcadamente distintos, e com pequenas variações pode ultrapassar os 20). Faz sentido eu decidir se o meu personagem morre ou vive no final de um videojogo? Eu quero viver uma história, não quero contar uma história.


Apesar das objecções e problemas levantados, "Beyond: Two Souls" é um videojogo com vários momentos inesquecíveis tanto no campo emocional como estético, e por isso é um dos meus videojogos de 2013.

dezembro 10, 2013

Luxuria Superbia, interatividade sensorial

Luxuria Superbia (2013) é um videojogo experimental criado pelo coletivo Tale of Tales que procura testar os limites da estimulação sensorial por meio de quatro vetores: movimento hipnótico, a cor, a música, e o toque proporcionado pelas interfaces tablet. Ao contrário de muito experimentalismo é fácil envolver-se com o mundo de Superbia, e a razão para tal prende-se com os objetivos estipulados pelo coletivo desde o início, a busca pelo belo (como nos disseram na Videojogos 2013). Este trabalho acaba por me marcar bastante, nomeadamente porque me fez recordar e refletir sobre várias coisas que tenho feito ao longo dos anos na área dos media interativos.


Assim e começando pelas recordações, Superbia fez-me recuar mais de 15 anos no tempo, aos meus primeiros trabalhos com a interatividade, nomeadamente uma obra que realizei como trabalho de curso, denominada "Sonhar o Real, com Emoção" (1998). Nesse trabalho procurava desenvolver um ambiente tridimensional animado, com camadas de interatividade, que pudessem estimular emoções específicas nos utilizadores. O objetivo como diz o título, era estimular um impacto sensorial forte, ao ponto de fazer as pessoas sonharem acordadas. Nessa altura tive imensas dificuldades para levar o conceito até ao fim, primeiro técnicas, e depois conceptuais. O 3d que podia produzir em 1998, com a qualidade final que queria e em tempo-real, era de todo impossível, por outro lado as ideias para levar avante o objetivo foram sempre muito difíceis de conter e domesticar num âmbito encerrado de narrativa com três atos. Olhando para Superbia posso dizer que este encarna tudo aquilo que eu gostaria de ter feito para esse trabalho. A facilidade com que nos envolve por meio do movimento e estética visual, cria progressão e gera um mundo próprio sempre em total consonância com a interação e narração atmosférica, é extraordinário.

"Sonhar o Real, com Emoção" (1998) de Nelson Zagalo e Luís Mouta

Nesta busca experimental pela estimulação do belo puro, capaz de nos levar ao orgasmo estético, como nos disse Samyn em Coimbra, os Tale of Tales acabam por evocar os elementos principais e fundamentais do ser feminino. A noção de beleza que emerge da sua busca assenta totalmente na sensualidade feminina, e esta abordagem mais uma vez não me é de todo alheia. Quando andei a desenvolver o meu protótipo Emotion Wizard, no final dos estudos que fiz sobre a estimulação de emoção humana percebi porque razão a publicidade recorreu, recorre e continuará a recorrer a uma estética altamente sexualizada. Porque se queremos produzir em alguém uma forte sensação emocional, e uma sensação positiva de êxtase face ao que se está a experienciar, a forma conceptual mais concreta e por outro lado formal mais simples de o fazer, é por via da estimulação da libido. A razão é simples, a necessidade sexual está no patamar das necessidades humanas mais básicas, ao nível da alimentação, e por isso tudo o que estimule essa vertente provocará reações fortes, e assim inesquecíveis nos receptores.

Neste sentido, o uso da sexualidade per se teria pouca relevância já que a poderíamos catalogar como grau zero da estimulação estética, mas o que ganha verdadeira importância é o modo abstrato e invulgar como os Tale of Tales o conseguem fazer. O desenho do prazer feminino é feito com base numa componente visual interativa que assenta num túnel que se movimenta em profundidade e continuamente ao longo de todo o jogo, obrigando o jogador a interagir com este, simulando uma espécie de interação masturbatória feminina. Para credibilizar esta interação, uma camada de narração ou incitação atmosférica é sobreposta às nossas ações, que nos leva a agir, a manter a ação, e por sua vez ilumina o sentido da gratificação e recompensa do jogo.

Luxuria Superbia cria um espaço virtual constituído por vários pilares que simbolizam cada um dos jardins nos quais podemos entrar e completar os objetivos propostos. Completado cada jardim, a cor preenche o pilar e chão adjacente. O jogo termina quando todo o espaço virtual estiver pintado.

Superbia poderia ter sido tudo isto mantendo-se completamente experimental, mas os Tale of Tales preferiram optar por criar um enquadramento de videojogo com níveis definidos, objetivos de curto, médio e longo prazo, para assim desenvolver uma linguagem mais convencional e reconhecida pelos jogadores. Se por um lado esse enquadramento está bem executado, julgo que acaba por fazer o jogo perder em termos emocionais, e assim em termos conceptuais. Isto porque a partir do momento em que sentimos que estamos a interagir para atingir mais um objetivo proposto pelo jogo, a ligação sensorial esmorece, e a nossa emocionalidade dá lugar à racionalidade. Nesses momentos, a imersão falha e o artefacto como mero objecto digital emerge. De qualquer modo não censuro o coletivo já que criar uma experiência deste género. sem um enquadramento concreto, obrigaria a criar um objeto sem contornos definidos para o utilizador, o que contribuiria para diminuir a importância da obra como um objeto coeso e uno.


A experiência é curta, mas para quem ande à procura de novas experiências nos videojogos é mais do que recomendada. De qualquer modo aconselha-se vivamente que o façam em tablet, já que a interação está completamente desenhada para uma manipulação direta com os dedos.

dezembro 06, 2013

"Brothers: A Tale of Two Sons" (2013)

Uma experiência sublime! Ao terminar o jogo, senti um frisson tocar-me o coração, e uma lágrima saiu. Sem dúvida um dos jogos mais emocionais que alguma vez joguei. Resolvi então aprofundar a razão deste sentimento, descrevendo o design por detrás do jogo, num artigo para a revista VIRAL.


Podem ler "Interatividade expressiva no storytelling de 'Brothers'", artigo completo online. Vale a pena ainda visitar a página do fotógrafo Dead End Thrills com arte do jogo.

março 25, 2013

Curso de Criação Hipermedia

Este ano, em Julho, irei fazer um pequeno curso de especialização em Criação Hipermedia. Será uma espécie de Escola de Verão focada no campo do Design de Interacção. O repto para criar este curso veio da parte do colega Paulo Ranieri da Universidade Mackenzie, São Paulo. A especialização irá ter creditação de ECTS por parte da Universidade do Minho.

Diagrama do Design de Interacção de Bill Verplank

O curso que preparei para este efeito, fará um abordagem ao design de interacção a partir de uma perspectiva bipartida assente na Narrativa e no Jogo. A minha intenção é preparar as pessoas para abordarem a interacção de uma perspectiva afectiva, capaz de desenvolver fluxos empáticos e consequentes. Ou seja, o que procuraremos aqui será ir além da mera interação orientada à tarefa, e assim dar corpo e autonomia à interactividade, para que esta ganhe sentidos próprios.


Mais informação sobre o conteúdo do curso e inscrição, pode ser vista em http://hipermedia.engagelab.org.

novembro 24, 2012

Brandon Generator, animação interactiva online

The Random Adventures of Brandon Generator (2012) é um trabalho de ficção colaborativa produzido pela Microsoft para promover o Internet Explorer 9 e o HTML5. A Microsoft juntou talentos incontornáveis em várias áreas, Edgar Wright na escrita, Tommy Lee Edwards na ilustração, Scott Benson na animação, Julian Barratt na narração e David Holmes na música e criaram um artefacto online memorável.


É difícil definir exactamente o que é Brandon Generator. Wright define-o como um "crowd sourced animated film", enquanto Tommy o define como "interactive online animated graphic story". Julgo que ambas as designações estão correctas. Em termos de trabalho audiovisual temos uma animação com sabor a motion comics, mas mais elaborada do que isso. Ao contrário dos motion comics, em que o trabalho provém de ilustração previamente impressa, aqui tudo foi desenvolvido para este formato final. Como diz Tommy o objectivo passou por "elevar o modo como as histórias são contadas online".


O que posso dizer é que esse objectivo foi conseguido em toda a linha, nomeadamente no campo estético. A ilustração de Tommy com toque Marvel é de todos o que mais se evidência, e controla grande parte da nossa relação com o artefacto, por outro lado a animação simples de Benson cria um ritmo específico para o universo narrativo que é depois fortemente suportada pela belíssima narração de Barrat e a música de Holmes. Ou seja, se o artefacto funciona é porque nada foi deixado ao acaso, a Microsoft não se ficou pela simples vontade de criar um trabalho demonstrativo da tecnologia, mas quis investir na criação de algo capaz de ficar na história da ficção online.


No campo interactivo, apesar de existirem algumas interacções possíveis com cada episódio, a interatividade joga-se quase toda no plano da comunicação assíncrona com a ficção. Ou seja, no final de cada episódio os espectadores eram convidados a participar, escrevendo trechos de continuidade para o episódio seguinte, desenhando elementos para fazerem parte do universo gráfico, ou deixando mensagens telefónicas para o personagem principal que depois poderiam entrar na banda sonora do episódio seguinte. Tudo isto era depois assimilado pelos criativos para fazer evoluir a história e a animação no sentido da participação deixada pelos milhares de espectadores. Consequentemente os espectadores sentem-se envolvidos na narrativa, a sua participação origina consequências reais sobre a narrativa. A participação contrói-se a partir de uma parceria real entre os criadores e os receptores, colocando-os num plano horizontal criativo, elevando fortemente o envolvimento de todos.





Imagens que mostram arte produzida pelos participantes, e na última imagem os nomes dos vários contribuintes só do episódio 3.

A história de Brandon Generator anda à volta do bloqueio criativo o qual leva um escritor a desmaiar de cansaço, quando este acorda descobre que todo o trabalho foi feito enquanto esteve inconsciente. E aqui começam as interrogações, quem terá feito as misteriosas contribuições, quem terá deixado as mensagens no gravador, quem terá desenhado no seu caderno de notas. A narrativa está brilhantemente desenhada no sentido em que a interacção do espectador está em sintonia total com o conteúdo da história, permitindo que cada elemento narrativo que nós acrescentamos enquanto espectadores possa fazer parte daquele universo sem propriamente o distorcer ou corromper. Wright conseguiu assim criar, nas suas palavras "an internet head trip where the users become co-writers, where they can help Brandon or punish him". Na minha interacção com o trabalho aconteceu algo interessante que me levantou algumas questões, sobre tudo isto. No final do ep1 deixei uma contribuição escrita para uma potencial continuação que não se revelaria muito distante daquilo que depois vi acontecer, em traços muito genéricos é claro. Aqui fica o escrevi,
"One day, the lack of coffee, made Brandon go out, in search for a coffee shop. In the walking he found a beautiful a girl. They took a coffee together, they laughed, and then he disappeared... "
Esta imagem aparece apenas no Episódio 3

Esta pouca diferença, levou-me a questionar sobre o poder do escritor e criadores para nos sugestionarem. Ou seja, até que ponto a nossa participação é de algum modo fortemente condicionada por aquilo que acabamos de ver. Somos enredados pela atmosfera, pelo personagem, e talvez dada a qualidade da imersão narrativa criada pelo trabalho somos como que conduzidos para um determinado universo ficcional do qual dificilmente nos conseguimos desprender. Continuamos a ter liberdade, mas somos sugestionados a pensar a dentro de um determinado quadro de convenções, o que homogeneíza os discursos!


Em termos de desenvolvimento, o trabalho web foi desenvolvido pela LBi, e no site de making of é possível obter mais informação técnica sobre o HTML5, CSS3 e Js usado. Mais interessante de tudo é a afirmação de Tommy a propósito de tudo isto quando ele diz "This whole thing would not exist without the internet." e suporta a afirmação referindo,
"Not only is Brandon Generator co-created by the online community's input, the whole process of creating the finished project is quite virtual. I live in rural North Carolina, where I storyboard, illustrate, design, and direct the animation for Brandon Generator. My CG modeling team (Don Cameron & Daryl Bartley) are in Los Angeles. Scott Benson handles all the animation and composite After Effects work up in Pittsburg. But through using skype, our smart phones, email, and various file-sharing methods, the four of us work hand-in-hand to create a seven or eight minute animated film. Edgar spends most of his time between Los Angeles and London. Same with composer David Holmes I think. Al the sound guy is British, but I'm actually not sure where he is at the moment. LBi builds the Brandon Generator website and handles all the tech from London. It's quite the little global effort." [link]
Impressiona. O mundo é cada vez mais global porque existe uma rede electrónica que suporta e mantém uma comunicação humana em modo contínuo. E daí que nos vejamos confrontados com a necessidade de repensar os modelos narrativos que temos, repensar não apenas os modelos de produção, mas também os modelos criativos. Não que eu acredite que estes possam transformar-se nos modelos dominantes. Como ainda há pouco tempo aqui referia num estudo de Zac, estamos muito formatados pelo modelo linear de contar histórias. Mas o que Brandon Generator nos mostra, é que a participação assíncrona pode ser um caminho muito interessante a explorar no storytelling interactivo (não que seja uma total novidade, mas está muito bem feito), porque mantemos a estrutura linear tradicional, adicionando uma camada participativa não disruptiva dessa linearidade.

Trailer do primeiro episódio

Experienciem The Random Adventures of Brando Generator, depois percam-se na página do making of.