março 07, 2013

a exploração dos criativos digitais

Os oscars de 2013 ficaram marcados pela contestação do grupo de trabalhadores do campo dos VFX (Efeitos Visuais). Uma área de trabalho cada vez mais importante para o cinema, mas que tem um reconhecimento em termos de mérito muito abaixo do seu valor. Esta falta de reconhecimento é dupla, porque acontece ao nível da contribuição para a estética final dos artefactos fílmicos, e depois ao nível da compensação financeira e ausência de estabilidade.


Começando pelo reconhecimento estético, que não é algo novo, mas está presente na Academia desde pelo menos 1982, o ano em que Tron não foi nomeado para o oscars de VFX. A lógica usada para excluir Tron dessa nomeação foi de que os criadores teriam feito batota na criação dos efeitos visuais ao utilizarem computadores! Fica o link para o excerto do livro em que falo deste acontecimento nos VFX. Esta lógica perdura ainda hoje, e cada vez mais, porque se em Tron era fácil distinguir o que era CGI e o que era imagem real, nos dias que correm isso deixou simplesmente de ser possível. Mesmo para um olho treinado, principalmente quando falamos de imagem em movimento, deixou de ser possível realizar essa distinção. Quando vemos o tigre de Life of Pi, só sabemos que aquilo não seria possível com um tigre real, de resto, não existe qualquer indicador visual que nos consiga garantir que não é real. Pior ainda quando falamos de filmes em que a evidência de poder ou não ser possível é menor, como é caso de Lincoln (VFX) ou Zero Dark Thirty (VFX).

Tron (1982)

Em termos estéticos os VFX servem o cinema cada vez mais em todas as frentes, não se trata apenas mais de criar o impossível, mas trata-se de um trabalho completo, que funciona como verdadeira pós-produção e que se ocupa de praticamente todo o filme. Como já se tornou prática dizer, nas rodagens de grande orçamentos, "We'll fix it in post production". E é claro que é possível, mas isso tem custos, não se trata apenas de fazer meia-dúzia de planos com um personagem 3d, de repente é necessário passar quase todos os planos através de algum processo de filtragem com olhar humano, e isso leva imenso tempo. E é aqui que começam a surgir os verdadeiros problemas da indústria de VFX que não são diferentes de praticamente toda a outra indústria criativa que trabalha com computadores.

Life of Pi (2012)

Criou-se na sociedade aquela ideia de que as coisas são feitas pelos computadores, a tal batota, e por isso é fácil, rápido e barato. Mas isto é uma das maiores falácias de toda a indústria criativa digital. Porque se é verdade que os computadores vieram acelerar todos os processos, trouxeram também um olhar muito mais clínico e perfeccionista, que não aceita que o boneco 3d se mova como se fosse um animatrónico (boneco mecânico), ele tem de se mexer de modo indistinto da realidade. Alguém aceitaria um tigre em Life of Pi que se movimentasse aos solavancos? Mas para isso são precisas muitas horas de trabalho duro, realizado por seres humanos, não são os computadores que fazem esse trabalho.
"Live action shooting can't go for 24 hours because they have union crews that expect to be paid. There's a cost factor and a turnaround time and all the other stuff, with people monitoring them and keeping them on track. But once the live action is done, there's nobody monitoring anymore, so the director and studio are free to change everything. They can ask for anything, and the VFX company has to do it. A director will go to the VFX guys late on and say something like, "Oh, I want to change all these skies. I want blue skies with fluffy clouds now." The problem is, that wasn't part of the original storyboards, so nobody would have predicted that, but the companies are reluctant to bill the studios. The studio might say, "Well, they charged us for this extra thing: we thought that would have been part of the deal!" So the effects companies accept the changes and don't pass the costs on to the client, so now what little profit they had, because they're competing against each other, is even less." Scott Squires entrevista na Empire
De repente para cumprir os prazos a companhia tem de contratar mais umas dezenas de pessoas. É possível fazer tudo o que possamos imaginar, mas alguém tem de o fazer, e esse alguém deve ser reconhecido por isso e como tal ser pago. Mas isso não acontece. Uma grande maioria trabalha por projecto, e não em empregos fixos. Quando o projecto acaba estão na rua. Durante esse projecto, passam quase todo o tempo em crunch-time, ou seja a fazer 90 a 120 horas (fonte) por semana para acabar o projecto a tempo de entrar na produção do filme A ou C. E depois ainda é preciso ouvir bocas de realizadores como Ang Lee que se queixam de que os efeitos são demasiado caros, ou pior,
“For a movie like this (“Life of Pi”) it’s very common for visual effects to take up half the budget. Some of those segments are so expensive. Millions of dollars have to be spent before the studio can see it. How do they approve that budget?” Ang Lee em entrevista à Variety.
A sério 50% do budget? Será que Ang Lee se deu conta que neste caso os VFX são responsáveis por quase 80% daquilo que se vê no ecrã?! Se acha que são caros, que faça mais Brokeback Mountain's, e deixe de desejar adaptar ideias literárias, impossíveis de filmar, ao ecrã.

Life of Pi (2012), com e sem os VFX da Rhythm & Blues, empresa que ganhou o Oscar para melhores VFX este ano, mas que apesar disso entrou em falência.

Para mim tudo isto é grave, não apenas por causa dos VFX mas porque vem colocar em evidência o problema clássico de quem trabalha indefeso, sem direitos, e sozinho. Os trabalhadores freelancer, ou por projecto de que aqui falamos, são aquilo que a sociedade está a tentar criar para todas as profissões. E este é o destino que nos espera. Ser espremido ao máximo em cada projecto, e ser jogado fora quando já não se é preciso. Deste modo a produção fica mais barata, porque não é preciso assegurar segurança social, seguros de saúde, subsídios de desemprego, etc. Cada trabalhador é apenas mais um bloco indistinto na engrenagem, facilmente substituível por qualquer outro, de preferência mais barato. Por isso a única resposta possível a tudo isto, só pode ser a criação de um sindicato para os trabalhadores de VFX.
"Visual-effects people pride themselves on being individuals, but the fact is that they work on projects and there are times when it's useful for people to gather as an organisation, to say, "No, we won't put up with this." We work really hard on what we do." Scott Squires entrevista na Empire
Não existe alternativa ao sindicato. Todas as outras profissões no cinema e televisão americanas são reguladas por sindicatos fortes, mas todas elas passaram pela mesma exploração que estão a passar os trabalhadores dos VFX, antes de se sindicarem. As pessoas têm de se mentalizar que o modelo individual não funciona, que é preciso unir-se, e defender-se a si e à sua profissão. Não podem trabalhar em freelancing e acreditar que não precisam de mais ninguém, são apenas eles e o cliente. Porque separados serão sempre explorados. Não é apenas a mão de obra barata do outro lado do mundo (Índia), não são apenas os apoios concedidos por países a certas indústrias para aí se instalarem (Canadá), não são apenas os clientes a exigir mais e mais e á última da hora, não é apenas o miúdo com qualidade que trabalha no quarto dos pais, sem pagar renda e com uma licença de software pirata. É tudo junto, tudo isto mina a qualidade de vida, e corrói a profissão.

Venham dizer-me que é corporativismo. E eu digo que não, que é antes defender a qualidade de vida, que é defender os mais fracos dos mais fortes, que é verdadeiramente viver em sociedade e contar com o próximo, e não ser atirado à sua sorte. Mais, que é preservar a profissão para que mais pessoas queiram enveredar pela mesma, e que o possam fazer sendo criativos e não meros escravos do pagamento a cada projecto incerto.

março 05, 2013

Criatividade colaborativa contra o Bullying

To This Day (2013) é um dos mais impressionantes projectos criativos colaborativos que vi até hoje. Um filme com 7 minutos e 37 segundos foi criado a partir de dezenas de segmentos de 20 segundos, em 20 dias por cerca de 80 animadores espalhados pelo mundo. A mensagem é sobre o bullying, é forte e muito importante, mas o desafio criativo aqui alcançado dá todo um outro significado ao tema do filme.


Aliás o objectivo de criar um filme a partir de dezenas de pessoas foi exactamente o de demonstrar que o valor da colaboração, da compreensão e do diálogo é do mais importante que podemos conseguir obter numa comunidade e que o bullying é completamente desprovido de tudo isto. O filme funciona como uma espécie de prova demonstrativa do poder de trabalharmos em conjunto, independentemente das diferenças. Se podemos fazer uma obra com esta força estética, ainda que estejamos todos a utilizar linguagens diferentes, é porque não somos assim tão diferentes, e é porque podemos em conjunto fazer mais e melhor.

Porque é isso que o filme faz quando mistura o trabalho de mais de 80 animadores e motion designers provenientes de diferentes culturas e línguas, e que utilizam neste trabalho diferentes linguagens fílmicas. Temos na animação tradicional desde o simples desenho-a-desenho feito numa enorme variedade de técnicas (lápis, carvão, aguarela, óleo, etc.), à animação em rotoscopia, ou ainda à mistura com imagem real; no stop-motion temos da plasticina ao cartão, das marionetes às colagens de papel; no computador do 2d ao 3d. Mas não são apenas as técnicas, as estéticas espelham bem todas essas diferenças, desde estilos alegres cheio de cores e muito fluídos, a cenários pesados a preto e branco e muito sorumbáticos; temos desde o traço desarticulado infantil ao traço mais geométrico científico; temos desde a perfeição da técnica à subversão da aplicação dessa mesma técnica; desde a mais pura arte de ilustração, autêntica no traço à mão, ao mais puro movimento de motion graphics criado por software. Findo o filme é inacreditável a quantidade de técnicas, fico com a ideia que foi pedido assim mesmo, que cada um utilizasse uma técnica distinta. Mas não sei se assim foi, só sei que o fizeram e funcionou. Só sei que vai contra toda a teoria da criação de coerência visual cinematográfica, e ainda assim funcionou belissimamente bem. O projecto foi lançado e depois montado pela Giant Ant no Canadá.

Mas a grande razão porque funciona tão bem, tem um nome e chama-se Shane Koyczan, o autor do poema, To This Day, que o declamou com toda uma veemência, entusiasmo e arrebatamento capaz de nos tocar cá dentro. Associado ao poema temos a belíssima faixa sonora criada pelos The Short Story Long, que trabalham normalmente com Shane Koyczan, que arrasta e encorpa o poder da declamação, através de coros, violinos e pianos. O som, da declamação aos violinos, é o mestre de toda a coesão estética neste filme. Se os estilos diferem brutalmente na imagem, no som agrupam-se e dão forma ao todo. E nós enquanto espectadores só queremos ouvir, saber, e compreender o que esta voz tem para nos dizer, para nos contar. Ficam os links para o poema escrito completo e para o audio do poema declamado.




Sobre os objectivos, a mensagem aqui exposta é conhecida por todos, porque todos passaram pela escola, e todos pelo menos uma vez na sua vida sentiram a crueldade do próximo, não é por acaso que o filme em apenas 10 dias conseguiu mais de 6 milhões de visualizações. Digo apenas que para se perceber o Bullying em maior profundidade, temos de perceber que ele não aparece do nada, não é sequer uma variável cultural, é antes uma variável biologicamente inscrita em cada um de nós. Porque o Bullying surge do conflito com a diferença, e nós não nascemos preparados para lidar com ela (para saber mais sobre isto vejam O Lado Negro da Moral). Desse modo, só existe uma forma de lutar contra o Bullying, é através da Educação, e em todas as frentes, na escola, nas associações desportivas ou culturais, em casa, em todo o lado e sempre. E este filme é um belíssimo ponto de partida para começar a Educar. Ficam as palavras de Koyczan.

“My experiences with violence in schools still echo throughout my life but standing to face the problem has helped me in immeasurable ways. I wrote 'To This Day', a spoken word poem, to further explore the profound and lasting impact that bullying can have on an individual. Schools and families are in desperate need of proper tools to confront this problem. We can give them a starting point… A message that will have a far reaching and long lasting effect in confronting bullying.”


To This Day (2013) de Shane Koyczan


março 04, 2013

Loom (2012) de Luke Scott

Luke Scott tem realizado uma carreira de excelência no mundo da publicidade, para além de ser filho de Ridley Scott e trabalharem aqui juntos. Nesse sentido foi convidado pelos criadores das câmaras RED no início de 2012 para testar a sua mais recente criação a RED EPIC. A câmara capta em 5K e pode fazê-lo entre 1 a 120 frames por segundo, o que permite que seja utilizada para simples fotografia, como vem sendo usada para criar capas de revistas, ou para grandes produções cinematográficas. Luke Scott criou assim em Abril de 2012 a curta de ficção-científica, Loom (2012) que foi distribuida em 4K e foi entretanto disponibilizada no YouTube. Aqui está só em simples HD, que é cerca de 1K.


A cinematografia de Loom ficou a cargo de Dariusz Wolski, que conhecemos dos fantásticos trabalhos realizados para Pirates of the Caribbea (2003, 2006, 2007, 2011); Alice in Wonderland (2010), Dark City (1998) entre muitos outros. Em Loom não sei se é efeito da câmara, se é o director de fotografia que ganha total liberdade de exposição do poder da câmara, mas a imagem é absolutamente estonteante em termos de qualidade. Ou seja no detalhe que consegue captar, no brilho, contraste em baixa luminosidade, na cor, tudo tão cristalino, pura perfeição.


O filme em si é uma curta interessante de FC, com um tema conhecido, mas bem explorado. Gostei do mundo criado por Scott, apesar de se aproximar da distopia de Blade Runner (1982), nomeadamente na cena inicial do autocarro, demonstra diferenças claras com um ambiente menos negro, menos deteriorado e mais limpo.

março 03, 2013

BIPOLAND (2013), emoções bipolares

Matthew Brown chega à rede com mais uma curta, BIPOLAND (2013) carregada de emoções a partir do coração da Polónia em Auschwitz. Cada vez que lança um novo trabalho é uma enorme satisfação, posso dizer que a primeira vez que os vejo, guardo a experiência para um momento de silêncio e sem interrupções, tal é a forma como ele conduz o poder audiovisual na estimulação emocional, nomeadamente o uso da montagem em total sincronismo com a escolha musical. Já aqui falei de Brown antes, sobre os seus trabalhos Look Up at the Stars, Portugal! (2010) e Hectometer - World Record (2012), e outros belíssimos que apenas partilhei mas que valem a pena serem vistos também: Sincerely, Spain (Março 2010); Dear Japan (Agosto, 2010); Dreaming It{aly} (2011); The Piano (2012).



Os títulos das curtas de Brown são sempre bastante sugestivos ou auto-explicativos, e este não foge a essa idea. BIPOLAND apresenta uma mistura entre a palavra Bipolar e Polónia. No sentido em que o filme se divide literalmente em duas fortes emoções opostas. Apesar de nos mostrar a Polónia de hoje, uma parte é passada dentro de Auschwitz com a música sincronizada nas emoções que daí emergem, enquanto outra parte nos mostra a beleza e a vida da Polónia atual. A música é de Philip Glass Tirol Concerto for Piano and Orchestra: Movement II e carrega forte, mas a magnificência surge da captura de imagens, na beleza de cada enquadramento e depois no seu trabalho de correcção de cor, em que Brown leva a saturação ao extremo. Sobre tudo isto temos uma montagem de grande rigor, velocidade e pura sincronia com o tema e a sonoridade, uma pequena jóia visual.


"Kary, Sheila, Sandy, Michael, my beloved husband and my family. I have been in a place for six incredible years where winning meant a crust of bread and to live another day. Since the blessed day of my liberation I have asked the question, why am I here? I am no better. In my mind's eye I see those years and days and those who never lived to see the magic of a boring evening at home. On their behalf I wish to thank you for honoring their memory, and you cannot do it in any better way than when you return to your homes tonight to realize that each of you who know the joy of freedom."

Vale a pena ler depois esta entrevista com Matty Brown sobre a sua inspiração criativa e sobre Portugal. Muito bom o momento em que ele refere que os portugueses não gostam de ser filmados. Entrevista realizada por Gabriella Opaz para o site CataVino.

as fragilidades do guião de "Django Unchained"

Django Unchained (2012) recebeu o Oscar para melhor Argumento Original, fará sentido? Quando vi o filme a minha principal crítica foi exactamente para o argumento. De tudo o que temos neste filme, é sem dúvida a parte mais fraca. Tanto a história como o discurso estão pejados de clichés problemáticos. Não que dê um grande crédito aos Oscars, mas dado o seu impacto na sociedade, fiquei muito surpreendido com este prémio. Aliás incomoda-me ainda mais porque dá ideia, errada, de que estamos perante um argumento de excelência. Django é um bom filme, mas algo desarticulado com ritmos irregulares tudo assente em problemas de guião, e porquê?


Comecemos pela história. O que motiva todo o desenvolvimento narrativo no filme, não podia ser mais cliché, ultrapassa mesmo este designativo no sentido de ser o cliché mais básico que se possa utilizar na construção de um discurso. O salvamento da amada que está presa nas garras do mais rico e mauzão de todo o oeste! Isto é mau, é muito mau e Hollywood com este Oscar vem carimbar com um selo de qualidade algo que já deveria ter sido banido do discurso cinematográfico. É um discurso saturado, não apenas por ser básico, mas por estar delineado por um machismo ridículo. Já aqui falei a propósito deste viés do storytelling contemporâneo. A mulher surge no cinema como mero objecto, sem nada para dizer ou afirmar perante o mundo. Cabe ao homem afirmar-se, expressar-se, dominar tudo e todos, e levar o seu prémio no final, a mulher.


Podem dizer que isto pretendia apenas ser um revisitar do Western Spaghetti, do anti-herói representado na figura de Django. E eu aceito, mas relembro que já não estamos nos anos 1960. É tempo de evoluir este pensamento. Aliás Tarantino quis evoluir o discurso, mas só o fez num sentido. Fala e bem dos problemas da escravatura pelo tom da pele, mas esquece todos os problemas da escravatura sexual. E isto merece um Oscar para melhor argumento original!

Quanto ao discurso, ou seja a estrutura narrativa, o que Tarantino traz não podia ser mais básico. Se a história não vai além de Donkey Kong (1981), a estrutura não vai além de Prince of Persia: The Sands of Time (2003). Basicamente o que aqui temos é o desenvolvimento de vários níveis subsequentes de obstáculos até conseguir atingir o objectivo final. Cada um desses obstáculos serve para ir adicionando os elementos da história criando o envolvimento com os personagens e trabalhando a sua progressão. Além disso cada um desses níveis vai trabalhando os problemas da escravatura nos EUA, e dando um ar de preocupação mais profunda, além do mero salvamento da amada.






O mais interessante de tudo isto foi que fiquei a pensar se a estrutura narrativa dos videojogos não teria já contaminado o imaginário popular. Até que ponto as pessoas que até aqui consideravam as narrativas dos videojogos básicas com falta de ritmo e envolvimento, não estão cada vez mais formatadas pelas mesmas. Porque estes problemas que identifico na estrutura narrativa de Django, não são exclusivos deste, são vários os filmes que vêm saindo com estruturas similares. Diga-se que é muito mais fácil fazer uma narrativa entre quadros, do que criar uma narrativa una e coesa com ritmo progressivo claro e fluído.

Para quem gostou da abordagem à escravatura feita por Tarantino, veja por favor Lincoln de Steven Spielberg. Por outro lado se este assunto foi determinante para o Oscar, relembro que na corrida a argumento original estava Zero Dark Thirty de Kathryn Bigelow que fala de algo próximo mas muito mais atual, a tortura levada a cabo pelas agências de inteligência internacionais. Ainda assim provavelmente teria optado pelo argumento de Haneke para Amour, por ser muito mais equilibrado, demonstrando um controlo de ritmo narrativo praticamente perfeito.

março 02, 2013

Filmes de Fevereiro 2013

Mês curto, mas com muitos filmes, nomeadamente mês de filmes na corrida aos oscars. O lote de filmes nomeados até era bastante bom, mas os premiados deixaram um pouco a desejar, como já vem sendo hábito. Ainda pensei fazer um texto sobre o assunto mas não vale a pena, julgo que as notas que dou aqui a cada filme são suficientes para mostrar o meu acordo e desacordo com algumas escolhas. O principal, a perda de Lincoln, tanto no melhor filme, como para melhor realizador. Argo é um bom filme mas está longe de ser um filme tão completo como Lincoln, o simples facto de não ter visto o seu realizador nomeado sequer dá bem uma ideia de algumas das suas fragilidades. Ang Lee leva novamente o prémio por um trabalho mediano, que se suporta muito mais no guião e nos efeitos visuais do que na realização. Por outro lado Zero Dark Thirty foi completamente posto de lado.


Lo Impossible foi uma boa surpresa, embora tenha sido desenhado para um target muito específico. Quem tiver passado férias num qualquer resort com os seus filhos pequenos, será difícil não sentir o arrepio e a felicidade do impossível. Para um projecto europeu, é algo muito grande, que ombreia com qualquer grande produção americana. As cenas debaixo de águas são absolutamente impressionantes. Já Tarantino trouxe um trabalho eficiente com Django mas que não me surpreendeu, achei-o longo, e algo desarticulado, aliás em linha com Skyfall.

xxxx Lincoln 2012 Steven Spielberg EUA

xxxx Zero Dark Thirty 2012 Kathryn Bigelow EUA

xxxx Argo 2012 Ben Affleck EUA

xxxx Lo Impossible 2012 Juan Antonio Bayona Espanha

xxxx Et maintenant on va où? 2011 Nadine Labaki Líbano

xxxx Reprise 2006 Joachim Trier Noruega [Análise]


xxx Django Unchained 2012 Quentin Tarantino EUA

xxx Liberal Arts 2012 Josh Radnor EUA

xxx The Master 2012 Paul Thomas Anderson EUA [Análise]

xxx Life of Pi 2012 Ang Lee EUA

xxx Skyfall 2012 Sam Mendes UK [Análise]

xxx Poulet aux Prunes 2011 V. Paronnaud, Marjane Satrapi França

xxx Primer 2004 Shane Carruth EUA

xx Side by Side 2012 Christopher Kenneally EUA [Análise]
xx Killing Them Softly 2012 Andrew Dominik EUA
xx Hot Fuzz 2007 Edgar Wright UK
xx Shaun of the Dead 2004 Edgar Wright UK

[Nota, Título, Ano, Realizador, País] 
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]

Para ver as notas dadas nos meses anteriores podem seguir a etiqueta FilmeMês. Para acompanhar as notas que vou dando ao longo do mês, ou ver a listagem de notas dos últimos anos podem visitar a minha folha de notas online.

metodologia científica na análise da violência

A revista científica American Psychologist acaba de publicar o artigo Violent video games and the Supreme Court: Lessons for the scientific community... escrito pelo académico Chris Ferguson. Este artigo chega-me no mesmo dia em que publico mais um texto sobre o assunto na Eurogamer, Prateleiras cheias de +18. No meu artigo defendo basicamente que é preciso proteger os mais jovens, mas que faz pouco sentido classificar grande parte dos jogos atuais para maiores de 18 anos, explicando porquê.


Neste novo texto de Ferguson coloca-se a tónica sobre a metodologia científica, e evidenciam-se problemas de parte a parte, tanto do lado de quem diz existirem provas que demonstram que os jogos tornam as crianças violentas, como do lado dos que dizem que não tornam. A realidade que Ferguson identifica é uma corrida aos estudos e escrita de papers para agradar a ideias pré-feitas, e não para verdadeiramente descobrir evidência, ou alguma verdade. O tema é muito complexo, e difícil de demonstrar, pró ou contra. Como conclusão Ferguson deixa-nos com o efeito do tempo. Foi assim com os outros media, e assim será com este. Temos de olhar para os anos passados e verificar o verdadeiro impacto histórico tido pelo media. E aquilo que os dados nos dizem ao fim de 40 anos é que na verdade os jogos não incrementaram a violência na sociedade. Atente-se no gráfico abaixo,

Violent video games and the Supreme Court: Lessons for the scientific community...American Psychologist, Vol 68(2), Feb-Mar 2013, 57-74

Impressiona ver como o aumento de vendas de videojogos não conseguiu inverter ou pelo menos manter os níveis de violência juvenil, já que esta não parou de baixar. Este gráfico feito com dados quantitativos demonstra bem como muitos estudos que têm afirmado que os jogos poderiam ser responsáveis por um aumento da violência de até 30% são completamente desprovidos de evidência empírica, e se baseia apenas e só na crença.

A série anime Elfen Lied (2005) contém violência gráfica como poucas vezes pudemos ver em videojogos

Aliás esta correlação apresentada no gráfico assemelha-se bastante à que faço no meu texto hoje na Eurogamer, sobre a cultura do Manga e Anime na sociedade japonesa,
"O Japão é um dos maiores produtores de violência gráfica, desde o Manga ao Anime, por vezes até eu enquanto adulto me sinto incomodado com algumas coisas que ali vejo serem assumidas com tanta normalidade. No entanto a sua taxa de mortes por assassinato é a mais baixa de todo o planeta [2]. Em 2009 a taxa do Japão neste campo era um terço da taxa portuguesa, que é já bastante baixa."
De resto aconselho vivamente à leitura do artigo de Ferguson, mostra bem como a ciência é o caminho para verdade, mas não é nunca a verdade em si mesmo. Para quem estuda o tema é um artigo obrigatório pela imensidão de artigos e dados compilados.

fevereiro 28, 2013

a loucura do 3D Printing

O hype em redor do 3D Printing não pára, todos os dias chegam à rede novos vídeos e talks sobre o assunto. Ainda há umas semanas aqui tinha falado do livro de Chris Anderson, Makers que trata o assunto. Entretanto no final de Janeiro chegou à rede a talk da Catarina Mota que se foca sobre o 3d Printing. Depois foi a vez do pessoal do The Creators Project falar sobre 3D Printing. E hoje chega o novo vídeo da série OffBook também para nos questionar sobre 3D Printing.

Crania Revolutis (2012) de Joshua Harker

Começando pela Catarina Mota, especialista em práticas open-source e fundadora do altLab, ela esteve no TEDxStockholm em Outubro passado a falar sobre What we can learn from hackerspaces, a talk foi disponibilizada agora em Janeiro. Aqui fala-nos da cultura hacker no que toca a construção e disseminação de ideias no formato de modelos passíveis de serem depois reconstruídos por qualquer pessoa com acesso a uma impressora 3d.

What we can learn from hackerspaces (2013)

Depois o pessoal do The Creators Project lançou o video Leaders Of The 3D Printing Revolution no qual apresenta alguns projectos bastante interessantes, nomeadamente no campo da Moda.

Leaders Of The 3D Printing Revolution (2013)

Entretanto hoje a OffBook lançou um novo episódio inteiramente dedicado ao assunto, mas questionando diretamente, Will 3D Printing Change the World? O documentário repete um pouco o discurso da Catarina e o filme do grupo Creators Project, mas arrisca um pouco mais com os comentários de Joseph Flahertye da Wired no campo da impressao de orgãos humanos entre outras coisas. Uma das coisas menos interessantes de tudo fica a cargo de Michael Weinberg que vem acenar com a discussão do fim do copyright. Não vou estender o assunto agora, mas voltarei a esse tema num texto futuro em maior profundidade.

Will 3D Printing Change the World? (2013)

fevereiro 27, 2013

Programação sim, mas não só

Esta semana chega-nos uma curta da CODE.org, What Most Schools Don't Teach, com depoimentos de Bill Gates, Mark Zuckerberg, Gabe Newell, Drew Houston em conjunto com citações de Steve Jobs e Mike Bloomberg pondo a programação num verdadeiro pedestal. Sou um grande defensor do ensino da programação nas escolas, mas é preciso alguma calma com toda esta euforia. Ainda há poucas semanas tínhamos visto a TED Talk Let's teach kids to code do Mitch Resnick. Utilizar um computador criativamente não se faz apenas programando. Uma grande parte de toda a programação - tempo e recursos - é dedicada a criar interfaces e sistemas que qualquer ser humano possa entender. Não faz sentido pensar que todos precisam de saber programar, para se poder criar. Aliás este entusiasmo vai no sentido do que ainda há dias aqui falava sobre o facto de não ser porque agora todos podem criar filmes, que vamos ter melhores filmes. Percebo que se parte do zero e por isso é preciso aliciar, mas falar em superpowers não é um pouco demais?!


Quanto aos benefícios da aprendizagem da programação, esta pode ser tão benéfica quanto estudar filosofia, porque aquilo que está por detrás da base da algoritmia é o pensamento lógico que tem por base a filosofia evoluído depois com o pensamento matemático. Em termos de benefícios cognitivos, aprender a programar pode ser tão bom como aprender a tocar um instrumento musical (Steele et al, 2013), e sabemos disto há algum tempo, mas nem por isso lhe temos dedicado a devida atenção. Aprender a programar não tem de ser obrigatoriamente mais importante do que aprender a ler uma pauta, do que aprender a criar e a interpretar artefactos audiovisuais, do que aprender retórica, ou do que aprender uma segunda língua estrangeira.

Dizer que todos devem aprender a programar porque o futuro do emprego está aí é uma falácia. Obviamente que precisamos de mais programadores, mas nem por isso vamos precisar de menos criadores de literatura, de filmes, de jogos. Programar é apenas um dos muitos acto criativos que podemos desenvolver, mas não é o único, e muito menos pode existir sem os outros. Estão a imaginar a plataforma YouTube sem quem criasse as imagens em movimento que todos os dias ali são vistas por milhões? Ou o iTunes sem quem criasse música? Ou o Kindle sem quem criasse literatura?




Agora se me dizem que se deveria ensinar nas escolas, sim sem dúvida alguma. As disciplinas de TIC deveriam começar por aqui, e não por ensinar Word ou Dreamweaver. Cada vez teremos mais plataformas facilitadoras da entrada no mundo do publishing online. A essência das tecnologias da comunicação deve ter na sua base a programação porque todo este pensamento facilitará imenso tudo o que vier a seguir no campo das tecnologias. Não para criar génios da programação mas para ganhar um melhor conhecimento daquilo a que obedece cada ferramenta informática. Aqui estou em total acordo com Mitch Resnick.

Mitch Resnick Let's teach kids to code (2013) TED

Mas mesmo aqui não chega a programação, as TIC devem incluir ainda pensamento e processos de criação fomentados pelo Desenho. Ou seja para que exista um bom domínio das TIC são fundamentais estes dois itens na aprendizagem - a programação e o desenho. A falta de qualquer um destes criará sempre um défice no uso mais elaborado das TIC.


Não é à toa que a Comissão Europeia tem vindo a introduzir nos quadros de financiamento à investigação em ICT cada vez mais a componente da Criatividade procurando dessa forma fomentar um maior envolvimento entre as comunidades das artes e das tecnologias. Ensinar Word é irrelevante, porque é através da programação e do desenho que se obtém as bases para poder partir para a criação seja em Word, Dreamweaver, ou Flash/HTML5.

What Most Schools Don't Teach (2013) CODE.org

(Existem duas versões desta curta, a mais pequena só com os grandes nomes e que dura cerca de 5 minutos sendo a mais partilhada. E esta que tem quase 10 minutos mas tem os depoimentos inicias das crianças que são uma delícia, tem alguns depoimentos mais extensos, e tem ainda um professor que fala do Scratch.)

Outros Links de Interesse
Universidade e Emprego, nas Áreas Criativas
TED sobre a criação de escolas melhores

fevereiro 26, 2013

"The Room" e os efeitos free-to-play

The Room (2012) impressionou-me pela qualidade da sua arte que acaba por fazer de um jogo bastante simples de resolução de enigmas um jogo extremamente envolvente e imersivo. Acredito mesmo que essa terá sido uma das razões que mais terá pesado para ter sido eleito o Melhor Jogo do Ano 2012 na App Store pela Apple.


The Room foi criado pela Fireproof, uma empresa especializada no outsourcing de arte, tendo trabalhado para a série LittleBigPlanet (2008, 2011, 2012) ou a DJ Hero (2009, 2010). Numa entrevista na EDGE referem que não tinham pensado fazer o seu primeiro jogo para iPad. Esta ideia terá surgido apenas depois de terem jogado Epic Citadel (2012). Ficaram impressionados com a arte, e eu confesso que também fiquei, Citadel é uma dessas pequenas pérolas visuais que vale a pena jogar apenas para desfrutar da arte visual. The Room apesar de não ter a paisagem e o espaço de Citadel, não fica atrás em nada, aliás em detalhe e atmosfera consegue mesmo ser mais elaborado e por isso mais fascinante.


Mas uma das coisas mais interessantes reveladas na entrevista, foi a decisão de lançar o jogo em versão paga e não free-to-play. Porque chegaram a equacionar a ideia de exigir pagamento pelas ajudas dadas dentro do jogo para a resolução de cada enigmam referindo depois que não o fizeram porque tiveram receio de desvirtuar o gameplay. Ou seja de criar na cabeça do jogador a ideia de que os enigmas eram mais difíceis apenas para obter mais dinheiro pelas ajudas. Isto deixou-me realmente bastante reflexivo porque na verdade consegui imaginar-me nessa situação, e a desistir do jogo caso me pedissem dinheiro por cada ajuda. Ficaria aquela sensação de jogo barato, que apenas está ali para nos sacar dinheiro, e que não está suficientemente preocupado com aquilo que tem para dizer, ou que não acredita suficientemente naquilo que tem para vender.



Por outro lado é como diz Robert Dodd (programador do jogo) se eles não tivessem o seu negócio de outsourcing de arte, provavelmente não teriam arriscado lançar o jogo numa versão paga, já que o os jogos de maior sucesso são praticamente todos Free-to-Play. A realidade é que cada decisão que temos no game design de um jogo pode trazer consigo uma imensidão de efeitos e impactos inesperados na atitude do jogador.