março 03, 2013

as fragilidades do guião de "Django Unchained"

Django Unchained (2012) recebeu o Oscar para melhor Argumento Original, fará sentido? Quando vi o filme a minha principal crítica foi exactamente para o argumento. De tudo o que temos neste filme, é sem dúvida a parte mais fraca. Tanto a história como o discurso estão pejados de clichés problemáticos. Não que dê um grande crédito aos Oscars, mas dado o seu impacto na sociedade, fiquei muito surpreendido com este prémio. Aliás incomoda-me ainda mais porque dá ideia, errada, de que estamos perante um argumento de excelência. Django é um bom filme, mas algo desarticulado com ritmos irregulares tudo assente em problemas de guião, e porquê?


Comecemos pela história. O que motiva todo o desenvolvimento narrativo no filme, não podia ser mais cliché, ultrapassa mesmo este designativo no sentido de ser o cliché mais básico que se possa utilizar na construção de um discurso. O salvamento da amada que está presa nas garras do mais rico e mauzão de todo o oeste! Isto é mau, é muito mau e Hollywood com este Oscar vem carimbar com um selo de qualidade algo que já deveria ter sido banido do discurso cinematográfico. É um discurso saturado, não apenas por ser básico, mas por estar delineado por um machismo ridículo. Já aqui falei a propósito deste viés do storytelling contemporâneo. A mulher surge no cinema como mero objecto, sem nada para dizer ou afirmar perante o mundo. Cabe ao homem afirmar-se, expressar-se, dominar tudo e todos, e levar o seu prémio no final, a mulher.


Podem dizer que isto pretendia apenas ser um revisitar do Western Spaghetti, do anti-herói representado na figura de Django. E eu aceito, mas relembro que já não estamos nos anos 1960. É tempo de evoluir este pensamento. Aliás Tarantino quis evoluir o discurso, mas só o fez num sentido. Fala e bem dos problemas da escravatura pelo tom da pele, mas esquece todos os problemas da escravatura sexual. E isto merece um Oscar para melhor argumento original!

Quanto ao discurso, ou seja a estrutura narrativa, o que Tarantino traz não podia ser mais básico. Se a história não vai além de Donkey Kong (1981), a estrutura não vai além de Prince of Persia: The Sands of Time (2003). Basicamente o que aqui temos é o desenvolvimento de vários níveis subsequentes de obstáculos até conseguir atingir o objectivo final. Cada um desses obstáculos serve para ir adicionando os elementos da história criando o envolvimento com os personagens e trabalhando a sua progressão. Além disso cada um desses níveis vai trabalhando os problemas da escravatura nos EUA, e dando um ar de preocupação mais profunda, além do mero salvamento da amada.






O mais interessante de tudo isto foi que fiquei a pensar se a estrutura narrativa dos videojogos não teria já contaminado o imaginário popular. Até que ponto as pessoas que até aqui consideravam as narrativas dos videojogos básicas com falta de ritmo e envolvimento, não estão cada vez mais formatadas pelas mesmas. Porque estes problemas que identifico na estrutura narrativa de Django, não são exclusivos deste, são vários os filmes que vêm saindo com estruturas similares. Diga-se que é muito mais fácil fazer uma narrativa entre quadros, do que criar uma narrativa una e coesa com ritmo progressivo claro e fluído.

Para quem gostou da abordagem à escravatura feita por Tarantino, veja por favor Lincoln de Steven Spielberg. Por outro lado se este assunto foi determinante para o Oscar, relembro que na corrida a argumento original estava Zero Dark Thirty de Kathryn Bigelow que fala de algo próximo mas muito mais atual, a tortura levada a cabo pelas agências de inteligência internacionais. Ainda assim provavelmente teria optado pelo argumento de Haneke para Amour, por ser muito mais equilibrado, demonstrando um controlo de ritmo narrativo praticamente perfeito.

Sem comentários:

Enviar um comentário