Abaixo transcrevo um dos memes que começou a circular na rede, que foi entretanto melhorado, e acabei por traduzir e transformar ligeiramente também. A partir deste meme que resume todas as longas-metragens da Pixar, excetuando as sequelas, podemos entender a base de partida do storytelling da Pixar, e fundamentalmente uma das razões do seu sucesso ao longo de 20 anos. Tudo assenta na emoção, desde logo porque "animar é dar vida", mas também porque o sucesso do 3D esteve no seu inicio muito contaminado pela incapacidade expressiva, o que obrigou a que a Pixar tivesse especial cuidado com essa componente em toda a sua história. "Inside Out" funciona assim como uma espécie de coroação de tudo o que a Pixar representa, de tudo aquilo que importa para a Pixar no momento de contar uma nova história.
Pixar, 1995: E se, os Brinquedos tivessem emoçõesNuma outra vertente de análise tocou-me profundamente o facto de Pixar ter, mais uma vez, realizado um enorme esforço de pesquisa e investigação sobre o assunto a ser tratado, para poder dar vida, atribuir representações visuais, a entidades puramente abstratas. Muito longe do registo documental, o filme vai mais longe do que muitos dos documentários sobre o assunto. Por meio de entretenimento, do desenho e da animação, construiu-se todo um universo capaz de dar conta das condições fundamentais que regulam a emocionalidade humana. "Inside Out" não pretende ser um paper científico sobre neurobiologia ou neurofisiologia, mas segue em toda a linha os princípios base das ciências cognitivas, suportadas por dados empíricos das neurociências, sobre o fundamento das emoções, memórias, personalidade e sono.
Pixar, 1998: E se, os Insectos tivessem emoções
Pixar, 2001: E se, os Monstros tivessem emoções
Pixar, 2003: E se, os Peixes tivessem emoções
Pixar, 2004: E se, os Super-heróis tivessem emoções
Pixar, 2006: E se, os Carros tivessem emoções
Pixar, 2007: E se, os Ratos tivessem emoções
Pixar, 2008: E se, os Robôs tivessem emoções
Pixar, 2009: E se, as Casas tivessem emoções
Pixar, 2012: E se, a Mulher medieval tivesse emoções
Pixar, 2015: E se, as Emoções tivessem Emoções
A Pixar sabia que não podia fazer um documentário, que a complexidade do funcionamento do interior do nosso cérebro comportaria demasiada informação para ser apresentada num filme de animação, e em menos de duas horas, ainda para mais com um público alvo maioritariamente composto por crianças. Por isso é natural que tenham sido utilizados alguns atalhos que passam ao lado daquilo que conhecemos do modo de funcionamento biológico do cérebro, nomeadamente os homunculus (personagens de cada emoção), a central de comando, as áreas do cérebro dedicadas, a individualização das emoções e dos contentores de memórias, etc.
Apesar de apresentadas de forma individual, na realidade o filme dá conta da necessidade das emoções trabalharem conjuntamente.
O que não é natural é ver colegas das neurociências a atacar o filme, por este não ter apresentado corretamente todos os modelos atuais de funcionamento do cérebro. Percebo que se possa realizar algum trabalho pedagógico na desmontagem do filme, no sentido de se evitar por parte da população um acreditar em tudo o que ali se representa. Mas isso não pode dar carta branca para deitar por terra tudo de bom que o filme alcança, nomeadamente no tornar mais claro para as crianças, e população em geral, as razões e funções das nossas emoções e memórias.
A Pixar vai aonde nenhum outro filme tinha ido antes no tratamento das emoções, e fá-lo mesmo contra os estereótipos mais marcantes da cultura americana, nomeadamente no tratamento dado à relação entre a Alegria e a Tristeza, que evolui ao longo do filme, de uma relação de dominância do objetivo único, a felicidade, para a compreensão da necessidade humana do conjunto das emoções. Algo que é bem espelhado na progressão da relação entre Alegria e Tristeza, assim como na exploração da sua ausência, mas que é feito de uma forma muito mais subtil, mas muito mais profunda, com as esferas de memórias emocionais, inicialmente marcadas por cores únicas que no final passam a ostentar mesclas de cores.
Este é o filme mais inteligente, ou seja elaborado e detalhado com conhecimento factual, da Pixar, assim como o mais relevante em termos formativos. "Inside Out" resulta muito concretamente num crescimento intelectual e emocional das crianças, que aprendem ao longo de duas horas a conhecer-se melhor a si próprias. No final do filme, as crianças passam a deter uma ideia muito mais clara do modo como funcionam, como agem e reagem em face do mundo externo. O filme é uma metáfora poderosa daquilo que nós somos, daquilo que faz de nós seres humanos, daquilo que nos torna seres individuais, mas também daquilo que partilhamos todos uns com os outros.