fevereiro 09, 2014

Ira Glass sobre Storytelling e Criatividade

Ira Glass é um dos mais conceituados apresentadores da rádio americana, um meio no qual trabalha há mais de 30 anos. Ao longo da sua carreira foi agraciado com vários prémios e um doutoramento honoris-causa. A sua capacidade e mestria como contador de histórias é amplamente reconhecida, e é por isso que vale a pena parar para ouvir o que tem a dizer nesta entrevista para Public Radio International, sobre o modo como conta histórias, como as encontra, assim como como se atinge este estado de mestria.




Definição de história nos Media
Na primeira parte da entrevista, Glass fala sobre o que define uma história. Começa por dizer que as histórias nos media são diferentes daquelas que nos habituámos a escrever na escola. Assim Glass define dois blocos de construção para qualquer história a ser contada através dos media,

1 - A anedota, ou pequena história 
É uma sequência de acções, "primeiro aconteceu isto… e depois aconteceu isto… e a seguir aquilo… depois ele fez assim… e chegou àquele sítio…"
"The power of the anecdote is so great...No matter how boring the material is, if it is in story form...there is suspense in it, it feels like something's going to happen. The reason why, is because literally it's a sequence of events...you can feel through its form [that it's] inherently like being on a train that has a destination...and that you're going to find something..."
Esta sequência tem de ser gerida por meio de um ritmo, determinada por uma batida (beats) que são as questões que se vão colocando a cada momento: "Porque aconteceu isto? Porque foi ele para lá? Onde é aquele sitio?"
"The anecdote should raise a question right from the beginning. It's implied that any question you raise, you're going to answer it. The shape of the story is that you are throwing out questions, to keep people watching or listening, and then answering them along the way."
Isto que Ira Glass define como a "anedota", é no fundo aquilo que David Bordwell define como "hipothesizing". Bordwell explica-nos que no cinema estamos continuamente a lançar hipóteses mentais sobre o que vai acontecer a seguir. A nossa curiosidade guia-nos e mantém o nosso interesse desperto. Por isso tendo a definir muitas vezes a arte do storytelling como a arte de gerir expectativas.

2 - Momento de reflexão
A sequência de acções, que nos colocou dentro de um comboio em movimento, tem de nos conduzir a algum lado, tem de nos questionar e surpreender, tem de dizer alguma coisa.
"Why am I wasting time hearing this story... you have the two parts of the structure, you have the anedocte and the moment of reflection... and often you'll have an anedocte that just kills, that is so interesting... but in the end it means absolutely nothing... it doesn’t tell you anything new...
And sometimes we know we have something here, something kind of compelling but it just doesn’t seem to become together... and often it's your job to be kind of ruthless and understand that either you don't have a sequence of actions or you don't have a moment of reflection, and you're going to need both."
Primeira parte da entrevista

Em suma, os dois blocos que Ira Glass considera centrais para a construção de qualquer história, são os mesmo que se consideram centrais desde o início dos estudos da narratologia, a Fabula e o Syuzhet, ou seja o conteúdo e a forma, a história e o discurso. Aquilo que Glass aqui faz diferente, é que lhes dá um tom específico, não fica pelo discurso seco e objectivo do nosso discurso académico. Glass concretiza como deve funcionar o syuzhet e a que deve responder a fábula.


Encontrar uma boa história
Na segunda parte da entrevista Glass fala dos problemas de se encontrarem boas histórias, ou seja boas fabulas para contar. E apesar de parecer um queixume da profissão, acaba por ser imensamente relevante, já que tão poucas vezes se fala da mesma:
“Often the amount of time it takes to find a good story, takes more  time than to produce it.”
Uma frase que vem totalmente de encontro ao que não me canso de repetir, a propósito dos aspectos criativos, da criatividade, e da produção e partilha de conteúdos, que é que nada podemos criar, sem muito antes consumir.
"You’ll have to get rid of a lot of crap before you get to anything special. Because you don’t want to do mediocre work. The only reason you want to do this, is because you want to do something memorable, something special."

A evolução do processo criativo
Na terceira parte Glass vai apresentar um dos pontos altos da entrevista, e que mais tem sido partilhado online a propósito do processo criativo ao longo da vida. Mais uma vez, não é nada de novo, mas sim a forma como é exposto, a sinceridade e autenticidade da apresentação.
"Nobody tells people who are beginners — and I really wish somebody had told this to me — is that all of us who do creative work … we get into it because we have good taste. But it’s like there’s a gap, that for the first couple years that you’re making stuff, what you’re making isn’t so good, OK? It’s not that great. It’s really not that great. It’s trying to be good, it has ambition to be good, but it’s not quite that good. But your taste — the thing that got you into the game — your taste is still killer, and your taste is good enough that you can tell that what you’re making is kind of a disappointment to you, you know what I mean?

A lot of people never get past that phase. A lot of people at that point, they quit. And the thing I would just like say to you with all my heart is that most everybody I know who does interesting creative work, they went through a phase of years where they had really good taste and they could tell what they were making wasn’t as good as they wanted it to be — they knew it fell short, it didn’t have the special thing that we wanted it to have.

And the thing I would say to you is everybody goes through that. And for you to go through it, if you’re going through it right now, if you’re just getting out of that phase — you gotta know it’s totally normal.

And the most important possible thing you can do is do a lot of work — do a huge volume of work. Put yourself on a deadline so that every week, or every month, you know you’re going to finish one story. Because it’s only by actually going through a volume of work that you are actually going to catch up and close that gap. And the work you’re making will be as good as your ambitions. It takes a while, it’s gonna take you a while — it’s normal to take a while. And you just have to fight your way through that, okay?"

"The Gap" (2014) de Daniel Sax, é um pequeno filme que procura dar corpo a este momento da entrevista de Ira Glass. Algo que já tinha sido antes também transposto para visualização tipográfica por David Liu

Glass expressa tudo isto a propósito daqueles que querem criar vídeo, mas serve para qualquer atividade criativa. O que Glass aqui fala é do desenvolvimento da mestria, um processo moroso, o qual ficou conhecido nos últimos anos como as 10 mil horas necessárias para nos tornarmos especialistas. Mas mais uma vez, Glass apresenta isto de uma forma tão vívida, e sentida, que se torna impossível para nós, não nos revermos naquilo que ele diz.

Eu próprio fico a questionar-me, quando há quase 15 anos tomei a decisão de abandonar a realização/edição video, para me dedicar exclusivamente à investigação. Nessa altura, dei-me conta que tudo aquilo que tinha conseguido fazer até ali, estava longe de me satisfazer. Conhecia à minha volta quem fosse capaz de fazer melhor, e na confrontação, não consegui continuar aquele caminho. Talvez tivesse precisado de investir mais tempo, como diz Glass. Por outro lado, não me arrependo. Julgo que tudo passa por decisões que tomamos em certos momentos da nossa vida, e decidimos avançar. Podemos olhar para trás e questionar como teria sido, mas não adianta ficar parado a questionar.

fevereiro 07, 2014

Problemas das teorias de Gottschall sobre o Storytelling

“The Storytelling Animal: How Stories Make Us Human” (2012) é um livro de Jonathan Gottschall que procura apresentar uma teorização do ato de contar histórias (storytelling) a partir de uma abordagem evolucionária. Gottschall traça a partir da universalidade da presença das histórias na espécie humana, alguns factores que contribuíram, e continuam a contribuir, para a sua centralidade nas nossas vidas. Apesar de ser um bom livro, que traz algumas ideias interessantes e algumas deduções inovadoras, não deixa de apresentar alguns problemas que procurarei aqui discutir.


A minha maior objecção ao livro está na abordagem absolutista seguida por Gottschall na busca por uma única resposta à função primordial das histórias, questionando tudo aquilo que sabemos. Colocando em causa, muitas vezes sem qualquer razão para tal, apenas porque precisa de preparar o caminho para a resposta que tem em mente. Esta problemática acontece essencialmente porque Gottschall não delimita o conceito de história, cometendo um dos maiores erros que se pode cometer numa pretensa análise científica de um objecto/conceito, a ausência de delimitação do objecto. Gottschall trabalha assim ao longo de todo o livro, o conceito de história, como se ele pudesse ser sinónimo de: Ficção, Cognição, Teoria da Mente ou Simulação Mental. Deste modo, a encruzilhada a que chega é pior do que um enredo não-linear, com múltiplos finais.

Para agravar este problema, Gottschall trabalha toda a sua problemática a partir de um único modelo de histórias, o dos contos de fadas, seguido por Hollywood. A razão porque o faz, é porque segundo ele, as alterações a esse modelo de contar histórias, realizadas por Proust ou Joyce na Literatura, e posso acrescentar por exemplo Jarmusch no Cinema, interessará apenas aos “English professors, no one much wants to read them”. Isto é de uma boçalidade, sem sentido. Uma incapacidade de compreender a evolução da formação do gosto. Sim, nascemos desenhados para nos questionar sem parar, sobre “o que vai acontecer a seguir”, a isso chamamos curiosidade. Mas ela é apenas rudimentar à nascença, à medida que crescemos, e consumimos histórias, a nossa percepção e cognição vai-se alterando, porque cada vez mais educada. O mais ridículo, é que a meio do livro Gotschall até define a importância das histórias, embora limite isso à ficção,
“The constant firing of our neurons in response to fictional [sic] stimuli strengthens and refines the neural pathways that lead to skillful navigation of life’s problems. From this point of view, we are attracted to fiction [sic] not because of an evolutionary glitch, but because fiction [sic] is, on the whole, good for us. This is because human life, especially social life, is intensely complicated and the stakes are high. Fiction [sic] allows our brains to practice reacting to the kinds of challenges that are, and always were, most crucial to our success as a species.” (p.124)
É isto que podemos encontrar em Brian Boyd em “On the Origin of Stories: Evolution, Cognition, and Fiction” (2009), as histórias são o brincar virtual, um brincar em potência. Aquilo que nos prepara para a vida adulta, mas continua sempre connosco depois de deixarmos de brincar fisicamente. Mas Gottschall insatisfeito, quis ir mais longe, e determinar que as histórias, são mais do que isto, que
“Story enculturates the youth. It defines the people. It tells us what is laudable and what is contemptible. It subtly and constantly encourages us to be decent instead of decadent” (p.237)
Um argumento sem qualquer sustentação. A história não tem moral, a história é um modo de organização de informação. Se essa informação é moralmente correcta ou incorrecta, não é relevante para a estrutura. Se as histórias tivessem como função essencial humana a moralidade, não existiriam histórias sem moral, nem contra moral, e assim os filmes de Goebbels nunca teriam existido.

Estas ideias acabam por surgir a Gottschall a partir de outras ideias que vai defendendo ao longo do livro, como o facto das histórias servirem de pouco em termos biológicos já que apenas servem de entretenimento e evasão. Ou seja cometendo a gafe de equivaler as histórias a ficção, esquecendo que toda a não-ficção continua a servir-se do modelo de história. Algo que bem se vê no exemplo hipótese que estabelece entre a tribo prática e a tribo contadora de histórias. Ali só cabem as histórias de evasão, esquecendo toda a restante forma de passar conhecimento entre gerações. Esquecendo, que se a nossa espécie progrediu foi apenas porque foi capaz de transmitir e acumular conhecimento de geração para geração, e o modo como essa transmissão aconteceu foi totalmente fundamentado no contar de histórias.

Gottschall enreda-se numa circularidade, na busca pelo fundamento biológico, do qual acaba por não conseguir sair, dizendo a certo ponto mesmo:  “It suggests that the human mind was shaped for story, so that it could be shaped by story”. O que dizer disto? Pela teimosia absolutista de encontrar o fundamento funcional, acaba a defender o acaso evolutivo! O que incomoda, porque o brincar mental, com ideias organizadas em modo história, não é um acaso, foi aquilo que permitiu a esta tribo sobreviver num ambiente hostil, ser selecionada pela natureza, por causa da sua capacidade de verbalizar ideias, e passá-las de geração em geração.

As histórias não surgiram porque sim, nem porque as pessoas queriam um cinema privado na sua mente. Assim como as histórias não são tábuas de mandamentos, que dizem aos seres humanos como se devem comportar. As histórias são bocados de conhecimento, que cada um de nós possui sobre algo que experienciou, e que cada um de nós transmite, de forma mais ou menos abrilhantada, ao próximo, através de uma estrutura que convencionámos apelidar de história. Essa é no fundo a essência da arte, transmitir algo que conhecemos, recontado da realidade ou inventado por nós, ainda que sempre baseado em vestígios de realidade, ao próximo.

No último capítulo Gottschall procura responder ao futuro do storytelling, dizendo que este não desaparecerá, assim como nunca houve tanto como existe hoje, apesar de muitos reclamarem que as pessoas não leem, ou que a poesia desapareceu. O que dizer do sucesso de Harry Potter, ou Game of Thrones, ou Dan Brown, entre muitos outros! Ou das dezenas de séries de TV, dos milhares de novos filmes por ano! Na poesia, como diz Gottschall, o que dizer da canção, do rap! Concordo, só não concordo quando concretiza as suas ideias de futuro.

Gottschall agarra-se aos videojogos, em particular aos MMORPG, e às suas encarnações anteriores, Live Action RPG (LARP), para avançar para um suposto novo mundo de histórias no qual todos contamos a nossa própria história, encarnando personagens, improvisando, e fazendo-de-conta. Aqui mais uma vez mistura coisas distintas, o improviso, o fazer-de-conta, e a ação efetiva. Esquece que as histórias são diferentes do Brincar, e são diferentes do Jogar. Que não são algo menor, que todas estas componentes são necessárias e que até podemos cruzar as mesmas para criar abordagens mais completas e ricas. Mas isso não quer dizer que o futuro será apenas e só esta fusão, uma fusão que no fundo foi aquela que deu origem à tribo que contava histórias.

Para fechar, é um livro interessante, que se lê muito rapidamente, e permite ficar a conhecer alguns conceitos mais alargados sobre a ciência das histórias, mas deve ser lido com alguma parcimónia, já que no que toca a conceitos, existe aqui muita coisa colocada no mesmo prato da balança, que em termos científicos não é aceitável, e pode causar alguma confusão.

fevereiro 06, 2014

Resultados da investigação portuguesa

No seguimento do texto de ontem, sobre a acusação de ausência de resultados da investigação nacional, quero deixar aqui mais uma demonstração dessa falsidade. Uma patente desenvolvida pelo engageLab a partir de um projecto financiado pela FCT, EngageBook: touch, read and play, esteve na base da tecnologia Bridging Book, que agora foi licenciada para uso exclusivo mundial pela Hung Hing Printing (Hong Kong).


Uma patente que demorou mais de um ano a desenvolver, tendo surgido sem um objectivo concreto. Apenas procurávamos criar novas interfaces para o livro em papel. Foi da muita teoria à mistura com a experimentação constante que surgiu o novo objecto. O modo como se gerou foi assim bastante orgânico, a partir do choque de diferentes culturas científicas, e de modelos de trabalho.

Inicialmente alguns de nós fomos até incrédulos quanto ao seu potencial, mas as diferenças culturais que se cruzaram no laboratório permitiram ver caminhos futuros diferentes para o seu uso. O impacto e a excelente recepção que a tecnologia teve online (Gizmodo, Time, Mac Observer, CNET, etc.), contribuiu também para perceber o potencial, que se confirmaria nas primeiras reuniões com grandes editoras internacionais.

Este trabalho é assim fruto do engageLab, um laboratório criado em 2009, pelo Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade e pelo Centro Algoritmi, ambos da Universidade do Minho. Todas as pessoas que aqui trabalham fizeram parte deste projecto, e contribuíram de muitas maneiras para que este se concretizasse. Contudo não posso deixar de frisar que o núcleo foi constituído pela Ana Figueiredo, que implementou boa parte, e defendeu a sua tese de mestrado sobre esta tecnologia, pela Ana Lúcia responsável por toda a ilustração e que fará dos usos da tecnologia o fundamento do seu doutoramento, pelo Pedro Branco que introduziu toda a sua vontade de experimentação e de fazer coisas fora da caixa, em conjunto comigo que procurava novas interfaces na teoria, juntando toda a sabedoria e conhecimento acumulado da Eduarda Coquet.

Bridging Book Technology (2014) by engageLab

Press Release Oficial

fevereiro 05, 2014

Manipulação da democracia, e a praxe da Ciência

Foi hoje revelado pela RTP que “O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia tem em mãos um documento interno cuja divulgação estará a ser retardada devido ao tom crítico com que se refere às políticas do Governo para a área da ciência e da investigação em Portugal”. [1] Passaram-se 3 semanas depois da reunião do CNCT, e ninguém mais questionou sobre este relatório, crucial para o futuro da Ciência em Portugal. Porquê?


A resposta está à vista, olhe-se para AGENDA dos media durante este período, e facilmente se perceberá, como foi possível tornar um dos assuntos mais relevantes para o futuro nacional, num assunto menor, sem importância. Ora vejamos,

15 Dezembro 2013 - Morrem na Praia do Meco 6 Jovens
26 Dezembro 2013 - Último corpo encontrado.

15 de Janeiro 2014 - Decorre uma missa em honra dos 6 jovens, com toda a normalidade   [2]
15 de Janeiro 2014 - Revelação do desastre ocorrido com as bolsas da FCT [3]
16 de Janeiro 2014 - Revelados os primeiros indícios sobre o Meco (trajes e telemóveis) [4]

18 Janeiro 2014 - Pais dos jovem pressionam sobrevivente [5]
20 Janeiro 2014 - Lusófona abre inquérito [6]
22 Janeiro 2014 - Meco em Segredo de Justiça [7]

23 Janeiro 2014 - Reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia [8]
24 Janeiro 2014 - Revelado que jovens traziam pedras amarradas aos tornozelos. [9]

27 Janeiro 2014 - Secretário de Estado pronuncia-se sobre Praxe e Meco [10]
3 Fevereiro 2014 - Prós e Contras sobre a Praxe [11]

4 Fevereiro 2014 - Passos critica anterior política para a ciência [12]
5 Fevereiro 2014 - Comunicado crítico para o Governo deixa Conselho para a Ciência num impasse [13]

Os bolseiros da FCT foram arrumados na prateleira, e as vozes dos cientistas, mais respeitados internacionalmente, caladas. Um assunto complexo, difícil de explicar à sociedade, e muito incómodo para o governo, é atirado para debaixo do tapete, de forma verdadeiramente magistral.

A 4 de Fevereiro quando se suspeita que a comunicação social poderá vir falar sobre o atraso do relatório, Passos Coelho fala, antecipando o que eles possam dizer, descredibilizando-os totalmente.
“Durante vários anos, conseguimos transferir mais recursos para o sistema e atribuir mais bolsas. No entanto, quando medimos depois o número de patentes que são registadas, o número de artigos científicos que são publicados, quando medimos o resultado e a qualidade desse resultado, nós passávamos de indicadores que pareciam comparar muito bem com os países com que gostamos de nos comparar para comparar muito mal sempre que olhávamos à substância dos indicadores” Passos Coelho a 4.2.2014 [12]
Aquilo que foi ontem dito por Passos Coelho, é FALSO, é MENTIRA. As provas estão na imagem abaixo, criada pela revista Nature e publicada a 19 de Dezembro de 2012 [14]. Ou como se pode ver no último levantamento da Times Higher Education (THE), das 100 Melhores Universidades com menos de 50 anos, em que aparecem destacadas três universidades nacionais [15]. Ou como se pode ver ainda na comparação que realizei entre Portugal e três países europeus, com densidade populacional aproximada.

Mapa das publicações científicas mundiais de todo o ano de 2012, no qual se pode ver Portugal bastante bem representado face aos países da sua dimensão. [14]

THE 100 Under 50 de 2013, com 3 Universidades portuguesas. [15]

Comparação de produção de artigos científicos entre países de dimensão aproximada (1996-2012). Em 15 anos Portugal aumentou 7 vezes a sua produção, enquanto todos os outros três países o fizeram apenas 2 vezes.  [17]


Troca-se a Ciência pelo Meco. O país passa a preocupar-se com a Praxe, algo terrível, que apenas por coincidência brota das Universidades. Tudo isto não é em nada diferente do modo como Passos Coelho foi eleito Primeiro Ministro, já explicado por um dos manipuladores de opinião online, na sua recente tese de mestrado, que deu origem a uma reportagem na Visão, Ascensão e queda de Passos, versão 2.0 [16].

Para todos estes actores nacionais, não interessa verdadeiramente o país, não interessa o futuro de um povo, interessa primeiro o seu futuro, e esse depende apenas e só das aparências. Quanto melhor ficarem na fotografia, ou seja quanto melhor conseguirem manipular os que os rodeiam, mais hipóteses terão de serem contratados por uma grande empresa à saída, ou um cargo de relevo no FMI, na Comissão Europeia, no BCE ou até no Goldman Sachs.

Porque esse é o trabalho de um verdadeiro político, manipular as crenças, não resolver problemas.

[1] RTP Online, 5 Fevereiro 2014
[2] Correio da Manhã, 15 de Janeiro 2014
[3] Público, 15 de Janeiro 2014
[4] DN, 16 de Janeiro 2014
[5] Expresso, 18 Janeiro 2014
[6] Sol, 20 Janeiro 2014
[7] ASJP, 22 Janeiro 2014,
[8] RTP, 23 Janeiro 2014
[9] Público, 24 Janeiro 2014
[10] RR, 27 Janeiro 2014
[11] RTP, 3 Fevereiro 2014
[12] Público, 4 Fevereiro 2014
[13] RTP Online, 5 Fevereiro 2014
[14] Nature, 19 Dezembro 2012
[15] THE, 2013
[16] Visão, 21 Novembro 2013
[17] SJR, 6 Fevereiro 2013

fevereiro 04, 2014

criatividade, participação e experiência

Os últimos shots of awe de Jason Silva, Creativity is Madness (2014) e Transfixed by Beauty (2014), fizeram-me reflectir sobre várias questões que me perseguem há vários anos, nomeadamente a problemática da relação entre a loucura e a arte, assim como as razões que suportam a existência desta, o sentimento de belo e os problemas da criação colaborativa. Para esta segunda questão, prefiro seguir "The Art Intinct" de Dennis Dutton, ainda assim a abordagem de Silva é aqui bastante relevante.


A questão da loucura em Creativity is Madness (2014), é abordada seguindo uma lógica suportada por muitos dos maiores artistas que se apresentaram por meio de personalidades neuróticas, com caráter depressivo e grande excentricidade. De certa forma são essas características que permitem a estes artistas aceder a universos e mundos de ideias distintos que a maior parte de nós não consegue aceder. Sabemos que a criatividade advém de um olhar distinto, do sair da caixa da formatação que nos rodeia, e em certa medida isso é conseguido através deste modo de estar no mundo. No meio dessa abordagem Jason acaba por dizer algo que me deixou ali estático a pensar,
"We pay money, for them [artists] to take us to spaces where we can not go by ourselves." 
Creativity is Madness (2014)

Verdade. Mas isto fez-me questionar, não a propósito da arte ou criatividade em si mesmas, mas antes sobre as suas variantes participativa e colaborativa, tão em voga nestes tempos de internet. Porque se aquilo que buscamos na ficção é verdadeiramente ser surpreendidos pelo criador, é que este nos leve até ao "buraco" encontrado por Alice, e nos faça sentir aí, porque razão haveremos de ser nós a criar esse mundo, no sentido das narrativas interactivas? Porque razão hei-de querer escolher o que faz um personagem, ou escolher um caminho a seguir numa história?

Tudo isto não pode ser alheio ao facto de sempre ter sido muito difícil criar objectos profundamente inovadores em modo colaborativo. A esmagadora maioria das grandes obras de arte, têm apenas um director, podendo ter colectivos que suportam tecnicamente a implementação da visão do artista.

Transfixed Beauty (2014)

Como diz depois Jason em Transfixed Beauty, o que nós queremos e esperamos da arte e do belo, é conseguir parar o tempo, é ser transportado para um espaço não-existente, sem regras nem obrigatoriedades. A evasão para fora do Eu, momentos de pura Transfixação.

Porque a arte não é objecto, é mundo, como diz Roy Ascott,
"Stop thinking about art works as objects, and start thinking about them as triggers for experiences. (Roy Ascott's phrase.) That solves a lot of problems: we don’t have to argue whether photographs are art, or whether performances are art, or whether Carl Andre's bricks or Andrew Serranos's piss or Little Richard’s 'Long Tall Sally' are art, because we say, 'Art is something that happens, a process, not a quality, and all sorts of things can make it happen.' ... [W]hat makes a work of art 'good' for you is not something that is already ‘inside’ it, but something that happens inside you — so the value of the work lies in the degree to which it can help you have the kind of experience that you call art." Brian Eno

fevereiro 02, 2014

Filmes de Janeiro 2014

O mês de Janeiro foi recheado, acabei jogando muito pouco, sobrando para o cinema. Dei uma nota máxima ao último de Jonze, Her, e quase dei também a Prisoners de Villeneuve e Everyday de Winterbottom. 12 Years a Slave é também muito bom, e um forte candidato ao Oscar, ao contrário de Her, mas McQueen já nos deu trabalhos superiores. Pelo caminho algumas desilusões, Jeune et Jolie de Ozon, e o badalado Fruitvale Station de Coogler. Também esperava mais de Frozen, ou talvez não, julgo que a Pixar nos habituou mal, e a Disney do momento não passa de uma máquina de fazer dinheiro, o verdadeiro talento do grupo está todo refugiado no seio da Pixar. Já o remake de Evil Dead, é mesmo para esquecer.

xxxxx Her 2013 Spike Jonze USA [Análise]

xxxx Le Passé 2013 Asghar Farhadi Iran/France

xxxx Prisoners 2013 Denis Villeneuve USA

xxxx 12 Years a Slave 2013 Steve McQueen USA

xxxx Captain Phillips 2013 Paul Greengrass USA

xxxx Everyday 2012 Michael Winterbottom UK

xxxx Le Prénom 2012 Matthieu Delaporte France

xxxx Last Station 2009 Michael Hoffman UK


xxx Frozen 2013 Chris Buck USA

xxx This Is the End 2013 Evan Goldberg, Seth Rogen USA

xxx Gloria 2013 Sebastián Lelio Chile

xxx Hannah Arendt 2012 Margarethe von Trotta Germany

xxx Aguirre The Wrath Of God 1972 Werner Herzog Germany


xx Jeune et Jolie 2013 François Ozon France
xx Fruitvale Station 2013 Ryan Coogler USA
xx The Call 2013 Brad Anderson USA
xx Escape Plan 2013 Mikael Håfström USA
xx Riddick 2013 David Twohy USA

xx Passion 2012 Brian De Palma France
xx Girl Most Likely 2012 Shari Springer Berman USA
xx Mother and Child 2009 Rodrigo García USA

x Evil Dead 2013 Fede Alvarez USA
x Lockout 2012 James Mather, USA


Para ver as notas dadas nos meses anteriores podem seguir a etiqueta FilmeMês. Para acompanhar as notas que vou dando ao longo do mês, ou ver a listagem de notas dos últimos anos podem visitar a minha folha de notas online.

janeiro 29, 2014

Entrevista com Carlos De Carvalho - Diretor Digital

Carlos De Carvalho (38), é francês, filho de portugueses, nascido em Lille, França. Fez a sua formação de base numa escola de artes belga, a Saint Luc de Tournai, na área de ilustração e design gráfico (7 anos) e depois terminou a sua formação, em cinema digital (2 anos), na Supinfocom, Valenciennes, França. A sua recente curta de animação "Premier Automne" (2013) ganhou 15 prémios, em festivais um pouco por todo o mundo, de Tokyo a Buenos Aires.

"Juste de l’eau" (2014) (análise e filme completo)

Assim que vi a sua nova curta, “Juste de l’eau” (2014) quis imediatamente conversar com o Carlos. Porque se já tinha ficado imensamente impressionado com Premier Automne, agora parecia-me que as dimensões técnica e estética tinham atingido todo um novo patamar. Por isso trocámos várias ideias, e aqui fica o resultado dessa conversa.

"Premier Automne" (2013) (análise e filme completo)


1 - De onde veio a ideia para “Juste de l’eau”?
:: Para mim "Juste de l’eau" é um bom resumo do meu trabalho. O meu trabalho é muito baseado na interpretação que o espectador possa fazer dele. Responder cabalmente a essa pergunta seria como congelar a história do filme. Direi apenas que existe alguma da minha fantasia na ideia de que sou de Portugal, e muito do meu amor por este país.



2 - Como foi financiado o filme? 
:: O filme é inteiramente auto-produzido, eu sozinho durante um mês de pré-produção, e depois três meses de produção com uma equipa de 6 pessoas.


3 - O estúdio JeRegarde é um estúdio independente, como é que vocês financiam o vosso trabalho? 
:: Je Regarde é um coletivo que reúne muitos artistas de diferentes origens. Como Masanobu e Shino que trabalham e vivem no Japão, ou Andrea que vem de Itália. Os restantes membros são franceses. O financiamento dos nossos projetos é altamente variável. Por exemplo, "Premier Automne" recebeu apoio financeiro por parte das autoridades e de assistência a nível local e nacional (CNC).
No entanto, "Juste de l'eau", não teve qualquer apoio financeiro. Aconteceu tudo muito rápido. E a obtenção de subsídios é um processo muito longo e tedioso. Por isso alguns projetos podem ser montados sem financiamento por causa da flexibilidade e velocidade a que decorrem.


4 - Como está a produção de animação em França para jovens criadores? É um país que apresenta boas oportunidades a quem quiser deslocar-se, para aí fazer uma carreira?
:: Embora a obtenção de financiamento seja um processo longo e tedioso, em França temos um dos melhores sistemas de financiamento para curtas-metragens. Não acho que seja a melhor a pessoa para responder à pergunta sobre a vinda de criativos para França. O que posso dizer é que há um montes de oportunidades, porque França é neste momento o terceiro maior produtor de animação do mundo. Além disso, as escolas da área, pela qualidade da sua formação ganharam uma reputação internacional, exemplos como Supinfocom, Les Gobelins, La Poudrière...


5 - A julgar por um filme tão próximo de Portugal, gostarias de viver e trabalhar em Portugal?
:: Sim, se surgir a oportunidade, será um prazer viver e trabalhar em Portugal.



6 - Em termos estéticos, e percebendo que é uma marca de algumas animações tuas, o que buscas com aquele efeito de centrifugação da imagem? É apenas um efeito visual, ou tem algo mais subjacente?
:: A minha abordagem não é reproduzir a realidade, mas antes garantir a maior distância possível. Eu procuro todos os meios possíveis para extrapolar e expandir o meu universo, sem me fixar no realismo. Essa liberdade, e despreendimento, torna o meu trabalho muito mais fácil, pelo menos para mim. Estas perspectivas amplificadas, permitem-me colocar as minhas linhas de força onde quero, a fim de compor as imagens como pretendo.



7 - No teu filme anterior, "Premier Automne" essa técnica não está presente porquê?
:: "Premier Automne" é essencialmente um mundo vegetal em curva. A característica visual é principalmente sobre o fundo negro que absorve leves toques de vegetação. Este é um universo introspectivo e espectral. As perspectivas distorcidas são mais facilmente adaptadas às linhas retas como linhas de edifícios. Por outro lado, cada filme tem sua própria identidade e espero desenvolver um novo estilo visual para cada novo projeto.


8 - O que quer dizer o ganso morto nas costas do pequeno porco?
:: A primeira vez que vemos o personagem principal, parece que enfrentamos um anjo. O contra-campo corrige a percepção deste porquinho para nos mostrar um animal morto. Eu gosto deste contraste. Ajuda a diferenciá-lo dos outros porquinhos, e a tornar visível ao espectador a representação da sua alma morta. Também é importante para simbolizar o que leva da vida, e no final a esperança.


9 - Que técnicas e tecnologias foram utilizadas para a criação do filme?
:: Os personagens, as caravelas, e a água é tudo em 3D, feito com Softimage. O resto é feito a partir de ilustração 2D, com muita composição em After Effects. Tentamos otimizar o trabalho, há coisas que são mais rápidas em 3D, e por vezes outras são mais rápidas em 2D.


10 - Qual foi a cena mais complicada de compor?
:: Todas as cenas de multidão foram bastante complexas. Houve muita animação para gerir e colisões a serem evitadas.



11 - Existe algum detalhe técnico que te deixe particularmente orgulhoso neste filme?
:: Embora o plano seja muito curto, fiquei muito feliz com o resultado da dança dos porcos casados que se transformam em monstros. Esta foi uma técnica que eu gostaria de ter desenvolvido e ampliado ainda mais. Para mim o 3D é muito rígido, por isso quis encontrar alternativas para que os personagens pudessem evoluir na sua aparência.



12 - Qual é o futuro desta curta? Vais enviar para Festivais, TV, etc?
:: Sim, é isso. Embora eu ache que a prioridade desta curta-metragem continue a ser a Web.


13 - E tu, como vai ser o futuro, que projectos novos tens?
:: Fazer curtas-metragens é caro. Eu não posso fazer isto por tempo indeterminado, por isso preciso de alternar com encomendas da publicidade. Sobre os meus projetos futuros, tenho um monte de ideias que gostaria de desenvolver, mas uma coisa de cada vez.


janeiro 28, 2014

um naturalismo especulativo

"Her" (2013) é um filme capaz de exercer sobre nós o encanto de um enredo tão entrelaçado como só a literatura sabe fazer. É ficção-científica, sem show nem artifício, apenas realidade, uma espécie de naturalismo especulativo. A tranquilidade do discurso em conjunto com a leveza visual dos tons pastel, muito própria da filmografia de Spike Jonze, conduz-nos através de uma história sobre o amor em tempo de relações virtuais.



“Her” tem tanto de distopia como de utopia. O isolamento a que os seres humanos se deixam votar, empurrados pelo progresso do seu individualismo, numa sociedade higienizada pelo digital, dá lugar ao romance do impossível. O computador pessoal, que passa a assistente pessoal, assume agora o lugar da alma gémea.

Nada mais temos feito do que evoluir intelectualmente, desenvolvendo conhecimento sobre aquilo que somos enquanto seres conscientes, e à medida que nos conhecemos melhor, isolamo-nos cada vez mais. Assumimos a identidade, como um Eu, porque só nós nos podemos sentir. Só nós sabemos aquilo que sentimos, mas não sabemos porquê, e quando questionamos os nossos semelhantes, não lhes encontramos respostas. Por isso o caminho para a individualização torna-se uma necessidade do desenvolvimento do nosso auto-conhecimento.

Com todo o auto-conhecimento acumulado conseguimos recriar algo semelhante a nós, uma espécie de inteligência artificial que nos imita, aprende e cresce a cada interação connosco. Mas assim como nós nos isolámos, esta acabará por fazer o mesmo. Quando a capacidade para abstrair a realidade, e a procura por respostas atinge o limiar da consciência humana, a fuga interior é a única escapatória.

Em "Her" deixamo-nos levar pelo desejo racional da possibilidade latente nos seres virtuais de algum dia se tornarem reais. Mas sabemos que tudo está no mero reino da especulação sem sustentação. Enquanto formos consciências presas dentro de corpos perceptivos, a premissa de "Her" não se poderá realizar. A fuga para o individualismo é real, mas apenas num plano mental, o nosso corpo terá sempre uma palavra a dizer. Podemos até desejar a fuga, podemos até sonhar com o contacto entre duas consciências, mas o corpo exigirá sempre a sua parte. A nossa consciência não existe sem este, porque aquilo de que somos feitos, é o todo que o suporta, e não apenas uma teia de ligações neuronais.

Se me sinto triste, alegre, ou com medo, é porque a configuração biológica das minhas vísceras assim definem o meu sentir. Sem elas não passo de um sistema de lógica, incapaz de ser. O sentir é predominantemente corpóreo, o contacto humano é fundamental, o toque humano representa muito mais do que um mero contacto de pele.

Spike Jonze produziu uma obra brilhante, capaz de questionar a sociedade atual e as mudanças que esta atravessa. Apesar da problemática mente/corpo que aqui levanto, a fuga para o interior é uma realidade dos nossos tempos. O final do filme aponta algumas pistas, mas cabe a cada um procurar as respostas.


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Design de Interacção em "Her"

janeiro 26, 2014

quando a animação reflete o país de origem

Há um ano falei aqui de Carlos Carvalho a propósito da sua multi-premiada curta de animação, Premier Automne (2013). Agora volto com o seu novo trabalho, "Juste de L’Eau" (2014) que trata um dos momentos de regresso a casa dos velejadores portugueses no auge dos Descobrimentos. Um tema que não é indiferente ao facto de Carlos Carvalho ser filho de portugueses, nascido e formado em França, tendo passado pela famosa escola Supinfocom.




Em Juste de L’eau (2014) Carvalho volta a universos visuais muito seus, nomeadamente a distorção e centrifugação dos cenários, a que já pudemos assistir em “L’Histoire de Rouge” (2008). Em Juste de L’Eau a distorção visual parece no entanto ser ainda mais intensa, o que em conjunto com a saturação e multiplicidade de cor, lhe dá todo um corpo surreal, como se Carvalho estivesse a transpor para o ecrã um sonho visto de longe.

Em termos interpretativos, podemos dizer que Carvalho se encena a si próprio, a olhar para todo aquele reconfortar de almas, fonte da saudade nacional, que desde os descobrimentos se apossou do nosso povo, para não mais o largar. São os velejadores que regressam de viagens duras, e encontram as famílias, num século XV, mas podiam bem ser imigrantes portugueses que regressam a Portugal no século XX. E quem por ninguém espera, assume aqui a sua melancolia, por sentir a falta dessa saudade, que só sente quem está longe. Em certa medida, poderia dizer que o título nos diz que a única diferença entre o século XV e o século XX, foi o caminho feito, apenas de água (juste de l'eau).

Impressiona-me ver estes artistas, com alma portuguesa, que trabalham espalhados pelo mundo, nunca precisaram do país, nem nunca este lhes ofereceu nada, mas eles continuam a recordá-lo como algo que lhes diz, que lhes fala, que transmite um pulsar. Ainda na semana passada aqui falava do último trabalho de Daniel Sousa, Feral (2012), agora nomeado ao Oscar 2013 de Melhor Curta de Animação, que apesar de não ser tão explicitamente sobre Portugal, como é Juste de L'eau, transpira atmosferas e costumes nacionais.

"Juste de l'eau" (2014) de Carlos Carvalho


Atualização 29.01.2014
Entrevista com Carlos De Carvalho

janeiro 21, 2014

"Emoções Interactivas", disponível gratuitamente

Cinco anos depois de ter sido publicado em papel, o meu livro "Emoções Interactivas. Do Cinema para os Videojogos" (2009) passa a estar disponível gratuitamente no formato PDF. Para quem o quiser adquirir em papel, pode continuar a fazê-lo nas lojas ou no próprio editor.


Este livro foi o resultado de cinco anos de pesquisa, resultando na minha tese de doutoramento em 2007. Depois de editado e reformatado para uma leitura mais acessível, saiu em 2009 na colecção Comunicação e Sociedade do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Durante os primeiros cinco anos mantive uma página dedicada, a que nunca consegui dar a atenção necessária, por isso acabei por criar uma página no Facebook para quem pretender comunicar sugestões, críticas, etc.


É um livro que trata o contar de histórias em universos virtuais a partir de uma abordagem multidisciplinar que mistura o Cinema, os Videojogos, a Emoção e a Tecnologia. Os capítulos que poderão ser mais relevantes para quem estuda o tema são os da primeira parte. Na segunda parte do livro é feita a apresentação do projecto realizado, e apresentam-se resultados que podem ser relevantes para quem trabalha no campo do design de mundos virtuais.
PARTE I

1. Natureza da Emoção Humana
2. Comunicação Afectiva
3. Da Ilusão Cinematográfica
4. Cinema e Tecnologia
5. Cinema de Entretenimento
6. Propriedades dos Ambientes Virtuais
7. Entretenimento Digital
8. Storytelling Interactivo


PARTE II

1. Estudo Empírico do Espectro Emocional
2. Problemática da Divergência Emocional
3. Análise de Conteúdos
4. Avaliação de classes e parâmetros
5. Correlação de classes e parâmetros
6. Caso Específico da Tristeza
Aqui fica então o link para descarregar o livro completo, no RepositoriUM ou no Academia.Edu.