junho 07, 2015

"Pac-man" + "Pong" = PACAPONG

Já vem com algum atraso, mas só agora consegui jogar "Pacapong", o videojogo criado por Dick Poelen (31), durante a Mini Ludum Dare 58 (Março 2015). Esta "game jam" tinha como tema de partida, o jogo "Pong" (1972). Poelen resolveu assim criar uma fusão de vários jogos partindo de uma base em "Pong", à qual juntou "Pac-Man" (1980), "Space Invaders" (1978) e "Donkey Kong" (1981).



Em essência a fusão constrói-se apenas a partir de "Pong" e "Pac-man", já que tanto "Space Invaders" como "Donkey Kong" funcionam quase como meros adereços, daí também que o título do jogo faça referência apenas aos dois primeiros. De qualquer modo não deixa de ser um interessante trabalho de apropriação e mescla de ideias, capaz de gerar novas experiências, mantendo vivos os valores de cada um dos elementos originais. Isto é algo a que nos habituámos nas últimas décadas no domínio da música, e mais recentemente com a democratização digital, no vídeo, mas os jogos têm estado algo afastados destas experiências, muito por causa das competências exigidas que começam apenas agora a baixar, com as novas ferramentas de desenvolvimento de videojogos.

Assim para além da nostalgia, "Pacapong" consegue transformar por completo "Pong", diria mesmo modernizar, em termos de complexidade e caos, ao mesmo tempo que converte "Pac-man" num jogo multiplayer competitivo. O ritmo da jogabilidade teria a ganhar com "testing", algo que é difícil de fazer durante uma game jam, porque o atravessamento de pac-man e cada partida, parecem-me ser demasiado rápidos. Funcionam muito bem para garantir o interesse nas primeiras vezes que se joga, mas à medida que vamos jogando com outra pessoa, e vamos interiorizando o potencial das regras do jogo, mais tempo poderia ser benéfico para intensificar a emocionalidade entre os dois jogadores.

Video demonstrativo da jogabilidade de "Pacapong" (2015)

O jogo está disponível gratuitamente para Windows, Linux e Mac.

junho 06, 2015

Em Busca do Tempo Perdido - Volume VII (Fim)

Murakami e Bechdel estavam errados. Murakami considerou que para ler “Em Busca do Tempo Perdido” era necessário que alguma vez nos encontrássemos presos ou fugidos durante bastante tempo (no 3º tomo de "1Q84"). Já para Bechdel, as pessoas atingiriam a meia-idade quando se dessem conta que nunca iriam ler “Em Busca do Tempo Perdido” (em “Fun Home: A Family Tragicomic”). Não sei se foi para demonstrar que não tinham razão, apenas sei que era um título que me acompanhava há décadas, e a curiosidade de saber o que nele se encerrava era tremenda. Por outro lado, como disse na resenha do primeiro volume, há 10 anos que andava a tentar ler o primeiro volume, sem sucesso. Então porque li agora os 7 volumes, as 3200 páginas, em 2 meses? Não tenho explicação, mas arrisco a dizer que talvez tenha necessitado de chegar à meia-idade para ter a calma e tranquilidade necessárias à exigência da sua leitura.


Ao iniciar a leitura deste último volume ganhava uma consciência mais clara das motivações de Proust no encetar desta colossal obra, mas ao chegar a meio do livro as minhas explicações eram não apenas confirmadas, mas aprofundadas pelo próprio Proust que resolve dedicar 20 páginas a explicar o sentido da própria obra. Surpreendeu-me, porque não deixa espaço à interpretação, é muito claro e honesto. Proust arranja uma forma muito directa de explicar o sentido do texto, o sentido da arte, e o sentido de toda a sua vida. É um momento magistral, de reconhecimento do todo, em que as páginas se convertem num espaço-tempo de realidade, deixam de ser mero papel, deixam de ser mera história contada, e passam a fazer parte da nossa vida, enquanto realidade verdadeiramente vivida, porque num tempo resgatado por três mil páginas. É o pináculo de “Em Busca do Tempo Perdido”, em que percebemos o que é o "Tempo Perdido", e com o qual nos "Reencontramos". Muito sinceramente não pensei sequer que pudesse ser explicado, que houvesse mesmo essa necessidade, ou vontade por parte de Proust, mas ali de frente àquelas palavras, tudo ganha uma dimensão nova, uma conexão de enorme pureza com o autor, e que imbuído do facto de já não se encontrar entre nós, gera uma carga de enorme melancolia.

Escrevia então eu, antes de chegar àquele momento de rasgo elucidativo, que Proust vai amiúde deixando as suas notas sobre o valor da arte, nomeadamente a pintura, mas cada vez mais a literatura, da sua relevância enquanto registo e ênfase da realidade vivida de todos os dias. Nesse sentido percebe-se que Proust almejava com esta sua obra criar uma espécie de diário literário do seu mundo, para assim se poder dedicar a “pintar” imagens do mundo em que vivia, legando-as a quem viesse depois. Mas não é um registo de autobiografia que se procura aqui, até porque se vamos sabendo muito sobre a psicologia do autor, nada se diz sobre os seus conhecimentos em concreto, o que sabemos dessa parte está apenas implícito no texto, não sendo atribuído ao narrador/personagem principal, Marcel, mas que sabemos pertencer a quem escreve, ou seja Proust.

Neste sentido quando se procura analisar a obra de Proust, em busca de chaves descodificadoras ou pólos de ênfase, podemos dizer que o principal será mesmo a relação do sujeito, do "Eu", com o mundo que o rodeia, a "Sociedade". Daí que o título da obra busque isso mesmo, a análise do tempo dessas relações, já que elas apenas existem no tempo. As memórias são assim relevantes, mas mais do que elas são o seu registo. Proust tinha receio de morrer sem terminar a obra, porque provavelmente sentiria uma necessidade de passar a registo aquilo que lhe ia no fluxo da consciência e memória, sabendo que depois de morrer, tudo se esvairia, e que a escrita era a única que poderia permitir que aquelas ideas, aquele tempo, continuassem vivos, além da própria vida.

Quando chego então ao miolo do livro, e Proust começa a dissertar sobre o que diferencia as memórias voluntárias das involuntárias, quando ele assume uma franqueza desmedida e se abre sobre o fundamento de todos aqueles tomos escritos, caio a seus pés, a minha sintonia era plena, e Proust propiciava-me ali um dos momentos mais belos de reconhecimento do devir. Acreditando ser aqui que desemboca toda a leitura, o sentido da "Busca", marco os excertos e explicações, que se seguem como potencial spoiler, a ler por quem já leu, ou tem muitas dúvidas que algum dia lerá, ou procura uma motivação para empreender a "tarefa".

------ Potencial spoiler ---------------------------
“A felicidade que acabava de experimentar era efectivamente a mesma que sentira ao comer a madalena, mas então adiara a procura das causas profundas dessa alegria. A diferença puramente material estava nas imagens evocadas; um azul profundo inebriava-me os olhos, impressões de frescura, de luz deslumbrante, giravam junto de mim e, no meu desejo de as agarrar, sem me atrever a mover-me como quando sentia o sabor da madalena tentando fazer com que viesse até mim o que ela me recordava…” p.187
Este parágrafo marca o início do climax, seguindo depois para a distinção entre a memória voluntária e involuntária,
Voluntária: “contemplara [..] do pátio ensolarado da nossa casa em Paris, ora a Praça da Igreja de Combray, ora a praia de Balbec, como se ilustrasse a luz daquele dia folheando um caderno de aguarelas que representavam os diversos lugares onde estivera [..] a minha memória afirmava sem dúvida a diferença das sensações, mas não fazia mais do que combinar entre si elementos homogéneos” (p.193)
Involuntária: “Não se passara a mesma coisa com as três recordações que acabava de ter e em que, em lugar de exprimir uma ideia lisonjeira do meu 'eu', pelo contrário, quase tinha duvidado da realidade actual desse 'eu'." (p.193)
basta um ruído ou um cheiro, já ouvido ou aspirado em tempos [‘sabor da madalena molhada’, ‘ruído metálico de colher a bater no copo’ ‘sensação debaixo do pé provocada por pedras desiguais’, ‘tinir de copos’], o sejam de novo, simultaneamente no presente [o lugar em que acontece a memória] e no passado [‘quarto da minha tia Octave’, ‘carruagem de comboio’, ‘baptistério de São Marcos’], reais mas não actuais, ideais mas não abstractos, e logo se liberta a essência permanente e habitualmente oculta das coisas, e o nosso verdadeiro “eu” (que, às vezes desde muito tempo antes, parecia morto, mas que não o estava por completo) desperta, anima-se ao receber o celestial alimento que lhe é trazido.” (p.193)
Isto de que nos fala Proust, são no fundo as suas mais belas metáforas, mas que este acaba por admitir nesta passagem que só podem acontecer por recurso à memória, ou seja à experiência de vida. Não podem ser criadas, ou mesmo recriadas, acontecem de forma involuntária, surgem-nos à consciência pela sua intensidade e essência. Sãos os momentos vividos e únicos de cada um de nós, aquilo que nos torna subjectivos, auto-motivados, e dotados de consciência.

Proust segue depois para o questionar do como fazer para fixar estas memórias, impressões, que só se podem sentir desta forma, involuntária. Proust afirma que reviver as experiências de novo, aqueles lugares - Combray, Veneza, Balbec - não lhe traziam aquele sentir, porque na sua presença não era capaz de as sentir por completo. A presença, o momento em que se experimenta, não se sente verdadeiramente, e Proust compara com o que sentia o narrador com Albertine, que quando a tinha em seu poder, perto de si, nada sentia, apenas a sentindo completamente, quando ela estava fora do seu alcance. Deste modo Proust avança então com a explicação cabal da razão de ser do título, mas também da razão de ser todo este livro:
“A única maneira de saborear melhor era tratar de conhecê-las [as memórias involuntárias] mais completamente, onde se achassem, isto é, em mim mesmo, torná-las claras até nas suas profundezas.” (p.197) “tentando fazer sair da penumbra o que sentira, convertê-lo num equivalente espiritual [..] Ora este meio, que me parecera o único, que outra coisa seria senão fazer uma obra de arte? [..] “a sua característica primacial era a de que eu não era livre para as escolher [as memórias], de que elas me eram dadas tais quais eram. E sentia que isso devia ser a marca da sua autenticidade. Não fora eu a procurar no pátio as duas pedras da calçada irregulares em que tropeçara. Mas, justamente, a forma fortuita, inevitável, como a sensação fora reencontrada atestava a verdade do passado que ressuscitava, das imagens que desencadeava, visto que sentimos o seu esforço para subir até à luz, visto que sentimos a alegria do real reencontrado” (p.199)
Ou seja, escrever sobre. Proust tinha dito lá atrás, noutro volume, que a arte era a única forma de recortar a experiência, já que o momento de cada experiência era demasiado abrangente e pouco profundo, e assim inexpressivo. Temos aqui a defesa da arte, mas a defesa de uma arte de essência, ou seja, uma arte que preserva, regista ou fixa em si as experiências mais pessoais que um ser humano pode sentir.
“Assim, chegara já à conclusão de que de modo algum somos livres diante da obra de arte, de que não a fazemos à nossa vontade, antes, sendo, como é, preexistente a nós, devemos descobri-la, simultaneamente por ser necessária e oculta, e como se se tratasse de uma lei da natureza [..] a nossa verdadeira vida, a realidade tal qual já a sentimos.” p.201
Assim, temos que o “sentido artístico” é “a submissão à realidade interior” p.203, que se realizava “quando estava sozinho” quando assim “mergulhava a maiores profundidades” p.204. Nestas profundidades do seu ser, Proust, fala em reencontrar os seus outros Eus, Eus de então, como por exemplo "o menino" a quem a mãe lia "François Le Champi", um romance de George Sands (esta passagem, na página 205, que não transcrevo, é magistral de sentimento). Para logo a seguir reconhecer o seu medo de perder o cristalino desses Eus, memórias que pelo revisitar das mesmas, se recalcam e transformam, perdendo-se no interior de nós mesmos p.209.
“Um determinado nome lido em tempos num livro contém entre as suas sílabas o vento rápido e o sol brilhante que fazia quando estávamos a lê-lo (..) um livro que lemos não fica apenas ligado para sempre ao que havia à nossa volta; fica ligado com a mesma fidelidade ao que nós éramos então, já não pode tornar a ser experimentado senão pela sensibilidade, pela pessoa que nós éramos então.” p.206

---- FIM SPOILER ---------------------------

Este volume final dá conta do quão obcecado Proust se tornaria com a construção da sua obra, de como ela se tornaria no fundamento completo de toda a sua "raison d'être". Trabalhando apenas à noite, quando Paris dormia, para que não fosse incomodado, e num quarto com paredes isoladas por cortiça que impediam os ruído exteriores, para assim se imiscuir totalmente em introspecção, na pesquisa das memórias de si.
Só pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que outra pessoa vê deste universo que não é o mesmo que o nosso”. p.217
Era a arte que Proust almejava, não um mero registo das suas memórias, voluntárias ou involuntárias. E assim se explica que a primeira página da "Busca" (de que transcrevo o primeiro parágrafo abaixo), tenha sido encontrada pelo biógrafo Jean-Yves Tadié, reescrita 12 vezes. Tadié diria que teria ficado imensamente contente apenas com a primeira versão.
“Longtemps, je me suis couché de bonne heure. Parfois, à peine ma bougie éteinte, mes yeux se fermaient si vite que je n’avais pas le temps de me dire : « Je m’endors. » Et, une demi-heure après, la pensée qu’il était temps de chercher le sommeil m’éveillait ; je voulais poser le volume que je croyais avoir dans les mains et souffler ma lumière ; je n’avais pas cessé en dormant de faire des réflexions sur ce que je venais de lire, mais ces réflexions avaient pris un tour un peu particulier ; il me semblait que j’étais moi-même ce dont parlait l’ouvrage…” Primeira página do Volume 1, no original, 1913
Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes, mal apagava a vela, os olhos fechavam-se tão depressa que não tinha tempo de pensar: “Vou adormecer.” E, meia hora depois, era acordado pela ideia de que era tempo de conciliar o sono; queria poisar o volume que julgava ter nas mãos e soprar a chama de luz; dormira, e não parara de reflectir sobre o que acabara de ler, mas tais reflexões haviam tomado um aspecto um tanto especial; parecia-me que era de mim mesmo que a obra falava…” Tradução de Pedro Tamen, 2003

Tudo isto faz deste livro um artefacto único, continuando a ser um romance, senão “o romance”. Porque não se confunda o fundamento desta obra, tão pouco a sua forma, com a sua extensão, comparando-se com obras seriadas de aventuras, como os, também, 7 volumes de “Harry Potter” de JK Rowland, ou os vários volumes de “As Crónicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin.

Em Busca do Tempo Perdido” não é um livro difícil em termos de enredo, e é verdade que assusta pela sua extensão, mas torna-se verdadeiramente difícil pela escrita imensamente delineada e trabalhada, mais particularmente na forma como Proust constrói parágrafos longos, fazendo uso de todas as formas possíveis de orações subordinadas, que obrigam a memória de curto prazo do leitor a trabalhar arduamente. Mas a sua leitura, a experiência que se constrói em nós e nos transforma, supera facilmente muitas daquelas viagens que sonhámos fazer ou fizemos. A "catedral" que Proust sonhou um dia construir, emerge agora dentro de mim, com campanários que cintilam na lembrança de cada um dos seus personagens - Swann, Odette, Marcel, Gilberte, Oriane, Albertine, a Avó e a Mãe, a Sra. de Villeparisis, Vinteuil, Elstir, Berma, Bergotte, os Guermantes, os Verdurin, Charlus, Cottard, Morel, Rachel, Saint-Loup, Françoise ou Jupien.


[Marcel Proust, (1927), “Em Busca do Tempo Perdido - Volume VII - O Tempo Reencontrado”, Relógio D'Água, ISBN 9727088244, trad. Pedro Tamen, 2005, p. 384]


Ler também
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume I
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume II
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume III
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume IV
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume V
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VI
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VII

Actualização 21/06/2015
Entretanto encontrei um pequeno vídeo, "Literature - Marcel Proust" (2015) de Alain de Botton, que tinha já escrito um livro de autoajuda sobre Proust, e que apresenta aqui, de forma sintética, uma possível chave para a compreensão da obra completa.

Actualização 25/06/2015
Abro este ponto apenas para deixar o link para resenha que realizei do livro "Monsieur Proust", um belíssimo memorial da sua governanta, a pessoa que mais tempo e mais próxima de Proust esteve durante os seus últimos 10 anos de vida, os mesmos que levou a escrever toda a obra.

junho 04, 2015

É o anúncio do ano

"Fallout 4" está a caminho. Não admira, "Fallout 3" é de 2008, já lá vão sete anos! Assim, e depois de anos e anos de rumores e insistências por parte dos seguidores, a rede foi ontem apanhada de surpresa com um trailer, e não um mero teaser, de 3 minutos. Ron Perelman, o ator que volta a ser o narrador em off, dizia ontem no Twitter que não ter dito nada antes, tinha sido "...um dos segredos mais difíceis que já tive de guardar...".




Não dá para extrair ainda muito em termos de história, mas a ligação ao universo conhecido do 3 está lá. A minha primeira grande impressão de distinção face ao universo vivido em 3, foi a cor, o universo é muitíssimo mais colorido, com uma palete a fazer lembrar "Bioshock: Infinite" (2013).

Em termos de detalhe gráfico impressiona, embora não o faça em termos de movimento, mas ainda bem, porque assim não haverá surpresas na data de lançamento. Mais, o que conta no universo de Fallout, não é apesar de também, o seu potencial técnico gráfico, mas a sua jogabilidade, o seu mundo-história-aberto, é isso que torna Fallout tão singular, e é isso que nos envolve, e é aí que toda a nossa expectativa está concentrada.

Trailer de "Fallout 4" (tbd)

maio 31, 2015

Em Busca do Tempo Perdido - Volume VI

E ao sexto volume senti a força do romance irromper por entre todo aquele manto constituído por camadas e camadas de análise e auto-análise. Proust surpreende-nos, mas se me surpreendi com a reviravolta no enredo, mais ainda me surpreendi, por só agora me ter apercebido de um traço central em toda a escrita da ‘Recherche’, a tentativa deliberada para evitar a emoção estética. Proust cita por duas vezes Descartes ao longo da obra, mas só aqui me dei conta do quão contaminado por ele estava Proust, buscando aqui claramente realizar um trabalho de análise da vida, cingindo-se apenas, e só (pelo menos assim o desejava ele), à razão.


Ou seja, seguindo a crença no dualismo cartesiano, Proust trabalha com enorme profundidade a descrição de cada ação, evento e novo facto, evitando por todos os meios contaminar as suas descrições com sentimento, acreditando que a razão é a base da consciência, do conhecimento. Isto tornou-se-me mais claro aqui, porque ao fim de todos estes volumes a reviravolta que acontece é forte, intensa, mas Proust apesar de dar conta dela, fá-lo sem se dar aos sentires do seu personagem que facilmente poderiam resvalar para uma emocionalidade excruciante. Toda a emocionalidade é analisada e descrita num detalhe tal, tornando-se em si explicação, desprovida de sensação. Claro que tudo isto é impossível, não é possível escrever de forma apenas racional, porque enquanto seres humanos, somos incapazes de racionalizar sem emoção (Damásio).

Deste modo o que acaba por acontecer em Proust, é que ele nos arrebata sim, mas pela forma brilhante como escreve e analisa, e menos, ou mesmo nada, pela forma como recria experiências emocionais. As experiências emocionais estão lá, mas ele não as recria para que nós as experiencemos, ele abre todo um acesso especial à experiência profundamente racional. Proust procurava assim a elevação discursiva, ele sabia que era fácil agarrar o leitor pela emocionalidade, pela força do enredo, pelas suas reviravoltas amorosas, mas não era isso que o movia, ele estava mais interessado em dar a conhecer o mundo nas suas essências constituintes, porque muito provavelmente acreditava estar aí o cerne da consciência, da nossa capacidade para apreender o mundo.

Entrando na questão da consciência, neste volume Proust trabalha uma nova abordagem desta, defendendo a existência de diversos 'Eu's, consoante o momento, a memória, ou a resposta necessária à realidade. Fez-me lembrar os “subselves” do recente livro “Rational Animal” de Kenrick e Griskevicius, que defendem, tal como Proust aqui defende, que somos várias pessoas diferentes, e assumimos identidades distintas em função das necessidades do real circundante. A este mesmo ponto vem agora ligar-se um outro conceito muito importante para Proust, o “hábito”, como o fundamento social que suporta, tal concha protectora, cada um dos nossos Eus. Pois em função de cada necessidade social, automaticamente reportamos ao hábito, e desse ao Eu que necessitamos para reagir.
Assim decorria na nossa sala de jantar, à luz do candeeiro que tanto as estimula, uma daquelas conversas a que a sabedoria, não a das nações, mas a das famílias, apoderando-se de um acontecimento qualquer - morte, noivado, herança, ruína - e colocando-o sob a lente de aumentar da memória, confere todo o seu relevo, um relevo que dissocia, recua e situa em perspectiva em diversos pontos do espaço do tempo aquilo que, para os que não viveram, parece amalgamado numa mesma superfície: os nomes dos falecidos, os sucessivos endereços, as origens da fortuna e as suas alterações, as mutações de propriedade. Esta sabedoria é inspirada pela Musa que convém ignorar durante tanto tempo quanto possível se quisermos conservar alguma frescura de impressões (..) a Musa que recolheu tudo o que as musas mais elevadas da Filosofia e da Arte rejeitaram, tudo o que não está assente em verdade, tudo que é apenas contigente mas igualmente revela outras leis: a História!” p. 264
Este é o volume mais pequeno, todos os outros aquando do lançamento foram editados em 2 ou 3 volumes (15), este foi o único que foi lançado num único apenas. Tem a particularidade, tal como o anterior, de ter saído depois da morte de Proust, e não ter tido a sua revisão final, o que por vezes se nota, embora se sinta mais no volume anterior. Como livro, a primeira e a última parte são novamente as mais intensas, embora pela primeira vez Proust não deixe um gancho final. Não sinto que faça falta, estamos no penúltimo volume, e o texto que encerra o livro, está claramente a apontar para o encerramento da narrativa, de modo que a ânsia por passar ao volume seguinte é mais forte que nunca, queremos saber o que ainda nos reserva um volume inteiro, uma vez que o climax parece ter já surgido aqui, e os Lados, de Guermantes e de Swann, foram completamente unidos.


[Marcel Proust, (1925), “Em Busca do Tempo Perdido - Volume VI - A Fugitiva”, Relógio D'Água, ISBN 9727088023, trad. Pedro Tamen, 2004, p. 288]

Ler também
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume I
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume II
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume III
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume IV
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume V
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VI
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VII

maio 29, 2015

Conhecimento Tácito e Declarativo: o caso da bicicleta

Destin Sandin criou mais um episódio memorável, “The Backwards Brain Bicycle” (2015), para a sua série YouTube “Smarter Every Day”. Neste episódio Destin  demonstra como é impossível (não é, mas requer centenas de tentativas até se conseguir) conduzir uma bicicleta com o volante em modo reverso, depois de ter aprendido a conduzir uma bicicleta normal. Destin retira duas conclusões desta sua experiência:



1 - Conhecimento ≠ Compreensão

2 - Que vemos o mundo através de um viés, uma formatação do nosso cérebro.
Concordo com ambas, mas podemos ir mais longe na explicação do que acontece aqui, e a partir deste exemplo tecer alguns comentários mais gerais nomeadamente sobre nós próprios e sobre processos Educação. Assim adicionaria aqui, dois pontos que o próprio Destin toca, mas não elabora:
3 - Que a neuroplasticidade do cérebro é realmente muito diferente entre um cérebro jovem e um adulto. Por mais que nos últimos anos nos queiram fazer crer que podemos facilmente desaprender e voltar a aprender (neste caso temos 8 meses vs. 2 semanas).

4 - Que as nossas acções físicas são fruto de algoritmos (processos) de interação entre mente e corpo, e não meramente ordenadas pela vontade um raciocínio mental (por isso ele diz que se deixar de “pensar” consegue mais facilmente conduzir).

"The Backwards Brain Bicycle", (2015), Smarter Every Day 133

Mas nada disto é novo, e era aqui que queria chegar. O que é muito bom, é a demonstração audiovisual e empírica destes quatro pontos, porque em teoria sabemos disto há muito tempo, embora muitas vezes parece que não nos lembramos, ou queremos acreditar que não é assim, como aliás se pode ver nas reacções das pessoas que vão guiar a bicicleta. Ou seja, o que temos presente neste exemplo é um caso de Conhecimento Tácito, que pode ser designado também de Implícito ou Experimental. É um tipo de conhecimento que só pode ser construído pela experiência, e no tempo. O caso clássico deste tipo de conhecimento é exactamente o de andar de bicicleta, mas pode ser aplicado a muitas outras acções humanas, tal como qualquer desporto ou qualquer arte.

Mas este não é o único tipo de conhecimento que podemos construir, existe um outro, normalmente dado em oposição ao tácito, e que chamamos de Conhecimento Declarativo, ou explícito. Este é aquele em que mais se fundamenta a escola tradicional. Ou seja, estamos a falar de todo o conhecimento que pode ser descrito, sendo suficiente a descrição para que o possamos apreender. Acontece com a Biologia, a Geografia, a História, etc.

Este tem sido um domínio que me tem interessado imenso nos últimos anos por causa do Design de Interação, e que à medida que fui investigando sobre os modos como agimos sobre a realidade, fui-me apercebendo da relevância da Experiência. Daí que tenha começado a defender o ensino técnico-profissional, uma vez que o ensino tradicional sem base de experiência é manifestamente insuficiente para formar pessoas.

Isto explica porque ensinar Arte nas nossas escolas é tão complicado, porque uma coisa é ensinar Teoria e Crítica de Arte, outra bem diferente é ensinar a criar arte, isso só pode acontecer com a experiência. E aqui incluo naturalmente o Português, que não é mais do que o ensino da arte da língua. Não faz muito sentido passar anos e anos a ensinar conceitos e regras de uma língua, quando a verdadeira aprendizagem da mesma, só se pode efetuar através da repetição de Leitura e Escrita, como ainda aqui dizia a propósito de Proust ou Afonso Cabral.

Aliás, o caso do Português acaba por não ser distinto do da Matemática, já que ambos requerem a experiência, mas por o fazerem num domínio somente mental, porque laboram sobre abstrações do real, julga-se erradamente que o que é importante é a aprendizagem da componente declarativa, quando esta na maior parte das vezes só perturba a aprendizagem, que só se consegue efetuar verdadeiramente pela repetição da experiência. Neste caso, conhecer não chega, é preciso chegar à compreensão.

maio 26, 2015

Edição alucinante de memórias

Danny Madden (do coletivo Ornana) voltou a surpreender com uma nova curta que mistura animação com imagens reais de dezenas de filmes. Depois de no ano passado ter criado o brilhante “Confusion Through Sand” (2014), financiado no Kickstarter, traz-nos agora "All Your Favorite Shows" (2015) com financiamento da The Knight Foundation e do Borscht Film Festival. Este novo filme acaba demonstrando mais uma vez a sua enorme mestria da linguagem audiovisual.




"All Your Favorite Shows" é um filme impactante pela grande expressividade e velocidade que imprime no contar da sua história. Os personagens animados 'gritam' graficamente, através de grandes planos faciais e de rápidas transformações de expressão, apelando à nossa atenção, por sua vez toda a montagem (Mari Walker) se sucede num ritmo tão frenético que nos impossibilita virar os olhos por um segundo que seja. São apenas 5 minutos, mas tão intensos como um dos nossos preferidos bombons num momento de ansiedade, porque não se limita a bater-nos com a plástica, as imagens reais retiradas de dezenas de filmes e facilmente reconhecíveis, garantem o acender de um rastilho de memórias que nos conduzem ao escapismo imediato.

E são estas imagens que também impressionam, porque Madden conseguiu, com a ajuda de Walker, reunir blocos inteiros de tropos cinematográficos, ou padrões fílmicos (corridas de carro, corridas a pé, quedas, saltos, etc.), que depois mistura de forma ágil com trechos de animação, por meio de brilhantes raccords, criando um todo extremamente coerente e que nos conta uma história. Foi muito interessante ler numa entrevista Madden descrever como procederam para reunir os excertos de filmes:
"I called Mari because along with one of the walls of her apartment being filled floor to ceiling with DVDs, she’s got a remarkable (and sometimes frightening) ability to recall shots from almost any genre of film from almost any time period.
I would say something like, “Ya know how the hero will turn around and look over his shoulder all badass-like?” Then Mari would close her eyes for a minute, almost trancelike, and draft up a mental list of films and scenes where that sort of thing happens."

"All Your Favorite Shows" (2015) de Ornana

maio 25, 2015

Outros Lugares (virtuais)

Depois de Duncan Harris ter lançado a moda da Fotografia de mundos virtuais de videojogos, com o seu Dead End Thrills, agora Andy Kelly apresenta uma nova ideia, criar Video a partir desses mundos, com o seu Other Places. Assim, além das imagens estáticas de Harris temos agora também movimento e música a contribuírem para o aspeto narrativo dos excertos. É interessante como estes vídeos nos vêm permitir fazer algo para o qual, enquanto jogamos, nos parece nunca haver tempo, que é contemplar o espaço, o mundo que nos circunda, que apesar de virtual o sentimos tão real.




Confesso que fiquei um pouco desiludido com os trabalhos finais, esperava mais dos enquadramentos, montagem e até do som, principalmente quando comparamos com o magnífico trabalho fotográfico de Harris. Ainda assim são filmes que nos permitem reviver momentos, memórias, e até criar novas, com novos significados. Deixo abaixo um filme que resume o primeiro ano de trabalho de Kelly, ao longo de 2014.

"Other Places: Year One" (2014) de Andy Kelly

maio 24, 2015

Em Busca do Tempo Perdido - Volume V

Depois de no volume anterior Proust nos ter torrado a paciência com a 'snoberia' social, neste volume afunda totalmente em si, arrastando-nos para o interior de si. Por um fluxo de consciência escrito, abre-nos um acesso directo até à sua não-consciência. Temos quase todo o livro dedicado às interrogações de Marcel, a propósito do seu amor/ciúme (chegando ao sadismo) por Albertine, que passa todo o livro "prisioneira" em casa deste. Contudo, Proust consegue fazer deste quinto volume o mais agitado, criando mesmo verdadeiras sequências de suspense — gerando expectativa sobre o futuro de Charlus, ou sobre o futuro de Albertine — houve várias partes do livro em que não o conseguia pousar, as páginas sucediam-se e eu sentia a ânsia por saber o que ia acontecer aos personagens.

Em Busca do Tempo Perdido - Volume V - "A Prisioneira"

Uma das coisas mais relevantes em Proust, e que faz dele um dos mais importantes escritores de sempre, está no modo como ele produz essa ligação entre o não-consciente e o consciente, externalizando o pensamento por via do texto, para se dar a nós (para compreender melhor a ideia de consciência recomendo a leitura de um texto anterior). Não se trata de simplesmente descrever minuciosamente os estados de alma e os sentires, é verdade que Proust perscruta dentro de si de forma profunda e hábil, mas mais hábil e dotado é ainda na arte de transformar ideias mentais em palavras e frases.
What compels my admiration for M. Proust’s work is that it is great art based on analysis. . . . I don’t think there is in [all] creative literature an example of power of analysis such as this.” — Joseph Conrad
Na semana passada lia num blog, um comentário a propósito da nova geração, incapaz de descrever o real sem recorrer a expressões “tipo isto“, “tipo aquilo”, “a coisa”. Lia também, numa abordagem distinta, algumas ideias sobre a eliminação de palavras supérfluas para uma comunicação de ideias mais concreta. E lendo Proust, está ali tudo, uma enorme riqueza de vocabulário aliada a um virtuosismo na composição de ideias.

Sobre este ponto, que não se diga que as crianças não aprendem porque não se lhes explica, porque não se fala com elas. Esta capacidade de Proust, é verdade que desenvolvida a um ponto extremo, difícil de igualar, se existe, foi trabalhada por si, por duas formas apenas, a leitura e a escrita. Acredito que ajudou, como com muitos outros escritores, o facto de estar doente e recluso em casa que acabaria por lhe dar todo o tempo necessário à leitura. Não existe outra forma de desenvolver a externalização do pensamento que não seja  através da leitura e escrita. Ler para construir uma bagagem de vocabulário, de composição e potencial gramatical. Escrever para se construir o veio que conduz o pensamento do não-consciente ao consciente.
"Foi efectivamente uma morta que vi quando depois entrei no quarto dela. Adormecera logo que se deitara; os lençóis enrolados no corpo como um sudário haviam tomado, nas suas belas pregas, uma rigidez de pedra. Dir-se-ia que, como em certos Juízos Finais da Idade Média, apenas a cabeça surgia fora do túmulo, esperando no seu sono pela trombeta do Arcanjo. Aquela cabeça fora surpreendida pelo sono quase caída para trás, com o cabelo hirsuto. E ao ver aquele corpo insignificante ali deitado, perguntava a mim mesmo que tábua de logaritmos constituiria ele para que todas as acções em que pudesse ter estado envolvido, desde um gesto do cotovelo até um roçagar de vestido, pudessem, prolongadas até ao infinito de todos os pontos que ocupara no espaço e no tempo, e de vez em quando bruscamente revivificadas na minha memória, causar-me angústias tão dolorosas, e que porém eu sabia serem determinadas por movimentos, por desejos dela que, cinco anos antes, ou cinco anos depois, numa outra qualquer, ou nela própria, tão indiferentes me teriam sido. Era uma mentira, mas para a qual eu não tinha a coragem de procurar outra solução que não fosse a minha morte." (p.352)
Neste livro, e como já vem sendo hábito nos livros anteriores, o melhor fica guardado para a última parte, momento em que Marcel 'estica a corda' no relacionamento com Albertine, para descobrir mentiras que até aqui tinham feito parte da paisagem do livro como verdades. Já nas derradeiras linhas, também mais uma vez, Proust abre o motivo para o livro seguinte, deixando-nos ansiosos por prosseguir a leitura, ainda mais agora que já só faltam 2 volumes.


[Marcel Proust, (1923), “Em Busca do Tempo Perdido - Volume V - A Prisioneira”, Relógio D'Água, ISBN 9789727087792, trad. Pedro Tamen, 2004, p. 418]

Ler também
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume I
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume II
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume III
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume IV
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume V
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VI
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VII

maio 23, 2015

A visceralidade da imagem em movimento [adultos apenas]

O novo anúncio, "Coco de Mer: X" (2015), para salas de cinema, da marca de lingerie britânica, Coco de Mer, está nas bocas da imprensa pela ousadia, questionando a sociedade se a agência TBWA não terá ido longe demais no campo do eroticismo. Acabei de ver o anúncio de dois minutos e meio e ainda estou algo entorpecido, efeito do embate... podem ver abaixo.





Se resolvi falar aqui de "Coco de Mer: X", não foi pelo seu lado sexual, mas pelo seu lado audiovisual, emocional e experiencial. O fotógrafo Rankin, criativo por detrás deste trabalho, criou um objeto verdadeiramente portentoso. Usando de todo o seu know-how sobre o impacto da imagem, do seu movimento e velocidades, produziu um trabalho em toda linha sensorial. "Coco de Mer: X" não se destina a ser compreendido, apenas e só sentido. É de sexo que se fala, mas é por meio de imagem, som e movimento que se comunica. Aqui a palavra é irrelevante, porque apenas se procura atingir os sensores sensitivos. O filme não tem nada para dizer, antes busca gerar uma experiência capaz de produzir uma alteração do nosso estado emocional, e consegue-o.




Nas palavras do criador,
definitely the best thing that I have done in film. … It has layers of meaning, and to get that in advertising is rare. Doing something like this is about creating an experience. We’re putting it on a different level. Putting it on a level with enjoying a film. People call it content marketing, but it’s just about making something people want to watch.” Rankin, in AdWeek
É verdade que isto é o que busca muito cinema de Hollywood, mostrar, não contar, mas é algo que está longe de ser fácil de fazer. Muitas vezes podemos até procurar dar a ver, mas sem adicionar diálogo aqui ou ali, ou uma voz-off que contextualize a imagem, torna-se tudo muito difuso, perdendo-se antes de chegar à cognição do receptor. Rankin tem aqui bastante mais liberdade, é um filme curto, e o objecto de comunicação é apenas um conceito, nada mais há para dizer, por isso joga toda a força das imagens na exposição da ideia, criando redundâncias sobre redundâncias, até que se torne impossível ao espectador escapar do que lhe está a ser transmitido. Os nossos sensores são completamente anestesiados, não apenas pela 'inexpectabilidade' dos conteúdos das imagens, mas ainda mais pela velocidade estonteante a que se sucedem, não dando tempo para que se interprete o que se está a ver, limitando-nos a acolher o que nos está a atingir.

"Coco de Mer: X" (2015) de Rankin