março 06, 2019

Uriel da Costa (1585-1640)

Uriel da Costa nasceu no Porto, em 1585, sob o nome Gabriel da Costa Fiuza, enquanto cristão-novo. Depois de anos de estudo, incluindo passagem pela Universidade de Coimbra, o desalento com a religião cristã faz com que se converta ao judaísmo e emigre para a Holanda. Se a religião cristã o tinha afastado, o judaísmo de pouco lhe iria valer. Uriel ficaria na história internacional pela luta que empreendeu contra o obscurantismo religioso, tanto cristão como judaico. Na Holanda o impacto com o seguidismo dos escritos enquanto verdade absoluta, faz com que inicie todo um processo de ataque ao status quo, tendo escrito dois livros sobre o tema — "Propostas contra a Tradição" (1616) e "Exame das Tradições Farisaicas" (1623) —, pelo que seria excomungado, e o seu segundo livro queimado publicamente, e condenado a pagar uma multa avultada. Anos depois de viver em isolamento, decidiu volver à congregação, não com verdadeira crença, mas pela insustentabilidade da sua situação. A sua readmissão foi realizada por meio de 39 vergastadas públicas e ainda pelo pisoteamento das pessoas da sinagoga portuguesa de Amsterdão. Tudo isto pode ler-se no seu testemunho final "Exemplar Humanae Vitae" (1640).

Desenho ficcionado de Uriel da Costa ensinando o jovem Espinosa. Espinosa tinha apenas 8 anos quando Uriel morreu, é provável que a revolução que provocou tenha tido influência no pensar Espinosa, de resto não se encontrou qualquer outra ligação entre ambos.
"Aqui tendes a história verídica da minha vida; pus-vos diante dos olhos o papel que representei neste vaníssimo teatro do mundo na minha vida tão vã e instável. Agora, filhos dos homens, julgai com justiça e, despidos de todo o afecto, com isenção, proferi a vossa sentença conformemente à verdade, que isto é, sobre tudo, digno de homens que são verdadeiros homens. E se alguma cousa encontrardes que vos force à compaixão, reconhecei e deplorai a desventurada condição humana, de que também vós participais. E para que nem esta circunstância fuja ao vosso conhecimento, ficai sabendo que o nome que eu tinha quando cristão em Portugal, era Gabriel da Costa; entre os judeus para o meio dos quais oxalá eu nunca tivera vindo, fui, com leve alteração, chamado Uriel." Último parágrafo de "Exemplar Humanae Vitae", na tradução do latim de A. Epiphanio da Silva Dias
Cerimónia de Inauguração da Grande Sinagoga Portuguesa em Amsterdão, Holanda, 2 de Agosto,  1675

O livro "Um Bicho da Terra" (1984), de Agustina Bessa-Luís, procura ser uma biografia romanceada da vida de Uriel da Costa, mas apresenta enorme densidade de factos, dando conta de maior preocupação em não se desviar da realidade, do que em dar a conhecer a pessoa por detrás do mito. Agustina realiza um trabalho agarrado à cronologia, esquecendo que as pessoas são feitas de ideias e não de espaços ou datas. Falta uma ideia ou núcleo de suporte à intenção do livro, o que faz com que o relato faça tudo parecer mero sucedâneo de eventos. O romancear não funciona não apenas pela torrente de factos, mas também porque Agustina está mais centrada no detalhar do contexto do que em dar vida às ações dos seus personagens, por outro lado a biografia perde-se porque o relato sofre do tom da inverosimilidade própria do romance.

O título da obra de Agustina é a tradução de um pseudónimo usado por Uriel, Adam Romez (bicho da terra).

Quanto à veracidade do que é dito, dizer que Agustina fez um grande trabalho de investigação, contudo esse trabalho acabou sendo ultrapassado pela investigação posterior. Desde logo a capa do livro e o texto, fazem referência à proximidade entre Uriel e Rembrandt, lançando da suposição de que a pessoa no quadro "Philosopher in Meditation" (1632) poderia ser Uriel. Ora os mais recentes estudos em volta do quadro dizem-nos que a pessoa nele não deverá ser sequer um filósofo, mas apenas um homem idoso sentado à janela, tanto que o título é hoje bastante contestado, não sendo sequer o original da obra.

A obra de Agustina não é a primeira sobre Uriel, nem a última, já que data de 2012 o livro "A Figura de Uriel da Costa na Obra de Karl Gutzkow" (632 pp.) de Rogério Paulo Madeira. No ano anterior, 1983, o académico francês Jean-Pierre Osier publicava "D'Uriel da Costa à Spinoza" (299 pp.), e bastante antes, em 1922, Carolina Michaëlis dedicava todo o estudo académico, "Uriel da Costa: notas relativas à sua vida e às suas obras" (180 pp.). Anteriormente a estes trabalhos académicos, podemos encontrar, em 1847, uma peça de teatro "Uriel Acosta: a tragedy in five acts" por Karl Gutzkow, e em 1880, uma ópera, "Uriel Akosta" de Valentina Serova.


Mais alguma informação online:
Ushi Derman, Uriel da Costa: the Story of a Nonbeliever, December 19, 2018
Arlindo Correia, Uriel da Costa, 12.9.2006
Wikipedia inglesa e portuguesa

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