Tenho visto poucas séries, raramente me prendem mais de dois ou três episódios, no entanto “Wayward Pines” conseguiu agarrar-me e levar-me até ao final da primeira temporada, o seu autor era Blake Crouch. Quando li que um dos livros de FC mais badalados deste ano, “Dark Matter”, tinha sido escrito por ele, a atração foi imediata. Se no início sentimos que Crouch está apenas a remisturar a fórmula de “Wayward Pines”, rapidamente tudo descola, agarrando-nos pela tensão, adrenalina e claro, a total contorção da realidade.
A escrita não é o forte de Blake Crouch, embora pelo que vi dos seus livros anteriores, melhorou bastante, muito provavelmente pelo enorme trabalho de edição que a obra sofreu desde o primeiro esboço até ao seu lançamento, como fica evidente na nota final de agradecimento do próprio autor. Crouch também não é um romancista e por isso as personages são aqui mais peões do que essências, se Jason e Daniela se ficam pelo casal modelo, a relação com o filho Charlie é um verdadeiro apêndice. Por outro lado, Crouch é brilhante no desenho de suspense, na criação de enredo — ações, conflitos e obstáculos — tanto o é, que o primeiro manuscrito, com apenas metade das páginas, foi vendido à Sony por mais de um milhão de dólares, dois anos antes do livro sair, para criação do filme.
Se gosto do trabalho de Crouch, deve-se menos à sua mestria do suspense e mais ao modo como ele trata o tema da Realidade. Esse é o tema de fundo de “Wayward Pines” e “Dark Matter”, o modo como nós, humanos, compreendemos, construímos, aceitamos, distorcemos e por vezes enlouquecemos por meio daquilo a que chamamos Realidade. É um tema que me apaixona, tendo sido parte integrante dos meus estudos, o que me me levou a analisar dezenas de filmes que lidam com realidades alternativas, viagens no tempo e mundos possíveis. É um tema eterno, que nos pode levar até à “Alegoria da Caverna” de Platão, ou simplesmente parar para apreciar a intensa expetativa contemporânea em redor das novas tecnologias de Realidade Virtual.
Considero que a premissa de “Wayward Pines” era mais original, contudo “Dark Matter” é uma obra mais madura, complexa e questionadora, capaz de lançar o leitor num tobogã de conceitos que misturam Física e Filosofia. Apesar da velocidade imprimida, não raras vezes, damos por nós a estacar e a refletir sobre o que está a acontecer, sobre o que é a realidade, o que somos, como somos, e porque somos. Neste sentido, e apesar da ação contribuir para alguma superficialidade, não é um livro fácil para quem não estiver habituado às temáticas.
Em relação à história e ciência, “Dark Matter”, como o título acaba por indicar, trabalha conceitos da física quântica, nomeadamente o conceito de multiverso. Contudo, apesar de seguir uma base científica, rapidamente resvala para o puro ficcional, distanciando-se de abordagens mais clássicas da FC, como é exemplo um dos grandes sucessos recentes da FC, “The Martian” (2014). Mesmo aproximando-se da temática de “Interstellar” (2014), e ainda que este tenha também tomado bastantes liberdades, “Dark Matter” usa a especulação científica mais como rampa de lançamento para a fantasiação do conceito de identidade.
novembro 17, 2016
novembro 16, 2016
"Jornal Animado", em nome da liberdade de expressão
O Canal+ e a produtora Autour de Minuit resolveram criar uma coleção de animações que intitularam, “Dessine toujours”, para homenagear a passagem de um ano sobre o massacre no ”Charlie Hebdo” (7 de Janeiro 2015). O tema comissionado foi a Liberdade de Expressão, e um desses dez filmes, “Journal Animè” (2016), pode agora ser visto online. O criador, Donato Sansone, pegou nos jornais franceses publicados entre 15 de Setembro e 15 de Novembro de 2015, e animou várias notícias e imagens. O resultado é, simultaneamente perturbador e fascinante.
Sansone não se baseia na narratividade, embora crie pequenos arcos e relações entre imagens, acabando o filme por conter alguma progressão conferida pela cronologia das notícias. A força do seu filme está na intensidade das imagens criadas, nomeadamente no modo como ele pega nas imagens aparentemente inocentes, e lhes confere um véu animado interpretativo, como que desvelando as verdadeiras identidades e intenções dos fotografados. É muito mais do que os tradicionais cartoons, porque por via da animação, trabalha de modo frontal a transformação, dando conta da farsa de muito daquilo que é o politicamente correto na nossa sociedade.
Sansone não se baseia na narratividade, embora crie pequenos arcos e relações entre imagens, acabando o filme por conter alguma progressão conferida pela cronologia das notícias. A força do seu filme está na intensidade das imagens criadas, nomeadamente no modo como ele pega nas imagens aparentemente inocentes, e lhes confere um véu animado interpretativo, como que desvelando as verdadeiras identidades e intenções dos fotografados. É muito mais do que os tradicionais cartoons, porque por via da animação, trabalha de modo frontal a transformação, dando conta da farsa de muito daquilo que é o politicamente correto na nossa sociedade.
"Journal Animè" (2016) de Donato Sansone
novembro 13, 2016
“O Castelo” (1926)
“O Castelo” (1926) é o terceiro e último romance de Kafka (1883-1924), depois de “O Desaparecido” (1927) e “O Processo” (1925), todos incompletos, todos publicados postumamente e contra à sua vontade. Este conjunto de dados, parcos, mas capazes de ilustrar um padrão, conseguem muito rapidamente e de forma algo óbvia dar conta do tipo de autor que temos pela frente, do seu mundo e forma de estar na vida. Kafka viveu apenas 40 anos, viveu-os intensamente e totalmente dedicados ao amor pela literatura, mas sem nunca alcançar o desejado. Insatisfeito com o pai, com o mundo, com a sua escrita, foi alguém que se dedicou mais aos obstáculos da vida, do que àquilo que esta tem de bom para nos oferecer. A narrativa de “O Castelo” reflete totalmente esta personalidade.
Ao longo de quase 400 páginas seguimos K. na sua demanda, podemos dizer quixotesca, por chegar ao Castelo, enfrentando mil e um obstáculos — mesquinhos, incompreensíveis, obscuros, obtusos, lógicos, humanos, burocráticos — que contribuem para o desenho de um labirinto, que facilmente se compreende porque fez as delícias de Jorge Luís Borges. “O Castelo” é um jogo, cabendo a K. e o seu leitor, encontrar a fórmula correcta para aceder ao centro do labirinto, o seu significado.
Kafka constrói aqui um romance profundamente espacial para dar conta da vastidão do sentimento de desolação. Ou seja, Kafka é brilhante no trabalho psicológico, mas é-o de uma forma muito particular, totalmente distinta da abordagem tradicional, já que não se dedica a traçar os perfis dos seus personagens, e talvez por isso não seja uma obra fácil para muitos dos que se aproximam na esperança de encontrar mais uma obra dentro do alinhamento geral. Por outro lado, este modo de trabalhar a psicologia pelo espaço, acaba por acarretar consigo uma outra particularidade, que é o de se desligar do particular para abraçar o abstracto. Ou seja, para dar conta espacialmente do seu objeto, Kafka tem de projetar os conflitos humanos num espaço e conjunto de obstáculos que impedem o acesso ao seu centro. Esta abordagem evita a particularização e afasta-se do concreto, levando consigo um grande grupo de leitores, mas atrai um outro grupo, o mais embrenhando na reflexão, particularmente a interpretação. Assim, não admira que não só este “O Castelo”, como toda a obra de Kafka, seja uma das obras do cânone mais estudadas academicamente, com leituras interpretativas que vão das abordagens Marxistas, Existentialistas, Psicanalistas às Deconstrucionistas e Estruturalistas, passando pelas Religiosas e Esotéricas.
No final do livro, mesmo que este não tenha fecho, termina a meio de uma frase, não por falta de tempo de Kafka, mas porque simplesmente não o quis ou não conseguiu, podemos encontrar a chave, o significado. Cada um de nós vê ali o seu Castelo, cada um de nós projeta nos obstáculos encontrados por K. os obstáculos das suas vidas, cada um de nós encontra-se em direcção à sua própria demanda interior, e por isso a chave deste Castelo somos nós mesmos.
Ao longo de quase 400 páginas seguimos K. na sua demanda, podemos dizer quixotesca, por chegar ao Castelo, enfrentando mil e um obstáculos — mesquinhos, incompreensíveis, obscuros, obtusos, lógicos, humanos, burocráticos — que contribuem para o desenho de um labirinto, que facilmente se compreende porque fez as delícias de Jorge Luís Borges. “O Castelo” é um jogo, cabendo a K. e o seu leitor, encontrar a fórmula correcta para aceder ao centro do labirinto, o seu significado.
Kafka constrói aqui um romance profundamente espacial para dar conta da vastidão do sentimento de desolação. Ou seja, Kafka é brilhante no trabalho psicológico, mas é-o de uma forma muito particular, totalmente distinta da abordagem tradicional, já que não se dedica a traçar os perfis dos seus personagens, e talvez por isso não seja uma obra fácil para muitos dos que se aproximam na esperança de encontrar mais uma obra dentro do alinhamento geral. Por outro lado, este modo de trabalhar a psicologia pelo espaço, acaba por acarretar consigo uma outra particularidade, que é o de se desligar do particular para abraçar o abstracto. Ou seja, para dar conta espacialmente do seu objeto, Kafka tem de projetar os conflitos humanos num espaço e conjunto de obstáculos que impedem o acesso ao seu centro. Esta abordagem evita a particularização e afasta-se do concreto, levando consigo um grande grupo de leitores, mas atrai um outro grupo, o mais embrenhando na reflexão, particularmente a interpretação. Assim, não admira que não só este “O Castelo”, como toda a obra de Kafka, seja uma das obras do cânone mais estudadas academicamente, com leituras interpretativas que vão das abordagens Marxistas, Existentialistas, Psicanalistas às Deconstrucionistas e Estruturalistas, passando pelas Religiosas e Esotéricas.
No final do livro, mesmo que este não tenha fecho, termina a meio de uma frase, não por falta de tempo de Kafka, mas porque simplesmente não o quis ou não conseguiu, podemos encontrar a chave, o significado. Cada um de nós vê ali o seu Castelo, cada um de nós projeta nos obstáculos encontrados por K. os obstáculos das suas vidas, cada um de nós encontra-se em direcção à sua própria demanda interior, e por isso a chave deste Castelo somos nós mesmos.
novembro 12, 2016
“Kinoautomat” (1967), o primeiro filme interativo
Uma das razões que me trouxe à conferência ECREA 2016 em Praga, foi poder ver ao vivo o primeiro filme interativo da história, “Kinoautomat” (1967). A sua produção teve como objetivo uma demonstração tecnológica no pavilhão da antiga Checoslováquia, na Expo 1967, em Montreal. O filme além de requerer comandos distribuídos pela audiência, requer ainda um apresentador que interage com a audiência e com o filme. Neste caso tivemos a sorte de ter a realizar esse papel, a filha do realizador Raduz Cincera, Alena Činčerová.
A sessão dura cerca de uma hora e um quarto, para um filme que terá à volta de trinta minutos. Os comandos originais estavam fixados aos sofás da sala de cinema (com cerca de 124 lugares), neste caso deram-nos comandos portáteis, que tivemos de devolver no final, estando na sala cerca de 60 pessoas. O filme é a preto e branco, e é fundamentalmente uma comédia negra, muito típica dos anos 1960, recorrendo a alguns dos estereótipos mais banais, como “a vizinha do lado”, a “família que chega da província”, o “louco que tudo sabe”, ou ainda “a velha inocente que é muito pouco inocente”. Contudo, e apesar de todos estes clichés, fez-me rir como já não ria há bastante tempo, recordou-me imenso o cinema de Louis de Funés. Claro que estar inteiramente predisposto e altamente expectante terá ajudado, mas a verdade é que Cincera consegue imprimir ritmo, produzir cenas curtas carregadas de leitura de enredo que nos fazem ver múltiplas possibilidades muito rapidamente, e por isso ainda mais desejosos de participar nas escolhas propostas.
O sistema de escolhas, e tendo em conta que é coletivo, funciona numa lógica de maioria. Ou seja, existem sempre apenas duas opções, verde e vermelho, e as cenas são escolhidas em função daquilo que a maioria presente em sala escolhe. Parecendo um sistema meramente mecânico, devemos relembrar que em 1967 a Checoslováquia vivia debaixo de uma sistema totalitário comunista, sem direito a eleições, votos, nem escolhas de maiorias. Nesse sentido, uma das grandes questões que terá estado na base da invenção deste sistema terá sido a crítica ideológica. Num país em que não se pode escolher, poder escolher como deve prosseguir o filme, é no mínimo instigador, mas na verdade revolucionário! Não admira que o filme tenha sido proibido no país, e mesmo impedido de circular durante muito tempo pelo próprio governo da Checoslováquia.
A inovação, ou melhor, a grande distinção, face ao cinema interativo que veio a suceder a "Kinoautomat" está no apresentador, o entertainer. O seu papel era o de orientar a audiência no processo de escolha, explicar e garantir que estes realmente interagiam, já que aquela era uma experiência nova. Mas do que pude apreciar, acaba servindo muito mais do que isso, o facto de termos uma pessoa que fala connosco, que dá ordens ao filme, e nos questiona, faz com que as pausas para interatividade, tão malfadadas pela quebra de ritmo, se tornem prazeirosas, e sejam elas parte da obra. Ou seja, o filme interativo não é apenas o que vai surgindo na tela, nem a interação é apenas o que nós escolhemos no comando, é antes um todo, uma instalação, uma performance, um jogo, que cria um espaço de relação interno à audiência e desta com o apresentador, e desses todos com os personagens no filme, na tela. E é por isso que se gera uma experiência tão vívida, tão entusiasmante. Não sou apenas eu que escolho, enquanto escolho penso nos outros, sinto-os ali, meço-lhes o pulso pelo que a maioria escolhe, a própria apresentadora vai fazendo comentários ao tipo de audiência que temos ali naquela noite — conservadores, curiosos, impulsivos, pecaminosos, etc.
Em relação ao desenho das escolhas, e pelo que consegui ver, e depois pesquisar online, elas são bastante limitadas, como seria expetável, criando-se muito mais ilusão de escolha, do que consequência efetiva. Contudo, a audiência não sente essa ilusão, a audiência participa ativamente, envolve-se fortemente, e deseja agir nessas escolhas. Instigada pela força questionadora do filme, mas também pela apresentadora que nos espevita a curiosidade do que poderá vir a seguir. Aliás, um dos elementos que mais funciona para esta ativação da audiência, é que em cada paragem do filme, para cada escolha, a apresentadora levanta ligeiramente o véu do que pode vir a acontecer, deixando rolar alguns frames de cada uma das diferentes opções, o que torna ainda mais estimulante todo o processo de escolha.
Para fechar, foi sem dúvida uma sessão de cinema, ou experiência, não só muito animada, mas imensamente participada e sentida, a demonstrar todo o poder do cinema interativo, quando bem pensado. Mesmo que recorrendo a ilusão de interação, mesmo que recorrendo a clichés, o trabalho é irrepreensível, o que acredito ter contribuído, e continuar a contribuir, para inspirar muitos dos que se aventuram por estes caminhos.
O cliché, da vizinha bonita do lado que fica trancada fora do seu apartamento, é o mote para todo o conflito.
O sistema de escolhas, e tendo em conta que é coletivo, funciona numa lógica de maioria. Ou seja, existem sempre apenas duas opções, verde e vermelho, e as cenas são escolhidas em função daquilo que a maioria presente em sala escolhe. Parecendo um sistema meramente mecânico, devemos relembrar que em 1967 a Checoslováquia vivia debaixo de uma sistema totalitário comunista, sem direito a eleições, votos, nem escolhas de maiorias. Nesse sentido, uma das grandes questões que terá estado na base da invenção deste sistema terá sido a crítica ideológica. Num país em que não se pode escolher, poder escolher como deve prosseguir o filme, é no mínimo instigador, mas na verdade revolucionário! Não admira que o filme tenha sido proibido no país, e mesmo impedido de circular durante muito tempo pelo próprio governo da Checoslováquia.
Algumas escolhas são triviais, não nos movem particularmente, outras são até bastante duras, ainda que tratando-se de comédia negra, deixam-nos hesitantes, questionam-nos sobre o tipo de pessoa somos, "Eu não posso deixar de...". Por outro lado, por vezes, a questão passa a um estado meta, em que deixamos de nos colocar no lugar do personagem, e passamos a pensar no efeito na história e no que desejaríamos ver acontecer no filme e com os personagens.
A inovação, ou melhor, a grande distinção, face ao cinema interativo que veio a suceder a "Kinoautomat" está no apresentador, o entertainer. O seu papel era o de orientar a audiência no processo de escolha, explicar e garantir que estes realmente interagiam, já que aquela era uma experiência nova. Mas do que pude apreciar, acaba servindo muito mais do que isso, o facto de termos uma pessoa que fala connosco, que dá ordens ao filme, e nos questiona, faz com que as pausas para interatividade, tão malfadadas pela quebra de ritmo, se tornem prazeirosas, e sejam elas parte da obra. Ou seja, o filme interativo não é apenas o que vai surgindo na tela, nem a interação é apenas o que nós escolhemos no comando, é antes um todo, uma instalação, uma performance, um jogo, que cria um espaço de relação interno à audiência e desta com o apresentador, e desses todos com os personagens no filme, na tela. E é por isso que se gera uma experiência tão vívida, tão entusiasmante. Não sou apenas eu que escolho, enquanto escolho penso nos outros, sinto-os ali, meço-lhes o pulso pelo que a maioria escolhe, a própria apresentadora vai fazendo comentários ao tipo de audiência que temos ali naquela noite — conservadores, curiosos, impulsivos, pecaminosos, etc.
As escolhas da sala surgem no ecrã, em pequenas bolas, que crescem de baixo para cima, como um gráfico que sobe, até que se identifica o lado escolhido pela maioria.
Fluxograma de "Kinoautomat" criado por Brian Moriarty, no qual se pode ver como a maior parte das escolhas, são mera ilusão. Por outro lado, não podemos esquecer que a projeção em 1967 era feita com grandes máquinas de projetar película, controladas manualmente, o que impossibilitaria uma criação real de vários ramos de nós.
Em relação ao desenho das escolhas, e pelo que consegui ver, e depois pesquisar online, elas são bastante limitadas, como seria expetável, criando-se muito mais ilusão de escolha, do que consequência efetiva. Contudo, a audiência não sente essa ilusão, a audiência participa ativamente, envolve-se fortemente, e deseja agir nessas escolhas. Instigada pela força questionadora do filme, mas também pela apresentadora que nos espevita a curiosidade do que poderá vir a seguir. Aliás, um dos elementos que mais funciona para esta ativação da audiência, é que em cada paragem do filme, para cada escolha, a apresentadora levanta ligeiramente o véu do que pode vir a acontecer, deixando rolar alguns frames de cada uma das diferentes opções, o que torna ainda mais estimulante todo o processo de escolha.
Trailer recente da experiência
Para fechar, foi sem dúvida uma sessão de cinema, ou experiência, não só muito animada, mas imensamente participada e sentida, a demonstrar todo o poder do cinema interativo, quando bem pensado. Mesmo que recorrendo a ilusão de interação, mesmo que recorrendo a clichés, o trabalho é irrepreensível, o que acredito ter contribuído, e continuar a contribuir, para inspirar muitos dos que se aventuram por estes caminhos.
novembro 11, 2016
Storytelling minimalista
O projeto Future of StoryTelling traz-nos um belíssimo filme com Dan Pinchbeck, a passear-se pelos cenários que inspiraram o videojogo “Everybody's Gone to the Rapture” (2015), enquanto discute o modo como a sua empresa de jogos, a The Chinese Room, funde jogo com história.
Para Pinchbeck é acima de tudo uma questão de espaço, a criação de uma arquitectura capaz de envolver o jogador, de o colocar no centro, a ponto de o obrigar a iniciar ele próprio o processo de contar a história. Ou seja, o que se objetiva, não é contar uma história, mas antes plasmar o universo da história num espaço tridimensional capaz de receber o jogador. No fundo Pinchbeck fala de algo que já conhecemos, o “environment storytelling”, que baseia o seu processo de dar conta da história nos detalhes colocados num ambiente em que se lança o recetor.
Ao longo dos quatro minutos do filme, Pinchbeck vai insistir na ideia de co-autoria e colaboração na criação da história, defendendo o universo de jogo como impulsionador, no qual um conjunto de blocos de história são dispersos, cabendo ao jogador juntar as peças do puzzle, e encontrar a sua própria explicação, em vez de esperar que esta lhe seja ditada pelo jogo.
Aquilo que aqui se discute, e que é a força motriz deste tipo de storytelling, é minimalismo, algo que estava já antes definido como storytelling minimalista, que podemos encontrar múltiplos meios expressivos. Ou seja, a criação de uma linha de eventos subtis, sem conexões fortes, que garante nós da história em branco, abrindo assim espaços a serem preenchidos pelo recetor. O minimalismo não é apenas um modo de minimizar a informação dada, é também um modo de obrigar o recetor a participar na criação dessa informação em falta, o que acaba contribuindo para um maior sentimento de agência, de participação, e claro, co-autoria.
O uso de storytelling minimalista funciona bem nos videojogos porque se torna menos intrusivo, dá espaço ao jogador para que ele se vá inteirando do mundo, e ao mesmo tempo, fazendo desse mundo, o seu também. Da mesma forma, liberta o jogador de um esforço cognitivo dual, entre o jogar e seguir uma história, já que a história lhe chega ao ritmo que o próprio jogador define, podendo este optar por investir no jogo, sem nunca perder nada da história.
Assim, e como Pinchbeck acaba por aceitar no final do filme, os videojogos não estão aqui a fazer nada de propriamente novo. Mais do que tudo, o que interessa reter de mais esta conversa, é que as histórias constroem-se nas mentes das pessoas, tudo aquilo que desenhamos, desenvolvemos e criamos materialmente são apenas estímulos à imaginação, são formas de ativar o processo criativo de cada um.
Para Pinchbeck é acima de tudo uma questão de espaço, a criação de uma arquitectura capaz de envolver o jogador, de o colocar no centro, a ponto de o obrigar a iniciar ele próprio o processo de contar a história. Ou seja, o que se objetiva, não é contar uma história, mas antes plasmar o universo da história num espaço tridimensional capaz de receber o jogador. No fundo Pinchbeck fala de algo que já conhecemos, o “environment storytelling”, que baseia o seu processo de dar conta da história nos detalhes colocados num ambiente em que se lança o recetor.
Ao longo dos quatro minutos do filme, Pinchbeck vai insistir na ideia de co-autoria e colaboração na criação da história, defendendo o universo de jogo como impulsionador, no qual um conjunto de blocos de história são dispersos, cabendo ao jogador juntar as peças do puzzle, e encontrar a sua própria explicação, em vez de esperar que esta lhe seja ditada pelo jogo.
Aquilo que aqui se discute, e que é a força motriz deste tipo de storytelling, é minimalismo, algo que estava já antes definido como storytelling minimalista, que podemos encontrar múltiplos meios expressivos. Ou seja, a criação de uma linha de eventos subtis, sem conexões fortes, que garante nós da história em branco, abrindo assim espaços a serem preenchidos pelo recetor. O minimalismo não é apenas um modo de minimizar a informação dada, é também um modo de obrigar o recetor a participar na criação dessa informação em falta, o que acaba contribuindo para um maior sentimento de agência, de participação, e claro, co-autoria.
O uso de storytelling minimalista funciona bem nos videojogos porque se torna menos intrusivo, dá espaço ao jogador para que ele se vá inteirando do mundo, e ao mesmo tempo, fazendo desse mundo, o seu também. Da mesma forma, liberta o jogador de um esforço cognitivo dual, entre o jogar e seguir uma história, já que a história lhe chega ao ritmo que o próprio jogador define, podendo este optar por investir no jogo, sem nunca perder nada da história.
Dan Pinchbeck — Parachuting into the Story (FoST 2016)
Assim, e como Pinchbeck acaba por aceitar no final do filme, os videojogos não estão aqui a fazer nada de propriamente novo. Mais do que tudo, o que interessa reter de mais esta conversa, é que as histórias constroem-se nas mentes das pessoas, tudo aquilo que desenhamos, desenvolvemos e criamos materialmente são apenas estímulos à imaginação, são formas de ativar o processo criativo de cada um.
novembro 10, 2016
“Austerlitz” (2001)
Tinha talvez demasiadas expetativas, tinha lido algumas notas sobre o modo como Sebald trabalha as memórias, as fronteiras entre o real e o imaginado, entre a ficção e não ficção, e ao entrar em “Austerlitz”, apesar de ver tudo isso, não o senti. O discurso apesar de erudito e fluído, cria uma sessão de prisão, de repetição, sem movimento, como se nunca saísse do mesmo lugar...
Reconheço que o trabalho é original, que existe aqui um esforço, mais académico mas talvez por isso menos emotivo, no sentido em que tudo parece demasiado refletido, pensado para produzir um determinado efeito, mais como se o livro fosse desenhado e não tivesse brotado criativamente. Esta minha crítica, pode não fazer muito sentido, já que muitas obras nascem desta forma, nomeadamente as mais complexas, contudo neste caso, sinto que esta estrutura pesa na leitura, que o livro não consegue ser suficientemente orgânico para se dar a uma leitura tradicional, acabando por nos obrigar mais a uma leitura em modo de estudo.
Os livros de Sebald são fruto de um desencantamento com a academia, cansado de publicar trabalhos académicos, que pouco ou nenhum impacto tinham nos estudos literários, resolveu começar a testar as suas ideias na criação de obras literárias. O interessante em Sebald é que ele não cria uma divisão clara entre o seu trabalho académico e ficcional, ele acaba por desenvolver antes uma nova técnica para fundir o real com o ficcional. Tanto que é o próprio Sebald a dizer que o seu trabalho é do tipo “ficção documental”, o que em literatura é mais difícil de aceitar, do que por exemplo no cinema. O cinema pela sua essência colada à fotografia, cópia do real, sempre se digladiou entre o real e o ficcional.
É claro que o trabalho de Sebald, e a originalidade, não se esgotam na junção de imagens e texto, aliás nesse caso concreto existe já toda uma enorme tradição de livros ilustrados, e talvez por existir toda essa tradição, Sebald não se limita, nunca, a usar as imagens como ilustrativas do texto. O modo como ele cola as imagens é, diria eu, algo subliminar. Ou seja, as imagens não são muito claras, nem o pretendem ser, elas como que servem apenas de “alimento” ao texto, sem fechar demasiado a sua leitura. Por outro lado o texto, e o seu contorno circunspecto e ocluso, de que falava no início, serve-se das imagens para ampliar o seu sentido. Sebald, cria uma espécie de círculo, ou elipse, entre o texto e as imagens, que acaba por contribuir para a intensificação dessa indiferenciação entre o ficcional e não-ficcional.
Esta construção claramente serve o grande propósito de Sebald, de trabalhar imagens presentes nas memórias, por natureza difusas, com falta de evidências e muitas dúvidas. Quantas vezes demos por nós na dúvida se algo era uma memória real, ou se era algo imaginado. Isto é tanto mais verdade com memórias abaixo dos 5 anos, que é o foco deste livro. As que tenho dessas alturas, foram, e tenho hoje essa quase certeza, implantadas pela repetição de histórias dos meus pais, junto com meia-dúzia de fotografias que sobreviveram desses tempos. Por isso quando reflito sobre esses tempos, acabo por me questionar muitas vezes, se estou verdadeiramente a recordar algo que vivi, ou antes, algo que construí mentalmente a partir de imagens e histórias.
Se no meu caso, consigo facilmente distinguir as memórias que tenho anteriores à idade dos 6 anos, porque vivia noutro país, no caso de Austerlitz isso é bem mais gritante porque não só vivia noutro país, como vivia aí com os seus pais verdadeiros, tendo depois disso passado a viver com pais adotivos. E é isto que motiva a viagem nas memórias de Austerlitz, tentar recuperar os pais pelas memórias, visitando de novos os lugares, procurando impressões perdidas nas paisagens, nos lugares, nas pessoas que ainda aí se mantêm. Como se não bastasse, essas memórias vão cruzar-se com o tempo do início da Segunda Guerra Mundial, e aquilo que Austerlitz acaba por descobrir sobre os seus pais, as suas origens, é desolador, aqui o livro por momentos assume um pendor mais tradicional, com um enredo movido por eventos de descoberta, claramente objetivando produzir em nós algumas das emoções mais fortes da leitura.
Reconheço que o trabalho é original, que existe aqui um esforço, mais académico mas talvez por isso menos emotivo, no sentido em que tudo parece demasiado refletido, pensado para produzir um determinado efeito, mais como se o livro fosse desenhado e não tivesse brotado criativamente. Esta minha crítica, pode não fazer muito sentido, já que muitas obras nascem desta forma, nomeadamente as mais complexas, contudo neste caso, sinto que esta estrutura pesa na leitura, que o livro não consegue ser suficientemente orgânico para se dar a uma leitura tradicional, acabando por nos obrigar mais a uma leitura em modo de estudo.
Os livros de Sebald são fruto de um desencantamento com a academia, cansado de publicar trabalhos académicos, que pouco ou nenhum impacto tinham nos estudos literários, resolveu começar a testar as suas ideias na criação de obras literárias. O interessante em Sebald é que ele não cria uma divisão clara entre o seu trabalho académico e ficcional, ele acaba por desenvolver antes uma nova técnica para fundir o real com o ficcional. Tanto que é o próprio Sebald a dizer que o seu trabalho é do tipo “ficção documental”, o que em literatura é mais difícil de aceitar, do que por exemplo no cinema. O cinema pela sua essência colada à fotografia, cópia do real, sempre se digladiou entre o real e o ficcional.
Aliás, repare-se como Sebald vai exatamente buscar a fotografia para intensificar essa sua necessidade de real. A presença de fotografias no texto, é uma das coisas que mais gostei neste livro, já que existe uma espécie de pavor do mundo literário face às imagens, o que até percebo. Se a imagem pode ampliar o símbolo texto, no sentido em que nos ajuda a ver o que está escrito, ela tem um outro lado, pernicioso, que é o de encurtar e encerrar o processo imaginativo do leitor. Ou seja, a imagem cola rostos específicos, elementos visuais concretos, ao texto, que impossibilitam o leitor de criar os seus próprios. Isto no fundo é a velha discussão entre o poder do texto e da imagem, ambos são imensamente relevantes, mas possuem funções e propriedades narrativas muito distintas. E nesse sentido, quando Sebald opta por trabalhar com fotografias de forma tão abundante no livro, acaba por criar uma tensão na leitura, entre os momentos de texto que nos libertam para imaginar o mundo de Austerlitz, e as fotografias, que nos aprisionam num mundo específico.
É claro que o trabalho de Sebald, e a originalidade, não se esgotam na junção de imagens e texto, aliás nesse caso concreto existe já toda uma enorme tradição de livros ilustrados, e talvez por existir toda essa tradição, Sebald não se limita, nunca, a usar as imagens como ilustrativas do texto. O modo como ele cola as imagens é, diria eu, algo subliminar. Ou seja, as imagens não são muito claras, nem o pretendem ser, elas como que servem apenas de “alimento” ao texto, sem fechar demasiado a sua leitura. Por outro lado o texto, e o seu contorno circunspecto e ocluso, de que falava no início, serve-se das imagens para ampliar o seu sentido. Sebald, cria uma espécie de círculo, ou elipse, entre o texto e as imagens, que acaba por contribuir para a intensificação dessa indiferenciação entre o ficcional e não-ficcional.
Esta construção claramente serve o grande propósito de Sebald, de trabalhar imagens presentes nas memórias, por natureza difusas, com falta de evidências e muitas dúvidas. Quantas vezes demos por nós na dúvida se algo era uma memória real, ou se era algo imaginado. Isto é tanto mais verdade com memórias abaixo dos 5 anos, que é o foco deste livro. As que tenho dessas alturas, foram, e tenho hoje essa quase certeza, implantadas pela repetição de histórias dos meus pais, junto com meia-dúzia de fotografias que sobreviveram desses tempos. Por isso quando reflito sobre esses tempos, acabo por me questionar muitas vezes, se estou verdadeiramente a recordar algo que vivi, ou antes, algo que construí mentalmente a partir de imagens e histórias.
Se no meu caso, consigo facilmente distinguir as memórias que tenho anteriores à idade dos 6 anos, porque vivia noutro país, no caso de Austerlitz isso é bem mais gritante porque não só vivia noutro país, como vivia aí com os seus pais verdadeiros, tendo depois disso passado a viver com pais adotivos. E é isto que motiva a viagem nas memórias de Austerlitz, tentar recuperar os pais pelas memórias, visitando de novos os lugares, procurando impressões perdidas nas paisagens, nos lugares, nas pessoas que ainda aí se mantêm. Como se não bastasse, essas memórias vão cruzar-se com o tempo do início da Segunda Guerra Mundial, e aquilo que Austerlitz acaba por descobrir sobre os seus pais, as suas origens, é desolador, aqui o livro por momentos assume um pendor mais tradicional, com um enredo movido por eventos de descoberta, claramente objetivando produzir em nós algumas das emoções mais fortes da leitura.
Por outro lado, e aqui mais uma vez o cruzar entre ficcional e não ficcional, senti um certo embelezar da recuperação das memórias, no sentido em que podendo recordar-se muito, existe uma clara ampliação dessa capacidade por parte de Sebald, já que falamos de uma criança com 5 anos, muito do que se memoriza nestas alturas é perdido no tempo, se não for reimprimido pela repetição, como dizia acima, seja por continuar a viver nos mesmos locais e com as mesmas pessoas, seja porque se mantém registos (fotográficos ou outros) que se revisitam, seja porque nos vão recontando o que vivenciamos. Contudo, e como acontece na relação entre imagens e texto, apontada acima, essas repetições servem mais como ilhas, ou âncoras de memórias, já que o resto é criado pela fantasia do nosso imaginar. Deste modo, acaba sendo esta mesma fragilidade das nossas memórias que Sebald dá conta muito bem, na certeza e incerteza, mais ainda quando aceitamos que somos apenas estas, ou seja, enquanto seres, enquanto pessoas, o nosso Eu só existe enquanto conjunto de memórias... e é por isso talvez que o Alzheimer se torna tão aterrador…
Por fim, e para fechar, como dizia no início, este texto de Sebald, serve mais a reflexão do que o prazer imediato da sua leitura. Senti várias vezes algum tédio na sua leitura, custou-me ligeiramente terminar, e no final senti que me sabia a pouco. Contudo, agora que me obriguei a refletir sobre o livro, vejo o quanto mais existe ali, que não se dá à superfície. E por isso mesmo acredito que aqui terei de voltar, para poder chegar mais perto das intenções de Sebald.
novembro 09, 2016
"The Progress Principle" (2011)
Teresa Amabile e Steven Kramer, ambos professores de psicologia, realizaram um estudo com 238 empregados em 7 empresas, a quem pediram para todos os dias preencherem um diários das suas atividades, tendo tudo resultado em mais de 12 000 entradas que foram depois analisadas qualitativamente. O seu achado, dá nome a este livro, e apesar de ser bom, sabe a pouco. Não que o estudo não seja válido, mas porque a conclusão não difere tanto de outros estudos sobre motivação já existentes, e que são aqui completamente ignorados.
Este estudo interessava-me em particular, porque a variável de Progresso é essencial nas narrativas e nos jogos, e é por isso que a tenho trabalhado, no sentido de a identificar melhor para assim compreender melhor o seu uso criativo, desde logo entender melhor como nós nos movemos em função desse progresso. Mas o que aqui se apresenta é parco.
Ou seja, como resultado final Amabile acaba por nos dizer que aquilo que mantém as pessoas motivadas no seu trabalho, é receber feedback que dê conta dos avanços nas tarefas. E que para tal é preciso que os chefes e gestores, sejam capazes de dividir o trabalho, e esforço, e por sua vez sejam capazes de garantir que o feedback é realizado. Concordo em absoluto, mas isto é aquilo que já está contido na segunda variável de Deci, a "competência”, de que já aqui falei antes, e que como digo também, já tinha sido identificado por Vygotski, bastante antes. Ou seja, nada de novo.
Este livro de Amabile é curto, porque ao centrar-se apenas nas competências, esquece os outros dois princípios de Deci, a Autonomia e os Relacionamentos, sem esses ficamos com todo o processo coxo. Um empregado, sem autonomia, que seja obrigado a fazer apenas o que lhe mandam, que não possa dar nada de si para o processo, é um trabalhador desmotivado, o progresso só, não chega, é preciso significado, e esse advém daquilo que cada um faz com o mundo com que interage. Por outro lado, o trabalhador precisa de poder discutir essas tarefas com os pares, compreender como se equipara, o que faz melhor, ou menos mal, precisa de ter um espelho que contribua para correção e melhoramento.
Neste caso concreto, e já que Amabile escreve o livro orientado a gestores, as suas preocupações não deveriam centrar-se tanto no design do processo, mas mais nas pessoas, nomeadamente nos tais gestores. Porque se o Progresso é um bom indicador sobre como agir, não chega no caso do gestor ser apenas um bom técnico, é preciso ser-se muito mais na capacidade de relacionamento pessoal e social, enquanto líder.
Amabile limita-se no final a apresentar meia-dúzia de conselhos e recomendações aos gestores, baseados no tal Progresso, mas que não dizem muito, parecem simples senso comum, ficando a sensação que mais valia ter feito um livro para divulgar os resultados das entrevistas, dos diários analisados, e não se terem focado em criar grandes teorias, menos ainda dar grandes conselhos.
Este estudo interessava-me em particular, porque a variável de Progresso é essencial nas narrativas e nos jogos, e é por isso que a tenho trabalhado, no sentido de a identificar melhor para assim compreender melhor o seu uso criativo, desde logo entender melhor como nós nos movemos em função desse progresso. Mas o que aqui se apresenta é parco.
Ou seja, como resultado final Amabile acaba por nos dizer que aquilo que mantém as pessoas motivadas no seu trabalho, é receber feedback que dê conta dos avanços nas tarefas. E que para tal é preciso que os chefes e gestores, sejam capazes de dividir o trabalho, e esforço, e por sua vez sejam capazes de garantir que o feedback é realizado. Concordo em absoluto, mas isto é aquilo que já está contido na segunda variável de Deci, a "competência”, de que já aqui falei antes, e que como digo também, já tinha sido identificado por Vygotski, bastante antes. Ou seja, nada de novo.
Este livro de Amabile é curto, porque ao centrar-se apenas nas competências, esquece os outros dois princípios de Deci, a Autonomia e os Relacionamentos, sem esses ficamos com todo o processo coxo. Um empregado, sem autonomia, que seja obrigado a fazer apenas o que lhe mandam, que não possa dar nada de si para o processo, é um trabalhador desmotivado, o progresso só, não chega, é preciso significado, e esse advém daquilo que cada um faz com o mundo com que interage. Por outro lado, o trabalhador precisa de poder discutir essas tarefas com os pares, compreender como se equipara, o que faz melhor, ou menos mal, precisa de ter um espelho que contribua para correção e melhoramento.
Neste caso concreto, e já que Amabile escreve o livro orientado a gestores, as suas preocupações não deveriam centrar-se tanto no design do processo, mas mais nas pessoas, nomeadamente nos tais gestores. Porque se o Progresso é um bom indicador sobre como agir, não chega no caso do gestor ser apenas um bom técnico, é preciso ser-se muito mais na capacidade de relacionamento pessoal e social, enquanto líder.
Amabile limita-se no final a apresentar meia-dúzia de conselhos e recomendações aos gestores, baseados no tal Progresso, mas que não dizem muito, parecem simples senso comum, ficando a sensação que mais valia ter feito um livro para divulgar os resultados das entrevistas, dos diários analisados, e não se terem focado em criar grandes teorias, menos ainda dar grandes conselhos.
novembro 04, 2016
"Piper" (2016)
A nova curta de animação da Pixar usa e abusa da emoção empática, sem necessitar de para isso antropomorfizar excessivamente os seus personagens, bastando o comportamento, os movimentos, sons e expressões para nos converter, nos colocar no lugar de Piper e compreender o que sente, e o que está prestes a descobrir. A Pixar é sobejamente reconhecida, e quando digo Pixar falo da empresa, e não de autores, porque falo do sistema criativo que eles têm montado e que lhes permite espremer ao máximo as nuances expressivas, e assim alavancar em 6 minutos, um leque diverso mas intenso de emoções.
Claro que para isso contribui muito a autonomia que se garante aos criadores, e o tempo reservado à investigação. A partir de um simples teste com escolopacídeos (os pássaros do filme), que Alan Barillaro costuma encontrar no caminho para o trabalho, veio a incitação por parte de John Lasseter e Andrew Stanton para que avançasse para a criação de uma curta. Aceite a indicação, Barillaro passou 3 anos a desenvolver esta mesma curta. Não são 3 meses, o que seria normal numa pequena empresa de VFx, aliás 3 meses passou Barillaro só a investigar as aves no local, a analisar os comportamentos, o modo como as penas se movimentam.
Podemos questionar o tempo dedicado, mas é totalmente compensado, a primeira vez que vi a imagem do pequeno pássaro depois de molhado, foi uma total surpresa, nada ali é cliché, mas antes imensamente detalhado, permitindo uma qualidade que se impregna na curta, elevando-a acima do mero contar de história.
Contudo deve-se dizer que a curta não foi criada apenas para bel-prazer de Barillaro, ou como capricho de Lasseter ou Stanton, muito menos como postal de preparação emocional para “Finding Dori” (2016), com o qual se estreou no cinema. O objetivo de fundo, e que garante o financiamento de algo tão caro, está relacionado com a necessidade da Pixar de desenvolver projetos que avancem a sua tecnologia de computação gráfica, neste caso concreto, os avanços desenvolvidos foram quase todos na área das penas, mas também da espuma da água do mar.
Trailer "Piper" (2016) da Pixar
Para fechar, e voltando ao início, o realismo, quase naturalismo, apresentado pela curta, é algo recente na Pixar, mas é algo que acaba funcionando muito bem. Tanto na exatidão dos comportamentos dos pássaros, na ausência de linguagem restringindo-se aos chilreios, ou na apresentação do ambiente, o mar, com a movimentação da ondas e das conchas submersas, ou ainda os detritos ambiente e as bolhas, como ainda, e aqui interessante por ser cópia de algo artificial que passou a convencionar o real, falo dos movimentos de câmara e montagem, que imitam na perfeição os tradicionais documentários de vida selvagem.
"Piper" (2016) da Pixar [Filme completo em streaming]
Podemos questionar o tempo dedicado, mas é totalmente compensado, a primeira vez que vi a imagem do pequeno pássaro depois de molhado, foi uma total surpresa, nada ali é cliché, mas antes imensamente detalhado, permitindo uma qualidade que se impregna na curta, elevando-a acima do mero contar de história.
Contudo deve-se dizer que a curta não foi criada apenas para bel-prazer de Barillaro, ou como capricho de Lasseter ou Stanton, muito menos como postal de preparação emocional para “Finding Dori” (2016), com o qual se estreou no cinema. O objetivo de fundo, e que garante o financiamento de algo tão caro, está relacionado com a necessidade da Pixar de desenvolver projetos que avancem a sua tecnologia de computação gráfica, neste caso concreto, os avanços desenvolvidos foram quase todos na área das penas, mas também da espuma da água do mar.
Trailer "Piper" (2016) da Pixar
Para fechar, e voltando ao início, o realismo, quase naturalismo, apresentado pela curta, é algo recente na Pixar, mas é algo que acaba funcionando muito bem. Tanto na exatidão dos comportamentos dos pássaros, na ausência de linguagem restringindo-se aos chilreios, ou na apresentação do ambiente, o mar, com a movimentação da ondas e das conchas submersas, ou ainda os detritos ambiente e as bolhas, como ainda, e aqui interessante por ser cópia de algo artificial que passou a convencionar o real, falo dos movimentos de câmara e montagem, que imitam na perfeição os tradicionais documentários de vida selvagem.
"Piper" (2016) da Pixar [Filme completo em streaming]
outubro 31, 2016
"Far Cry Primal" (2016)
Não apresenta nada de propriamente novo, é simplesmente Far Cry, mas no seu melhor. Desta vez optou-se por realizar um mudança drástica no tempo, recuando 10 mil anos, e assim lançar-nos em plena Idada da Pedra, o que acaba criando o cenário perfeito para o tipo de jogo estimulado pela série, a sobrevivência.
"Far Cry Primal" pode-se dizer que tem potencial para surpreender quem nunca tenha jogado a série, funcionando melhor até que os restantes, já que dada a época em que acontece, a violência e sobrevivência são perfeitamente justificadas. Por outro lado, para quem tenha seguido a série nos últimos anos, vai sentir-se tão à vontade, que tudo aquilo que o jogo lhe pede funciona de modo intuitivo, criando uma enorme sensação de flow, puro prazer de jogo, ao longo de toda a main quest, talvez com alguma sensação de repetição mais perto do final.
Se tenho criticado a história nos anteriores, aqui não tenho como fazê-lo, já que estamos num mundo pré-história, interessa a sobrevivência, e como tal, temos um mundo aberto completamente gamificado, capaz de oferecer ao jogador recompensa pelas suas escolhas, opções, e liberdades, e ao mesmo tempo garantir um sentimento de progressão, sem contudo necessitar, em parte, da narrativa.
Se quiserem saber mais sobre o tipo de experiência produzida pelo jogo, dêem uma vista de olhos nas minhas análises do Far Cry 3 e Far Cry 4, que dão conta de muito do que se pode encontrar neste Primal.
"Far Cry Primal" pode-se dizer que tem potencial para surpreender quem nunca tenha jogado a série, funcionando melhor até que os restantes, já que dada a época em que acontece, a violência e sobrevivência são perfeitamente justificadas. Por outro lado, para quem tenha seguido a série nos últimos anos, vai sentir-se tão à vontade, que tudo aquilo que o jogo lhe pede funciona de modo intuitivo, criando uma enorme sensação de flow, puro prazer de jogo, ao longo de toda a main quest, talvez com alguma sensação de repetição mais perto do final.
Se tenho criticado a história nos anteriores, aqui não tenho como fazê-lo, já que estamos num mundo pré-história, interessa a sobrevivência, e como tal, temos um mundo aberto completamente gamificado, capaz de oferecer ao jogador recompensa pelas suas escolhas, opções, e liberdades, e ao mesmo tempo garantir um sentimento de progressão, sem contudo necessitar, em parte, da narrativa.
Se quiserem saber mais sobre o tipo de experiência produzida pelo jogo, dêem uma vista de olhos nas minhas análises do Far Cry 3 e Far Cry 4, que dão conta de muito do que se pode encontrar neste Primal.
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