abril 29, 2013

Séries TV e RPGs, a dura duração da ilusão das experiências

Esta semana escrevi na Eurogamer a propósito das memórias que guardamos das experiências que vivemos, A Memória da Experiência. Não é algo que eu tenha investigado, antes me baseio no excelente trabalho da dupla Daniel Kahneman e Amos Tversky. Mas se tinha sido interessante a descoberta destes estudos, foi ainda mais interessante este fim-de-semana a coincidência que se deu com o relato de experiências distintas por parte de dois amigos no Facebook, um sobre as Séries de TV e outro sobre os RPGs. A eles digo apenas, leiam o artigo que escrevi, e se puderem deixem nos comentários as vossas memórias.

Tiago Sousa 27.04.2013: "Finally finished watching Lost series - was great but that's it, not watching more series without a begin/end on same freakin episode - too much addictive/time waste ^_^"
Luis Melo 29.04.2013: "How can you gamers play so many games a year? I just got back to Dark Souls (finally got it for PS3) and a whole week just flashed before my eyes. I'm not going to touch any games for several months after this. Not kidding."
Achei muito interessante ler os comentários ao artigo que fiz para a Eurogamer, ver como os jogadores desesperadamente tentam demonstrar que estou errado. Totalmente ao contrário daquilo que é aqui dito pelo Tiago e pelo Luís, que tiveram um momento de lucidez racional no final das suas experiências. Muito do discurso presente nas caixas de comentários, encaixa numa inversão daquilo que Kahneman define como a "ilusão cognitiva". Ou seja, a nossa mente lembra apenas o pico mais intenso, e o final das experiências, mas nós queremos acreditar que não. Queremos acreditar que vale a pena investir todo aquele tempo, passar por todas aquelas experiências menores mas durante mais tempo, porque elas racionalizadas como um cálculo somatório representariam mais prazer do que aquele que verdadeiramente a nossa memória preserva de cada experiência.

antropomorfia realista

5m80 (2013) é um trabalho de Nicolas Deveaux para a produtora francesa de 3d para publicidade, a Cube Créative. Deveuax saiu da Supinfocom em 2002, e pouco depois realizava 7 tonnes 3 (2003). 5m80 é um voltar atrás 10 anos, e criar uma continuação para 7 tonnes 3.


O que temos aqui é algo que de tão estranho se entranha em nós. A fusão de dois universos tão longínquos, tão bem conseguido que ao fim de algum tempo começam a fazer a sentido, e nós próprios nos surpreendemos por isso. O realismo gráfico é impressionante, assim como a naturalidade dos movimentos, bem ritmado, sem simetrias fáceis. Não tem um objectivo narrativo, procura apenas surpreender e abrir a nossa curiosidade.

abril 26, 2013

"A Story About Robots" (2013), simples e perfeito

Uma pequenina animação tão cheia de emoção e questionamento. Tão simples quanto um pequeno robô que sente o emergir de consciência do belo quando encara "O Beijo" (1908) de Gustav Klimt. É um projecto sem respostas, nem delongas, é um minuto e meio de puro encantamento adentro da análise da singularidade tecnológica. Um filme criado pela espanhola Paramotion Pictures.



Claro que tudo isto ganha uma maior importância quando o trabalho visual é de elevada qualidade. Quando o 3d e o "camera match" é perfeito, quando a cor e atmosfera são perfeitas, quando se tem uma noção perfeita do uso do enquadramento para contar uma história. É perfeito.


"A Story About Robots" is an animation short film, is a personal project we did on the weekends, made in Spain, in a small village called Segovia, with lot of love no budget. The backgrounds were photographed with Canon 50D. All the camera movements and travellings were made in stop motion. The robot was elaborated with 3D Studio Max and the integration with After Effects."

abril 24, 2013

David Lynch e a consciência

Trago uma belíssima conversa com David Lynch na conferência Consciousness, Creativity, and the Brain que decorreu na Universidade de Emerson, Boston em 2005. Nesta conversa podemos ver algumas das perguntas que muitos de nós já se colocaram sobre o seu trabalho, respondidas de modo directo e sem rodeios. Vale a pena ver entre o minuto 8'30'' e o minuto 36'.


Esta conferência surge no âmbito de questões relacionadas com a meditação, algo que David Lynch practica há mais de 30 anos. Com ele estão no palco o físico John Hagelin e o neurocientista Fred Travis. Ao longo de uma hora e meia pode ouvir-se muito sobre os efeitos da meditação na nossa capacidade de controlo. Um dos momentos altos acontece na viragem da primeira hora, quando em pleno palco uma pessoa que medita desde os 5 anos, é ligado a sensores EEG que medem a actividade eléctrica no cérebro. Nos minutos que se seguem poderão ver as ondas eléctricas de um cérebro durante a actividade de meditação. Se quiserem mais sobre esta discussão em redor da análise do processo mental em meditação vejam o artigo A Felicidade segundo o budista Matthieu Ricard.

Deixo aqui algumas das respostas dadas por Lynch. Deve-se ter em atenção que tudo isto é dito em 2005.

Q - Filmes que não fazem sentido.
:: "Eu gosto de histórias que tenham uma estrutura concreta, mas que possuam também algumas abstracções. A vida está cheia de abstracções. E o modo como fazemos sentido dela é através da intuição.
As pessoas estão tão formatadas para os filmes que explicam tudo a 100% que de certo modo acabam por desligar a sua intuição no momento de interpretar um filme com abstracções. Outras pessoas adoram estas abstrações, porque lhes dá espaço para sonhar. Para mim dá-me prazer criar estas abstrações e mantê-las no fluxo das imagens de um filme, porque são coisas que só o cinema pode dizer. Não são palavras, não é só música, é um conjunto de coisas misturadas dizendo algo que nunca foi dito antes.
Depende das pessoas encontrarem a sua própria interpretação. Não interessa o que eu penso. Intuição, pensamento, emoção tudo junto que trará um sentido para si."

Q - Porquê tanta violência nos seus filmes.
:: "As histórias têm áreas negras, e têm áreas claras. Têm todo o tipo de coisas... Não começamos uma história feliz, e seguimos sempre assim até ao final, se não todos adormeceriam. As histórias têm de ter estes contrastes."

Q - Meditação transcendente e cinema
:: "Existe um oceano de puro consciência dentro de cada um de nós. Mesmo na fonte do pensamento."

Q - Como cria a não-linearidade nos seus filmes
:: "As ideias não são rearranjadas. Tem que ver com o ritmo, com a emoção. Um frame a mais, ou um frame a menos pode mudar tudo."

Q - Digital e Película.
:: "A película está completamente morta. Eu penso. Com o DV temos tanta liberdade, que é magnifico.
Penso que nunca mais trabalharei com película."

Conferência "Consciousness, Creativity, and the Brain", 2005

Motherland = Metropolis + 300 + CryEngine

Motherland (2010) trabalha um tema já bastante visto, com uma técnica visual igualmente bastante utilizada, no entanto consegue fazê-lo com tanta qualidade técnica que nos deixa colados ao ecrã até ao final. Como se não bastasse, temos ainda todo o mundo virtual a ser criado sobre o motor de jogos CryEngine. Tudo isto é um projecto de estudante de fim de curso do Institute of Animation Filmakademie Baden-Württemberg.




Como filme de estudante, resulta de uma reflexão sobre o tema da propaganda, e análise estética do tratamente gráfico dado ao tema, nomeadamente nos anos 1920 e 1930. Assim no campo do tema, é inevitável pensar em 1984 (1948) de George Orwell, e desde então todas as suas variações. Já em termos estéticos, temos aqui uma colagem entre a composição e arquitectura de Metropolis (1927) de Fritz Lang e a saturação e o excesso visual de 300 (2006) de Zack Snyder. O resultado final é um trabalho visualmente poderoso, totalmente focado na força da sua ideia.





Muito interessante saber que todos os cenários 3d foram "filmados" dentro do CryEngine da Crytek em tempo real, o que contribui ainda mais para a exuberância técnica do trabalho apresentado. Um motor de jogos está longe de ser um sistema com a capacidade de renderização final de um pacote de software dedicado, ainda assim apresenta outras vantagens como no diz o realizador, que agora trabalha na Crytek,
"Using a real-time 3d engine gave the director more freedom and interactive feedback when building environments, lighting and planning camera moves while decreasing render and waiting times multifold."
Motherland (2010) de Hannes Appell

abril 23, 2013

Montagem Constructiva por David Bordwell

David Bordwell é um dos académicos mais relevantes na história dos estudos fílmicos, com uma carreira extremamente produtiva, tanto que depois de se aposentar da U. Madison Wisconsin continua a escrever extensos textos sobre cinema no seu blog. Mas o seu contributo não se determina pela quantidade, antes pela sua capacidade de sintetizar os estudos fílmicos e conduzi-los a um caminho sustentado do ponto de vista científico, com discursos racionais e lógicos. O que aqui trago hoje é apenas um excerto desse trabalho, um pequeno filme em que Bordwell desconstrói dois conceitos sobre o processo de montagem.


Este pequeno filme foi criado para acompanhar o capítulo 6, The Relation of Shot to Shot: Editing, do famoso volume Film Art: An Introduction, de introdução aos estudos fílmicos. Nele podemos assistir à discussão e demonstração das diferenças entre a montagem analítica e a montagem construtiva. A componente analítica diz respeito à manutenção de uma progressão de planos que determinam o local e posicionamento dos intervenientes na acção de modo a conduzir, e a ajudar o espectador. Já a construtiva, adopta o seu nome do construtivismo, e define-se através da libertação da responsabilidade de conduzir o espectador, obrigando este a trabalhar mais cognitivamente para acompanhar o que se lhe vai apresentando no ecrã.

Bordwell demonstra depois o funcionamento construtivista da montagem no caso do filme Pickpocket (1959) de Robert Bresson, colocando em evidência de um modo lógico como se constrói a estética de um filme utilizando um determinado tipo de montagem.

abril 22, 2013

"Caldera", o mundo interior da esquizoafectividade

Mais um filme de animação que procura dar a ver estados mentais inacessíveis ao exterior. Neste caso Caldera (2012) dá-nos uma visulização imaginada dos estados mentais de quem sofre de trantorno esquizoafectivo. O filme assume um tom pessoal, já que o autor se baseia na doença do seu pai. Fica o seu manifesto,



CALDERA is inspired by my father's struggle with schizoaffective disorder. In states of delusion, my father has danced on the rings of Saturn, spoken with angels, and fled from his demons. He has lived both a fantastical and haunting life, but one that's invisible to the most of us. In our differing understanding of reality, we blindly mandate his medication, assimilate him to our marginalizing culture, and entirely misinterpret him for all he is worth. CALDERA aims to not only venerate my father, but all brilliant minds forged in the haunted depths of psychosis.
Em termos visuais, não gostei da modelação da face, demasiado lisa, perde alguma densidade que podia ser utilizada em certos momentos. Embora também se possa ler como a cara de alguém que sofre de distúrbios emocionais. Por outro lado o trabalho realizado ao nível das cores foi capaz de criar verdadeiros momentos de deleite, dá vontade de parar o filme e ficar a admirar certos frames.

Caldera esteve em concurso em vários festivais académicos - Siggraph Asia 2012 e Ars Electronica 2012 - e foi premiado no Seattle International Film Festival e no Rome Independent Film Festival.


abril 19, 2013

Informar não é Comunicar

Esta semana andei a reler Informer n'est pas Communiquer (2009) de Dominique Wolton por causa de algumas reflexões que tenho andado a fazer sobre os conceitos de copyright e open access. Entretanto aproveitei para escrever algumas linhas como pequena síntese do livro. Sobre os conceitos que me trouxeram até ele, em breve publicarei aqui um texto sobre o assunto.


Dominique Wolton é um dos gurus internacionais das ciências da comunicação, destacando-se por tratar o tema da comunicação a partir de uma perspectiva optimista. Para Wolton o fundamento da comunicação assenta na criação de relação entre diferentes. Em Pensar a Comunicação (1997) Wolton apresentava a sua teorização sobre o processo de comunicação em duas dimensões: a) o funcional, que se concretiza em meros processos de transmissão e difusão, em que a preocupação é apenas garantir a emissão e recepção; b) o normativo que se define por uma codificação da mensagem em função do meio e em função do receptor de modo a garantir a compreensão e compartilha. Ou seja, o funcional é aquilo que temos na grande maioria da comunicação tecnológica, em que existe uma emissão de informação e uma preocupação com a garantia dessa recepção. Já o normativo está preocupado em desenhar todo um processo capaz de garantir que a informação veiculada, não só chega ao outro, como é compreendida, e acima de tudo é partilhada também pelo outro.

Ora neste seu livro mais recente, Informar não é Comunicar de 2009, apresenta uma divisão destas duas dimensões em dois processos distintos, os quais já não se colocam sob o chapéu da Comunicação. Embora Wolton não reconheça que o faz, e reconhecendo eu que estou a forçar os seus pressupostos, com o objetivo de simplificar a análise dos processos. Assim Wolton passa a definir a Comunicação Funcional como apenas Informação, e só a Comunicação Normativa como verdadeira Comunicação. Esta sua redefinição vem no sentido de acompanhar as transformações tecnológicas, que se têm vindo desenvolver a um ritmo galopante, conduzindo a uma aceleração dos processos de transmissão que superam largamente a capacidade de recepção humana. Nesse sentido todo o livro acaba por funcionar como uma crítica às evoluções operadas pelas tecnologias de comunicação, nomeadamente a internet, ou melhor, os modos informativos da internet.

Aliás esta é uma crítica que já vem detrás, e que começa no Elogio do Público (1990) em que Wolton discutia a problemática da segmentação dos canais de televisão, no sentido em que a perda de discussão de diversidade, diminuia as pontes de contacto, promovendo a guetização cultural da sociedade, conduzindo à incomunicação, criando a desconfiança e a violência. Por sua vez a internet é um ainda maior exacerbamento de toda esta individualização, provocando uma destruição dos laços entre as pessoas. Um pensamento em toda a linha seguido por Sherry Turkle no seu livro Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other (2012). Para Wolton o processo de comunicação é algo muito sensível, frágil, e em negociação permanente, ao contrário da informação que para além de poder ser à prova da tecnologia, é capaz de evoluir ao seu ritmo. Como diz Wolton logo no início do livro, "nós sonhámos com a Aldeia Global, e agora redescobrimos a Torre de Babel" (2009:17).

Em vez da simplicidade e facilidade de comunicar prometida pela Aldeia Global, encontrámos a complexidade e a confusão da Torre de Babel.

Ao criar uma discussão permanente 'todos para todos', assume-se um carácter profundamente funcional, já que na impossibilidade da partilha se assume como denominador a transmissão da informação. Além disso, todos assumem a posição de emissor, enquanto o papel de receptor praticamente desaparece, pondo fim à partilha e compreensão. Wolton diz, "onde estão os lugares e espaços de legitimação quando todo o mundo intervém?". Porque sem a legitimação, passamos mais tempo a tentar verificar a veracidade da informação que nos chega do que a tentar compreender o seu significado. E eu digo mesmo, não só passamos mais tempo a confirmar, como passamos mais tempo a "descascar" a informação para a conseguir compreender. Este é o grande problema de dar a todos a mesma legitimidade de falar sobre assuntos sem distinção. Daí a velha noção da comunicação social de basear as suas fontes em especialistas, algo que tem vindo a ser distorcido com o tempo. Quando temos comentadores que falam sobre todo e qualquer assunto, sabemos de antemão, que o que nos está a ser oferecido, não tem como intenção informar, menos ainda comunicar, mas apenas e só entreter. A situação atual do excessivo número de comentadores políticos em televisões nacionais é em Portugal já um clássico, claramente que estes emissores não estão ali para informar, mas apenas e só para entreter. Porque a função de um político é tomar decisões informadas, não emitir pareceres ou opiniões, para isso existem os especialistas e técnicos de cada área. Como os espectadores não estão interessadas em especialidade política, os contornos dos processos de decisão, eles falam de tudo e de nada. É para isso que as cadeias de televisão os contratam, para servirem de entertainers.

Em 2013 o número de comentadores políticos com espaço próprio na TV atingiu proporções que não se conhecem em mais nenhum país. Os políticos portugueses, deixaram de agir e tomar decisões, para estar ao serviço do entretenimento.

Aliás isto é fruto de uma ideologia que evoluiu com a internet mas não só, a ideia de que o que conta é o que a pessoa diz, e não a sua formação ou origem, é uma tentativa clara de deturpação do processo de comunicação. Porque se não tenho nenhuma forma de legitimar a origem da informação, como é que atribuo valor ao que é dito por ela? A alternativa seria verificar tudo o que ela diz, mas para isso não me adianta perder tempo a ouvi-la, já que terei de confirmar eu próprio a informação. Ou seja, temos um problema de desdobramento de emissores por um lado, em que todos falam para todos, e ao mesmo tempo um problema de concentração sobre os emissores, em que todos falam de tudo. Os dois processos conduzem a uma perda de qualidade da informação, ou seja a uma deterioração da comunicação.

Surgiu um comentador na televisão portuguesa em 2012 que legitimava aquilo que dizia com o "facto" de ser coordenador de um observatório de economia das Nações Unidas, e ainda como consultor do Banco Mundial, doutorado e docente numa universidade americana. Descobriu-se mais tarde que tudo o que o legitimava não existia. Com isto esvaziou-se o discurso, pois deixou de ser credível, já que aquilo que dizia, careceria de ser tudo confirmado, para aferir da veracidade. Ou seja, deixou se ser relevante ser ouvido, naquelas matérias em particular, em que se pretendia fazer ouvir.

Wolton define o processo geral da comunicação como sendo constituído por três componentes: o tecnológico, que diz respeito aos aspectos instrumentais da transmissão; o económico, ligado às técnicas de trocas de mensagens; e o cultural, que se refere ao espaço simbólico da comunicação. O tecnológico e o económico pertencem ao domínio do acto de informar, que por seu lado não revela preocupações de âmbito simbólico ou cultural, já que isso é relegado para a dimensão do processo de comunicação. Enquanto no processo de informar o Receptor é algo menor, no processo de comunicação o Receptor torna-se "protagonista ao negociar, filtrar, hierarquizar, recusar ou aceitar as mensagens recebidas". Contudo isto não deve ser visto, e mais ainda em tempos de interactividade, como uma troca de papéis entre emissor/autor e receptor. Wolton frisa muito claramente que “o reconhecimento da alteridade no esquema da comunicação, só o poderá ser com a condição de não se tornar na referência última. O receptor pode tornar-se tirânico. Entre a alteridade e o imperialismo, as margens são muito estreitas (..) sobrevalorizar o receptor pode implicar tanta tirania como tê-lo ‘ignorado’ em excesso” (2009:121). É isto que acaba por acontecer quando não se aceita a legitimidade de quem emite, em que as ações cognitivas do receptor passam da compreensão, à confirmação e questionação, e daí para a emissão, transformando a comunicação um-todos ou poucos-todos, num processo todos-todos. Isto é algo que tem vindo a afectar muito particularmente a indústria dos videojogos, leia-se Controlling creativity: Eight developers discuss the dilemma of interactive art (2013).

Mass Effect 3 (2012), o final do jogo gerou tanta pressão por parte dos receptores, que os criadores se viram obrigados a criar um novo final para satisfazer os seus receptores. Ou seja, foi colocado em causa a legitimidade dos criadores, e o processo de comunicação foi corrompido.

Neste sentido Wolton critica o tecnicismo, a ideologia que acredita que a essência do processo de comunicação assenta na tecnologia e nas suas economias. Um pouco como o médico que se foca na doença e no seu tratamento, esquecendo o ser humano que se encontra à sua frente. Assim fugir ao tecnicismo é vital para se poder providenciar uma comunicação efectiva, em que o centro não seja o processo de transmissão, mas o receptor. Deste modo torna-se algo irrelevante os avanços técnicos da tecnologia nos domínios da velocidade ou multiplicidade de acessos, já que estes avanços não podem mudar o tempo que os homens precisam para se compreender mutuamente. Neste sentido a evolução tecnológica acaba por acentuar os processos de incomunicação, uma vez que o nosso cérebro não os consegue acompanhar. Daí que a informação em directo, ou as grandes ideias de 'democracia directa' percam validade, uma vez que não é pelo simples facto de ganhar acesso à informação que consigo ter tempo e capacidade para a 'digerir'. O problema é mesmo maior do que a velocidade e a quantidade de informação, já que para além de não se conseguir responder à velocidade exigida ou à quantidade apresentada, teremos sempre ainda a falta do conhecimento necessário para interpretar toda a informação, isto porque não nos poderemos especializar em tudo. Como dizia Gustavo Reis na sua palestra TEDxUnisinos 2012,
"The infinite information that is offered by search engines, translates into zero knowledge.
If there is no selection of relevant information and the creation of links between the relevant parts of that information, the infinite information tends to zero knowledge."
Ou seja, se aquilo que é comunicado é-o feito de modo meramente funcional, ou informativo, então fica de lado a hipótese do receptor poder agir sobre essa informação. Liquida-se o processo de comunicação, apesar da informação continuar a ser transmitida.

Neste sentido, o intermediário – jornalista, professor, editor, curador, académico, etc. – continua a ser fundamental para triar, hierarquizar, verificar, comentar, legitimar, eliminar e criticar a informação de modo a guiar o receptor. “Estas profissões intermediárias são indispensáveis para relativizar a ilusão de um mundo transparente, no qual cada um seria um ‘actor multiconectado’. Recordam-nos o papel dos conhecimentos que se devem transmitir. Existem competências específicas que justificam a transmissão” (2009:121). Neste sentido o intermediário terá maior ou menor capacidade para legitimar, quanto maior for o seu “capital simbólico” (Bourdieu), aquilo que permite ao receptor definir as hierarquias de credibilidade dos intervenientes na comunicação. Ou seja, não é indiferente para o receptor, a fonte que emite, o seu reconhecimento confere um determinado grau de credibilidade que facilita e incrementa a verdadeira ação de comunicação, ou seja de compreensão e compartilha.

No essencial esta obra resume o acto de comunicar como um ato de partilha, de sedução e de persuasão, mas como diz Wolton, “o desafio está menos no acto de partilhar o que é comum, e mais no facto de aprender a gerir as diferenças que nos separam” (2009:11). Wolton baseia todo o seu discurso no pressuposto antropológico da “alteridade”, que nos diz que todo o homem social interage e é interdependente do outro. Assim a comunicação tem como referente "a busca do outro e da relação", sendo um processo frágil, em negociação e legitimação constante.

abril 18, 2013

Space Bound (2013), ternura em 3d

When Death’s door is only a few breaths away, how would you choose to spend your last moments? É este o ponto de partida de mais um filme de estudante de Ellen Su e Kyle Moy da School of Visual Arts de Nova Iorque.


Space Bound (2013) é um filme com dois minutos e meio, uma criança e um cão no espaço, consegue questionar-nos sobre tanto em tão pouco tempo. É uma curta de animação 3d carregada de ternura, amizade e empatia. Impossível não se ligar no tema e sentir a mensagem. O final fica por conta da imaginação de cada um decidir!



Em termos estéticos, temos um 3d clássico, muito conseguido, com um bom trabalho ao nível da cor, muito saturada muito orientada à animação tradicional para crianças mais novas. A modelação e o character design muito redondinho capaz de conferir um carácter de brandura à mensagem e tema. No campo narrativo temos uma clara influência do mundo dos videojogos, conseguindo dessa forma criar em tão pouco tempo 2 ou 3 momentos de grande ligação emocional.

Space Bound (2013) de Ellen Su e Kyle Moy