março 21, 2011

A Educação em "Waiting for Superman" (2010)

Waiting for Superman (2010) é um documentário que fez correr muita tinta nos EUA ainda antes de ser lançado, um documentário que pretendia apresentar um raio X de todos os males do ensino público americano. Tinha a vantagem de vir com o selo de Davis Guggenheim, o realizador de outro importante documentário An Inconvenient Truth (2006). É importante para nós porque a realidade da escola pública americana, não está muito longe da escola pública europeia. Deste modo falarei aqui mais do conteúdo do documentário do que propriamente da obra fílmica como é meu hábito fazer.

Acaba por ser um documentário que assume um posicionamento ideológico à partida e com isso acaba por apresentar algum viés nas suas generalizações, aliás diga-se que um pouco em linha com o que fez em Inconvenient. Nomeadamente quando sustenta a sua tese final sobre a culpa de todos os males da educação formal residir nos sindicatos. Não sendo liberal, mas também não sendo conservador, nem defensor de ideologias de igualitarismo, não posso deixar de expressar que esta tese é demasiado frágil para sustentar todo um documentário que se quer reflexivo. Trata-se de um documentário que aborda um dos assuntos que mais preocupa à sociedade, nomeadamente a quem tem filhos em idade escolar. Toca em áreas tão ou mais sensíveis que o clima, porque o futuro dos nossos filhos depende em muito, talvez demasiado, da sorte que tiverem na escola e dos professores que lhes calharem ao longo da vida.

E é por isso que o que se pedia aqui era que o documentário fosse capaz de ir tão longe quanto possível e apresentasse as várias dimensões do problema, não se subjugando a nenhuma ideologia, ou poder vigente. Ao contrário do que podemos ver no belíssimo Inside Job (2010) em que as conclusões devem ser retiradas pelo espetadores, aqui a tese é estruturada, montada e dada a comer, mas sabe a pouco.

Tenho tido sempre muitas reservas em relação aos sindicatos corporativos como são os dos professores, dos médicos, advogados, etc. Porque na maior parte do tempo não estão a defender a sociedade, mas apenas e só a defender um grupo contra tudo o resto, e com o isso discordo cabalmente. Não gosto de ideias como "direitos adquiridos", ou como "todos somos iguais". Se o mundo muda, as pessoas mudam, então as leis e os direitos também têm de mudar. Se temos todos gostos diferentes e consequentemente empenhos diferentes, não podemos ser todos tabelados da mesma forma correndo o risco de que quem mais se empenhava, se empenhe menos para ficar ao nível dos outros.

Agora não podemos é olhar para a complexidade que é o ensino formal e dizer que este não funciona porque os sindicatos não permitem que funcione, dando como exemplo o facto de os sindicatos protegerem igualmente os bons e os maus. Claramente que isto tem custos para o ensino, mas não podem de maneira nenhuma ser apontados como a única, ou mesmo a maior causa dos problemas. Ensinar é uma arte, e nem todos seremos artistas, mas um assunto que diz respeito a um conjunto tão vasto de variáveis, que vão desde: o professor, ao diretor de turma, à escola, ao aluno, ao pai, à mãe, ao conjunto de alunos e conjunto de pais, à câmara municipal, e até mesmo aos empregadores da zona de localização da escola - não pode ser de repente compactado, simplificado e personificado na pessoa única de um professor. Dizer-se coisas como as ditas abaixo, não é apenas atirar areia para os olhos, é prestar-se à destruição do que se tem.
"I believe that that mindset has to be completely flipped on its head [professores], and unless you can show that you're bringing positive results for kids, then you cannot have the privilege of teaching in our schools and teaching our children." Michelle Rhee, Directora das Escolas Públicas do Distrito de Columbia, EUA
Digo atirar areia, porque numa primeira análise parece correto o que Rhee diz sobre os professores, quando comparados com alguém que trabalha numa fábrica, seja operário, engenheiro ou gestor. O problema coloca-se quando se colocam as variáveis a trabalhar em cima da mesa, e verificamos que aquilo que é pedido a um professor, não é de forma alguma passível de ser colocado na mesma balança daquilo que é pedido a um engenheiro de software por exemplo. Isto porque o objeto de trabalho do professor, que é o aluno, não é um standard, não tem regras fixas. Eu não programo a mente de um aluno com o recurso a uma linguagem formatada, posso tentar mas o grau de sucesso que obterei se seguir essa via padronizada, sem ter em conta as especificidades do ser humano que se encontra na minha frente, corre um grave risco de ser muito baixo.

As más escolas dos rankings são descritas no documentário como Fábricas de Desistentes

Perceber o que está em causa quando falamos de objetos de trabalho - um ser humano face a uma aplicação informática, ou uma máquina, ou um lote de terra - apesar de parecer evidente as diferenças, não é fácil compreende-las. Isto porque apesar das diferenças existentes temos direito a expectativas e quando compramos um computador novo ou um carro novo esperamos que ele funcione a 100%, que o computador não crash no dia seguinte ou que o carro não me deixe a pé na auto-estrada. Por isso é natural que um pai ou uma mãe quando coloca um filho numa escola tenha também as suas expectativas, e que essas passem por ver o seu filho tirar boas notas, e vê-lo progredir ao longo da escola. Isto quer dizer que à partida um professor deveria ser capaz de pegar num aluno e meter dentro da cabeça dele os conhecimentos necessários para ele chegar ao exame e tirar 20, os tais 100%. Mas todos sabem o quão diferente da realidade isto é, e quantas nuances existem no caminho de um aluno para ele atingir esses resultados.

Apesar de tudo isso algumas pessoas como Geoffrey Canada aparecem no filme a enaltecer modelos de escola capazes de resolver todos os problemas, umas espécies de balas mágicas. Mas a triste realidade é que as escolas especiais como a KIPP ou as Charter - as escolas que Malcolm Gladwell também refere como os modelos a seguir, nas quais os miúdos trabalham das 7 às 19h, trabalham ao Sábado, e as férias grandes de Verão não existem - não têm melhores resultados que os outros. Isso é demonstrado pelos estudos feitos entretanto e que se podem ver no gráfico abaixo.

Para podermos ter uma noção do quão escorregadio é o terreno da educação vejamos um pequeno filme que nos fala da normal evolução tecnológica que acontece no nosso dia-à-dia e pense-se sobre as implicações de tudo isso sobre os métodos que os nossos professores apreenderam durante anos na Universidade para ensinar os nossos filhos. Claramente que os seus métodos precisam de evoluir, e evoluem, mudaram muito, mas não chega, e o problema é até saber se mudar será melhor ou pior. Ou seja as interrogações e indefinições são muitas e de difícil resposta.


Pay Attention (2007) filme da Jordan School District

Para fechar este comentário ao filme Waiting for Superman, tenho de dizer que esta não é uma perspetiva crítica apenas minha, são várias as que se podem encontrar online a favor e contra, claro está. Opto por transcrever para aqui a crítica de Cornel West professor da Universidade de Princeton, reconhecido como um dos pensadores mais influentes da América, muito pelo seu espírito provocativo, como ele próprio refere no seu site. Alguém que ainda ontem e a respeito da crise no Japão e nos países do norte de África escrevia no seu Facebook - "What a wonderful time to be alive!".
"I have great love and respect for brother Geoffrey Canada. But I had a deep critique of the film, in which he was central. Waiting for Superman scapegoat’s teachers’ unions. Yet those countries with the best education systems in the world, like Finland, have over 90% of their teachers unionized, and their students take few, if any standardized tests.

In Finland there are 2 teachers in classrooms of 14. Teachers receive the salaries of many of our businesspeople. 15% of their college graduates teach in schools rather than make their way to Wall Street to be millionaires. They reflect a fundamentally different set of priorities in America. And if we don’t adapt to those priorities, we will cont to scapegoat, demonize & thereby undercut the morale of our teachers."

março 20, 2011

Arduino The Documentary (2010)

Arduino The Documentary (2010) trata sobre as origens e impactos de uma das peças de eletrónica mais importantes da última década no que toca à arte digital. As imensas facilidades de controlo dos ambientes eletrónicos e digitais proporcionadas por esta placa são responsáveis por uma cada vez maior fusão entre a ciência e a arte, entre a engenharia e o humanismo. Claramente que em grande medida esta fusão foi também proporcionada pelo custo muito baixo de aquisição, e em consequência disso tornou o Arduino quase omnipresente no mundo da instalação artística e digital.
O uso do Arduino conjuntamente com o Linux como sistema operativo, o Processing como linguagem de programação, e a RepRap uma impressora 3d construída através de planos disponíveis online, é capaz de providenciar todo um laboratório de arte digital a um custo baixíssimo. A única coisa verdadeiramente em falta aqui e que nenhum dinheiro pode comprar, são as células que formam a massa cinzenta dos criadores e autores.
Assim o mais importante de tudo, e à semelhança do que se passa com o mundo do cinema digital com projetos como os que venho falando aqui, para o desenvolvimento de projetos de arte digital como os que podemos ver no livro Digital Body (2010), está: na motivação; na vontade de criar, de fazer e desenvolver; num espírito criativo e experimentalista; tudo alicerçado por uma boa educação.
E sobre a educação falarei aqui em breve também. É um assunto complexo e controverso, mas o que sabemos é que sem ela é impossível atingir os níveis de autonomia necessários para realizar o tipo de projetos de que falamos, seja de cinema digital ou arte digital.
Seguindo os bons princípios de Creative Commons (CC) o documentário foi disponibilizado integral e gratuitamente online.


Arduino The Documentary (2010) de Rodrigo Calvo e Raul Alejos

março 19, 2011

Le Souffle Extraordinaire (2010)

Aqui está um uma excelente campanha publicitária da Renault relativamente aos seus novos modelos elétricos e o potencial impacto na sociedade. A campanha serve-se de um filme de animação 3d, criado pela Digital District e baseado numa ideia de Luc Besson.
Dans un Paris gris, un bourdon se repose aux abords d'une voiture électrique. Le véhicule démarre et ne laisse derrière lui qu'un doux chuchotement et un souffle extraordinaire lié à l'accélération. Ce courant d'air provoque l'envol de quelques feuilles mortes et embarque contre son gré le bourdon vers les toits parisiens où deux pigeons somnolent .
Les 2 oiseaux furieux d'être réveillés se lancent à la poursuite du bourdon, qui tel un pilote chevronné cherche à éviter à tous prix ces 2 adversaires et les nombreux obstacles de la ville. Cette course poursuite entre nos 3 héros crée un tourbillon de pétales de fleur, de feuilles... Un véritable ouragan de couleur se forme au fur et à mesure de leur passage.
La tornade s'amenuise et un Paris calme, comme nous ne l'avons jamais vu, plein de douceurs et de parfums agréables a désormais remplacé la grisaille de la capitale.




Le Souffle Extraordinaire (2010) de Edouard Salier


Mais detalhes sobre o modo como a campanha foi elaborada e distribuída em França podem ser vistos numa pequena peça do Groupe Bleu.

Modern Warfare: Frozen Crossing Alpha (2011)

Para fan video, Modern Warfare: Frozen Crossing Alpha (2011), ultrapassa tudo o que possamos ter visto até ao momento. A ideia não é nova, é uma técnica que ficou conhecida por carousel devido ao fabuloso anúncio Carousel (2009) da Philips. Contudo este é um daqueles casos em que a ideia só não basta, para levar um projeto destes até ao final, Niko Pueringer e Sam Gorski precisaram de muito know-how, muito planeamento, e muito trabalho.
O filme é uma homenagem à série de videojogos Call of Duty (2003), e faz parte de uma série de curtas, Modern Warfare: Frozen Crossing (2010) dirigidas por Niko Pueringer e Sam Gorski, a dupla por detrás da denominada Corridor Digital.




Modern Warfare: Frozen Crossing Alpha (2011) de Niko Pueringer e Sam Gorski


E aqui é mesmo imprescindível ver o making of.

"Making of "Modern Warfare: Frozen Crossing Alpha (2011)

Vale a pena ver mais alguns dos trabalhos da Corridor Digital no seu canal YouTube, dos quais aconselho vivamente, Minecraft: The Last Minecraft (2011).

março 18, 2011

Killzone: Extraction (2011)

Este últimos meses têm sido fantásticos em termos de vídeo Fan Art dedicada aos videojogos, alguns desses foram mencionados aqui: Trashmaster (2010), Beyond Black Mesa (2011) e Fallout: Nuka Break (2011).



Killzone: Extraction (2011) de Clinton Jones

Killzone: Extraction (2011) é um trabalho, e à semelhança dos acima mencionados, visualmente fascinante baseado na série de videojogos Killzone (2004). A primeira coisa que me chamou à atenção foi o guarda-roupa: desde os coletes à prova de bala, capacetes, relógios, lenços até às máscaras dos Helghast é impressionante a qualidade e o nível de detalhe colocado em todo o trabalho. Em segundo lugar os efeitos especiais não se limitam aqui ao uso de software, mas são utilizados verdadeiros efeitos de pirotecnia para criar um maior realismo nas explosões. Em terceiro lugar, a cinematografia que é irrepreensível, com uma correcção de cor muito detalhada e bem executada e o uso de um sistema de steadicam circular que assegura imagens da acção muito próximas e vividas.

O que menos gostei foi da montagem porque existem falhas de ritmo que se devem a problemas de edição. Bem sei que lidar com material explosivo deixa pouca margem para repetições, mas é uma questão de mais planeamento. Entretanto para se perceber em maior detalhe tudo o que está em jogo no desenvolvimento deste projecto veja-se o Behind the Scenes.



Killzone: Extraction - Behind the Scenes (2011) de Clinton Jones

Entretanto fui explorar um pouco mais sobre a equipa que desenvolveu este projecto e salta à vista o nome de Clinton Jones aka "pwnisher". E o interessante é que Killzone é fruto de uma série de outros trabalhos empreendidos por este autor e que podem ser vistos no seu canal YouTube. Destaco por exemplo - District 9 Short Film - Dissolution (2009) e Official S. T.A.L.K.E.R. Short Film (2010) - que são claramente de qualidade inferior, mas que mesmo assim valem a pena.



Cardboard Warfare (2010) de Clinton Jones

Um outro trabalho de Clinton Jones muito interessante e que pode ser visto no seu canal é Cardboard Warfare (2010), ainda inferior a Killzone, mas faz uso de um conceito muito interessante, que é o facto de todo o material bélico ser fabricado em cartão e daí o nome do filme. Para além disso o filme faz um uso extensivo de efeitos visuais criados com recurso a Cinema 4d e After Effects e para quem se interessa por isto, nomeadamente os meus alunos, o excelente making of abaixo mostra como muitos dos efeitos foram realizados.



Making of Cardboard Warfare (2010) de Clinton Jones

Não consegui encontrar muita informação sobre o autor destes trabalhos, para além de saber que é um jovem de Atlanta nos EUA (ver deviantART). Mas se chegaram até aqui já perceberam que Clinton Jones é alguém não só com muito talento mas também com uma capacidade empreendedora fenomenal. Falamos aqui de projectos sem financiamento, ou seja filmes feitos por fãs com recursos próprios. Filmes que à partida não estão pensados para gerar retorno económico directo. No entanto claramente que podem gerar retorno indirecto, uma vez que graças à web é hoje possível fazer chegar as obras a uma plateia imensa e assim tornar-se conhecido junto daqueles que podem ter interesse em contactar e até contratar para a realização de trabalhos na área. O filme Cardboard tem neste momento mais de 2 milhões de visualizações e o Killzone lançado há duas semanas conta com quase 1 milhão. Espero sinceramente que estes projectos possam servir de motivação a muitos dos que ainda andam à procura de algo em que investir o tempo livre que possuem, falo dos estudantes mas não só, de pessoal que está à procura de trabalho nestas áreas e para já se encontra parado.

março 16, 2011

Digital Body (2011) para iPad

Já aqui falei do João Martinho Moura em outros momentos - YMYI, Smuggi, Balleteatro. Para quem acompanha este blog ou os trabalhos do Mestrado em Tecnologia e Arte Digital da UM (MTAD) não é de todo uma novidade o seu trabalho no campo da arte digital. No entanto desde que o conheço que ando para lhe fazer uma entrevista aqui para o blog mas acabamos sempre por não arranjar tempo. Entretanto este ano tive o prazer de contar com o João como colega de docência no MTAD o que foi mais uma boa experiência partilhada.

Assim esta entrevista acontece motivada pelo lançamento do seu livro, Digital Body (2011), um livro desenhado exclusivamente para iPad que conta com cerca de 80 páginas com imagens e vídeos de exibições. Contém ainda três zonas interactivas que podem ser exploradas com o movimentar dos dedos no ecrã. É um livro através do qual podem ficar a conhecer o melhor do trabalho do João Martinho Moura dos últimos 5 anos.


1 - O que pensas da tua condição de conseguir produzir trabalhos de grande complexidade tecnológica e simultaneamente estética? Que formação formação formal fizeste e porquê?
Pertenço ao conjunto de alunos, que na fase de entrada para o ensino superior teve dúvidas entre as artes e as ciências. Optei pelas ciências, segui a área das ciências da computação e dos sistemas de informação, na Universidade do Minho. Este caminho cimentou os meus conhecimentos técnicos na área do software e da programação, principalmente na computação gráfica, à qual dediquei sempre parte do meu tempo de estudo e evolução. Esforcei-me bastante para atingir bons resultados, mas durante este meu primeiro ciclo de estudos, sentia sempre a necessidade de explorar as tecnologias mais relacionadas com a arte digital, como a arte generativa, a estética computacional, a algoritmia gráfica, sonora, enfim, tudo o que estivesse ligado à parte mais estética do digital.
Mais tarde, soube que iriam abrir vagas para o novo curso de Mestrado em Tecnologia e Arte Digital (MTAD), na Universidade do Minho. Esta seria certamente a hipótese tanto esperada de me poder aproximar mais da minha vocação nativa. Pertenci assim ao pioneiro grupo de alunos deste Mestrado, único e inovador em Portugal. Esta foi a minha grande oportunidade de evoluir, e acima de tudo, seguir os meus estudos na arte digital. É realmente um mundo maravilhoso, onde me sinto muito bem a trabalhar, e a investigar.
Sempre gostei de explorar ferramentas relacionadas com a criatividade, e este mestrado proporcionou-me a possibilidade de desenvolver as minhas próprias ferramentas, que mais tarde viria a usar em exibições que tenho vindo a fazer. A simples hipótese de termos os conhecimentos para criar, em vez de usar software já existente, abre a quem cria um leque infinito de possibilidades.


2 - Qual é a tua opinião sobre as oportunidades para trabalhar no campo da arte digital em Portugal? É sustentável viver disso apenas ou tem de funcionar como hobby?
É necessária muita persistência, e resistência. Esse é o principal desafio na área da arte digital, que é transdisciplinar pela sua natureza. É muito difícil, como em qualquer outra arte, superarmos os nossos erros e aprender com isso. Tive o privilégio de o meu trabalho ser bastante referido logo nas primeiras fases da sua apresentação. A publicação constante em conferências académicas na área, com toda a colaboração da comunidade de docentes do MTAD, foi também fundamental, para que a divulgação do trabalho acontecesse. As minhas exibições são sempre comissionadas pela instituição/organização que a recebe, e tem existido todo o suporte por parte das instituições que exibiram as minhas peças. Na área da arte digital dificilmente existe a venda directa de uma obra, como acontece por exemplo em outro tipo de obras de arte. Mas os museus e espaços estão cada vez mais receptivos a este tipo de obras. Estas obras atraem pessoas, pela sua natureza interactiva, imersiva, e sensorial.

3 - Quando comparado com os outros países aonde tens exposto o teu trabalho o que te parece que falta em Portugal ou aos portugueses?
Sempre fui muito bem recebido em Portugal e no estrangeiro. A abertura perante as organizações/instituições que receberam as minhas peças foi sempre total. Lamento é não ter tempo e disponibilidade para aceder a todos os convites que tenho recebido. Em Portugal existe uma crescente aceitação para este tipo de obras. A comunidade artística na área da arte digital em Portugal é também já relevante. É importante, a existência de blogs como o Virtual Illusion, que abordam muito estas temáticas. Acredito na crescente curadoria relativamente à arte digital em Portugal, por parte das Organizações, dos Museus, e o pelo próprio Ministério da Cultura.

4 - Que conselhos podes dar a quem queira trabalhar na área da arte digital e dos media interactivos em Portugal? Que apostas devem fazer, em termos de saberes, de tecnologias ou outros?
É necessário ser muito ponderado em relação a dois eixos essenciais: a arte e a ciência. Estes dois eixos deverão estar sempre muito bem equilibrados, de modo a que a mensagem do autor, da sua obra, sejam bem transmitida. Não podemos descorar um eixo em relação ao outro. Se dermos demasiada importância à tecnologia, o resultado final é efémero, passageiro. Se dermos demasiada importância ao conceito, descorando a sustentação tecnológica que lhe dará suporte, ficamos perdidos. O importante é mesmo errar. E quanto mais errarmos, mais assertivos seremos na próxima. Nesta área é sempre bom errar. Os erros só acontecem quando nos dedicamos. A tecnologia por si só cria muitas expectativas no autor que está a criar uma obra digital. Essas expectativas facilmente são defraudadas quando não assentes numa base crítica sólida. Após a fase de confronto com a tecnologia, e com as dificuldades associadas à programação de código, cujo domínio é essencial, começa a surgir o espaço para que a criatividade aconteça, de uma forma natural. Recomendo o ciclo de estudos no Mestrado em Tecnologia e Arte Digital, da Universidade do Minho, a todos os interessados no estudo e desenvolvimento de Arte Digital.
5 - Finalmente, parece-te que o iPad e outros tablets podem servir de plataforma e inspiração para que surjam mais produtos de entretenimento digital nacionais como os livros interactivos e os videojogos?
Sim, sem sombra alguma de dúvidas. O iPad não irá substituir os livros, mas poderá cobrir um conjunto de produtos, para as áreas do entretenimento ou educação, que tirem partido das suas potencialidades interactivas. É muito bom exemplo o caso do livro Alice and Andy in the Universe of Wonders - The Planet Earth (2010), da ScienceOffice, projecto no qual participei, liderando a equipa de programação e desenvolvimento da TECField. Este livro é uma magnífica obra, com uma história muito interessante de dois irmãos gémeos que exploram o planeta terra, e que contou com o contributo de bons profissionais nas áreas da narrativa, da música, da locução, e da ilustração. Um projecto português que está disponível em seis línguas, e com bastante sucesso fora de Portugal. A leitura de um livro como este possibilita a exploração de uma história que seria impossível no livro tradicional.

Entretanto fica a notícia de que Digital Body (2011) entrou directamente para o 1º lugar da secção New & Noteworthy da App Store, e o livro Alice & Andy (2010) da Science Office, desenvolvido pela equipa da TECField, liderada pelo João Martinho, aparece também destacado pela Apple na secção What's Hot.

março 15, 2011

Festival Fast Forward 2011

O Fast For­ward é um fes­ti­val de cur­tas metra­gens orga­ni­zado pela Velha-a-Branca em parce­ria com o The­atro Circo de Braga em que os con­cor­rentes são con­vi­da­dos a realizar um filme, com máximo de 3 minutos, em 24 horas, respeitando um tema aleatoriamente atribuído a cada equipa. Julgo que o conceito é não só apelativo como um verdadeiro estimulo à criatividade. Nesse sentido pedi a um aluno meu que participou no festival, o Paulo Sousa, para me relatar um pouco sobre como é passar por estas 24 horas de produção artística e também que respondesse a algumas questões.

Se realizei esta pequena entrevista foi porque considero que o trabalho apresentado pela sua equipa apresenta grande qualidade desde a fotografia, direcção de actores, selecção de décors, selecção de música, ao guarda-roupa, tudo é tratado de forma muito consistente. Existe toda uma coerência estética com a storyline dada - "a história de uma cadeira que está agarrada a um homem que está agarrado ao poder" - que coloca este filme num patamar muito acima do filme que ganhou o evento (ver final do artigo).



É Meu e Não o Largo (2011) produção da umaCena


Quanto tempo demorou a fazer e como decorreu o processo?
Na passada sexta-feira às 17h foi-nos atribuído um tema para o qual tivemos de criar uma sinopse, um argumento, guião, storyline, rodagem e edição até ao dia seguinte à mesma hora, num contra-relógio louco! O processo de desenvolvimento foi feito da seguinte forma: fizemos um brainstorming com quase todos os elementos da umaCena a partir das 17h30m até sensivelmente as 00h; por experiência de outros anos, optámos por nunca voltar atrás quando uma decisão é tomada. Desta forma surgiu a ideia para o argumento, a escolha das cenas, o storyboard e o plano de rodagens. Depois filmámos 6 cenas de interior até sensivelmente às 02h30m. Na manhã seguinte acordámos às 06h30m para filmar as cenas de exterior, até as 11h30m. A edição foi feita até às 16h00m; houve bastantes cenas que optámos por não utilizar.

Que material foi utilizado para a criação da curta?
Hard: Canon 5D Mark II; LED Light Panel; 2 tripés; gravador áudio Zoom H4n; filtros; reflector; iMac 27 pol.2,8GHz.
Soft: Final Cut Pro; Adobe Audition 3.0; Adobe After Effects CS5

Quanto foi investido no total da produção?
O dinheiro investido rondou os 100 euros.

Quem esteve por detrás da produção?
A umaCena é um grupo de jovens com formação em áreas diversas como o Design, a Fotografia, Arquitectura, Comunicação, Audiovisual e Multimédia, Estudos Culturais, mas também de outras áreas menos ligadas às artes. É um projecto recente, surgido espontaneamente no início deste ano, da vontade dos seus membros de criarem e abanarem a pobre realidade cultural de Braga. Está também associada à rádio online para a qual desenvolvi no semestre passado o site em Flash para o Atelier. Estamos a desenvolver um site para divulgação dos trabalhos e das actividades que desenvolvemos; para já apenas dispomos de uma página no Facebook e no Vimeo.

Que papeis desempenharam cada um?
Os trabalhos foram essencialmente divididos entre o Adriano Borges, a Helena Gomes, eu e o Telmo D. Moreira. A Direcção de Fotografia foi da responsabilidade do Adriano Borges com o meu apoio e do Telmo, a direcção geral a cargo da Helena e a direcção de actores também, com o meu apoio. A edição de imagem foi feita pelo Telmo e a de som foi feita por mim.

Que formações têm?
O Adriano Borges é licenciado em Tecnologia da Comunicação Audiovisual no Instituto Politécnico do Porto; o Telmo D. Moreira, também é licenciado naquela instituição. A Helena é licenciada em Medicina Veterinária. Eu e a Laura Machado somos de Ciências da Comunicação.


PREMIADOS FAST FORWARD PORTUGAL 2011

prémio júri — filme C5 “Um Dia Nor­mal” / equipa 01
prémio cria­tivi­dade — filme E3 “Troca(dilho)” / equipa 15
menção hon­rosa — filme A9 “É Meu e Não Largo” / equipa 13
menção hon­rosa — filme D2 “Vê-me Nos Teus Son­hos” / equipa 14
menção hon­rosa — filme E1 “Troca Por Troca” / equipa 17
prémio público — filme C5 “Um Dia Nor­mal” / equipa 01


Filme vencedor do Júri e Público "Um Dia Normal”



UPDATE 15.03.2011 23h00:

Chegou-me mais um filme realizado por alunos do nosso mestrado em Audiovisual e Multimédia para o festival deste ano. Neste caso de um grupo que dá pelo nome de Bróculos (já aqui tinha falado deste grupo quando fizeram o seu trabalho de fim de licenciatura no ano passado). É mais um trabalho muito bem conseguido, em cerca de 2 minutos conseguem criar a atmosfera desejada e transportar-nos para o interior do jogo narrativo. Aposta num género, o thriller, que é menos interessante para estes festivais que normalmente buscam mais a simplicidade e o optimismo da comédia.



O Diabo e o Anjo (2011), produção dos Bróculos

março 13, 2011

Direitos de Autor: o "Fair Use" em Portugal

Existe há muitos anos na legislação americana a figura de Fair Use que protege o uso de material com copyright para fins de ensino, estudo e investigação. Aliás no livro que estive a editar e que deverá ser publicado em Maio por uma editora americana esta mesmo lei serviu, por exemplo, para nos proteger no uso de imagens retiradas de um mundo virtual registado, o Second Life, entre outros casos.

A questão é que as leis são diferentes em todos os países, e por exemplo o mesmo já não se aplicou em França num artigo que tenho aí em publicação. Como desconheço as leis francesas não sei se isso aconteceu por excesso de zelo do editor ou por não existirem leis que regulem o uso no ensino e investigação.
Entretanto recentemente tive conhecimento de que em Portugal e desde 2008 (ou seja posterior à minha defesa de tese) existe um Capítulo no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos dedicado à "Utilização Livre". E é esse na sua integralidade que passo a transcrever destacando as partes relacionadas com o uso no ensino, investigação e estudo pessoal.

Lei 16/2008, de 1 de Abril

CAPÍTULO II
Da utilização livre

Artigo 75º
Âmbito

1 — São excluídos do direito de reprodução os actos de reprodução temporária que sejam transitórios, episódicos ou acessórios, que constituam parte integrante e essencial de um processo tecnológico e cujo único objectivo seja permitir uma transmissão numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, ou uma utilização legítima de uma obra protegida e que não tenham, em si, significado económico, incluindo, na medida em que cumpram as condições expostas, os actos que possibilitam a navegação em redes e a armazenagem temporária, bem como os que permitem o funcionamento eficaz dos sistemas de transmissão, desde que o intermediário não altere o conteúdo da transmissão e não interfira com a legítima utilização da tecnologia conforme os bons usos reconhecidos pelo mercado, para obter dados sobre a utilização da informação, e em geral os processos meramente tecnológicos de transmissão.

2 — São lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:
a) A reprodução de obra, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das partituras, bem como a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos;
b) A reprodução e a colocação à disposição do público, pelos meios de comunicação social, para fins de informação, de discursos, alocuções e conferências pronunciadas em público que não entrem nas categorias previstas no artigo 7.o, por extracto ou em forma de resumo;
c) A selecção regular de artigos de imprensa periódica, sob forma de revista de imprensa;
d) A fixação, reprodução e comunicação pública, por quaisquer meios, de fragmentos de obras literárias ou artísticas, quando a sua inclusão em relatos de acontecimentos de actualidade for justificada pelo fim de informação prosseguido;
e) A reprodução, no todo ou em parte, de uma obra que tenha sido previamente tornada acessível ao público, desde que tal reprodução seja realizada por uma biblioteca pública, um arquivo público, um museu público, um centro de documentação não comercial ou uma instituição científica ou de ensino, e que essa reprodução e o respectivo número de exemplares se não destinem ao público, se limitem às necessidades das actividades próprias dessas instituições e não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta, incluindo os actos de reprodução necessários à preservação e arquivo de quaisquer obras;
f) A reprodução, distribuição e disponibilização pública para fins de ensino e educação, de partes de uma obra publicada, contando que se destinem exclusivamente aos objectivos do ensino nesses estabelecimentos e não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta;
g) A inserção de citações ou resumos de obras alheias, quaisquer que sejam o seu género e natureza, em apoio das próprias doutrinas ou com fins de crítica, discussão ou ensino, e na medida justificada pelo objectivo a atingir;
h) A inclusão de peças curtas ou fragmentos de obras alheias em obras próprias destinadas ao ensino;
i) A reprodução, a comunicação pública e a colocação à disposição do público a favor de pessoas com deficiência de obra que esteja directamente relacionada e na medida estritamente exigida por essas específicas deficiências e desde que não tenham, directa ou indirectamente, fins lucrativos;
j) A execução e comunicação públicas de hinos ou de
cantos patrióticos oficialmente adoptados e de obras de carácter exclusivamente religioso durante os actos de culto ou as práticas religiosas;
l) A utilização de obra para efeitos de publicidade relacionada com a exibição pública ou venda de obras artísticas, na medida em que tal seja necessário para promover o acontecimento, com exclusão de qualquer outra utilização comercial;
m) A reprodução, comunicação ao público ou colocação à disposição do público, de artigos de actualidade, de discussão económica, política ou religiosa, de obras radiodifundidas ou de outros materiais da mesma natureza, se não tiver sido expressamente reservada;
n) A utilização de obra para efeitos de segurança pública ou para assegurar o bom desenrolar ou o relato de processos administrativos, parlamentares ou judiciais;
o) A comunicação ou colocação à disposição de público, para efeitos de investigação ou estudos pessoais, a membros individuais do público por terminais destinados para o efeito nas instalações de bibliotecas, museus, arquivos públicos e escolas, de obras protegidas não sujeitas a condições de compra ou licenciamento, e que integrem as suas colecções ou acervos de bens;
p) A reprodução de obra, efectuada por instituições sociais sem fins lucrativos, tais como hospitais e prisões, quando a mesma seja transmitida por radiodifusão;
q) A utilização de obras, como, por exemplo, obras de arquitectura ou escultura, feitas para serem mantidas permanentemente em locais públicos;
r) A inclusão episódica de uma obra ou outro material protegido noutro material;
s) A utilização de obra relacionada com a demonstração ou reparação de equipamentos;
t) A utilização de uma obra artística sob a forma de um edifício, de um desenho ou planta de um edifício para efeitos da sua reconstrução ou reparação.

3 — É também lícita a distribuição dos exemplares licitamente reproduzidos, na medida justificada pelo objectivo do acto de reprodução.

4 — Os modos de exercício das utilizações previstas nos números anteriores não devem atingir a exploração normal da obra, nem causar prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor.

5 — É nula toda e qualquer cláusula contratual que vise eliminar ou impedir o exercício normal pelos beneficiários das utilizações enunciadas nos n.os 1, 2 e 3 deste artigo, sem prejuízo da possibilidade de as partes acordarem livremente nas respectivas formas de exercício, designadamente no respeitante aos montantes das remunerações equitativas.

Já o uso com fins comerciais rege-se por regras bem diferentes, e nada melhor do que o vídeo abaixo para se poder perceber o quão complexo se tornou o mundo dos direitos de autor, nomeadamente no campo da imagem.

março 08, 2011

Cinemotion: VFX da Bulgária


A Cinemotion acaba de lançar na rede o seu mais recente reel relativo ao trabalho realizado em 2010. Considero este reel um dos melhores que podemos encontrar online de empresas criativas e de VFX, não pela espectacularidade do trabalho apenas, mas antes de mais pela componente educativa apresentada no reel de apenas 4 minutos. É um trabalho com capacidade para iluminar o que se faz nesta arte e assim permitir que mais pessoas não só a compreendam melhor mas até talvez tenham vontade de nela ingressar.



A Cinemotion não começou agora a trabalhar na área, nem a fazer reels, já em 2008 a Autodesk a tinha seleccionado para aparecer no seu reel "The Best of the Best.

Por outro lado existe ainda uma outra particularidade que reveste esta empresa de especial interesse para quem quer trabalhar na área em Portugal, como os meus alunos de mestrado em Audiovisual e Multimédia, é que a empresa não é americana, nem inglesa ou de outra expectável nacionalidade, mas é da Bulgária. Um pequeno país europeu, tal como Portugal.

Cinemotion Showreel 2010

Nota: A música que acompanha o reel é feita por colegas também da Bulgária, os Tape Tango.