junho 22, 2017

A Irrealidade da Cor

A colorização fotográfica sempre existiu, em processos muito diferentes, mas a verdade é que nunca nos demos por satisfeitos com os primeiros processos de impressão e registo da realidade. Se a forma e a luz superavam o realismo da pintura, a ponto de a obrigar a mudar de registo para se afastar da imagem captada pela máquina, a ausência de cor manteve sempre estas fotografias num domínio de mero quase-real. A fotografia a preto-e-branco não regista tudo aquilo que vemos e é exatamente por isso que se procura a colorização.



Apesar deste reconhecimento, a elite do mundo da arte fotográfica não vê com bons olhos o processo de colorização, nunca o viu, e para isso apresenta algumas razões. A mais consentânea diz respeito à manutenção da integralidade do estado da obra aquando a sua produção, o que é inquestionável. O problema é que este é talvez o único ponto em que podemos dar razão a quem defende a não colorização, mas mesmo fazendo-o não quer dizer aceitar que não se possam fazer experimentos, transformações, remixes de trabalhos do nosso passado, que nos permitem ver para além daquilo que é visível na obra.


Acima o processo artístico de colorização, abaixo, processos de automatização da colorização, potencialmente baseadas na gradação das próprias imagens. Como facilmente se pode depreender, a colorização é em si mesmo uma arte, a resultado final não é uma fotografia colorida, mas uma nova fotografia. (Ver o vídeo abaixo)

O facto principal que norteia toda esta raiva contra o processo de colorização vem desde o início da aceitação da fotografia enquanto arte. O simples facto de não possuir cor garantia à fotografia o registo de realidade não-real porque sem cor. Ora a partir do momento em que se lhe adiciona a cor a fotografia passa a confundir-se mais e mais com a realidade, abandonando o espectro formal, aproximando-se do mero registo de realidade. Esta revolta não aconteceu apenas na fotografia, já tinha acontecido no cinema, antes mesmo da cor chegar, com a chegada do sonoro.

Mural baseado na técnica “trompe l’oeil”, por John Pugg

Com o tempo tudo passa, como na pintura também passou o “trompe l’oeil”. Por mais que se queira a arte nunca se poderá dissociar da realidade em que vive e que procura desalmadamente dar a reviver. Por isso todos os discursos contra os processos de colorização fotográfica, ou cinematográfica, são desculpáveis mas são também minoráveis. Se dúvidas houvesse quanto a isto, bastaria pensar nos processos artísticos que se repetem, e refletir que se a pintura conseguiu abandonar a mera tentativa de registar o real para seguir em frente, o mesmo não deixaria de acontecer com a fotografia e o cinema, como já acontece.


Quando a pintura realista se baseia na fotografia (acima) e quando se baseia na realidade (abaixo), porque parece a segunda menos real? A resposta no excelente texto de Tyler Berry no Quora.

A fotografia de hoje, com cor, há muito que deixou de ser mero registo do real. É verdade que passamos os nossos dias a assumir a fotografia como real, tal como fazemos com o cinema e a televisão, contudo as imagens que daí consumimos tem já muito pouco que ver com o real real. O que acontece é que não nos damos conta de tal. Quem pára para refletir sobre o excesso de cor presente nas imagens televisivas, nas gradações tendentes ao azulado e alaranjado do cinema de hollywood, ou nos mundos impossíveis das últimas técnicas de criação fotográfica HDR, para não falar de toda a extra-realidade que a Fotografia Expandida tem aportado ao domínio?

Com e sem HDR

Vivemos numa hiperrealidade Baudrillardiana, o mundo que conhecíamos deixou de existir, porque o mundo que conhecemos existe apenas através da mediação destas janelas que tendemos a acreditar como espelhos fidedignos da realidade.

Desconstrução dos processos artísticos de colorização de fotografia

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