1400 páginas depois, sinto que conheço melhor Aomame e Tengo, assim como Murakami, sinto que estes se encontraram e para eles valeu a pena, mas sinto que me falta algo. "1Q84" é uma viagem longa mas que nunca nos entedia, porque progredindo sempre, ainda que a um ritmo calmo, embora dificilmente possamos dizer que nos marca, que se afunda em nós. Murakami desenha a partir do clássico motivo de enredo, “rapariga encontra rapaz”, uma viagem melancólica e indiferente, bem ao estilo daquele que considera ser o seu realizador de cinema preferido, Aki Kaurismäki.
No ano de 1Q84, (a sonoridade da letra Q em japonês pode confundir-se com o número 9), Aomame e Tengo que não se vêem há 20 anos, estão enamorados, porque quando tinham 10 anos, numa sala da sua escola primária, deram as mãos brevemente mas de forma sentida. Este motivo vai ganhado peso com o passar das páginas, e ao aproximar-se do final do livro torna-se central, criando um momento mágico potenciado pela vastidão de páginas já lidas, geradoras de expectativa e ânsia. Um momento que me fez sair do romance e vaguear dentro de mim, tendo ido parar ao universo de “ICO” (2001), o videojogo em que o rapaz e a rapariga passam quase todo o tempo de mãos dadas fugindo de um mundo hostil.
O melhor advém das múltiplas histórias que enredam toda a linha narrativa central. Não que o livro tenha muitos personagens, aliás para a sua dimensão são poucos até, mas as histórias estendem as suas motivações muito além do esperado: desde o espiritual ao fantástico, do sexual ao familiar, do intelectual ao violento. Nem todas são boas, mas nenhuma se pode dizer que deveria ter ficado de fora. Algumas são absolutamente excelentes, fazendo o livro vibrar dentro de nós, nomeadamente a história do pai de Tengo e o encontro entre o líder espiritual e Aomame. Admito que me incomodou por vezes as descrições, ou melhor repetições um tanto obsessivas de carácter mais sexual e sensual (nomeadamente a mania com o tamanho dos seios), embora aceite que fazem parte da descrição de um universo que se quer dar a ver, mas quando enfatizadas parecem ganhar todo um outro conjunto de leituras.
Lendo Murakami facilmente se percebem as razões do seu sucesso, por um lado a escrita escorreita, muito simples, pouco dada a experimentalismos ou inovação, o que me faz sempre questionar de onde virão as constantes menções a Nobel, já que não se vislumbra como. Por outro, e talvez o mais importante, o trabalho temático que opera uma ligação promíscua e fácil entre a cultura japonesa e a cultura europeia/americana. Murakami usa o Japão como espaço geográfico, mas preenche-o de cultura ocidental, desde Chekhov a Dostoiévski, passando por Kubrick ou Orwell, ou ainda Proust, Shakespeare ou Carroll tudo isto envolvido por sinfonias e concertos de grandes mestres europeus.
Se juntarmos a este caldo cultural, as discussões existenciais com que os seus personagens amiúde se debatem, percebemos facilmente porque Murakami é tão querido junto das camadas mais jovens. Ao longo das páginas todos os personagens, sem excepção, parecem dotados de uma espécie de curiosidade intrínseca sobre o mundo, questionando continuamente o sentido do tempo, da mudança, do ser consciente e da realidade que os envolve. Se os adolescentes sentem aquelas palavras e questionamentos seus, muitos outros já não adolescentes, recolhidos sobre si, questionando-se sobre o seu lugar neste labirinto a que chamamos vida, sentem aqui também ecos do seu interior.
1Q84 apresenta provavelmente um número excessivo de páginas, não por prolongar o romance desnecessariamente, mas antes por se repetir em excesso. Não raras as vezes damos por nós a avançar linhas em diagonal porque já sabemos o que estará ali escrito. Murakami repete, não poucas vezes, as mesmas acções sem alteração, vistas por diferentes personagens. Mais, repete não raras vezes momentos chave do livro, como se tivesse necessidade de recordar o leitor, de garantir que este está alerta para o que ele quer dizer a seguir. A redundância é uma técnica necessária em seriado, mas, e ainda que o livro seja grande, não faz muito sentido a este nível. De certa forma é como se o autor menosprezasse as capacidades e o envolvimento do leitor.
Um último ponto, não me incomodou propriamente que Murakami deixasse muitas questões sem resposta - quem é o “povo pequeno”? quem andava a bater às portas a fazer-se passar por cobrador da NHK? que foi feito da “verdadeira” Fuka-Eri?, etc. etc. - já que o fechamento do romance entre Tengo e Aomame está tão bem conseguido que nos leva totalmente ao esquecimento desses nós narrativos. Mas a verdade é que ficam suspensos no ar, como que se mais uma vez Murakami desprezasse os seus leitores, achando-se acima dos domínios narrativos da causalidade. Podemos até tentar justificar esta opção como um motivo estético pós-moderno, mas dificilmente se enquadra no resto da estética que se serve da clássica progressão causal para envolver e manter o leitor interessado até à última página.
Posto tudo isto, não é de estranhar as análises mistas que se podem ver a "1Q84", com muitos a questionarem-se sobre o que dizer sobre tudo o que acabaram de ler. O esforço pedido por Murakami, em termo de páginas, é grande, e em certa medida parece que as pessoas querem atribuir um sentido válido a esse esforço, pelo respeito que o autor lhes merece, mas as dificuldades em fazê-lo são mais que muitas.
Versão: 3 volumes, editado pela Casa das Letras, com tradução de Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso.
outubro 19, 2014
outubro 12, 2014
Quando o social não chega
“Fish Tank” (2009) é uma estrela resplandecente no topo da corrente estética do realismo social britânico popularizada por Mike Leigh e Ken Loach, entre outros. Somos mais uma vez levados por entre muros de um bairro social britânico, desta vez para conhecer as filhas de uma mãe solteira e alcoólica. Com 15 anos a revolta é mais que muita, sem rede familiar, desconhecendo os significados do afecto e da amizade, todos parecem estar contra nós, tal qual répteis temos apenas a raiva para oferecer.
A realizadora Andrea Arnold tinha ganho o Oscar para melhor curta em 2003 com “Wasp”, um filme marcado pelo mesmo traço temático. “Fish Tank” é a sua longa, e é um trabalho de soberba acuidade. Uma análise mais apurada do filme permite-nos encontrar detalhes dignos de literatura. O modo como cada cenário se apresenta, decoração e composição, funciona como espelho de alma de cada um destes personagens. Cada divisão da casa poderia facilmente resvalar para várias páginas de descrição do que se vê, pelo quanto isso nos ajuda a compreender as personagens, os seus mundos, sonhos e limitações. Nomeadamente o contraste entre os ecrãs de televisão e a arrumação e colorido da casa é fundamental.
A fraca qualidade dos aparelhos, espalhados por toda a casa, continuamente sintonizados em fracos conteúdos, com mau sinal, como que alimentam espaços arrumados, aparentemente calmos e civilizados de distorções do real. Um contraste que se reforça nos personagens: limpos, arrumados e bonitos por fora mas com tão pouco mundo por dentro. Sente-se a fachada, a necessidade de criar uma imagem para garantir a manutenção dos apoios sociais. Percebe-se que existe ali espaço para muito mais, que o facto de se viver numa sociedade de primeiro-mundo, dotada de uma rede social pública, abre caminhos e oportunidades incomensuráveis.
Mas no fundo, e é aqui que o filme mais brilha, na sua sub-reptícia mensagem: não basta dinheiro, comida e um lar arrumado. Sem uma família sólida capaz de alicerçar o amor-próprio, a educação não se constrói, a formação é cortada antes de poder dar fruto, limitando o mundo, assim como o desejo.
Uma nota final sobre o realismo por detrás daquilo que nos é dado a ver. Katie Jarvis que protagoniza a adolescente Mia, foi descoberta em Essex pela realizadora. Vivia também numa casa social, e fora mãe aos 16 anos. A força do que vemos nestas imagens levou-a ganhar vários prémios em festivais internacionais em 2009, mas passados 5 anos, a sua carreira resume-se a um parco episódio de televisão, e mais alguns episódios de séries de televisão em pré-produção...
A realizadora Andrea Arnold tinha ganho o Oscar para melhor curta em 2003 com “Wasp”, um filme marcado pelo mesmo traço temático. “Fish Tank” é a sua longa, e é um trabalho de soberba acuidade. Uma análise mais apurada do filme permite-nos encontrar detalhes dignos de literatura. O modo como cada cenário se apresenta, decoração e composição, funciona como espelho de alma de cada um destes personagens. Cada divisão da casa poderia facilmente resvalar para várias páginas de descrição do que se vê, pelo quanto isso nos ajuda a compreender as personagens, os seus mundos, sonhos e limitações. Nomeadamente o contraste entre os ecrãs de televisão e a arrumação e colorido da casa é fundamental.
A fraca qualidade dos aparelhos, espalhados por toda a casa, continuamente sintonizados em fracos conteúdos, com mau sinal, como que alimentam espaços arrumados, aparentemente calmos e civilizados de distorções do real. Um contraste que se reforça nos personagens: limpos, arrumados e bonitos por fora mas com tão pouco mundo por dentro. Sente-se a fachada, a necessidade de criar uma imagem para garantir a manutenção dos apoios sociais. Percebe-se que existe ali espaço para muito mais, que o facto de se viver numa sociedade de primeiro-mundo, dotada de uma rede social pública, abre caminhos e oportunidades incomensuráveis.
Mas no fundo, e é aqui que o filme mais brilha, na sua sub-reptícia mensagem: não basta dinheiro, comida e um lar arrumado. Sem uma família sólida capaz de alicerçar o amor-próprio, a educação não se constrói, a formação é cortada antes de poder dar fruto, limitando o mundo, assim como o desejo.
Uma nota final sobre o realismo por detrás daquilo que nos é dado a ver. Katie Jarvis que protagoniza a adolescente Mia, foi descoberta em Essex pela realizadora. Vivia também numa casa social, e fora mãe aos 16 anos. A força do que vemos nestas imagens levou-a ganhar vários prémios em festivais internacionais em 2009, mas passados 5 anos, a sua carreira resume-se a um parco episódio de televisão, e mais alguns episódios de séries de televisão em pré-produção...
outubro 08, 2014
Fronteiras entre séries tv e cinema
A ideia de que as séries de televisão se transformaram no novo cinema não é de todo nova, tem pelo menos dez anos, mas durante todo este tempo sempre as vi ainda distantes no que toca à linguagem audiovisual. O facto de se ter de filmar, entre 10 a 60 horas, impossibilita que se invista o mesmo tempo que se investe num filme, que tem entre 1 a 2 horas, na construção de cenas e planos. Mas o que vi, no episódio 4 da primeira temporada de "True Detective", deixou-me boquiaberto, tendo assim, para mim, quebrado-se uma das últimas fronteiras que separavam as séries do cinema. Estou a falar de um plano sequência (long shots ou oners) com cerca de 6 minutos realizado por Cary Fukunaga.
A construção deste plano levou apenas 2 dias, muito pouco para cinema, imenso para televisão. Num dos dias foram feitos os vários ensaios, no outro dia foi gravada toda a cena. Encontrei alguma informação, dada por um dos técnicos envolvido na cena, no No Film School, e que aqui transcrevo.
Coloquei a sequência completa no YouTube mas este não me permite realizar o embed por isso terão de ver directamente no YouTube (deixo link de outra versão em HD).
A construção deste plano levou apenas 2 dias, muito pouco para cinema, imenso para televisão. Num dos dias foram feitos os vários ensaios, no outro dia foi gravada toda a cena. Encontrei alguma informação, dada por um dos técnicos envolvido na cena, no No Film School, e que aqui transcrevo.
"Stunts and actors rehearsed on a mock up of the 1st house for probably a week. The entire run through, we had two days: one to rehearse, one to shoot. It was very well coordinated so there wasn’t much room for improv as far as the course of the shot. I cant speak for actor nuances though. We shot the entire show on film: Millennium XLs, excluding this shot. We went with an Alexa just because the length of the scene was longer than a 400′ mag. We stripped the weight of the camera to a minimum so no cinetape or matte box. The focus puller did an incredible job. I believe it was a 28mm at a 2.8."A forma como está filmada a sequência é algo que Fukunaga gosta particularmente, tendo explicado à MTV que para si estes planos sequência, "are the most first-person experience you can get in a film". Concordo, e é interessante que diga isto porque foi exactamente por esta razão que o André Valentim Almeida me deu conta deste plano sequência quando o viu. Na altura falámos sobre o facto de se notar aqui alguma influência da estética dos videojogos FPS, o que vem de encontro às intenções concretas de Fukunaga. A mescla de discursos é inevitável, uma vez que dizem respeito a artefactos provenientes do mesmo caldo cultural, fazendo com que os discursos se moldem à semelhança uns dos outros e assim evoluam mutuamente.
Coloquei a sequência completa no YouTube mas este não me permite realizar o embed por isso terão de ver directamente no YouTube (deixo link de outra versão em HD).
outubro 07, 2014
Aprender com Soderbergh e Spielberg
Steven Soderbergh resolveu dar uma masterclass brilhante sobre encenação (“staging”) no seu blog. Como ele diz, a encenação como arte de colocar em cena provém do teatro, e se no cinema também se pode assim chamar, esta representa mais do que colocar em cena. Nesse sentido temos de perceber que aquilo que Soderbergh aqui acaba por definir como encenação, é no fundo a direcção cinematográfica. Ou seja, a composição da cena, a escolha dos planos e os padrões de edição fazem tudo parte do trabalho de plastificação da ideia em imagem.
Assim a particularidade desta aula assenta nas ferramentas escolhidas por Soderbergh para explicar a encenação. Soderbergh pegou numa cópia de “Raiders of the Lost Ark” (1981), o primeiro filme da série Indiana Jones, e retirou-lhe o som e a cor, e colocou-o online. Pode parecer algo simples, básico e banal, mas longe disso. O resultado desta operação, diga-se original, é o de permitir aos interessados na arte, o focar-se sobre a sua essência. No caso do som, Soderbergh acabou por lhe adicionar uma banda sonora ambiente, mas posso dizer que das várias cenas que estive a analisar, acabei por preferir retirar o som completamente, já que por vezes me sentia a ser levado pela música. Ficam as instruções para visionamento, muito simples e claras:
Um outro apontamento muito relevante deste exercício acaba por surgir mais por acaso, do efeito de retirada da cor, que nos permite assim ganhar uma noção muito mais cristalina da qualidade da fotografia de Douglas Slocombe.
O filme completo só pode ser visto na página do Soderbergh, o seu embebimento noutros sites está bloqueado por razões de copyright.
Assim a particularidade desta aula assenta nas ferramentas escolhidas por Soderbergh para explicar a encenação. Soderbergh pegou numa cópia de “Raiders of the Lost Ark” (1981), o primeiro filme da série Indiana Jones, e retirou-lhe o som e a cor, e colocou-o online. Pode parecer algo simples, básico e banal, mas longe disso. O resultado desta operação, diga-se original, é o de permitir aos interessados na arte, o focar-se sobre a sua essência. No caso do som, Soderbergh acabou por lhe adicionar uma banda sonora ambiente, mas posso dizer que das várias cenas que estive a analisar, acabei por preferir retirar o som completamente, já que por vezes me sentia a ser levado pela música. Ficam as instruções para visionamento, muito simples e claras:
“So I want you to watch this movie and think only about staging, how the shots are built and laid out, what the rules of movement are, what the cutting patterns are. See if you can reproduce the thought process that resulted in these choices by asking yourself: why was each shot—whether short or long—held for that exact length of time and placed in that order?”Claro que se Soderbergh escolheu este filme, não foi ao acaso. Spielberg não é um mero realizador de Hollywood, foi durante muitos anos considerado um mago de hollywood, e a razão para tal não se prende com a capacidade para fazer dinheiro, embora também, mas essencialmente com a sua capacidade para plasmar na perfeição, ideias na tela. Como refere Soderbergh, o trabalho de encenação de Spielberg neste filme é "matemática visual de alto-nível". Contudo não deixa de referir que Spielberg, com o tempo, foi perdendo parte destas capacidades.
Um outro apontamento muito relevante deste exercício acaba por surgir mais por acaso, do efeito de retirada da cor, que nos permite assim ganhar uma noção muito mais cristalina da qualidade da fotografia de Douglas Slocombe.
O filme completo só pode ser visto na página do Soderbergh, o seu embebimento noutros sites está bloqueado por razões de copyright.
outubro 06, 2014
Revistas científicas relevantes
Estive a preencher o inquérito da FCT relativo às revistas científicas que devem ser utilizadas como referência nos futuros critérios de avaliação nacional e achei muito relevante. É um trabalho que já deveria ter sido feito há mais tempo, já que muito daquilo que fazemos nem sempre se revê nos interesses de grandes editoras - Elsevier, Sage, etc. - ou de grandes interesses de indexação - ISI, SCOPUS, etc. - ou das revistas científicas mais populares - Science, Nature, etc. -.
Foi muito interessante analisar a lista pré-registada apresentada pela FCT, baseada numa lista dos investigadores do sistema nacional de investigação da Noruega, porque encontrei revistas de que há muito não ouvia falar, e que nem sequer estão indexadas. E por isso mesmo senti-me motivado a rever as listas de journals que tenho feito ao longo da última década. Só que desta vez, e ao contrário do que costumava fazer até aqui, não segui o critério - ISI, SCIELO ou outro - mas apenas 3 simples critérios: qualidade dos artigos que aí tenho lido; existência de revisão por pares; e alguns anos de permanência online que assegurem o futuro das publicações. Assim deixo aqui a lista, por ordem alfabética, para quem estiver interessado nestas áreas de investigação (a lista está sempre presente na lateral direita deste blog).
Revistas Científicas (Journals)
Foi muito interessante analisar a lista pré-registada apresentada pela FCT, baseada numa lista dos investigadores do sistema nacional de investigação da Noruega, porque encontrei revistas de que há muito não ouvia falar, e que nem sequer estão indexadas. E por isso mesmo senti-me motivado a rever as listas de journals que tenho feito ao longo da última década. Só que desta vez, e ao contrário do que costumava fazer até aqui, não segui o critério - ISI, SCIELO ou outro - mas apenas 3 simples critérios: qualidade dos artigos que aí tenho lido; existência de revisão por pares; e alguns anos de permanência online que assegurem o futuro das publicações. Assim deixo aqui a lista, por ordem alfabética, para quem estiver interessado nestas áreas de investigação (a lista está sempre presente na lateral direita deste blog).
Revistas Científicas (Journals)
- Animation
- Computers in Entertainment
- Comunicar
- Comunicação e Sociedade
- Convergence
- Digital Creativity
- Entertainment Computing
- Game Studies
- Games and Culture
- Interacting with Computers
- Interaction Studies
- Journal of Interaction Science
- Journal of Interactive Advertising
- Journal of Virtual Worlds Research
- Media Psychology
- Observatorio (OBS*)
- Poetics
- The Visual Computer
- Visual Communication
outubro 05, 2014
O mundo maravilhoso de Shaun Tan
Acabo de ler "The Arrival" (2006) de Shaun Tan que me deixou num estado de total maravilhamento. De tan Conhecia apenas a magnífica animação, "The Lost Thing" (ver abaixo), vencedora do Oscar para curta de animação em 2011. Se tinha gostado da estilística visual de "The Lost Thing" agora amei aquilo que me pareceu ser um trabalho mais apurado dessa estilística. Parece-me que o facto de "The Arrival" ser dirigido a um público mais adulto deu permissão a Tan para elaborar e detalhar mais a particularidade deste seu universo visual. Apesar disso parece-me que ambos estes seus dois trabalhos foram fulcrais na atribuição em 2011 do Astrid Lindgren Memorial Award, o nobel dos livros para criança. Tan é um artista imensamente completo.
"The Arrival" é particularmente feliz porque faz da forma visual o enunciado do sentir dos personagens, fundindo assim mensagem e forma num todo que se exponencia. A estilística muito sui generis de Tan não podia ter encontrado melhor texto para se dar. Tratando a emigração, o livro dá conta de um mundo estranho a que se chega (arrival), mundo esse que segue formas próximas daquilo que conhecemos mas com variações muito particulares, por vezes bizarras ou insólitas. Não se ficando apenas pelo redesenho da representação da realidade, a própria linguagem de composição de vinhetas é renovada seguindo uma lógica de álbum de fotografias antigo, com os elementos de papel texturado e rasgado, transportando assim o leitor para todo um universo que tem apenas como objectivo dar a sentir. O leitor entra na pele de um verdadeiro emigrante e cruza dentro de si as emoções deste, estranheza e saudade.
Estive a ver algumas imagens do seu mais recente trabalho, que ainda não li, "Rules of Summer" (2013), lançado em livro e app para iPad, que para além de seguir regras deste seu mundo visual, promete mais um mundo maravilhoso, desta vez sobre óleo em tela.
Todo este trabalho, visual e narrativo, não será alheio ao facto de Tan Shaun se ter licenciado em Belas Artes e Literatura Inglesa. Como ele diz em entrevista recente, teve momentos da sua vida em que se dedicava apenas a escrever, e outros momentos em que se dedicava apenas a desenhar. Os artistas não podem, nem devem ser iguais, mas o que podemos percepcionar aqui é que ser capaz de criar o seu mundo de intenções, organizá-lo e enquadrá-lo enquanto história, e depois conseguir ainda dar-lhe uma forma, outra que não textual, não só enriquece profundamente o trabalho como dá maior liberdade e alcance à visão de um artista.
Capa e páginas de The Arrival
"The Lost Thing" (2010) de Shaun Tan
Estive a ver algumas imagens do seu mais recente trabalho, que ainda não li, "Rules of Summer" (2013), lançado em livro e app para iPad, que para além de seguir regras deste seu mundo visual, promete mais um mundo maravilhoso, desta vez sobre óleo em tela.
"Rules of Summer" (2013) de Shaun Tan
Todo este trabalho, visual e narrativo, não será alheio ao facto de Tan Shaun se ter licenciado em Belas Artes e Literatura Inglesa. Como ele diz em entrevista recente, teve momentos da sua vida em que se dedicava apenas a escrever, e outros momentos em que se dedicava apenas a desenhar. Os artistas não podem, nem devem ser iguais, mas o que podemos percepcionar aqui é que ser capaz de criar o seu mundo de intenções, organizá-lo e enquadrá-lo enquanto história, e depois conseguir ainda dar-lhe uma forma, outra que não textual, não só enriquece profundamente o trabalho como dá maior liberdade e alcance à visão de um artista.
outubro 03, 2014
Ensinando Mentes, e a "inutilidade da matemática"
Roger Schank foi professor de psicologia, inteligência artificial e educação em Stanford, Yale e Northwestern mas abandonou tudo para se dedicar a tempo inteiro a ser, como ele próprio se define, um “revolucionário da educação”. Este seu último livro, “Teaching Minds: How Cognitive Science Can Save Our Schools” é apenas mais uma das pedras desta sua caminhada, mas que se apresenta de forma bem provocadora, capaz de perturbar até os mais incautos. Longe de ser um livro completo, no sentido em que muito fica por dizer, nomeadamente falha na apresentação de dados empíricos que suportem as ideias centrais, é ainda assim um livro capaz de gerar discussão, de nos obrigar a reflectir sobre o que é a escola, porque existe, porque a criámos, o que esperamos dela, e o que espera a sociedade dela.
Ora isto não faz o menor sentido, e acaba por ser uma admissão por parte de Schank de que afinal as escolas já ensinam esses mesmos 12 processos cognitivos, só não o fazem sobre os tópicos de conhecimento que Schank considera serem os correctos! Mais, ao seguir esta via cria outros problemas, talvez ainda maiores. Isto é, como é que um aluno a quem não se apresentam caminhos de conhecimento, escolhe o caminho que pretende? Como é que um aluno sabe que tipos de conhecimentos básicos precisa de escolher, para mais tarde poder trabalhar sobre conhecimentos mais complexos? Como é que as escolas conseguem oferecer toda a diversidade de conhecimentos esperados pelos alunos? Como é que um empregador escolhe quem empregar se ele não apresenta nenhum tipo de especialidade geral? Etc.
Mas os problemas da abordagem não se ficam por aqui. Apesar de eu ser um enorme defensor do learn-by-doing, não acredito nessa abordagem a funcionar de modo exclusivo, ou seja sem suporte de aprendizagem da teoria, porque só ela pode alargar o âmbito de aplicabilidade do "doing" através da elaboração da camada mental de abstracção. Isto é, aprender num determinado contexto a fazer algo - ex. programar um software de gestão numa linguagem determinada - não me garante bases suficientes para por si, me permitir a seguir transferir esse conhecimento para outro domínio, com problemas totalmente diferentes da gestão, e com outra linguagem de programação. Para isso é preciso compreender a base da lógica da programação, mas é preciso acima de tudo domínio do pensamento matemático, capacidade de abstracção, para laborar os modelos mentais e apresentar as novas soluções requeridas.
Aliás um dos exemplos mais básicos e que demonstram cabalmente como não chega aprender-fazendo, é o do Inglês (o nosso Português). Schank refere que a disciplina de Inglês é boa, mas que não se deve ensinar a ler Dickens, apenas que se deve ensinar a escrever bem. Ora não é possível que alguém aprenda a escrever bem, se não perceber o que lê, e se não ler muito. Ou seja, não basta escrever, escrever, escrever, é preciso ler, ler, ler, e é preciso discutir e aprofundar o que se lê. E atenção que estou a defender a discussão, não a memorização para depois responder num teste escrito.
Isto vem de encontro ao meu argumento final sobre estas abordagens educativas, tendo em conta o elemento central do século XXI, a criatividade. Não pode alguém almejar ser criativo, inovar, rasgar novos horizontes, se não conhecer o que foi feito antes de si. O nosso cérebro não funciona no vazio, quanto mais fuel (conhecimento, factos, casos, elementos, etc.) lhe for dado mais condições ele terá para vingar num mundo de profunda complexidade como aquele em que vivemos hoje. Por isso as velhas ideias de que a escola mata a criatividade, porque formata as crianças, as obriga a ver o mundo da mesma forma, é apenas em parte verdade. É verdade naquilo que toca o reino dos exames nacionais, dos testes estandardizados, da necessidade de medição do conhecimento do aluno, e da necessidade de avaliar se o professor cumpriu os objectivos definidos pelo Ministério. Mas em tudo o resto, a escola é uma fonte de oportunidades, porque é um tempo no qual se cresce, aprendendo e buscando em si o que os outros esperam de nós.
Este meu apontamento final fez-me chegar à essência da mensagem de Schank, porque é isto no fundo que ele tanto aqui discute, um problema que tem sido imensamente debatido, e que eu sigo sem dúvidas. O problema das disciplinas de conhecimento para Schank não são assim os factos, mas antes aquilo que se faz com eles. O seu uso para medir o conhecimento dos alunos em exames obtusos, que não medem, porque não podem medir, a verdadeira capacidade cognitiva dos alunos, mas se limitam a medir uma memorização temporária. O problema da educação é um problema político, administrativo, que se impõe à educação obrigando-a a funcionar como fábrica de resultados, dando conta da tão afamada "accountability". Por isso, se concordo com os princípios de Schank não concordo com as propostas, acredito que escolheu o alvo errado a abater, a escola e os professores, esquecendo no fundo quem verdadeiramente manda no sistema, e quem continua a impor este colete de forças.
"Teaching Minds" é assim uma espécie de livro inacabado, porque funciona mais como puro "ranting", uma espécie de discurso revoltoso contra as instituições e o status quo. Deste modo Schank em vez de produzir um documento organizado e capaz de enquadrar o pensamento subjacente e consequentes propostas, acaba por nos apresentar um trabalho em que atira contra tudo e todos, sem princípio nem fim, procurando enxertar as suas ideias a qualquer custo no sistema. Deitando, por vezes, por terra teorias milenares sem suficiente fundamentação, tudo em nome de uma revolução, de um movimento pela força.
Entristece-me que assim seja, já que concordo com muito do que Schank defende, muito mesmo. Desde o "learn-by-doing", ao "learn by experiencing" passando pelas metodologias de ensino assentes no "project-based". Mas isto não é razão para se avançar no sentido da destruição de tudo o que temos, menos ainda ignorar tudo o que foi conseguido com o que tivemos até aqui. Pior quando a construção retórica dos argumentos é sofrível, baseada em apontamentos básicos, e muitas vezes completamente ultrapassados sobre o funcionamento da escola/universidade.
Já que Schank não o faz no livro, vou procurar organizar aqui as suas ideias centrais, para explicar porque discordo da abordagem, embora não dos princípios. Assim o elemento central de Schank assenta no princípio do "Learn-by-Doing". Todo o livro está imiscuído desta visão da educação, porque segundo Schank, e muitos outros autores, os nossos processos cognitivos só entram verdadeiramente em acção quando fazemos, experimentamos. Quando simplesmente nos dizem, nos contam como fazer, e nós apenas ouvimos, não fazemos, o conhecimento passa por nós mas não permanece.
Ora isto era o que acontecia na maior parte das horas passadas em salas de aula no passado, em que em vez de fazer, os alunos ouviam. Com o tempo isto foi mudando bastante, hoje desde a primária à Universidade, muito se faz, não apenas se ouve. Mas por saber isso mesmo, embora não o admita, é que Schank decide elevar a fasquia do "combate". Assim o elemento central do livro passa a ser, não o "learn-by-doing", mas os tópicos de conhecimento (disciplinas) - matemática, física, português, biologia, etc. Ou seja, Schank por não acreditar que os professores atuais podem ser capazes de ensinar verdadeiramente a fazer, ataca os tópicos escolhidos para serem leccionados nas escolas e universidades. Deste modo lança a ideia de que o centro nervoso da educação, deveria deixar de se basear em tópicos de conhecimento e passar a basear-se nos processos cognitivos. Apresenta assim, aquilo que se quer como o contributo mais relevante do livro:
“Twelve Cognitive Processes that underlie all Learning:
Conscious Processes
1. Prediction: determining what will happen next
2. Modeling: figuring out how things work
3. Experimentation: coming to conclusions after trying things out
4. Values: deciding between things you care about
Analytic Processes
1. Diagnosis: determining what happened from the evidence
2. Planning: determining a course of action
3. Causation: understanding why something happened
4. Judgment: deciding between choices
Social Processes
1. Influence: figuring out how to get someone else to do something that you want them to do
2. Teamwork: getting along with others when working towards a common goal
3. Negotiation: trading with others and completing successful deals
4. Description: communicating one’s thoughts and what has just happened to others”
E foi exactamente com a apresentação desta abordagem que Schank me perdeu. Não porque discordo dos processos, longe disso, mas porque discordo que se possam ensinar processos por processos. Mas Schank sabe disso, sabe que os processos cognitivos não se ensinam, porque são processos, não são tópicos, assuntos, conteúdos, factos. Por isso atira para a frente, dizendo que o centro devem ser os processos, mas adaptados aos assuntos que interessem ao estudante. Ou seja, no final de contas, o que Schank propõe é que se acabem com os tópicos de conhecimento existentes, e que cada aluno estude apenas aquilo que quiser. Para Schank não faz o menor sentido ensinar Matemática, um dos seus ataques de estimação ao longo de todo o livro, mas num post entretanto feito no seu blog, lista todas as disciplinas, desde a Física à Química, como inúteis.
Ora isto não faz o menor sentido, e acaba por ser uma admissão por parte de Schank de que afinal as escolas já ensinam esses mesmos 12 processos cognitivos, só não o fazem sobre os tópicos de conhecimento que Schank considera serem os correctos! Mais, ao seguir esta via cria outros problemas, talvez ainda maiores. Isto é, como é que um aluno a quem não se apresentam caminhos de conhecimento, escolhe o caminho que pretende? Como é que um aluno sabe que tipos de conhecimentos básicos precisa de escolher, para mais tarde poder trabalhar sobre conhecimentos mais complexos? Como é que as escolas conseguem oferecer toda a diversidade de conhecimentos esperados pelos alunos? Como é que um empregador escolhe quem empregar se ele não apresenta nenhum tipo de especialidade geral? Etc.
Mas os problemas da abordagem não se ficam por aqui. Apesar de eu ser um enorme defensor do learn-by-doing, não acredito nessa abordagem a funcionar de modo exclusivo, ou seja sem suporte de aprendizagem da teoria, porque só ela pode alargar o âmbito de aplicabilidade do "doing" através da elaboração da camada mental de abstracção. Isto é, aprender num determinado contexto a fazer algo - ex. programar um software de gestão numa linguagem determinada - não me garante bases suficientes para por si, me permitir a seguir transferir esse conhecimento para outro domínio, com problemas totalmente diferentes da gestão, e com outra linguagem de programação. Para isso é preciso compreender a base da lógica da programação, mas é preciso acima de tudo domínio do pensamento matemático, capacidade de abstracção, para laborar os modelos mentais e apresentar as novas soluções requeridas.
Aliás um dos exemplos mais básicos e que demonstram cabalmente como não chega aprender-fazendo, é o do Inglês (o nosso Português). Schank refere que a disciplina de Inglês é boa, mas que não se deve ensinar a ler Dickens, apenas que se deve ensinar a escrever bem. Ora não é possível que alguém aprenda a escrever bem, se não perceber o que lê, e se não ler muito. Ou seja, não basta escrever, escrever, escrever, é preciso ler, ler, ler, e é preciso discutir e aprofundar o que se lê. E atenção que estou a defender a discussão, não a memorização para depois responder num teste escrito.
Isto vem de encontro ao meu argumento final sobre estas abordagens educativas, tendo em conta o elemento central do século XXI, a criatividade. Não pode alguém almejar ser criativo, inovar, rasgar novos horizontes, se não conhecer o que foi feito antes de si. O nosso cérebro não funciona no vazio, quanto mais fuel (conhecimento, factos, casos, elementos, etc.) lhe for dado mais condições ele terá para vingar num mundo de profunda complexidade como aquele em que vivemos hoje. Por isso as velhas ideias de que a escola mata a criatividade, porque formata as crianças, as obriga a ver o mundo da mesma forma, é apenas em parte verdade. É verdade naquilo que toca o reino dos exames nacionais, dos testes estandardizados, da necessidade de medição do conhecimento do aluno, e da necessidade de avaliar se o professor cumpriu os objectivos definidos pelo Ministério. Mas em tudo o resto, a escola é uma fonte de oportunidades, porque é um tempo no qual se cresce, aprendendo e buscando em si o que os outros esperam de nós.
Este meu apontamento final fez-me chegar à essência da mensagem de Schank, porque é isto no fundo que ele tanto aqui discute, um problema que tem sido imensamente debatido, e que eu sigo sem dúvidas. O problema das disciplinas de conhecimento para Schank não são assim os factos, mas antes aquilo que se faz com eles. O seu uso para medir o conhecimento dos alunos em exames obtusos, que não medem, porque não podem medir, a verdadeira capacidade cognitiva dos alunos, mas se limitam a medir uma memorização temporária. O problema da educação é um problema político, administrativo, que se impõe à educação obrigando-a a funcionar como fábrica de resultados, dando conta da tão afamada "accountability". Por isso, se concordo com os princípios de Schank não concordo com as propostas, acredito que escolheu o alvo errado a abater, a escola e os professores, esquecendo no fundo quem verdadeiramente manda no sistema, e quem continua a impor este colete de forças.
outubro 02, 2014
Videojogos contribuem para a diminuição da violência
Esta semana publico no IGN um texto a propósito da violência nos videojogos e dos seus efeitos sobre os jogadores. É um assunto já por demais discutido, com estudos de suporte divergentes ao longo da última década. Por isso se resolvi voltar a ele foi porque novos dados, bastante interessantes, foram apresentados por uma equipa de investigadores americanos.
Podem ler o texto completo, Videojogos contribuem para a diminuição da violência, no IGN.
Illustração de Jimmy Turrell
Podem ler o texto completo, Videojogos contribuem para a diminuição da violência, no IGN.
setembro 25, 2014
"Far Cry 3", puro escapismo virtual
"Far Cry 3" é mais uma experiência virtual do que um videojogo. Passadas algumas horas de estarmos em "Far Cry 3", e apesar da violência, começamos a sentir que estamos verdadeiramente numa ilha paradisíaca. Ou seja, os momentos de jogo e os momentos narrativos contribuem para nos fazer entrar no mundo virtual, imergir, levando-nos a desfrutar, com o passar tempo, das delícias de deambular livremente pelo mundo aberto. Assim o melhor é sem dúvida a atmosfera e o design de jogo, o pior a história e a primeira-pessoa, passo assim a detalhar cada um destes elementos.
"Far Cry 3" conseguiu desenvolver um cenário magnífico, usando como fundo um conjunto de ilhas paradisíacas, tratando-as em termos visuais de forma deslumbrante, nomeadamente pelo verde e pela luz que as banham. Este cenário, envolto pela música, contribui para gerar uma atmosfera poderosa e impregnante, que marca o jogador, levando-o a querer voltar ao jogo sempre que possível, como se sentisse o apelo da evasão, do escape da realidade para o virtual. A ilha é suficientemente grande para durante a primeira vez que se joga a main quest praticamente não se repetirem caminhos, praias, lagos, cavernas, ruínas, ou montanhas.
No campo de jogo, temos um trabalho tecnicamente perfeito, não fosse esta a equipa responsável por "Assassins Creed". Estamos muito longe de um mero FPS, temos além de muito stealth, elementos de RPG como: XP, skills, equipamento, criação de drogas, caça e desenho de materiais com peles de animais, etc. A jogabilidade está colada à narrativa dos personagens, nomeadamente de Jason. O nosso protagonista começa como um mero jovem-adulto da Califórnia, habituado a ter tudo, que depois de feito prisioneiro por um gangue que controla a ilha, vai ter de aprender a desenrascar-se sozinho, vai ter de crescer. Assim no início os tiros nem sempre acertam, morremos muito facilmente, os animais matam-nos a par e passo, e o nosso stealth pouco adianta. Com a progressão do jogo, vamo-nos tornando num sobrevivente, não apenas Jason, mas nós jogadores, que enfrentamos e crescemos no controlo das variáveis de jogo. Quanto mais controlamos o jogo, mais o queremos controlar, assim como mais para ele queremos voltar.
Peca na história, básica e inconsequente. Serve a insanidade para tudo justificar, nomeadamente o modo como foi desenhada a morte dos dois grandes vilões. Uma insanidade que não joga com aquilo que acabo de descrever acima, já que quanto mais progrido no jogo, mais vontade tenho de o fazer, sabe-me bem, é bom, não estou louco, nem o desejo estar. As tribos existentes na ilha não apresentam qualquer densidade, parecem ter caído do céu para nos receber no jogo, acabando por quase nem se diferenciarem dos piratas de Vaas e Hoyt.
O pior de tudo, e como venho dizendo, é a primeira-pessoa. Não precisaria de dizer mais além do simples facto de “Far Cry 3” ser uma espécie de “Assassin’s Creed” em primeira-pessoa. Por isso basta compararem o que sentiram pelas personagens de Ezio Auditore ou Connor, e aquilo que sentiram por Jason Brody. Mais um dado, reparem como o marketing de “Far Cry 3" explorou a presença de Jason nas imagens publicitárias, lhe deu vida e o mostrou em acção, algo que nunca se vê no jogo, nem sequer nas cutscenes!!!
*** SPOILER ***
A primeira-pessoa não funciona quando queremos contar histórias, não se consegue levar o jogador a empatizar com o protagonista. Dou um, de vários exemplos gritantes em que isso acontece, não por culpa do storytelling, do jogo ou cutscene, mas apenas porque falta Jason. Quando a meio do jogo nos é anunciado com grande surpresa que o nosso irmão está morto, o que sentimos? Nada. Os colegas de Jason reagem violentamente, com choro e tristeza, mas Jason não reage, porque simplesmente não existe. O Jason, sou eu, ou supostamente devo ser eu, mas eu estou a ouvir uma história, apesar de participar nela. O irmão não é meu, é do Jason, era ele quem deveria estar em cena e reagir, para que eu compreendesse o quanto este evento o afectou. Mas não está, porque estamos em primeira-pessoa.
***************
A primeira-pessoa é mais visceral em termos de ambiente e acção, mas apenas isso, visceral, não serve para ir além das emoções de superfície, que só a narrativa pode conter. Por outro lado a primeira-pessoa é excelente para quem produz, porque fica imensamente mais barata a produção do jogo.
Resumindo, "Far Cry 3", é uma belíssima experiência, mas não esperem grande história, ou grandes momentos narrativos, vivam o videojogo pelo jogo, sintam a atmosfera, e deixem-se levar.
"Far Cry 3" conseguiu desenvolver um cenário magnífico, usando como fundo um conjunto de ilhas paradisíacas, tratando-as em termos visuais de forma deslumbrante, nomeadamente pelo verde e pela luz que as banham. Este cenário, envolto pela música, contribui para gerar uma atmosfera poderosa e impregnante, que marca o jogador, levando-o a querer voltar ao jogo sempre que possível, como se sentisse o apelo da evasão, do escape da realidade para o virtual. A ilha é suficientemente grande para durante a primeira vez que se joga a main quest praticamente não se repetirem caminhos, praias, lagos, cavernas, ruínas, ou montanhas.
No campo de jogo, temos um trabalho tecnicamente perfeito, não fosse esta a equipa responsável por "Assassins Creed". Estamos muito longe de um mero FPS, temos além de muito stealth, elementos de RPG como: XP, skills, equipamento, criação de drogas, caça e desenho de materiais com peles de animais, etc. A jogabilidade está colada à narrativa dos personagens, nomeadamente de Jason. O nosso protagonista começa como um mero jovem-adulto da Califórnia, habituado a ter tudo, que depois de feito prisioneiro por um gangue que controla a ilha, vai ter de aprender a desenrascar-se sozinho, vai ter de crescer. Assim no início os tiros nem sempre acertam, morremos muito facilmente, os animais matam-nos a par e passo, e o nosso stealth pouco adianta. Com a progressão do jogo, vamo-nos tornando num sobrevivente, não apenas Jason, mas nós jogadores, que enfrentamos e crescemos no controlo das variáveis de jogo. Quanto mais controlamos o jogo, mais o queremos controlar, assim como mais para ele queremos voltar.
Peca na história, básica e inconsequente. Serve a insanidade para tudo justificar, nomeadamente o modo como foi desenhada a morte dos dois grandes vilões. Uma insanidade que não joga com aquilo que acabo de descrever acima, já que quanto mais progrido no jogo, mais vontade tenho de o fazer, sabe-me bem, é bom, não estou louco, nem o desejo estar. As tribos existentes na ilha não apresentam qualquer densidade, parecem ter caído do céu para nos receber no jogo, acabando por quase nem se diferenciarem dos piratas de Vaas e Hoyt.
O pior de tudo, e como venho dizendo, é a primeira-pessoa. Não precisaria de dizer mais além do simples facto de “Far Cry 3” ser uma espécie de “Assassin’s Creed” em primeira-pessoa. Por isso basta compararem o que sentiram pelas personagens de Ezio Auditore ou Connor, e aquilo que sentiram por Jason Brody. Mais um dado, reparem como o marketing de “Far Cry 3" explorou a presença de Jason nas imagens publicitárias, lhe deu vida e o mostrou em acção, algo que nunca se vê no jogo, nem sequer nas cutscenes!!!
Imagens de Jason Brody, o protagonista que apenas existe nas imagens publicitárias
*** SPOILER ***
A primeira-pessoa não funciona quando queremos contar histórias, não se consegue levar o jogador a empatizar com o protagonista. Dou um, de vários exemplos gritantes em que isso acontece, não por culpa do storytelling, do jogo ou cutscene, mas apenas porque falta Jason. Quando a meio do jogo nos é anunciado com grande surpresa que o nosso irmão está morto, o que sentimos? Nada. Os colegas de Jason reagem violentamente, com choro e tristeza, mas Jason não reage, porque simplesmente não existe. O Jason, sou eu, ou supostamente devo ser eu, mas eu estou a ouvir uma história, apesar de participar nela. O irmão não é meu, é do Jason, era ele quem deveria estar em cena e reagir, para que eu compreendesse o quanto este evento o afectou. Mas não está, porque estamos em primeira-pessoa.
***************
A primeira-pessoa é mais visceral em termos de ambiente e acção, mas apenas isso, visceral, não serve para ir além das emoções de superfície, que só a narrativa pode conter. Por outro lado a primeira-pessoa é excelente para quem produz, porque fica imensamente mais barata a produção do jogo.
Resumindo, "Far Cry 3", é uma belíssima experiência, mas não esperem grande história, ou grandes momentos narrativos, vivam o videojogo pelo jogo, sintam a atmosfera, e deixem-se levar.
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