Nos primeiros jogos Chen utilizou como mecânica base de movimento, o voar (em Flow era mais uma espécie de nadar, mas muito próximo). Claramente numa tentativa de operar o sentimento de flow, definido por Csíkszentmihályi e que deu nome ao seu jogo de mestrado, por via da sensação de liberdade que a navegação em ambiente digital proporciona ao utilizador. Em Journey, essa mecânica tornou-se bem mais complexa, com maior diversidade de movimento e com muito mais detalhe.
Journey procura manter o sentimento de liberdade ou libertação em busca da tranquilidade, através da navegação. Podemos andar a pé, mas podemos fazer grandes saltos que nos permitem flutuar e voar por breves instantes, e que nos atiram de imediato para Cloud. Por sua vez o andar da nossa personagem é muito rico em diversidade estética. O mais evidente aparece na forma de deslizar nas areias, evocando a liberdade do sandboard, e aproximando-se em termos de controlo da câmara, do deslizar em Flower. Mas aquilo que mais me impressionou, e foi logo a abrir o jogo, foi a variabilidade no andar que surge quando este está a subir um monte de areia face ao simples andar. Não é apenas o design do personagem que se altera, mas a sua simultaneidade com o movimento do mesmo, e com a câmara, tudo junto cria uma espécie de lentidão que se apodera do nosso andar, quase conseguimos sentir o "nosso corpo" a enterrar-se na areia fina e seca.
Journey à semelhança dos jogos anteriores, tem objectivos difusos, ainda que dos quatro jogos seja o mais definido. Ou seja, o que é relevante é o processo de chegar ao objectivo, e não o objectivo em si. Em Journey o objectivo acaba por assumir um peso muito maior a partir do meio do jogo, para se assumir como central no final do jogo. Journey não procura apenas explorar a estimulação da tranquilidade, e viver da experiência da viagem, quer antes criar uma experiência completa de jogo. E neste sentido Journey oferece uma experiência, ainda que minimal do ponto de vista do enredo e interacção, totalmente clássica no arco dramático. Journey começa por nos introduzir ao mundo, às mecânicas, e objectivos de forma calma e relaxada. À medida que vamos avançando o mundo vai-se complexificando, ficando mais escuro e pesado, chegando mesmo a gerar medo, para no final nos dar um clímax capaz de libertar toda a tensão desenvolvida, produzindo em nós uma diversidade emocional pouco comum nos videojogos, e com uma enorme intensidade.
Neste sentido Journey é o culminar de anos de experiência na tentativa de implementar um conceito pouco trabalhado na arte dos videojogos. Aqui atingiu-se um ponto no qual foi possível num jogo juntar todas as emoções comuns ao mundo da narrativa, tão utilizada na literatura e cinema. O ambiente que se introduz, o conflito que nos envolve, e finalmente a libertação desse conflito, e a sensação de um completo fechamento da experiência. Tudo o que eu disse acima contribui para isto, mas existe um outro detalhe, que é para mim extremamente relevante para o que aqui foi feito, a duração do jogo. Journey tem uma duração média de jogo de duas horas, o que é para mim o limite para se construir uma experiência audiovisual narrativa óptima, tal como já defendi no passado. É possível começar a jogar e acabar numa única jogada, e isto contribui tremendamente para que o jogador capture todo o sentido narrativa, atribua valor à experiência, e não se perca nos detalhes, que acabariam por diminuir o impacto do clímax final do jogo. Aliás, isto já foi questionado, e a resposta do Chen não podia ser mais clara: "We don't want to add any filler, because people are paying money to experience that. If we add filler, that's disrespect". Foi exatamente por causa deste filler que achei Uncharted 3 um jogo menos conseguido
Não posso fechar este texto, sem referir o multiplayer. Não percebi logo que o outro personagem era um outro jogador, mas depois de perceber, só posso dizer que atravessar o clímax final na companhia de um outro jogador, ainda que desconhecido, é um forte catalisador do momento. Tanto que o outro jogador, assim que acabámos o jogo, pediu logo amizade para poder falar da experiência comigo. O multiplayer está muito bem conseguido, porque o sistema só permite dois jogadores de cada vez, e não identifica quem é o outro. Deste modo ele é mais um daquele universo. A colaboração não é estimulada, ainda assim por várias vezes que tentava saltar zonas altas, e outro jogador vinha até mim para me dar energia e ajudar-me a voar, ou quando ficava à minha espera numa determinada zona como que a indicar-me o caminho, sentia-se a beleza da entre-ajuda.
Journey é uma experiência única, como tal merece ser experienciado e absorvido em todas as suas dimensões. Mais sobre a arte do jogo pode ser visto no vídeo de lançamento do livro Art of Journey, mas vejam apenas depois de jogarem. Se quiserem saber mais sobre a produção do jogo podem ver o post-mortem da Robin Hunicke na GDC Europe deste ano.