Acaba de ser publicado no Pediatrics o artigo Video-Gaming Among High School Students: Health Correlates, Gender Differences, and Problematic Gaming da autoria de Rani A. Desai, Suchitra Krishnan-Sarin, Dana Cavallo e Marc N. Potenza do Departamento de Psicologia da Universidade de Yale. Um estudo que vem colocar a nu o vazio das acusações de vício e dependência que os videojogos alegadamente criam sobre as camadas mais jovens.
Existe uma crença popular e prevalente sobre uma hipotética dependência e vicio criados pelos videojogos. Já perdi a conta ao numero de vezes que me entrevistaram ou tentaram entrevistar sobre o assunto. Digo tentaram porque dado a falta de nexo da crença por vezes recuso-me falar sobre isso. Entretanto e como não é todos os dias que os nossos colegas do campo da Psicologia nos trazem estudos de suporte resolvi trazer aqui o estudo e falar sobre o assunto.
Os videojogos tal como se pode confirmar por este estudo não possuem qualquer componente capaz de gerar habituação psíquica ou fisiológica na generalidade das pessoas (95% da amostra deste estudo).
Assim à semelhança de qualquer outra actividade cultural ou desportiva posso gostar tanto de jogar videojogos, como de ver cinema, ler romances, ou mesmo jogar futebol, basquetebol ou andar de bicicleta. Então porque raio é que os videojogos têm de ser vistos popularmente como uma “coisa má”, uma droga com efeitos perversos de vício e as actividades que referi acima não têm?
A resposta é bastante simples e está enraizada na nossa cultura e remonta ao jogo em si que diferentemente do brincar implica um acto competitivo e que por consequência oferece recompensas no campo da realização pessoal bastante elevadas. Ou seja, o acto de jogar implica a mobilização de todo um quadro motivacional que vai operar sobre um conjunto de regras e obstáculos erigidos por forma a dificultar a tarefa. A ultrapassagem dos obstáculos realizada através de um trabalho aprofundado no conhecimento e domínio das regras permite que o sujeito se posicione face aos outros sujeitos podendo numa determinada actividade/jogo ser “melhor”, ou mais eficaz, que os restantes. E é isto que vai alimentar a noção de realização pessoal que por sua vez incrementa a auto-estima e que justifica o declínio dos estados depressivos na raparigas que jogam, evidenciado neste estudo.
O problema disto, é que estamos a gerar bem estar nas pessoas através de actividades desprovidas de valor aparente para a comunidade. Ou seja o acto de jogar é por norma não produtivo, está situado num circulo mágico (Huizinga), fora da realidade. Deste modo, facilmente qualquer detractor do jogo dirá que o perigo está à espreita, que as pessoas preferirão jogar a trabalhar, dado as possibilidades de realização pessoal embebidas na actividade. E que isso induzirá a uma sociedade alienada e hedónica.
E este rancor ou barulho de fundo contra o acto de jogar aumenta com a introdução dos jogos de tabuleiro e videojogos, ou melhor, eu diria contra os jogos intelectuais ou sentados. Porque ao contrário das actividades desportivas, ou seja que possuem como motor central de jogo um esforço físico, estas actividades possuem como motor o esforço cognitivo. Ora o esforço cognitivo por não ser visível foi desde sempre considerado como um não trabalho. Ora se não é trabalho, não exige esforço, se não exige esforço pode realizar-se infinitamente, então as pessoas poderiam passar toda uma vida apenas a jogar.
No fundo quem vemos por detrás deste detractor, nada mais que a eterna visão cristã de um mundo oprimido [1]. O ideal de um mundo no qual o sujeito não passa de um peão insignificante à mercê de um destino desenhado por um suposto Deus. Neste cenário qualquer acto de regozijo pessoal é por norma encarado como uma prova da autodeterminação, como um fuga ao controlo de uma entidade suprema, que só ela pode decidir como e quando pode e deve regozijar-se o sujeito. Com isto facilmente se etiquetou desde cedo o acto de jogar como um acto pecaminoso, assim como a ficção dada ao humor e comédia foi metida no mesmo saco.
Deixo a discussão à volta da diferença de género que também é relevante neste artigo para outro texto.
Não me tem calhado muito perguntarem sobre o "vicio" dos jogos, as questões costumam ser normalmente outras. No entanto penso que o facto de termos tido nos anos 90 equipas de marketing a dizer que um jogo quando era muito bom era "viciante" ajudou a em muito a alimentar este bicho.
ResponderEliminarPessoalmente penso que continua a faltar dar um passo muito grande que é o da separação de conteúdos nos retalhistas. Devíamos ter direito a uma prateleira de jogos para crianças, outra para juvenis e outra adultos. Ou então separados por géneros ou classificação etária directa bem assinalada. Isto ajudava o público geral a compreender melhor que os jogos não são apenas um brinquedo colocados todos no mesmo saco, são, tal como os livros e filmes, entretenimento que tem de ser categorizado e direccionado às pessoas correctas.
Nós estudantes de ciências da comunicação, no ano passado fizémos uma reportagem para a cadeira de rádio sobre este tema.
ResponderEliminarO nosso trabalho foi precisamente sobre esta temática.Há que ter uma atenção redobrada por parte dos pais em relação aos seus filhos e há que haver regras como havia para os programas de televisão na década de 70, 80 e por aí aiante. Ana Duarte,Mónica Rodrigues e Inês Aires
Tem graça que ambos os comentários tenham incidido sobre as questões de acesso aos artefactos, enquanto no Facebook se tenha gerado toda uma outra discussão http://www.facebook.com/#!/nelsonzagalo/posts/132372630154972.
ResponderEliminarMostra bem todas as ramificações e implicações do assunto. O que estava em jogo neste estudo não eram os conteúdos ou temas, mas antes a forma ou actividade de jogar.
Quanto ao que se discute concordo com a estratificação por idades. No entanto ela já existe, temos uma entidade europeia a PEGI (http://www.pegi.info/pt/) que regula as classificações e acho que até o faz bem.
A questão está agora do lado dos pais em seguirem ou não essas orientações.
Quanto às regras para TV elas não existiam, elas continuam a existir. Só em Portugal é que parecemos ser de tal modo liberais que nada disso nos afecta. Aliás como acontece com o bombardeamento de publicidade nos canais infantis todos os natais algo proibido há muito nos países mais conscientes do poder dos media.
Assim não basta aos pais avaliarem aquilo a que os seus filhos têm acesso, mas devem também exercer acções de cidadania que exijam uma sociedade mais regulada. Atenção sem fundamentalismos por favor.