Jonah Lehrer é
Contributing Editor na
Wired, na
Scientific American Mind e no
Radio Lab da NPR. Já escreveu para
The New Yorker,
Nature, Seed, The Washington Post e
The Boston Globe. E finalmente é autor do fantástico livro
Proust Was a Neuroscientist (2007) que nos diz que os artistas já tinham previsto muitas das ideias que a ciência acabou por vir a demonstrar.
O seu mais recente livro,
How we Decide (2009), apresenta a qualidade das revistas/jornais acima referenciadas, e para quem leu o seu primeiro livro, voltará a encontrar a beleza da prosa, da simplicidade, e da enorme capacidade de comunicação de Lehrer. Da minha leitura existem várias coisas que me apetece aqui focar. Existem várias folhas do meu livro marcadas, outras sublinhadas, outras apontadas em ficheiros txt, doc ou com entradas no meu blog. Foi um livro que demorei a ler, porque ia apontando muita coisa. O livro como disse é de digestão fácil, o problema é que nos faz pensar muito sobre o mundo que nos rodeia e como tal acabamos por demorar-nos sobre o mesmo.
Em termos de conteúdo, o que este livro nos traz é uma reafirmação do trabalho levado a cabo por Damásio e
publicado em 1994, e que viria a mudar para sempre o modo como olhamos para o ser humano em termos científicos. Deixámos para trás Platão e Descartes, deixámos para trás o Racional, o Intelectual, o Consciente, e hoje sabemos que se somos a espécie mais avançada à face do planeta, é porque fazemos uso das nossas emoções, porque tomamos muitas decisões fazendo uso da nossa não-consciência, ou do Cérebro Insconsciente como lhe chama Lehrer.
"It's not how the brain works. For the first time in human history, we can look inside our brain and see how we think. It turns out that we weren't engineered to be rational or logical or even particularly deliberate. Instead, our mind holds a messy network of different areas, many of which are involved with the production of emotion. Whenever we make a decision, the brain is awash in feeling, driven by its inexplicable passions. Even when we try to be reasonable and restrained, these emotional impulses secretly influence our judgment." Lehrer em Entrevista
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Ao longo de todo o livro somos levados por um discurso contaminado por estudos desenvolvidos no campo das neurociências, somos levados pelo cérebro adentro. É-nos explicado como funcionam as nossas emoções, como funciona o nosso centro de controlo racional, o córtex pré-frontal. Somos atingidos por neurónios e muita dopamina. O livro abre com várias demonstrações do poder da dopamina sobre o modo como esta nos ajuda a lidar com a complexidade do mundo. Sendo este neurotransmissor responsável por nos transmitir sensações de recompensa, ele é também responsável por desenvolver dentro do nosso cérebro previsões do que vai acontecer.
Seja um filme que estamos a ver e começamos a desenhar mentalmente como vai terminar - quem será o culpado - seja uma jogada de futebol que parte do meio campo até junto da baliza - mas o nosso guarda-redes defende -. A dopamina impulsiona-nos a encontrar padrões sobre o que estamos a ver, e leva-nos a prever como se deverão desenrolar as coisas dentro de cada padrão. A previsão confirmada, liberta grandes doses de dopamina que nos deixa muito satisfeitos, o seu contrário corta a libertação da dopamina que já estava em curso, e deixa-nos frustrados e em baixo.
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A Dopamina sendo responsável pela gratificação, é também responsável por evitar que entremos em frustração, daí que ela nos obrigue a executar a análise de padrões e a busca de possível sucesso. Por isso desenvolvemos em nós um sentimento muito emocional que é caracterizado pelo conceito de Aversão à Perda (falei disto a propósito dos
videojogos). Sempre que perdemos e a dopamina não é libertada, ficamos mal, como tal ao longo da nossa aprendizagem vamos aprendendo a evitar qualquer atividade que possa contribuir para a nossa perda.
Até aqui tudo bem, o problema é que com a evolução da nossa espécie, e com a compreensão destes mecanismos, fomos desenvolvendo mecanismos para ludibriar a dopamina, ou melhor ludibriar as barreira criadas por ela. Dois dos mecanismos mais eficazes nesse logro são o Cartão de Crédito e mais recentemente, o maior responsável pela crise atual internacional, os créditos à habitação americanos,
Sub-Prime.
O nosso cérebro parece ter dificuldade em registar perdas futuras, lida melhor com o presente, com o imediato. Aliás o neuro-economista George Loewenstein da Carnegie Mellon diz que os "
cartões de crédito… anestesiam o nosso cérebro em relação à dor do pagamento".
No fundo o que acontece é que lidamos com a informação em níveis distintos dentro do nosso cérebro, como demonstram os estudos. Um perda imediata, ativa determinadas áreas do nosso cérebro, que fazem disparar de imediato os alertas. Uma perda futura, leva a que o nosso cérebro desenvolva todo um raciocínio sobre esse futuro, criando uma grande abstração em redor da perda, minimizando essa perda.
“Paying with plastic fundamentally changes the way we spend money, altering the calculus of our financial decisions… When you buy something with cash, the purchase involves an actual loss — your wallet is literally lighter. Credit cards, however, make the transaction abstract.”
No caso do sub-prime nos EUA, foi exatamente isto que aconteceu. Vender casas a pessoas sem posses, acenando com dois anos iniciais de pagamentos muito abaixo da prestação real, e depois quando chega a prestação real passados os dois anos é que as pessoas entram em choque, a dopamina dispara e percebem que não podem pagar.
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Aliás isto vem no sentido de um outro conceito desenvolvido no livro, que tem que ver com a racionalização em demasia, e as limitações do nosso raciocínio. Lehrer explica-nos que o nosso Cortex Pré-frontal é muito bom a decidir mas apenas quando a decisão envolve um número reduzido de variáveis. E aqui voltamos à velha teoria psicológica, sempre presente, de que a nossa memória de curto prazo, consegue apenas reter entre 7 a 9 elementos máximo. Ora o que acontece quando temos de comprar um Carro, uma Casa, ou qualquer outro objeto complexo, este possui demasiadas variáveis para analisar, e deste modo acabamos por sucumbir à racionalidade da análise das variáveis, muitas vezes toldando aquilo que realmente seria importante para nós. Demonstrando claramente o alcance do Racional, e indo de encontro à teorização de Damásio, sobre a necessidade do uso da emoção pela razão.
O mesmo acontece na relação com a arte, sendo muito diferente a relação que se estabelece com um quadro ou um filme, quando sentimos essa obra, ou quando nos é pedido para explicar porque gostamos dessa obra. Nos estudos realizados por Timothy Wilson da Universidade da Virginia, ficou demonstrado que as pessoas quando escolhem um quadro por instinto, sentem-se mais satisfeitas com ele passado alguns meses, do que aquelas pessoas a quem se pede que explique a razão da sua escolha antes de levarem o quadro para casa. A racionalização da escolha de algo complexo como uma obra de arte, tolda o nosso córtex pré-frontal, e impossibilita-nos de ver com clareza emocional aquilo que realmente gostamos.
Black on Maroon, de Mark Rothko, 1959
O problema disto é que vivemos numa sociedade, que dita, quanto mais informação melhor. E Lehrer dá exemplos como o dos médicos que se socorriam de MRIs (imagens do interior do corpo criadas por ressonância magnética) para analisar problemas de coluna, cometendo mais erros de cálculo do que aqueles que apenas analisavam os problemas por Raio-X. Ou seja no MRI conseguiam ver na perfeição a coluna, vendo todos os defeitos, deixando de se concentrar no essencial para se concentrar na enorme quantidade de problemas visíveis no MRI. Aliás isto foi demonstrado e levou mesmo a que a Associação de Médicos Americana começasse a recomendar que não se fizessem MRIs à coluna nas consultas iniciais, e que estes se limitassem ao Raio-X.
Outros casos falados no livro são os corretores da bolsa, e a quantidade de variáveis com que têm de lidar, ou os orientadores de carreira, que recebem portefólios tão pormenorizados das pessoas, que acabam por emitir pareceres sem qualquer utilidade. Aliás esta mesma ideia foi já discutida em
Blink de Malcolm Gladwell.
Para resolver esta problemática, Lehrer sugere-nos que para tomar decisões com grande número de variáveis, o melhor a fazer é: “
Take your time, to allow the unconscious brain to digest the overwhelming information”. Porque como ele diz nas suas conclusões finais, nós sabemos mais do que aquilo que pensamos saber. E a melhor forma de libertar todo esse conhecimento é permitir que o Não-Consciente tome decisões também. Mas atenção isto só é válido para quando existe experiência acumulada que só pode ser fruto do investimento de muito tempo e prática. Aliás mais uma vez em sintonia com Gladwell, agora no seu
livro Outliers, quando este refere, que para nos tornarmos verdadeiros experts em algo, precisamos de um investimento médio de
10,000 horas. O interessante em Lehrer, é dizer que este conhecimento está dentro de nós, e que não é possível sintetiza-lo no imediato e de forma racional, porque este está espalhado por zonas do nosso cérebro ao qual o nosso Cortex Pre-frontal não consegue aceder, porque acederá apenas a um numero limitado de zonas para tomar decisões, as tais 7 a 9 possibilidades.
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Dois apontamentos finais, um sobre a distinção entre o -
Conscious Brain (Racional) –
Unconscious Brain (Emocional) e outro sobre a arte do
Learn by Doing.
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Lehrer diz-nos que nos estudos realizados é necessário utilizar pequenos artifícios para “enganar” os sujeitos, ou seja, para os fazer tomar atitudes Conscientes, ou atitudes Inconscientes. Num desses estudos ele refere o seguinte
“… a person would be forced to make a decision using the unconscious brain, by relying on his or her emotions. (Conscious attentions had been focused on solving the word puzzle).” P.233
Isto abre a porta para várias discussões sobre o modo como as emoções são processadas diferentemente durante a experiência de um Videojogo e durante a experiência de um livro ou filme. Deixo o apontamento, e qualquer dia voltarei a ele.
04.2
O segundo apontamento tem que ver com as estatísticas da aviação. Os riscos de acidentes de aviação cometidos por erros dos pilotos desceu drasticamente após a introdução dos simuladores de voo (P.253) nos anos de 1990. Anteriormente à existência desta tecnologia, os pilotos aprendiam por recursos tradicionais de educação, em que os pilotos mais velhos davam seminários. Assim em vez de memorizar as lições dadas pelos pilotos mais velhos, o simulador passou a permitir que os pilotos iniciassem de imediato o treino do Cérebro Emocional. Este treino permite assim uma capacidade de resposta emocional em voo, ao passo que o conhecimento memorizado orbriga sempre a uma reposta racional, muito mais lenta e limitada como já vimos acima.
Para além disto, os pilotos eram levados ao extremo nos simuladores, levados a cometer erros, para que percebessem, mas mais do que isso, para reterem informação emocional do erro e saberem como reagir quando estivessem a pilotar realmente um avião.
Este é mais um assunto que me interessa particularmente pelo modo como se cruza no uso dos videojogos em sala de aula. Ou seja, estes dados dos pilotos, demonstram claramente o que temos vindo a dizer de que muito mais importante que ouvir, ler ou ver, é experienciar, decidir, repetir, repetir, errar, e errar, repetir e acertar. E isto é aquilo que nos vem dizendo
Paul Gee fazendo uso das teorias da cognição situada.