maio 20, 2014

Quem possui o futuro?

O último livro de Jaron Lanier, "Who Owns the Future?" (2013) poderia sintetizar-se numa única frase, “as implicações de não nos importarmos de oferecer os nossos dados”. Aqui jogam-se problemas criados pela ganância das grandes corporações, exponenciadas pelo nosso altruísmo ingénuo que nos levou a acreditar que a informação devia ser livre. Este é um livro que deve ser lido em conjunto com To Save Everything, Click Here: The Folly of Technological Solutionism” (2013) para se poder compreender o alcance e algumas das limitações das ideias apresentadas. Estamos perante uma crítica forte ao mundo tecnológico a partir de alguém oriundo do seu centro de excelência, Silicon Valley.


Lanier sabe de onde vem, para quem trabalha (Microsoft) e que por outro lado muitas das ideias que apresenta serão rapidamente rotuladas de “esquerda retrógrada”, por isso ao longo do livro vai chamando atenção sobre isso mesmo. O seu objectivo com este livro é apresentar uma visão do mundo, tal como ele o interpreta em face dos dados que possui, e diga-se que fá-lo com bastante honestidade. Os dados que possui são maioritariamente fruto de observação direta, sendo uma das pessoas responsáveis pelo surgimento da Realidade Virtual nos anos 1980, que depois disso vendeu várias start-ups a grandes empresas por bom dinheiro, fez investigação e deu aulas em algumas das universidades mais conceituadas do planeta, e realizou consultoria tecnológica para algumas das maiores multinacionais do mundo. Talvez por isso mesmo o livro não esteja escrito numa lógica académica, tanto no tom, imperativo, como na forma, sem suporte teórico.

Assim é um livro que deve ser lido com alguns cuidados, já que Lanier escreve de forma bastante emocional, e ainda que tenha dedicado bom tempo à reflexão das ideias que aqui nos apresenta, a falta de confrontação das mesmas com muitos outros pensadores de outras áreas, acaba por minorar algumas dessas reflexões. Não é apenas a falta de citação, é o facto de algumas ideias nos parecerem frágeis na argumentação porque insuficientemente sustentadas, e pouco críveis. Ainda assim a generalidade do livro apresenta boas ideias, e formas de ver que só um acesso privilegiado ao meio permitiu construir.
“We, the idealists, insisted that information be demonetized online, which meant that services about information, instead of the information itself, would be the main profit centers. That inevitably meant that “advertising” would become the biggest business in the “open” information economy. But advertising has come to mean that third parties pay to manipulate the online options in front of people from moment to moment. Businesses that don’t rely on advertising must utilize a proprietary channel of some kind, as Apple does, forcing connections between people even more out of the commons, and into company stores. In either case, the commons is made less democratic, not more.

To my friends in the “open” Internet movement, I have to ask: What did you think would happen? We in Silicon Valley undermined copyright to make commerce become more about services instead of content: more about our code instead of their files.

The inevitable endgame was always that we would lose control of our own personal content, our own files. We haven’t just weakened old-fashioned power mongers. We’ve weakened ourselves.”
A luta deste livro assenta na necessidade de criar um novo mundo de lógicas e regras capazes de regular a informação proveniente da desmaterialização dos objectos do real e da consequente destruição das regras que aí vigoravam. Assim Lanier começa por apontar o facto de que ao termos transformado a informação em algo acessível a todos, sem qualquer custo, obrigou-nos a procurar formas alternativas de rentabilizar o trabalho das pessoas. Jornalistas, Músicos, Fotógrafos, Escritores, Realizadores, Designers de Jogos, etc. etc. perderam acesso às formas de rentabilização que tinham sido desenhadas no âmbito da fisicalidade, o chamado Copyright. Tudo o que estas pessoas fazem hoje, a sociedade espera aceder de forma gratuita, através daquilo a que chamamos “a internet”. Passámos então de um modelo assente no Copyright para um modelo baseado em Publicidade. Quando as pessoas acedem à informação online, é o acesso que é quantificado, e é esse que passa servir de guia ao apoio publicitário.

A informação em si perdeu o valor que detinha, passando apenas a interessar o acesso a essa informação. É irrelevante o tipo de informação, é irrelevante a sua qualidade, assim como é irrelevante a sua credibilidade ou veracidade. É irrelevante por quem foi criada, como foi desenhada, como foi criada. Interessa apenas e só, quantas pessoas acedem, quando acedem e como acedem. Para tal basta ver o fenómeno de sites que pululam na web que servem apenas de veios de transmissão, que exigem "likes"no facebook para desvelar informação, sites com títulos sensacionalistas e insólitos, com imagens e vídeos de carácter duvidoso que captam os menos atentos, etc. etc.

O que aconteceu? A informação tornou-se livre, tudo é de todos, mas apenas alguns têm condições para manipular, pesquisar, trabalhar, e mais importante que tudo tirar partido dela. Quem tem os maiores computadores (servidores de dados) ganha. A título de exemplo a Google e o Facebook são neste momento os maiores centros mundiais de computação. Ao acedermos aos mesmos todos os dias, perpetuamos essa grandeza, e desviamos a atenção para eles. São estes os poucos que conseguem garantir retorno publicitário, porque o fazem através dos acessos que nós ali realizamos diariamente. Eles rentabilizam o nosso acesso, vendendo a informação sobre o nosso acesso a terceiros. Desta forma Lanier apresenta uma nova definição para categorizar estas empresas, as “Siren Servers” (Servidores Sereia), que se definem como,
"an elite computer, or coordinated collection of computers, on a network. It is characterized by narcissism, hyperamplified risk aversion, and extreme information asymmetry. It is the winner of an all-or-nothing contest, and it inflicts smaller all-or-nothing contests on those who interact with it.

Siren Servers gather data from the network, often without having to pay for it. The data is analyzed using the most powerful available computers, run by the very best available technical people. The results of the analysis are kept secret, but are used to manipulate the rest of the world to advantage.”
Seguindo esta conceptualização Lanier arrisca a sustentar que o crash financeiro começou aqui, com a digitalização da bolsa a ser responsável por produzir uma gigantesca assimetria de informação, tendo levado ao descalabro dos lixos tóxicos. Desta forma para Lanier tudo o que está a suceder à classe média neste momento não é apenas uma consequência da crise financeira e do imobiliário, mas é algo que vem de trás com a criação de grandes grupos detentores de mais e mais controlo sobre a informação de todos nós, algo que se agudizou com esta crise, atingindo picos sérios de insustentabilidade da classe média tal como a conhecíamos. Lanier apresenta um belíssimo exemplo para sustentar esta ideia,
“At the height of its power, the photography company Kodak employed more than 140,000 people and was worth $28 billion. They even invented the first digital camera. But today Kodak is bankrupt, and the new face of digital photography has become Instagram. When Instagram was sold to Facebook for a billion dollars in 2012, it employed only 13 people. Where did all those jobs disappear? And what happened to the wealth that all those middle-class jobs created?

Ou seja, os senhores detentores dos "Siren Servers" são os únicos que ganham, enquanto todos os outros, nós, continuamos a alimentar todas estas redes sociais, serviços, e tudo o mais com as nossas fotografias, “gostos”, contactos, redes, pesquisas, traduções, etc. etc. O Google não poderia manter um serviço astronomicamente caro como o YouTube se não gerasse receitas astronómicas com as pesquisas que ali fazemos todos os dias, porque são elas que alimentam o serviço. O mesmo se pode dizer de todos os seus outros serviços, como o de tradução, que ao contrário do que as pessoas pensam, não é realizado por uma espécie de máquina inteligente, mas antes por todos os textos que nós produzimos e colocamos na rede e que permitem ao sistema de tradução fazer comparações de trechos de texto e suas traduções. Assim como o Facebook já teria fechado portas se não vendesse os nossos dados em múltiplos formatos a empresas de todo o planeta, permitindo que essas empresas saibam assim quem deve ser o target para o produto que querem vender, assim como e quando o devem atingir, algo que a televisão é totalmente incapaz de oferecer. Não é por acaso que as receitas publicitárias nos meios tradicionais, jornais, televisão ou rádio caíram a pique nos últimos anos, e vão continuar a cair.
"it’s an orthodoxy now. I have 14-year-old kids who come to my talks who say, “But isn’t open source software the best thing in life? Isn’t it the future?” It’s a perfect thought system. It reminds me of communists I knew when growing up or Ayn Rand libertarians. It’s one of these things where you have a simplistic model that suggests this perfect society so you just believe in it totally. These perfect societies don’t work. We’ve already seen hyper-communism come to tears. And hyper-capitalism come to tears. And I just don’t want to have to see that for cyber-hacker culture. We should have learned that these perfect simple systems are illusions." (Entrevista Jaron Lanier)
Apresentado o problema de forma genérica, Lanier lança-se numa possível solução para tudo isto. Acreditando, ainda para mais depois do que soubemos sobre a NSA através de Snowden, que a nossa privacidade não tem salvação, Lanier propõe que o cidadão comum passe a ser pago por cada contributo real que dê para a venda de um produto ou serviço. Ou seja, com a evolução dos sistemas, será fácil que a informação transporte consigo sempre uma etiqueta com nome do detentor dessa informação. Assim sendo, sempre que um texto, um vídeo, ou um "gosto" tenha contribuído para angariar mais um cliente para alguém, essa pessoa deve receber uma retribuição, ainda que micro. No tempo do digital, os micro-pagamentos são uma banalidade, assim como a detecção da origem da informação, por isso a ideia não é completamente descabida.

E já se começam a ver alguns movimentos neste sentido por parte de várias empresas online, como por exemplo a Spotify e o YouTube. Mas Lanier quer algo muito mais profundo que isso. É claro que isto levanta imensas questões, porque apesar de acreditar na exequibilidade técnica, acredito que isto tem todos os ingredientes para fazer explodir os problemas, e não solucioná-los, a começar pela exponenciação dos problemas que já hoje temos com o copyright e as patentes. Por isso a avançar por aqui, seria necessário rever ambas essas leis também em profundidade, para evitar cair no caos total. Mas os problemas não se ficam por aqui, este sistema traria vários outros, alguns dos quais enunciados pelo próprio Morozov numa pequena análise que fez ao livro para o Washingnton Post.

Apesar de tudo, algo teremos de fazer, se não corremos riscos reais de virmos a destruir muito daquilo que andámos a criar nos últimos 50 anos. Lanier dedica boa parte da discussão a explicar a importância da existência de uma classe média, e neste momento a grande parte dos dados que temos demonstram uma clara erosão desta classe, e de todas as outras abaixo desta. Se a salvação deste modelo de sociedade, reside numa revolução pela regulação da internet, não sei, mas que também passa por aí, passa.
"We don’t realize that our society and our democracy ultimately rest on the stability of middle-class jobs. When I talk to libertarians and socialists, they have this weird belief that everybody’s this abstract robot that won’t ever get sick or have kids or get old. It’s like everybody’s this eternal freelancer who can afford downtime and can self-fund until they find their magic moment or something. The way society actually works is there’s some mechanism of basic stability so that the majority of people can outspend the elite so we can have a democracy. That’s the thing we’re destroying." (Entrevista Jaron Lanier

maio 19, 2014

A importância das bibliotecas

"Why Libraries Matter" (2014) é um pequeno documentário sobre as livrarias públicas de Nova Iorque que desvela um pouco sobre vidas reais do mundo contemporâneo. Um mundo em que nos habituámos a acreditar que porque todo o conhecimento está disponível na internet, as escolas e as bibliotecas deixaram de fazer sentido. Porque está na internet, qualquer pessoa pode aceder-lhe, qualquer um se pode auto-formar! O filme foi criado por Julie Dressner e Jesse Hicks e distribuído online pelo The Atlantic.




Ora o que vemos neste pequeno filme é exactamente aquilo que tenho vindo a discutir aqui a propósito da sociedade de informação e das alucinações do ensino à distância para milhões de pessoas (MOOCs). Os seres humanos precisam de contacto humano, precisam de interacção humana. O que aqui vemos são redes de relações montadas a partir de um centro nevrálgico social que é neste caso específico, a Biblioteca Pública. As Bibliotecas Públicas funcionam aqui como verdadeira extensão das Escolas Públicas, mantendo a ligação ao conhecimento para quem já não tem acesso à escola, e estendendo essa ligação para quem ainda a frequenta.

O mais interessante é verificar que a Biblioteca soube adaptar-se às novas necessidades dos seus visitantes, que já não a procuram apenas para aceder a livros, mas a continuam a procurar para aceder ao mesmo de sempre, o conhecimento. E fazem-no nestas bibliotecas porque ao contrário de outros exemplos, não se deixaram ficar paradas na posição de meros armazéns de livros. A Biblioteca sempre foi um centro de conhecimento, e numa sociedade de informação a sua importância não se perdeu, antes pelo contrário, aumentou tremendamente. Mais do que nunca, a função do bibliotecário é de proximidade com os visitantes, de guia, de criação de humanismo na relação com os registos e objectos desprovidos de vida.

maio 18, 2014

A montagem e a câmara orgânica

Priorities” é a mais recente curta do jovem e brilhante realizador de animação da Letónia, Gints Zilbalodis. A sua animação anterior, "Acqua" (2012), tinha já sido recebida com muito aclamação na rede, apresentando um estilo único e pessoal. Com “Priorities” Zilbalodis vai além da linguagem da animação e do cinema, constrói toda uma nova forma de "ver", que em parte deve a uma paisagem visual cada vez mais definida pelo mundo dos videojogos.



“Priorities” tem uma boa história, que se torna ainda mais encantadora quando descobrimos a metáfora pessoal que lhe subjaz (ler abaixo depois de ver o filme). Mas aquilo em que o filme nos entranha é o seu aspecto formal experimental. O filme tem 10 minutos, mas apenas 4 planos, algo impensável em 2014, como ainda ontem se discutia no IV Encontro da AIM. Por outro lado o comum espectador dificilmente se dá conta de que está na presença de um filme de apenas 4 planos. A razão para tal prende-se com a forma como a câmara é usada, que deve claramente ao trabalho de Cuarón em "Gravity" (2013), e que Zilbalodis refere como o seu filme preferido de ano 2013.

É no entanto muito interessante reflectir sobre este uso da animação da câmara, algo que até aqui estava mais ligado ao mundo dos videojogos. Nesse domínio há muito que se trabalham algoritmos, técnicas e modelos para controlo de movimento de câmara, muitas vezes incluindo inteligência artificial capaz de dar resposta por parte da câmara aos movimentos rápidos em ambiente de jogo. “Gravity” pelo seu lado recorre ao movimento de câmara para simular algo muito específico, a flutuação espacial ou ausência de gravidade. Mas em “Priorities” não temos nenhuma destas condições ou objectivos, Zilbalodis simplesmente experimenta esta abordagem estética para contar a sua história, e fá-lo de forma absolutamente brilhante, tendo explicado ao SotW o que procurava,
“I wanted it to look as organic as possible and the cinematography to be imperfect. The continuous shot workflow helped me see the film as a whole and not get lost in details. The long takes limit the story to unfold in real time. In a more traditional style of cutting, it’s easy to skip over the unimportant parts of the story to keep it entertaining. But since the story is very simple and there’s not much of a plot I didn’t have to skip over anything, the story fit the style very well.”
Claro que se torna inevitável pensar nas complexidades e constrangimentos que advém desta escolha estética. E desengane-se quem pensa que por se tratar de animação criada por computador, é tudo muito mais fácil do que criar um plano sequência, como a famosa abertura de "Touch of Evil" (1958) de Welles. Como diz Zilbalodis “If I changed just a small detail, the whole scene had to be rendered again”. Para compreender o processo em detalhe é muito interessante ouvir a descrição do processo numa numa entrevista dada One Small Window,
“I had never made a CGI film before. I learned by trial and error. For example, only when I had finished the character rigs I would start to learn how to animate. By doing that I made a lot of mistakes, but a lot of happy accidents too. Almost everything was done in Maya. The characters, the environment and most of the effects animation. Each of the 4 shots was a separate Maya file. I would start by very roughly matching the storyboards. At this stage, the characters and the camera are just floating from point A to point B and the environment consists of only the most important objects that are essential to the story. I tried not to separate any of the processes and would simultaneously animate the characters and tweak the environment to find a better frame. This approach is only possible if a single person is doing it. After the camera is animated, I would look through it and only add details that can be seen on screen. I did the same for character animation. Once a certain limb leaves the frame it freezes midair and becomes animated when enters it again. That means if the camera would be tilted just slightly the illusion would break. This method not only saves a lot of time but also helps to focus on what’s important to the story. I then rendered each element separately and imported them into After Effects. There I added some minor effects like the flares and smoke from them. I used masks to add shadows on the characters. And finally on top of everything I added photographic effects like diffusion, chromatic aberration and film grain, which when used subtly adds reality and blends all of the elements together.”
Priorities (2014) de Gints Zilbalodis

Depois de verem o filme, e terem atribuído a vossa interpretação pessoal ao que viram e ouviram, leia a metáfora pessoal que esteve na base do filme,
“The idea is very personal to me. Like the main character in the story, when I have a large goal in mind I spend all of my energy to reach it. For me the goal is to finish the film and for the character it’s the lighthouse. I become so lost in the work that everything else around me seems to be out of focus. But there are good friends like the dog character who remind me to step out of the cave and live a little.”

maio 17, 2014

O longo jogo do génio

Trago uma nova série de filmes web criada por Adam Westbrook, relativamente conhecido pelo seu trabalho à volta do storytelling digital. Neste seu novo projecto, Delve Video Essays, Westbrook faz uma abordagem assente no formato de ensaio audiovisual, o que é por si só motivo de análise e exploração.



Para avançar com este projecto Westbrook escreveu um manifesto que me parece relevante ser lido, vindo de alguém que tem refletido bastante sobre o storytelling e a publicação online. Retiro do mesmo quatro pontos que levaram Westbrook a avançar com Delve.
1 - “serendipity is magical and it's something the Internet can't replicate so easily. All the knowledge is there - but it's built to be easily found if you know what you're looking for.”

2 - “The knowledge is all there, accumulated over 13,000 years of civilisation but it feels locked away somehow, as if it's out of reach. It's trapped behind glass etched with the dreaded word "boring".”

3 - “’people get the mind and quality of brain that they deserve through their actions in life’ (Robert Greene)… If you choose to use your free time to play Candy Crush Saga, watch Friends re-runs and read Buzzfeed, you will get the mind that comes from that. But if you choose to push your brain, to make it work hard, to keep learning new things, to read difficult books, to consider challenging ideas then, like the muscles on your body, it grows stronger and more connective… But it's much more rewarding to read Buzzfeed.”

4 - “I'd like you to meet delve - it's a web video channel I'm building for people who want to take their learning seriously. It's not a course, or a qualification, and it's not for people who want to study something particular. It's for people who love learning for the sake of learning, who want to feed their mind the most beautiful and unexpected feasts.”
Apresentado o Delve vejamos o que nos trazem os dois primeiros trabalhos, que formam apenas um em duas partes, “The Long Game” (2014). O tema de fundo não passa ao lado de todos aqueles que se interessam pelos processos criativos, pela mestria, um tema que se tornou mais relevante nos últimos anos com a discussão em redor das comunidades e indústrias criativas.

"The Long Game Part 1" (2014) Adam Westbrook

Assim o substrato diz respeito ao processo demorado da criação do génio. Westbrook explora o exemplo de Leonardo Da Vinci, considerado um dos mais relevantes criativos da nossa história, desmontando o seu surgimento, génio e talento. Todos sabemos que o processo de transformação de um criativo é um processo lento, mas saber que Leonardo levou 16 anos a conseguir atingir o seu auge, ajuda-nos a questionar muitas das ideias feitas que temos sobre os iluminados, os chamados “outliers”. Essencialmente este dois curtos ensaios audiovisuais servem para nos alertar para um discurso de facilitismo surgido no século XX e que procurou vender a juventude, com todas as suas propriedades, como a essência da vida e do talento, quando apenas o tempo e a experiência podem conduzir à qualidade, ao génio.

"The Long Game Part 2" (2014) Adam Westbrook


Links de interesse
Talento é Sobrestimado, in Virtual Illusion
Processo criativo, dos 2 aos 25 anos, in Virtual Illusion
Outliers de Malcom Gladwell, in Virtual Illusion

maio 09, 2014

Quando os hábitos mudam (do cinema para os videojogos)

Nos últimos anos tenho colocado aqui a lista dos filmes que vou vendo em cada mês. Foi um hábito que desenvolvi porque a determinada altura dei-me conta que me comecei a esquecer os filmes que já tinha visto, e por isso o ato de os registar aqui ajudava-me a solidificar memórias. Ao longo destes anos tive oportunidade de através deste método perceber como decorria o mês, em termos de conteúdos acedidos. Ora a realidade com que me deparei nos últimos meses foi um constante decréscimo no número de filmes vistos, e um aumento no número de videojogos terminados. Esta mudança não parou de se agravar, e neste mês de Abril deparei-me pela primeira vez com um número maior de jogos do que filmes. E isto é tão mais relevante quando cada jogo requer, no mínimo, 10 vezes mais investimento de tempo.


Não sei se é um mudança para manter. É verdade que a lista de filmes que quero ver não pára de aumentar, no entanto quando chega o momento de ver ou jogar, tenho optado muito mais por jogar, os filmes parecem não conseguir estar a exercer sobre mim o encanto que exerceram durante toda à minha vida. Se por um lado, acho natural dado todo o meu envolvimento com o meio, por outro não deixo de me preocupar. O meu meio de eleição, em termos de ficção, sempre foi o filme. O que estará a acontecer?

Videojogos de Abril 2014

xxxxx Ni no Kuni: Wrath of the White Witch 2013 Studio Ghibli JRPG Japan [Análise]

xxxxx Spec Ops: The Line 2012 Yager Development Adventure Germany [Análise]

xxxxx Fallout 3 2008 Bethesda RPG USA [Análise]

xxxx Monument Valley 2014 USTwo Puzzle Sweden [Minigame] [Análise]

xxx Max Payne 3 2013 Rockstar Action Canada [Análise]

Julgo que existem dois factos que concorrem para esta mudança, sendo um deles mais determinante, e que passa pela mudança que o meio dos videojogos tem sofrido nos últimos anos em termos de histórias contadas, e formas de contar. Hoje é possível encontrar jogos que apresentam histórias com elaboração social capaz de nos questionar, e lançar na introspecção. Não temos apenas escapismo, entretenimento ou passa-tempo, temos viagens através de elaboradas redes de factos, eventos e personagens que nos prendem, nos motivam e nos ensinam.

O segundo facto, advém de eu ter tomado a decisão de levar os meus jogos, praticamente todos, até ao final. Até aqui, existiam muitos jogos que explorava as primeiras horas, estudava as mecânicas, o entrelaçamento formal com as histórias, e depois seguia para outro. Uma das explicações para tal, tinha que ver com a quantidade de jogos que queria explorar, conhecer e trabalhar. A partir do momento que passei a levar os jogos até ao final, o investimento de tempo por jogo, foi multiplicado por 3 ou 4 vezes, o que reduziu o número de jogos jogados em cada mês. Por outro lado, ganhei em experiência fruidora.

Filmes de Abril 2014

xxxx Le Trou 1960 Jacques Becker France

xxx The Last Days on Mars 2013 Ruairi Robinson UK

xxx American Hustle 2013 David O. Russell USA

xxx Dreamworld 2012 Ryan Darst USA

Ou seja, por vezes em termos do meu trabalho, não retiro muito mais do jogo, indo além das 4 ou 5 horas, mas o facto de levar o jogo ao final, permite-me ganhar uma compreensão alargada, contextualizada, e mais aprofundada de algumas decisões dos criadores. Por outro lado permite também ser recompensado com a expediência narrativa ficcional, que até aqui ia buscar ao cinema. Por isso se agora obtenho essas experiências através dos jogos, o cinema acaba por ser secundarizado. Aliás, isto não é diferente do que acontecia na minha relação com a literatura e cinema. Raramente lia ficção, dedicando grande parte do tempo de leitura à não-ficção, a ficção acabava por ficar para o cinema. Agora parece que a começo a obter a partir dos videojogos! Não sei se será para manter, depende dos jogos que forem surgindo, das histórias que nos quiserem contar, da forma como nos quiserem envolver. Vamos ver.

maio 08, 2014

O "regresso" do 2d

O regresso do 2d, e em força, graças à Ubisoft. Primeiro foram dois novos tomos de Rayman, que nos devolveram às origens do personagem e à essência da sua jogabilidade, agora chegou a vez de dar o salto e usar a base de trabalho não apenas para o gameplay mas também para o storytelling. Uma das críticas que tinha feito aqui a "Rayman: Origins" (2011) e "Rayman: Legends" (2013), tinha sido exactamente sobre a ausência de storytelling, algo em que as duas novas produções - "Child of Light" (2014) e “Valiant Hearts: The Great War” (TBD) - parecem agora querer deslumbrar.





Esta revolução operada pela Ubisoft está assente num motor de design de jogos proprietário, chamado UbiArt Framework, que não é mais do que um motor de jogos desenhado exclusivamente para criar jogos 2d. Pareceria anacrónico, não fossem os resultados que estão à vista com “Child of Light” (2014), acabado de sair, e “Valiant Hearts: The Great War” (TBD) que deverá sair em Junho. A ideia surge da equipa de Michel Ancel que trabalha a partir de Montpellier em França com uma equipa imensamente reduzida de pessoas (cerca de 10) quando comparado com as equipas que a Ubisoft tem no Canadá, acima das 2000, e noutras partes do globo, para desenvolver séries como “Assassins Creed”, “Far Cry”, “Tom Clancy’s” ou o tão aguardado “Watch Dogs”.

Trailer “Child of Light” (2014)


Trailer de “Valiant Hearts: The Great War” (TBD)

Este motor de jogos permite que se comece a desenvolver e a testar mecânicas de jogo imediatamente a partir de esboços de concept art [videos explicativos do funcionamento do motor 1 e 2 ]. Aliás quando olhamos para "Rayman" é isso que nos parece que temos ali, concept art ainda no seu estado puro, mas quando olhamos para "Child of Light" e “Valiant Hearts” toda a fasquia estética se eleva. Com "Child of Light" a operar numa base mais de aguarela, e “Valiant Hearts” recorrendo a composições de banda desenhada. Interessante ainda nestes dois novos jogos, é que não só se privilegiou o storytelling, como cada um destes o faz sob géneros de jogo distintos, sendo "Child of Light"orientado a RPG, e “Valiant Hearts” a aventura.
"The [UbiArt] pipeline for integrating art is really straightforward. An artist can draw concept art and integrate it directly in-game. It also allows level designers to create levels quickly and modify them on the fly. It’s the same for the animation system, which utilizes a puppet system that is very quick." [interview]
Mas esta revolução não se fica pela Ubisoft, basta olhar para o que a Unity tem andado a promover nos últimos tempos, acenando com ferramentas específicas para 2d, quando sempre se assumiu como um motor 3d. Os tutoriais e assets nesse campo não param de aumentar, e o interesse da comunidade é cada vez maior. De certa forma isto é também uma resposta ao colapso do Adobe Flash enquanto ferramenta de desenvolvimento de 2d interactivo.

Unity 2d Power

No meio de tudo isto não basta ter plataformas de desenvolvimento. Existe até um movimento na web para que a Ubisoft disponibilize o UbiArt em open source. Mas o essencial acaba por não estar aí, mas antes em toda a sensibilidade que a Ubisoft soube desenvolver para cativar os melhores artistas 2d, nas suas múltiplas variações, a trabalhar na Ubisoft.

maio 07, 2014

"Dream big, little one"

"Anya" (2014) é uma curta de animação deliciosamente emocionante, criada pela Brown Bags para promover o trabalho da ONG "To Russia With Love". O número de crianças em orfanatos na Rússia é bastante elevado e esta ONG dedica-se a criar melhores condições nos mesmos, assim como a procurar famílias de acolhimento. Nesta curta de cinco minutos podemos ver como os efeitos de melhores condições para crescer podem conduzir a uma vida que dará frutos... É um filme forte, com o objectivo de sensibilizar as pessoas a contribuírem para a causa.


"Dream big, little one."
"The idea was simple; we make an engaging piece of animation, one that ideally packs an emotional punch.
If people are charmed or moved by it, they show their appreciation by sending a donation directly to To Russia With Love.
Unlike an advert, people are more likely to share a film online with friends or family, which of course helps spread the word about the charity. It’s ‘visual busking’ in a way. We’re all used to charity singles and calendars, so we applied the same approach to a full five minute computer animated film instead."
 Damien O’Connor
 
"Anya" (2014)

DONATE

maio 03, 2014

“Papo & Yo” (2012)

A última parte de “Papo & Yo” deixou-me com um nó no estômago. Já tinha jogado quando saiu, mas não tinha terminado. Conhecia bem a história, tinha lido várias análises ao jogo e entrevistas com o criador, Vander Caballero, sabia que esta era a sua história pessoal. Ou seja, não foi a história em si que me bateu, foi o videojogo que me levou a estas emoções fortes, que perto do final estabeleceu uma ligação entre mim, Quico, a sua namorada e o seu pai. No final o videojogo conseguiu fazer-me sentir toda a ambivalência emocional que sente Quico na resolução do dilema, ajudar o seu pai ou desistir e conduzi-lo à destruição...


“Papo & Yo é sobre mim e sobre meu pai, um homem bom, mas também um mal. Como muitos, ele usou álcool e drogas para lidar com uma vida difícil, e eu fui pego no meio dele. O núcleo emocional do jogo é basicamente uma fábula sobre o meu relacionamento com meu pai.” Vander Caballero
Para produzir uma experiência com este alcance, “Papo & Yo” teve de desenvolver um conjunto de metáforas que se encarregaram de traduzir as acções, mas também os personagens e os sentimentos desta história melancólica. A meio do jogo as mecânicas começam a descolar da história, o seu carácter padronizado ainda que sempre muito bem contextualizado com imaginário perde-nos, mas mais perto do final tudo volta a encaixar-se. A duração da obra dá-nos tempo para reflectir sobre a relação que vamos vivendo com aquele Monstro. Quando chega a altura de tomar uma decisão sobre o futuro da relação, a fasquia emocional é colocada bem lá em cima por Caballero, mas posso dizer que é superada de forma magistral. Muito contribui para esta superação, a música e o bom controle da atmosfera do jogo, mas acima de tudo o conhecimento da linguagem de interatividade, o saber colocar o jogador no lugar de actor, levando-o a tomar partido, a querer agir.

"Papo & Yo" mostra como se podem discutir assuntos complexos e profundamente humanos, através de um videojogo. Como é possível usar a interactividade de modo expressivo, lançando os jogadores na indagação e questionamento, não apenas sobre aquilo que se presencia, mas sobre aquilo que se faz. Porque apesar do videojogo me ter conduzido a fazer, de forma linear, senti que o fazia, sinto que o fiz, porque o jogo me ajudou a tomar a decisão antes. Ou seja, no final estou com Quico, e quero fazer o que tem de ser feito...

maio 02, 2014

"Ni no Kuni: Wrath of the White Witch" (2013)

“Ni no Kuni” é uma experiência de encantamento, produzida com recurso aos imaginários coloridos e doces das fantasias de criança. Posto isto, devo dizer que não sou fã de RPG, menos ainda de JRPG. Obriguei-me a jogar “Ni no Kuni” apenas por este ser, em parte, criado pelo Studio Ghibli. De modo genérico, posso dizer que as primeiras duas horas são muito boas com a introdução da arte e storytelling, depois das 3 às 10 horas entramos no modo tutorial alargado, no qual se aprendem as mecânicas, se absorve muita informação, e se tem de suportar muitos diálogos redundantes. Quero por isso mesmo agradecer aqui ao Vítor Alexandre da Eurogamer, porque foi a sua análise que me deu forças para continuar até às 10 horas. A partir desse ponto entranha-se verdadeiramente o design do jogo, e começa-se a sentir a sua gratificação.




Qualquer pessoa que goste do trabalho de animação do Studio Ghibli, o estúdio de Miyazaki, irá gostar de “Ni no Kuni”, mas este não é um trabalho exclusivamente seu. Aliás a ideia original é de Akihiro Hino, o CEO da Level-5, empresa responsável por dezenas de títulos, grande maioria RPGs, como "Dark Cloud" (2000), "Dark Chronicle" (2002), "Dragon Quest VIII" (2004) ou ainda a série de enorme sucesso da Nintendo DS, o “Professor Layton”. Ou seja, temos por um lado um estúdio habituado a produzir arte de animação ao mais alto nível, e por outro uma empresa de jogos habituada a criar RPG de elevada qualidade, não sendo assim de estranhar que a primeira incursão do Studio Ghibli nos videojogos, resulte numa pequena jóia. Mais sobre isto pode ser visto no Making Of sobre o jogo (Parte 1  e Parte 2).

Começando pela arte visual, o melhor elemento do jogo, tenho de dizer que inicialmente fiquei um pouco decepcionado com a transição entre cutscenes 2d e gameplay 3d, porque a qualidade do 2d é muito superior. Digo inicialmente, porque à medida que o jogo avança as cutscenes em 2d são cada vez menos e menores. Deste modo as primeiras duas horas de jogo servem um pouco de introdução à transição do mundo 2d, marca de autor da Ghibli, para o mundo 3d. Ao longo do jogo podemos ver como a Ghibli se soube adaptar ao 3d, e trazer para esta abordagem gráfica muito daquilo que a torna singular. “Ni No Kuni” apresenta-se como universo formado de várias ilhotas, e vários reinos. Circulamos nas ilhas a pé, entre elas de barco ou dragão. Uma das particularidades da arte visual, mais interessantes, é o facto dos reinos serem apresentados como miniaturas, quando ali chegamos somos muito maiores que o reino, entrando as dimensões ganham a proporção normal. É um detalhe, mas encantador, capaz de conferir uma enorme graciosidade à fantasia do universo, mergulhando-o num imaginário infantil. Depois o tratamento dado à apresentação da natureza, como é comum no trabalho Ghibli, é todo ele soberbo, não apenas pela imaginação mas pela beleza e doçura com que é representado. Ainda no campo estético, não podemos esquecer a banda sonora, que ficou a cargo de Joe Hisaishi, o compositor habitual dos filmes da Ghibli (ver making of da música). Se o mundo gráfico é doce e belo, a música segue o mesmo tom, enfatizando e exponenciando ambos esses adjectivos.


E se a arte é de excelência, a história não lhe fica atrás. Somos Oliver, um miúdo de 13 anos que acaba de perder a mãe, e para quem a mais leve hipótese de a poder reencontrar e trazê-la de novo à vida, serve para seguir atrás e acreditar no mundo mais fantasioso alguma vez encontrado. A narrativa é linear, como se de um filme se tratasse, e por isso acaba não diferindo muito dos filmes da Ghibli que já conhecemos. Mundos paralelos, mundo real versus mundos imaginários, viagens entre mundos, criaturas imaginárias, duplos de almas, magia e feitiços, amigos, companheiros, príncipes e princesas, respeito pelo outro, pela natureza, muito carinho e ternura. A história vai progredindo à medida que vamos avançando, surpreendendo-nos sempre, mantendo-nos interessados em descobrir mais sobre os porquês, e o que vai acontecer a seguir. O final apresenta vários twists narrativos, alguns mais surpreendentes que outros, mas sempre muito envolventes. É uma história com valor universal, que qualquer pessoa deveria experienciar, capaz de elevar os valores sobre a nossa condição.

No design de jogo, surgem as piores partes do jogo, isto para quem como eu não for fã de JRPG (RPG Japonês). Assumo que apesar de atribuir nota máxima ao jogo, preferiria ter visto o jogo trabalhado enquanto acção/aventura, porque se os jogos RPG são objectos exigentes, um JRPG é ainda mais exigente. No fundo temos todo o trabalho da Ghibli e Hisaishi enredado por um enorme e complexo conjunto de regras, desenhadas com uma perfeição matemática, mas profundamente condicionadoras da experiência. Basta dizer que as primeiras 10 horas de jogo são passadas em modo tutorial, para assimilarmos a quantidade de regras que temos de aprender. Desde uma enorme quantidade de competências, feitiços, metamorfoses, armas, comidas e ingredientes que podemos usar para elevar as competências dos jogadores, até às regras do mundo que passam pela busca de corações, caça recompensas, ou recolha de selos que permitem aceder a novas competências, sem falar num número gigantesco de familiares (+300) que nos acompanham nas lutas, ao género de Pokemon, Skylanders ou Invizimals. Toda esta informação vem detalhada num livro de 300 páginas, o "Wizard's Companion" que o jogador vai conquistando ao longo do jogo, ou pode ser adquirido como livro físico na versão de colecionador do jogo.


Uma das regras mais estranhas, porque em termos psicológicos profundamente penalizadora, é o facto de perdermos 10% do nosso dinheiro sempre que queremos voltar ao jogo depois de  perdermos uma luta. Não bastava os “Saves” terem de ser realizados “inGame” e serem esparsos, ainda somos confrontados com a retirada de dinheiro caso queiramos permanecer no ponto mais próximo para voltar a tentar! Mas o pior acaba sendo mesmo o facto da Level-5 ter optado por seguir algumas das mais duras convenções dos JRPG, nomeadamente de “grinding” e “levelling” (combates repetitivos que elevam as competências dos nossos personagens, a XP), assim como de “dungeons” com “bosses” inultrapassáveis sem a XP adequada. Estes foram per se os principais responsáveis por ter desejado desistir do jogo várias vezes, ao longo das primeiras 10 horas.

Apesar de apontar estes problemas, sei que estão relacionadas com o género e não com qualquer problema de design concreto. Aliás o jogo parece um relógio em termos de design, nomeadamente no que toca à progressão, temos uma curva ascendente praticamente perfeita. Mesmo os problemas que tenho visto apontados à IA dos companheiros nas lutas, me parecem sem sentido, já que elas nada mais fazem do que reflectir o estado de XP que temos à chegada a cada dungeon. Se este não for adequado o sistema simplesmente não nos ajuda. Diga-se que todo o sistema de combate é bastante elaborado, fundindo o turn-based com real-time, assim como a luta física com a magia, o que nos obriga a trabalhar para aprender e dominar o sistema, mas que mesmo assim de pouco nos serve a cada momento sem a XP adequada.

Um outro ponto a favor é o mundo completamente aberto, que permite que circulemos por este com uma enorme sensação de liberdade, algo que se vai intensificando à medida que vamos tendo acesso a mais meios de transporte. A liberdade não dá apenas conta do nosso controlo sobre o mundo, mas do acesso à beleza e atmosfera que o jogo desenvolve gerando em nós a vontade de nos perdermos por entre aquelas ilhas ao longo de longas horas. Por outro lado o "levelling" em conjunto com as lógicas próprias dos mundos abertos acaba por produzir um jogo que requer de nós um investimento mínimo de 40 horas para se ver o fechamento da história principal. E sendo aberto, depois de terminarmos o jogo, somos convidados a voltar a entrar no chamado pós-jogo onde nos esperam mais de 100 sidequests, com mais alguns bosses, fora os vulgares tesouros e troféus e que facilmente poderão oferecer mais 20 horas de jogo. Como vi várias pessoas dizer na rede, todas estas horas de jogo seriam uma delícia quando tínhamos 10 anos, mas em adulto torna-se muito complicado gerir tanto tempo. Eu precisei de 3 semanas para colocar 45 horas no jogo, além de que dava para ter visto quase 20 filmes.

Para fechar o design, sente-se que o jogo vive demasiado das lutas, que por sua vez quebram a relação jogo/narrativa, mas esta quebra é por sua vez compensada por todo um sistema de mecânicas paralelo às lutas, que assenta em quests orientadas à busca de "tipos" de corações, que precisamos de obter e oferecer aos personagens que se encontram com os "corações partidos". Uma mecânica que revela a essência narrativa do jogo, que nos liga profundamente à história, e que assim enreda vigorosamente jogo e narrativa.

Em jeito de síntese, a história é bastante apelativa, apesar de nunca deixarmos de ter de realizar lutas para fazer "leveling up", sendo o melhor a arte (visual e musical). O todo gera uma atmosfera que inspira pura imaginação e fantasia, a viagem completa é uma experiência inesquecível.


Links de interesse
Ni No Kuni guide: 20+ essential tips to get you started, in Destructoid
Before You Start... Tips For Playing Ni no Kuni The Best Way, in Kotaku