outubro 12, 2014

Quando o social não chega

“Fish Tank” (2009) é uma estrela resplandecente no topo da corrente estética do realismo social britânico popularizada por Mike Leigh e Ken Loach, entre outros. Somos mais uma vez levados por entre muros de um bairro social britânico, desta vez para conhecer as filhas de uma mãe solteira e alcoólica. Com 15 anos a revolta é mais que muita, sem rede familiar, desconhecendo os significados do afecto e da amizade, todos parecem estar contra nós, tal qual répteis temos apenas a raiva para oferecer.




A realizadora Andrea Arnold tinha ganho o Oscar para melhor curta em 2003 com “Wasp”, um filme marcado pelo mesmo traço temático. “Fish Tank” é a sua longa, e é um trabalho de soberba acuidade. Uma análise mais apurada do filme permite-nos encontrar detalhes dignos de literatura. O modo como cada cenário se apresenta, decoração e composição, funciona como espelho de alma de cada um destes personagens. Cada divisão da casa poderia facilmente resvalar para várias páginas de descrição do que se vê, pelo quanto isso nos ajuda a compreender as personagens, os seus mundos, sonhos e limitações. Nomeadamente o contraste entre os ecrãs de televisão e a arrumação e colorido da casa é fundamental.

A fraca qualidade dos aparelhos, espalhados por toda a casa, continuamente sintonizados em fracos conteúdos, com mau sinal, como que alimentam espaços arrumados, aparentemente calmos e civilizados de distorções do real. Um contraste que se reforça nos personagens: limpos, arrumados e bonitos por fora mas com tão pouco mundo por dentro. Sente-se a fachada, a necessidade de criar uma imagem para garantir a manutenção dos apoios sociais. Percebe-se que existe ali espaço para muito mais, que o facto de se viver numa sociedade de primeiro-mundo, dotada de uma rede social pública, abre caminhos e oportunidades incomensuráveis.

Mas no fundo, e é aqui que o filme mais brilha, na sua sub-reptícia mensagem: não basta dinheiro, comida e um lar arrumado. Sem uma família sólida capaz de alicerçar o amor-próprio, a educação não se constrói, a formação é cortada antes de poder dar fruto, limitando o mundo, assim como o desejo.


Uma nota final sobre o realismo por detrás daquilo que nos é dado a ver. Katie Jarvis que protagoniza a adolescente Mia, foi descoberta em Essex pela realizadora. Vivia também numa casa social, e fora mãe aos 16 anos. A força do que vemos nestas imagens levou-a ganhar vários prémios em festivais internacionais em 2009, mas passados 5 anos, a sua carreira resume-se a um parco episódio de televisão, e mais alguns episódios de séries de televisão em pré-produção...

Sem comentários:

Enviar um comentário