janeiro 05, 2013

os nossos medos são as nossas histórias

A prova de que mais do que um powerpoint ou um vídeo, o que se tem para dizer e a forma como se diz é o mais importante, fica demonstrado em duas novas talks que a TED publicou esta semana. A primeira de Don Levy sobre os VFX no cinema, e a segunda de Karen Thompson Walker sobre a emoção do medo a partir da narrativa de Moby Dick.

Whaleboat and Crew Tossed into the Sea (1929), de Rockwell Kent para "Moby Dick"

Começando por Don Levy, o tema tinha tudo para fazer desta comunicação um momento TED inesquecível. Falar de uma das indústrias mais mágicas do nosso tempo, das tecnologias de efeitos especiais capazes de criar novos mundos, ilusões que parecem realidade e nos transportam para outra dimensões. Para o fazer Don Levy fala muito pouco e abre o resto do tempo para um filme cheio de imagens, cheio de filmes premiados com Oscars. Assim do que falou disse pouco, no filme em que apresenta várias comparações entre filmes do passado e mais atuais fica-se por isso mesmo, um conjunto de comparações. O resultado está à vista, como se poderá ver nos comentário deixados no site da TED e no YouTube, a desilusão com a talk é mais do que muita.

A cinematic journey through visual effects, de Don Levy

A segunda comunicação é de Karen Thompson Walker uma escritora que como a maior parte das pessoas das humanidades, ainda não usa powerpoint, nem vídeo, simplesmente se apresenta num púlpito e lê o que tem para dizer. Um pouco nervosa aqui e ali, mas o que tem para dizer é de tal forma cativante, que se sente a audiência cada vez mais silenciosa e concentrada no que ela diz. Resultado, é ver os comentários cheios de informação adicional, de pedidos até para que ela escreva um livro sobre o que acabou de apresentar.
Obviamente que Karen percebe de storytelling, e sabe como levar o público, mas ela está ali sozinha sem qualquer suporte, nada em que aliviar o seu nervosismo. Quase a nu, só se tem a ela própria e ao que percebe do que fala. No caso de Don Levy que veio artilhado com um vídeo com cheiro a Hollywood, faltou-lhe paixão, mas faltou-lhe realmente mostrar que sabia do que falava, que aquilo que tinha para dizer era verdadeiramente relevante.
Esquecendo o formal, Karen envolve-nos porque nos fala de algo importante, que todos conhecemos desde que nascemos, o medo. Retirei o seguinte excerto muito bom da sua talk e que resume o que ela foi ali dizer,
What if instead of calling them fears, we called them stories? Because that's really what fear is, if you think about it. It's a kind of unintentional storytelling that we are all born knowing how to do. And fears and storytelling have the same components. They have the same architecture. Like all stories, fears have characters. In our fears, the characters are us. Fears also have plots. They have beginnings and middles and ends. You board the plane. The plane takes off. The engine fails. Our fears also tend to contain imagery that can be every bit as vivid as what you might find in the pages of a novel. Picture a cannibal, human teeth sinking into human skin, human flesh roasting over a fire. Fears also have suspense. If I've done my job as a storyteller today, you should be wondering what happened to the men of the whaleship Essex. Our fears provoke in us a very similar form of suspense. Just like all great stories, our fears focus our attention on a question that is as important in life as it is in literature: What will happen next? In other words, our fears make us think about the future. And humans, by the way, are the only creatures capable of thinking about the future in this way, of projecting ourselves forward in time, and this mental time travel is just one more thing that fears have in common with storytelling.
Depois desta descrição sobre o que é o medo, Karen tenta ir ainda mais longe, procura estabelecer uma lógica de pensamento à volta do medo, apontando uma forma lógica de lidar com este. Karen fala-nos da análise artística e científica, e diz-nos que por vezes a análise científica dos nossos medos, procurando compreender de que são feitos, entrando no detalhe do que se constituem e do que quererão realmente dizer-nos, pode ajudar-nos a tomar decisões mais racionais.
Ficamos a ouvir Karen, e a dar-nos conta do quão importante e verdadeiro é o que esta acaba de nos dizer. Sabemos que a força das suas palavras se deve ao facto de as ter entrelaçado de forma magnífica numa história de marinheiros perdidos em alto mar, mas também sabemos que aprendemos algo de novo por a termos ouvido. E é isto que faz uma boa comunicação, ao ponto de me ter deixado com imensa vontade de ler o seu livro, The Age of Miracles (2012).


What fear can teach us de Karen Thompson Walker

geometria em movimento

That Will Be The Day (2012) é uma colaboração audio/visual entre o compositor Aldo Arechar e o motion grapher Matthew DiVito. A música é retirada do novo EP, "I", de Arechar que podem ouvir completo no Bandcamp. Se quiserem mais sigam para o álbum Water, também de 2012 e também completo online.


Mas se a música é sublime, considero o visual ainda mais. Já aqui falei do trabalho de Matthew DiVito quando este fez um jogo visualmente brilhante, Of Species (2011), para o Ludum Dare 24 que nomeei mesmo como um dos melhores jogos de 2012. Entretanto DiVito tem sido muito reconhecido online pelo seu trabalho fantástico com gifs animados.

White Xmas (2012) gif animado de Matthew DiVito

Aliás este meu texto surge com duas novidades de DiVito, porque depois de realizar este vídeo em Novembro passado, voltou a entrar no LudumDare 25 em Dezembro. Como resultado temos agora The White Rabbit (2012), mais uma obra visualmente brilhante. Desta vez já não em Flash, mas em Unity, com movimentação 3d, com pedaços de narrativa, sem qualquer gameplay, mas capaz de gerar em nós momentos de profunda contemplação. O jogo é curto como já era Of Species, mas tendo em conta a qualidade visual produzida em 48 horas, era díficil pedir mais.

The White Rabbit, (2012), Matthew DiVito, Ludum Dare 25 [Play]

O filme que podem ver aqui abaixo obedece à mesma lógica visual de ambos os jogos - Of Species e The White Rabbit. O filme envolve-nos num mundo geométrico que poderia facilmente atirar-nos para o vazio, austero e árido, mas que DiVito contrapõem muitíssimo bem com luz muito quente, extremamente radiante, e brilhos estelares que nos emocionam. Temos aqui uma imagem de marca no trabalho de DiVito que pode ser vista tanto nos jogos, como nos filmes, como nos gif animados. Esta sua necessidade de iluminar com intensidade mas de forma difusa, fazendo brilhar objectos que nos atraem, aquecendo o ambiente com tons pastéis e luzes com temperaturas quentes, em busca da criação de novos espaços acolhedores, é sublime.

That Will Be The Day (2012) de Matthew DiVito e Aldo Arechar

padrões do storytelling fílmico

Já aqui falei de Kogonada quando falei da nova tendência criativa do universo vídeo online, os supercuts. Trago agora os seus dois mais recentes trabalhos, o primeiro que analisa o elemento da passagem em Yasujirô Ozu. O segundo que trabalha excertos dos filmes que ganharam últimas edições do Moët British Independent Film Awards.


Não consigo deixar de me espantar e de dizer aqui, apesar de tudo o que já disse no texto anterior, que Konogada tem não só um olhar clínico, como uma enorme facilidade em materializar as ideias que observa. Aqui o objectivo de Kogonada é concentrar num efeito estilístico a marca autoral e estética de um autor.
The films of Ozu are filled with people walking through alleys and hallways: the in-between spaces of modern life. This is where Ozu resides. In the transitory. It’s what he values as a filmmaker. Alleys are not an opportunity for suspense but for passage. 
Ozu // Passageways

Já no segundo filme, Kogonada concentra-se em alinhar não apenas os padrões visuais, mas vai mais longe na tentativa de desenvolver quase uma espécie de mini-gramática dos verbos do storytelling cinematográfico. É extremamente interessante a forma como ele junta todas estas sequências, lhes desenha um padrão claro, e nos faz perceber mais concretamente do que é feito a linguagem do cinema.

2012 Moët British Independent Film Awards

janeiro 04, 2013

Ranking of National Higher Education Systems 2012

"A nation’s economic development depends crucially on the presence of an educated and skilled workforce and on technological improvements that raise productivity. The higher education sector contributes to both these needs: it educates and trains; it undertakes pure and applied research. Furthermore, in a globalised world, a quality higher education system that is well-connected internationally facilitates the introduction of new ideas, and fosters trade and other links with foreign countries, through the movement of students and researchers across national frontiers."


"While there are a number of international rankings of universities, less effort has been put into quantitative rankings of national systems of higher education. The international rankings of universities emphasise the peaks of research excellence. They throw no light, however, on issues such as how well a nation’s higher education system educate all its students, possessing different interests, abilities and backgrounds. Evaluation was done on 48 national higher education systems by providing rankings in four broad areas:"

• Resources (Portugal = 23)
"Governments typically provide core funding for teaching in public institutions. We measure total funding in both relative terms, as a percentage of GDP, and in absolute terms, namely funding per student, taking account of differences in purchasing power of money in different countries. "The availability of financial resources are definitely essential because they condition the degree of autonomy of research universities" (Salmi, 2011)."

• Environment (Portugal = 21)
"The regulatory environment is important for ensuring that resources are used efficiently. Excessive regulation of employment conditions will limit the contributions of academics and the capacity to attract and retain globally-competitive talent. Restraints on competition may hinder innovation in teaching methods."

• Connectivity (Portugal = 24)
"The worth of a national higher education system is enhanced if it is well connected with the rest of the nation’s society and is linked internationally in education and research. High connectivity provides two measures of the worth of a nation’s higher education system: it is an indicator of the
quality of teaching and research and it is an indicator of absorption of new discoveries and ideas."

• Output (Portugal = 28)
"A good higher education system provides the nation with a well-trained and educated workforce that meets the country’s needs, provides a range of educational opportunities for people with different interests and skills, and contributes to national and world knowledge. To capture these desired outcomes we use measures of research output and impact, student throughput, the national stock of researchers, the number of excellent universities, and employability of graduates."


"There is a strong relationship between resources and output: of the top eight countries in output, only the UK and Australia are not in the top eight for resources. There is some evidence of groupings of neighbouring countries. The four Nordic countries are all in the top seven; four east Asian countries (Hong Kong SAR, Japan, Taiwan and Korea) are clustered together at ranks 18 to 22; Eastern European countries (Ukraine, Czech Republic, Poland, Slovenia) are together in the middle range; and the Latin American countries (Chile, Argentina, Brazil and Mexico) cluster together. It would seem that while many countries may feel they cannot hope to match the higher education system in the United States, they do want to match that of their neighbours.

The United States and the United Kingdom have the world’s top universities. But on a weighted per capita basis the depth of world class universities is best in Switzerland and Sweden, with Israel and Denmark next in rank order."


[All the text in this post was taken directly from the Full Report 2012 U21 Ranking of National Higher Education Systems. Universitas 21 is a global network of research-intensive universities: University of Amsterdam • University of Auckland • University of Birmingham • University of British Columbia • Pontifical Catholic University of Chile • University of Delhi University of Connecticut • University College Dublin • University of Edinburgh • Fudan University • University of Glasgow • University of Hong Kong • Korea University • Lund University • McGill University • University of Melbourne • Tecnológico de Monterrey • University of New South Wales • University of Nottingham  University of Queensland • Shanghai Jiao Tong University • National University of Singapore • University of Virginia • Waseda University]

janeiro 03, 2013

OffBook #34: "The Art of Creative Coding"

É já um dos melhores episódios da série OffBook porque trata uma das áreas mais importantes das artes digitais e porque o faz de forma bastante informativa. O tratamento dado ao tema, The Art of Creative Coding, é feito dentro do espírito da comunidade, citando apenas ferramentas opensource - Processing, Cinder e Open Frameworks - fazendo com que o documental ganhe um verdadeiro lado pedagógico.


No vídeo podemos ver entrevistas com Daniel Shiffman do Interactive Telecommunications Program, NYU, Keith Butters do Barbarian Group, e ainda James George e Jonathan Minard do RGBDToolkit. A equipa da PBS Arts seguindo o seu instinto pedagógico deixa-nos ainda a lista completa de todos os trabalhos utilizado no documentário. Pena não apresentar nenhum trabalho nacional do João Martinho Moura ou do André Sier, dois dos mais conceituados artistas nacionais na área



É isto que se faz no nosso Mestrado em Tecnologia e Arte Digital da Universidade do Minho sendo o local onde o João Martinho Moura, não apenas realizou o seu mestrado, mas onde é agora docente.

Melhor 2012: Cinema

Vi poucos filmes produzidos 2012 com qualidade suficiente para fazer um Top 10, nesse sentido resolvi fazer uma lista dos melhores filmes produzidos ou estreados este ano. Aliás as listas de cinema não se costumam fazer pelas datas de produção dos filmes, mas antes pelas datas de estreia. Denoto também o decrescendo de filmes vistos, em 2010 tinha visto 243, em 2011 vi 204, e este ano apenas 158, o que dá menos de um filme por cada dois dias. É pouco, mas o tempo escasseia e a produção é muita, nesse sentido optei por passar a filtrar muito mais aquilo que vejo, não apenas usando o IMDB e o Metacritic mas seguindo blogs como Cinema 2000 ou Bonjour Tristesse e alguns críticos como Roger Ebert e João Lopes. Deixo aqui ainda algumas menções de filmes de anos anteriores que apenas este ano vi e que merecem ser destacados, assim como deixo três das minhas grandes desilusões deste ano.

1 Amour 2012 Michael Haneke França

Oslo, 31. August 2011 Joachim Trier Noruega [IMDB]
Deixou-me profundamente emocionado, apesar de saber que a história não é original e que já tinha até sido explorada por Louis Malle, o filme não me largou durante uns bons dias. Acabei por não fazer a análise do filme porque quis ver primeiro a adaptação de Louis Malle Le Feu Follet (1963) que gostei bastante. Contudo Oslo, 31 August trabalha um personagem ligeiramente mais novo e num ambiente mais natural, fora do isolamento elitista de Malle, ganhando em empatia.

Shame 2011 Steve McQueen UK

Into the Abyss 2011 Werner Herzog EUA

Beasts Of The Southern Wild 2012 Benh Zeitlin EUA

Prometheus 2012 Ridley Scott EUA (ex-aequo)

   Cloud Atlas 2012 Tom Tykwer e Wachowski Bros, Alemanha (ex-aequo)

We Need to Talk About Kevin 2011 Lynne Ramsay UK

8 Once Upon a Time in Anatolia 2011 Nuri Bilge Ceylan Turquia [IMDB]
Uma belíssima e impressionista viagem através de uma Turquia rústica e humilde.

9 Detachment 2011 Tony Kaye EUA Drama [IMDB]
Filme que nos leva através de uma viagem alucinante na vida de um professor temporário que substitui professores temporariamente em escolas complicadas, um filme que nos ajuda a relativizar as nossas vidas.

10 Tabu 2012 Miguel Gomes Portugal [IMDB]
Um filme para cinéfilos pelas analogias que contém. Com uma fotografia e ritmo soberbos, o filme absorve-nos e transporta-nos para uma Africa colonizada em forma de paraíso. Teresa Madruga, Laura Soveral e Ana Moreira são um espanto.

Grandes desilusões de 2012
Holy Motors 2012 Leos Carax França
Cosmopolis 2012 David Cronenberg Canada 
Savages 2012 Oliver Stone EUA

O melhor que vi em 2012 que não pertence a 2012
Separation 2011 Asghar Farhadi Irão
Sangue do meu Sangue 2011 João Canijo Portugal
Incendies 2010 Denis Villeneuve Canada
Silent Souls 2010 Aleksei Fedorchenko Russia
The Secret World of Arrietty 2010 Hiromasa Yonebayashi Japão
About Elly 2009 Asghar Farhadi Irão
The Return 2003 Andrey Zvyagintsev Russia
Seventh Continent 1989 Michael Haneke Austria

Todas as restantes classificações podem ser vistas na minha
listagem pública de filmes vistos.

janeiro 02, 2013

supercut "Cinema 2012"

Depois de Filmography 2012 de Gen Ip, chegou a vez de Cinema 2012 de Kees Van Dijkhuizen. Não consigo deixar de me impressionar com a maturidade de Kees Van Dijkhuizen, que começou esta série de montagens anuais de filmes, aos 15 anos, e resolve agora encerrar a mesma ao fim de 5 anos. Com 19 anos e depois de ter conseguido entrar na escola de cinema como desejava. Não vale a pena dizer muito mais, deixo o texto que ele escreveu sobre esta montagem e em que se despede.

Our last night on earth; what better way to spend it than with Cinema. Avengers assembled, dark knights rose and odds were in our favor in a fantastic year in film. Epic conclusions conquered the box office, but smaller pictures like Beasts of the Southern Wild, Seeking A Friend for the End of the World, Safety Not Guaranteed, The Imposter and Ruby Sparks conquered the hearts of audiences around the world. It seems every story we've heard deserved to be told.

This year was not free of tragedy, however, and it struck close to home. It made me realize the importance of our shared love for cinema; in the darkest of times, it will bring us together. This recap shows the importance of love in difficult times, how we fool ourselves to cope with the pain we cause others and, in the face of the apocalypse, how small we really are.

Cinema is a friend, a teacher, a refuge and a safe place. Here's to that dream.

This fifth episode is also the finale of my Cinema series. It's been a tremendous joy and I've learned so much from your kind words and feedback. This project demanded a lot of time and effort and to see it rewarded so graciously was absolutely mind-blowing. Thank you all for your support these past years, it's meant so much to me.

A lista de todos os filmes e músicas. Entretanto se tiverem vontade de saber mais, podem descobrir como decorreu a inspiração para a montagem e algumas breves descrições conceptuais.

janeiro 01, 2013

Holy Motors, a desilusão

Holy Motors é um filme grotesco que ganha pelo simples facto de trabalhar numa linha de minimalismo anti-estrutural que obriga os seus espectadores a trabalhar que nem loucos para dar significado ao que estão a ver. Obriga é uma palavra forte, mas neste caso assim é porque a obra vem com o selo de autor, e por isso mesmo qualquer crítico se vê na obrigação de procurar lógica no que está a ver. E é aqui que começam os problemas da crítica, os problemas do enriquecimento de sentidos pela análise forçada de intertextualidades. O crítico está tão preocupado em perceber o que está a ver que estabelece as ligações mais extemporâneas, e aqui o filme ajuda. Já não chegava ser anti-estrutura, sem organização ou lógica narrativa, ainda é minimal, ou seja pouco diz sobre o que quer dizer, garantindo um terreno extremamente fértil para todas as leituras que se queiram fazer. Aliás neste sentido aconselho a leitura do texto de alguns dias atrás com Richard Feynman.


Holy Motors está longe de ser aquilo que grande parte da crítica diz ser. Sei bem que estou em minoria, e a remar contra um facto já consumado. O que mais me incomoda nem são tanto as fragilidades do filme que são muitas, mas é a crítica não se ter dignado a analisar o filme, e ter partido para as interpretações rebuscadas daquilo que o filme alegadamente diz. Acabado o filme, não existe uma ideia concreta sobre o que acabámos de ver, sem ler sobre o mesmo, sem ler qualquer entrevista o filme desfaz-se, porque nada o sustenta. Estaremos perante arte conceptual? Não, basta ler as entrevistas com Leos Carax, para perceber que o seu objectivo era narrativo e concreto, simplesmente ficou muito longe de o conseguir fazer. A ideia principal de Holy Motors é até poderosa, e está bem explanada nas entrevistas, mas o filme falha em transmitir a visão que podemos depreender das suas palavras,
"This character is supposed to go from life to life traveling in a limousine. I didn't want every life to be the same degree of reality. Some are more fantastic and others are more realistic. (..) The rich banker transforms into a beggar. That idea of transformation was invigorating. I wanted to make this movie for a long time because people can be amazing: Sometimes they're morbid and erotic and they want to be seen differently on the outside, and there's kind of a virtual world there. It's a life for rent for a few hours." [fonte]
Carax diz-nos que o filme pertence ao género de ficção-científica, mas só ele parece acreditar nisso. A realidade é que como Carax admite nas várias entrevistas, raramente vê cinema e mais raramente ainda faz cinema. A sua relação com produtores e actores é má. No caso dos actores não existe direcção de actores, porque detesta que estes o questionem, espera antes que estes interpretem, ou melhor se desenrasquem. Aliás só esta sua ausência de noção da realidade da profissão explica o seu ostracizamento pela comunidade cinematográfica francesa. O papel de Kylie Minogue foi escrito para Juliette Binoche que não aceitou trabalhar com ele.


Para podermos compreender Holy Motors, temos de procurar compreender quem é o autor, e não apenas partir para as análises intertextuais. E Carax demonstra estar longe de tantos dos significados que já se ali quiseram colar. Basta lembra a máscara no final que Édith Scob coloca e que deu origem a análises intertextuais e a múltiplas interpretações, tendo entretanto sido admitido pelo próprio Carax, que esta aparece por pura arbitrariedade, não existindo ali qualquer simbolismo subjacente.


Carax confessa ter visto um filme recentemente e de que gostou, Chronicle (2012). Era importante perceber a relação entre ambos os filmes, para perceber como surge o novo filme de Carax. Em ambos não sabemos porque as pessoas fazem o que fazem, porque estão naquela situação, a fantasia existe. Os condicionamentos dos protagonistas são os focos de ambos os filmes. Mas os filmes separam-se quando Chronicle tenta construir uma ideia do impacto dessas alterações ou transformações não apenas sobre o personagem, mas sobre a sociedade em geral. Já em Holy Motors, não existe qualquer construção, existe apenas um sucedâneo de ideias grotescas, que chocam, mas que nada dizem per se. No conjunto e se quisermos reconstruir todo o filme com base no conceito geral dado por Carax, poderemos até dar algum alento ao que fica em nós do filme, de resto é pura especulação interpretativa.

Filmes de Dezembro 2012

O último mês de 2012 trouxe-me muito bons filmes, com o filme de João Canijo a surpreender com intensidade. Por outro lado tive desilusões com filmes que pensei que iria adorar, Holy Motors, e boas surpresas com filmes que pensei que não conseguissem aguentar todo o hype em seu redor, Cloud Atlas. No texto seguinte, deixarei a lista dos melhores filmes deste ano.

xxxxx Amour 2012 Michael Haneke França [Análise]

xxxxx Sangue do meu Sangue 2011 João Canijo Portugal [Análise]

xxxx Tabu 2012 Miguel Gomes Portugal

xxxx Cloud Atlas 2012 Wahowski Alemanha [Análise]

xxxx Beasts Of The Southern Wild 2012 Benh Zeitlin EUA [Análise]

xxxx Separation 2011 Asghar Farhadi Irão [Análise]
xxxx The Gold Rush 1925 Charles Chaplin EUA

xxx Brave 2012 Mark Andrews and Brenda Chapman EUA
xxx Looper 2012 Rian Johnson EUA
xxx Monsieur Verdoux 1947 Charles Chaplin EUA

xx Holy Motors 2012 Leos Carax France [Análise]
xx Premium Rush 2012 David Koepp EUA

x Envy 2004 Barry Levinson EUA