julho 22, 2012

"Dear Esther", essência dos videojogos

Dear Esther (2012) representa a consagração da especificidade expressiva dos videojogos. É verdade que tem sido atacado por muitos dizendo que este não se trata de um videojogo, que em vez de fazerem um jogo deveriam ter feito uma curta-metragem, mas sobre isso só posso dizer que é totalmente errado. Dear Esther (DE) é uma experiência de entretenimento apenas possível graças à linguagem dos videojogos. 


Começando pelo básico do que nos é dado a ver em DE, se transformado em cinema não daria para mais do que um filme de cinco minutos, ora o que aqui temos é traduzido numa experiência com cerca de 90 minutos, o equivalente a uma longa-metragem. Deste modo é preciso perceber o que acontece nestes 90 minutos, quais são as especificidades desta experiência que leva a manter-nos totalmente imersos e engajados ao longo de 90 minutos.


O que temos em DE está além da mera passagem de mensagem, assim como está além da mera execução de tarefas e ultrapassagem de obstáculos. DE assenta fundamentalmente num processo de criação de uma experiência emocional estética. Sendo que aquilo que DE nos faz experienciar seria impossível com qualquer outro medium. Construímos uma relação com o espaço, na interacção com esse espaço por meio da navegação, mais do que com a história que nos é narrada.


Aliás, reflectindo à posteriori sinto a narração em DE como a letra de uma música. É relevante, mas serve mais de complemento do que de essência. A essência está na experiência sensorial que se constrói na base das notas musicais, na sua sucessão e ritmo. Em DE é igual, o que sentimos é construído na base da experiência da interacção com o espaço, na navegação através da sucessão de espaços, nas suas formas e padrões. 


É muito interessante ver as pessoas revoltarem-se contra DE dizendo que não se trata de um jogo, quando este usa um dos elementos fundamentais dos videojogos, o labirinto. Em termos formais de design existirão assim tantas diferenças entre DE e Pac-Man? É verdade que não existem inimigos, e a experiência de morte é aqui muito menos premente, mas o objectivo é o mesmo, passar pelos sítios predeterminados para poder continuar a avançar. Nesse mesmo sentido o design da navegação de DE não difere do design de Doom, Zelda ou Myst, onde o que se pretende é criar no jogador uma vontade de saber como será o mundo/nível seguinte.


Não é por acaso que no mundo dos videojogos a arquitectura tem enorme relevância, porque a experiência é grandemente fruto da navegação no espaço. Jenkins disse mesmo que em vez de contadores de histórias, os game designers deviam ser apelidados de “arquitectos de narrativa” porque os “game designers não contam simplesmente histórias; eles desenham mundos e esculpem espaços”[1]. O que nos move na interacção com estas obras não são tanto os eventos e as causas, mas a exploração espacial. Como nos dizia Murray [2],
“The new digital environments are characterized by their power to represent navigable space. Linear media such as books and films can portray space, either by verbal description or image, but only digital environments can present space that we can move through.”
O que está em questão é o tratamento dado a esse espaço, que pode ser meramente descritivo ou assumir um carácter dramático, como assume em DE. Deste modo o que acontece em DE não difere daquilo que acontece em Em Busca do Tempo Perdido de Proust ou mesmo em O Senhor dos Anéis de Tolkien, porque o aqui temos é uma descrição total e em detalhe do espaço da história. O espaço é a história, e DE apresenta um dos espaços mais detalhados até agora vistos. É difícil olhar em nosso redor em DE e não pensar na sua beleza, na sua subtileza e comparar isto com a “madalena" de Proust. A beleza está no detalhe, está no processo, está no caminho, está no que vem a seguir. A condição de eficiência de uma narrativa literária é conseguir manter o leitor interessado ao ponto de se manter num constante questionamento sobre o que vai acontecer a seguir. Nos videojogos a narrativa espacial assume o questionamento sobre o espaço que vamos encontrar a seguir, como será, o que teremos de fazer, por onde iremos passar, que forma terá, aonde nos levará.


Dito tudo isto, acredito em DE como o objecto que demonstra todo o amadurecimento da arte dos videojogos, no sentido em que deixou de ter complexos, em que se assumiu e se concebeu num objecto integralmente dedicado à sua força expressiva – a navegação no espaço. DE é o que Myst deveria ter sido, porque todos aqueles enigmas e puzzles contribuem muito pouco para a essência da expressividade, identidade e dramaticidade narrativa. A sua presença ali é mais uma imposição da linguagem tradicional de jogo, do que da nova linguagem dos videojogos.


A linguagem criada pelos videojogos está claramente enraizada na ideia de jogo, mas também na ideia de história, no entanto a sua essência resulta num novo todo, não numa mera soma de ambas.


[1] Henry Jenkins, “Game Design as Narrative Architecture” in Noah Wardrip-Fruin and Pat Harrigan (eds.) First Person: New Media as Story, Performance, Game MIT Press, 2004,  
[2] Janet Murray, “From Additive to Expressive Form", in Hamlet on the Holodek: The Future of Narrative in Cyberspace, MIT Press 1998, 

julho 21, 2012

a arte do cultivo de Bonsais em jogo

Bonsai Defense (2012) é um interessantíssimo jogo desenvolvido por Mate Cziner no âmbito do trabalho de fim de curso na Moholy Nagy University of Art and Design, Budapest, Hungria. Cziner confirmou-nos ter desenvolvido não apenas toda a componente gráfica do jogo, como também a programação em C# que confessa ter sido o que mais tempo lhe levou. Para o desenvolvimento do jogo contou com apoio apenas no playtesting e na música.


Bonsai Defense, como o próprio nome indica está baseado na ideia do cultivo de bonsais, baseando o seu gameplay no género tower defense. Inova no uso da perspectiva em primeira-pessoa, além funcionar num modo contínuo sem as comuns fases de definição de estratégias. Deste modo torna-se imprescíndivel realizar o tutorial inicial para compreender o gameplay.
In this game your task is to govern the life of a Tree. You can grow, prune, and shape your tree to your hearts content, all the while protecting it from an ever present threat of infectious pests, and eventually helping it to reproduce.

The Tree bears Fruits that you can use the interact with it. Each one serves an different purpose. They can entice growth or prune branches that have grown sick. They defend the Tree from pests with various methods. All of them needs Juice to function, of which you’ll need to provide a steady supply. Defense crumbles in short order when your Fruit soldiers aren’t well fed.
Temos um jogo de estudante plenamente estruturado que não fica em nada atrás de muitos jogos indie que conhecemos. Em termos gráficos é soberbo, digo mesmo impressionante pelo facto de se tratar de um ambiente tridimensional, a palete de cores cria todo o "sabor" do jogo. Em termos de programação não é menos interessante no sentido em que temos uma árvore que cresce de modo generativo ainda que com algum input nosso. O jogo foi criado em Unity.



Como nos diz Cziner o objectivo é manter o jogador continuamente ocupado. As pestes e ataques de parasitas obrigam-nos constantemente a reforçar as zonas de produção de energia, o crescimento de plantas, assim como à realização de cortes em estruturas que já foram totalmente infectadas. Quando nos damos conta a árvore está enorme e assume cada vez formas mais elaboradas. Nesse sentido torna-se cada vez mais complexo o posicionamento da câmara, que ainda assim terá dado bom trabalho.


O jogo está disponível gratuitamente para PC e Mac.

a essência está nos personagens

Descobri Andrey Zvyagintsev há dias através do seu último filme Elena (2011). Fiquei encantado com a obra, uma fotografia belíssima dava corpo a uma narrativa de enorme subtileza tudo orquestrado sob um manto sonoro de Philip Glass. Por isso quis saber mais sobre o autor, e cheguei até ao seu primeiro filmeVozvrashchenie (The Return) (2003).


Vi entretanto The Return e fiquei muito impressionado. É um filme mais cru que Elena, apresenta menos qualidade técnica, mas compensa fortemente em qualidade artística, nomeadamente no campo da fotografia. Porque nem sempre a luz é compensada de forma correcta, mas por outro lado a composição é magistral. A subtileza narrativa continua lá, nos mesmos moldes de Elena, o que evidencia um claro registo de autor. Embora todo o trabalho de Zvyagintsev seja fortemente dependente do colectivo, começa na essência do casting dos actores, passa pela fotografia, música, guião, destacando apenas as áreas vitais. 


Nos dois filmes de Zvyagintsev não consigo deixar de recordar a força da interpretação dos actores. E em The Return isto é absolutamente estarrecedor, com os desempenhos dos dois jovens, Vladimir Garin (Andrey) e Ivan Dobronravov (Ivan). Não é apenas uma questão de naturalismo, é muito mais do que isso, é um encarnar do personagem e uma capacidade para o levar aos seus extremos. Obviamente que tudo isto é fortemente trabalhado pela excelência da direcção de actores, assim como pela montagem que apenas destaca o melhor em cada um destes elementos, indo assim muito para além daquilo que uma encenação em palco consegue dar.


Aliás descobri depois de ver o filme, que Zvyagintsev terá dito ao seu produtor, que se este não encontrasse "actores de génio" para os papéis dos dois rapazes, não valeria a pena fazer o filme. E é bem verdade, The Return é um filme no qual o enredo vive da interpretação dos seus actores. Não seguimos as hipóteses narrativas, seguimos aqueles rapazes, porque procuramos perceber quem são, o que sentem, porque sentem, porque reagem e não reagem. A abertura do filme com Ivan no topo de uma estrutura incapaz de saltar ou descer, por medo da reprovação dos seus colegas, é um indício de que tudo se concentrará na essência do ser dos personagens, e não no plot.

julho 20, 2012

narrativa da vida

A narrativa da vida é algo que intrinsecamente nos apaixona, e que nunca nos cansamos de explorar por meio de obras em diversas formas e com diversas abordagens. São muitos os projectos que se têm dedicado a encenar a "passagem pela vida" desde curtas, a jogos, a experimentos fotográficos, tudo tem servido para perscrutar o modo como a nossa relação com a existência em si acontece.

La Maison en Petits Cubes (2008) de Kunio Katō

Neste sentido e analisando alguns dos projectos que aqui deixo, não será difícil intuir que a natureza do modelo de organização ideias a que chamamos Narrativa é muito mais do que um processo estético de expressão, é ele próprio o modo como estruturamos o nosso ser. Aliás Bruner já o tinha dito
"We organize our experience and our memory of human happenings mainly in the form of narrative-stories" [The Narrative Construction of Reality, 1991, pdf]
"We seem to have no other way of describing "lived time" save in the form of a narrative. Narrative imitates life, life imitates narrative. "Life" in this sense is the same kind of construction of the human imagination as "a narrative" is. It is constructed by human beings through active ratiocination, by the same kind of ratiocination through which we construct narratives." [in "Life as Narrative, 2004, pdf]
Um dos projectos que me vem imediatamente à memória é a corrente de vídeos de fotografias no tempo tiradas de modo autobiográfico. Em 2006 Noah Kalina lançou no YouTube um vídeo, no qual o próprio se tinha fotografado a si próprio ao longo de 6 anos, criando assim um filme com mais de 2000 fotografias. As imagens apesar de serem meramente descritivas de cada momento quando encadeadas no filme reconstroem-se num processo narrativo da vida de Noah, e nós ficamos ali a ver procurando decifrar o passar dos dias, das estações, do envelhecimento. O fascínio que as imagens, ou melhor, que a transformação da pessoa ao longo do tempo provoca é forte, tendo feito do vídeo um viral intemporal. Em 2007 quando aqui falei dele tinha cerca de 7 milhões de visualizações, agora em 2012 chega aos 23 milhões.

Noah takes a photo of himself every day for 6 years (2006) de Noah Kalina

Em 2007 surgiu um dos projectos que viria a tornar-se num marco histórico da arte dos videojogos, sendo ao mesmo tempo um dos projectos mais interessantes sobre esta ideia da "passagem pela vida", Passage (2007), criado por Jason Rohrer. O jogo apresenta-se numa estética de 8 bits, e leva cerca de 5 minutos a concluir, durante os quais somos levados a questionar-nos sobe a vida, a morte e os dilemas da vida a dois. A arte visual evita a ligação pela mera mimesis, obrigando o jogador a procurar sentido na progressão do jogo. À medida que este avança vai desvelando-se para o jogador numa panóplia de sentidos e sentimentos.

Passage (2007) de Jason Rohrer

Em 2008 temos um novo projecto, La Maison en Petits Cubes (2008) de Kunio Katō que fazendo uso da arte da animação produziu um dos projectos mais fascinantes sobre esta ideia. Se Rohrer tinha evitado a mimesis pelo uso do grafismo abstracto, Kato vai ainda mais longe, trabalhando a narrativa da vida através de uma belíssima metáfora assente na construção evolutiva da casa de família. O filme é apresentado sob uma ilustração de enorme qualidade, o que em conjunto com o conteúdo o conduziu ao inevitável reconhecimento internacional, incluindo o Oscar da melhor curta de animação em 2009.

La Maison en Petits Cubes (2008) de Kunio Katō

Em último lugar deixo o filme que me levou a fazer este artigo, porque me fez repescar todos estes projectos, Le Mirroir (2012) de Antoine Tinguely e Laurent Fauchère. Ao contrário dos dois anteriores projectos, e em sintonia com Noah, vemos aqui de forma totalmente mimética a progressão da vida, sentimos o evelhecimento, e os artíficios estílisticos servem apenas de complemento a algo que inquestionavelmente nos leva a questionar sobre o que somos e como somos. É interessante perceber como algo que se limita a plasmar a progressão da vida de uma pessoa, nos toca tanto. Mais uma vez a narrativa da vida sai premiada em vários festivais, assim como em apenas 2 semanas conseguiu arrecadar mais de 750 mil visualizações no Vimeo. Vale a pena espreitarem o makin of depois.

Le Mirroir (2012) de Antoine Tinguely e Laurent Fauchère

julho 19, 2012

paisagem cinematográfica Otomanizada

Classic Movies in Miniature Style é um projecto experimental de reconstrução de imagens atuais segundo técnicas e com objectivos de envelhecimento específico. Nasceu de um trabalho de estudante de Murat Palta que pretendia fazer convergir iconografia ocidental com iconografia oriental. Deste modo pegou em cartazes e imagens do cinema americano contemporâneo e trabalhou-as no sentido de adquirirem uma nova identidade visual.

A Clockwork Orange

A paisagem cinematográfica visual de filmes como Alien (1979) ou A Clockwork Orange (1971) resultam numa nova configuração cultural visual que nos transporta para o século XVI em pleno Império Otomano. A reconstrução feita por Palta foi no sentido de lhe atribuir toda uma estilística emanada das convenções das Miniaturas Otomanas, que serviam como forma de expressão no império Otomano. As ilustrações destas miniaturas procuravam sempre ilustrar acontecimento ou eventos, mas a sua abordagem estética evitava a mera mimesis, indo assim mais pela campo da generalização e da abstracção.

Alien

Este projecto Murat Palta, não é único na forma, mas é de suma importância no mundo contemporâneo dos media visuais, porque nos dá a ver de uma forma cristalina como os nossos ideais mentais estão tão formatados e convencionados. Apesar de estilos diferentes, foi inevitável olhar para estas imagens e pensar no Cinema Indiano. Perceber porque sendo o país com a maior indústria do planeta, dificilmente consegue sair do seu país. Em contraponto levant questões como, então como é que o cinema americano consegue chegar a praticamente todos os países? Isto é trabalho para teses académicas, mas teremos aqui com certeza um misto do poder do marketing, do império, e claro da evolução estética num sentido de optimização do gosto comum.

 Goodfellas

 The Godfather

Inception 

 Kill Bill

 Pulp Fiction

 Scarface

 The Shining

 Star Wars

Terminator II

julho 17, 2012

projectos criativos, da rede para o cinema

Mais uma vez a paixão pelo que que se ama, o trabalho colaborativo e o potencial da rede a demonstrar que pode funcionar como catalisador de projectos criativos. A curta Archetype (2012) de Aaron Sims foi lançada no YouTube conseguindo gerar um enorme hype e com isso chamar a atenção dos grande estúdios, estando já em produção pela Fox.

This project was a labor of love, and so many talented, hard-working people helped in making it come to life. "Archetype" would not have been possible without all the talented individuals who contributed their time and skill, and I thank them - each and every one.

Please tell everyone you know to watch the short; the more people and positive responses we receive (and even likes on the YouTube page that we get) make a difference. With your help, we can hopefully get the feature version made - so Tweet, Facebook...get the word out!
O filme conta a participação de Robert Joy

Aaron Sims não é propriamente um qualquer desconhecido do meio. Basta aceder à sua página no IMDB e ver a quantidade filmes de grande orçamento em que trabalhou ao longo dos últimos 20 anos, nos campos de Concept Art, Character Designer, Direcção de Arte ou VFX. Títulos como Sucker Punch, The Amazing Spider-Man, Rise of the Planet of the Apes, Transformers: Dark of the Moon, The Day the Earth Stood Still, The Incredible Hulk, I Am Legend, Fantastic Four, Doom entre muitos outros. Mas uma coisa é trabalhar numa pequena área de um filme, e outra bem diferente é realizar o seu próprio filme e era isto que Sims procurava quando fez esta curta. Criar o seu projecto, implementar a sua visão, a sua ideia na forma como a imaginou. E foi isso que conseguiu.



A curta é um trabalho muito interessante de 7 minutos, que nos leva através das discussões sobre o sentires dos robôs, aqui derivado de um aspecto mais cyborg, com as misturas entre tecido e metal a gerar o aparecimento de réstias de recordações embebidas nos tecidos. Depois e como não poderia deixar de ser toda a Arte VFX são de excelência, de um nível totalmente profissional. Apesar de como nos diz Sims, o projecto ter tido um "budget of $0 with personal expense on my part and no funding".

Archetype (2012) de Aaron Sims

julho 16, 2012

um Império no mundo da Animação

Trago uma curta que saiu em Dezembro 2011 por altura do 110º aniversário de Walt Disney, como são muitas as coisas que me chegam vou guardando e algumas acabam por ser apenas analisadas muito tarde. Foi o caso desta curta, D. on Ice (2011) de Ale McHaddo, que acreditei ser algo completamente diferente quando me chegou.


D. on Ice baseia-se no mito urbano de que Walt Disney não terá sido sepultado mas criogenizado. A partir daí encena um ressuscitar passados 200 anos da sua morte, o que nos coloca em 2166. Ao acordar Walt Disney é levado a visitar o seu império, e é-lhe explicado como os seus sonhos foram implementados enquanto esteve "no gelo". Desta forma o filme trabalha o futuro, e muito do presente daquilo que é e será, ainda que de modo figurado, a Disney.



D. on Ice é um filme que todos os que trabalham no mundo da animação vão gostar de ver, reflecte sobre o estado da arte actual e o seu futuro. Claro que atira essencialmente ao actor principal que é a Disney, mas não é apenas disso que se trata. Temos aqui uma curta que executa uma crítica social em profundidade ao meio, e que julgo que é preciso ouvir e reflectir. Ouvi algumas vozes levantar-se contra o filme, porque estaria de alguma forma a endeusar Walt Disney, mas não é disso que se trata aqui, é sim da arte da animação. De lhe reconhecermos o valor enquanto arte, e não como mera indústria de produção de lucros.




Uma última nota, o filme é brasileiro o que me deixa ainda mais satisfeito. Foi criado pela 44 Toons que é uma empresa de São Paulo que trabalha a animação em vários suportes - tv, cinema e jogos. O fundador da 44 Toons, e realizador desta curta, Ale McHaddo é ainda professor de game design na Universidade Anhembi Morumbi aonde trabalha com colegas como a Adriana Kei da Cats in the Sky.


D. on Ice (2011) de Ale McHaddo

julho 14, 2012

José Alves da Silva, uma referência em character design 3d

Fiquei impressionadíssimo com o trabalho de José Alves da Silva que assumo, desconhecia. E o mais interessante é que não desconhecia o seu trabalho, desconhecia é que alguns trabalhos desses que agora reconheci fossem do José Alves da Silva. A última lista de artistas nacionais que aqui publiquei não lhe fazia qualquer menção.

Lil B! (Junho 2012), criado com 3ds max, VRay, ZBrush

O José acabou o seu curso em Arquitectura em 1996 e logo a seguir fundou a empresa Pura Imagem, empresa de 3d dedicada à visualização de Arquitectura. Esteve na Pura Imagem durante 15 anos (com mais 3 sócios), até que em 2009 cedeu a sua quota para se dedicar à actividade de freelancer na área de personagens. Em certa medida isto explica porque é que o seu trabalho criativo pessoal apenas começa a aparecer em 2009, mas talvez mais importante tenha sido o facto de nesse ano ter vencido o Image Master Award no CGSociety Challenge XXIV, com Mouse Love (2009).

Mouse Love (Agosto 2009) criado com 3ds max, Photoshop, VRay, ZBrush

As obras de José Alves da Silva são de uma qualidade incrível. Não é tanto a escultura/modelação, ou o realismo, é mesmo o detalhe, a assimetria e a “rugosidade” das formas e os pormenores na construção dos cenários. Depois em termos de textura e shadings é tudo tão absolutamente perfeito, bem saturado, realista mas suficientemente cartoonizado. Ou seja, o trabalho de José Alves da Silva não é daqueles que dizemos ser tecnicamente perfeito, ele é apenas e só, artisticamente brilhante.

Tequila Tatu - an Armadillo's Alcohol Addiction (Fevereiro, 2011) criado com 3ds max, VRay, ZBrush

Tendo em conta que qualidade deste nível não se vê todos os dias, não admira nada todo o reconhecimento que este artista nacional tem tido internacionalmente. São mais de 10 capas de revistas - 3DCreative, BANG!, PIXEL magazine - e livros internacionais - ZBrush Character sculpting - mais de 20 artigos/inclusões em revistas internacionais - 3D Artist (UK), 3D World (UK), 2D Artist (UK), 3DCreative (UK), Zupi (Brasil), PIXEL magazine (Républica Checa), Animation Reporter (India), Mars (China) - e nacionais - Computer Arts (Portugal), BANG! (Portugal) -, e mais de 60 distinções/prémios - CGTalk CG Choice Award, 3D Total Excellence Award, CG Hub Gold Award, It's Art Hall of Fame, Game Artisan's Award of Recognition, Deviant Art Daily Deviation, CG Arena Excellence Award, 3D Artists Jury Pick, Dopw Award, Art Limited Choice Gallery, GoldenTopia Award, 3D Artist Picture of the Week, CG Feedback Top CG Award, Art Squared Monthly Masterpiece -.

Capas de José Alves da Silva na 3dcreative entre 2009 e 2012

A juntar a tudo isto José Alves da Silva publicou ainda trabalho em alguns dos livros mais emblemáticos da arte 3d internacional - Exposé 9 e 10, Exótique 5 e 6, Digital Art Masters 5 e 6, Digital Art Masters 7, d'Artiste Character Modelling 3, Photoshop for 3Dartists, ZBrush Character sculpting -. Com tudo isto tenho poucas dúvidas que o José seja o artista 3d português mais reconhecido e premiado internacionalmente de sempre.

Fiz entretanto algumas perguntas ao José, que teve a amabilidade de responder e com grande celeridade. As respostas são muito interessantes para todos os que partilham a profissão, mas acima de tudo todos o que buscam entrar nela. Leiam mas acima de tudo percam-se no meio do seu magnífico trabalho, cada obra está tão cheia de pequenos detalhes que podemos passar muito tempo a olhar para cada uma delas.

A break from Bamboo (Maio 2011) criado com 3ds max, mental ray, Photoshop, ZBrush


1 – Como se atinge este nível de mestria de uma arte que exige ao mesmo tempo conhecimentos de escultura e de pintura?
:: Eu acredito que temos sobretudo de ganhar cultura visual, conhecendo o trabalho de outros artistas e enchendo a nossa cabeça de memórias. Os princípos base da arte são universais e intemporais. Aprendemos muito apreciando a arte de todos os períodos históricos, assim como os artistas contemporâneos. Essa vai ser a matéria a partir da qual iremos criar as nossas futuras obras. Acredito que a originalidade é sobretudo uma nova abordagem a algo que já conhecemos. Sem memória não há matéria para criar.
Pintar e esculpir é materializar a imagem que temos na nossa cabeça. A escultura e pintura digitais são mais fáceis do que as suas vertentes tradicionais, temos muitas hipóteses de errar e rectificar. Por isso podemos dar-nos ao luxo de ir experimentando e rectificando até atingirmos a imagem mental que criámos. É uma questão de persistência e treino das mãos para que acompanhem a cabeça.

Rhino General (Outubro 2011) criado com Photoshop, ZBrush

2 – Quanto do teu trabalho acreditas ser fruto de talento individual, e quanto do teu trabalho é aprendizagem?
:: Não sei se talento e trabalho podem ser separados. No caso do desporto podemos falar de uma aptidão física/genética, em relação às artes acho que é mais uma questão de educação e muitas horas de dedicação. Acredito que quem comece a desenhar/pintar cedo e mantenha essa actividade ao longo da sua vida consegue ter uma destreza superior a quem comece na idade adulta, da mesma maneira que uma criança que aprenda uma língua muito cedo tem a fluência de um nativo, não se passando o mesmo quando aprendemos uma língua mais tarde.
No meu caso, acho que sempre gostei muito de desenhar/pintar e nunca deixei de o fazer. O que faço é o resultado de todas as horas que treinei/estudei ao longo da minha vida.

The Boxing Kangaroo (Abril 2010) criado com 3ds max, mental ray, Photoshop, ZBrush

3 - Com tanto reconhecimento internacional e nacional, o número de pedidos  de trabalho que te chegam devem ser muito superiores ao que consegues dar  resposta, como é que arranjas tempo para criar trabalho teu, e participar em concursos?
:: Na verdade já há cerca de 2 anos que não faço um trabalho pessoal (a 100%) e não participo em concursos. No entanto, sempre que escrevo um artigo para uma revista que implica fazer uma imagem ou faço um trabalho comercial para um cliente tento dar o melhor de mim. À partida tento que todos os trabalhos que faço sejam matéria para portfólio. A verdade é que em muitos deles coloquei tanto de mim que acabam por parecer trabalhos pessoais, mas na realidade não são.  É o resultado de eu ter a grande sorte de trabalhar naquilo que me apaixona fazer.

Barrio Guy (Julho 2010) criado com 3ds max, Photoshop, VRay, ZBrush

4 - Tendo tu passado pela Universidade na área de arquitectura, o que é que achas que faz falta no Ensino Superior por forma a facilitar a geração de mais talentos nacionais na área do 3d?
:: A área do 3d implica (como muitas outras) uma aprendizagem que excede em muito aquilo que se pode dar num curso. É uma área muito tecnológica e em permanente mutação do ponto de vista das ferramentas e técnicas que usamos. Ninguém pode esperar tirar um curso e que essa bagagem de conhecimento lhe sirva para o resto da vida. Apenas 3 anos após o curso já tudo terá mudado.
Os cursos ou formação devem servir sobretudo para criar bases saudáveis, sobretudo ao nível das disciplinas fundamentais da arte. Também devem ser ensinadas as ferramentas e técnicas actuais mas incutindo no aluno a cultura da contínua aprendizagem e investigação. Só assim conseguirão sobreviver na indústria. Um curso em que estas duas vertentes sejam privilegiadas constituirá uma boa plataforma de lançamento.
Do que tirei no curso de Arquitectura, uso sobretudo aquilo que aprendi nas disciplinas de desenho, realçando a importância da teoria da côr ou a forma como devemos manter a mente aberta em relação a novas técnicas. O facto de ser um curso criativo, em que desenvolvemos projecto durante cinco anos também nos incute hábitos de criação diários. No entanto, na minha área sou sobretudo auto-didacta e tento, de facto, aprender coisas novas todos os dias e manter-me actualizado.
Aconselho a que as pessoas estudem em cursos que lhes ofereçam boas bases artísticas e que complementem esse conhecimento com disciplinas mais técnicas que explicam o uso das ferramentas (software). A partir daí é necessário manter a cabeça aberta para o resto da vida.

julho 13, 2012

o mito, da pintura para o cinema

Mais um trabalho, Metamorphosis (2012), que evoluiu da Pintura para o Audiovisual. Depois de Gogh, Munch e Picasso temos agora Titian com a sua obra Diana and Actaeon (1559). A curta baseia-se no mito de Diana e o Alce, que por se tratar de uma lenda, tem diferentes abordagens narrativas sobre o que realmente se teria passado.

Diana and Actaeon (1556–1559) de Titian, National Gallery, London

O mito mais conhecido diz-nos que o caçador se transformou em alce, e viu a sua morte nas mandibulas de cães caçadores. Nesta curta, o geral está lá, partimos da tela, mas o resto serve a imaginação. Não digo que seja uma abordagem original, é algo que temos visto vários vezes no cinema de género no campo do horror.

Escultura de Acteon e os cães caçadores, no palácio de Caserta, Sul de Itália

Em termos de arte audiovisual, temos um trabalho de grande excelência técnica principalmente na realização e fotografia, criado pela Tell no one, que dá gosto ver e rever. Sinto que as novas propriedades imagéticas proporcionadas por todo este movimento de pequenas câmaras fotográficas DSLR, vai deixando a sua marca, e abrindo novos territórios no modo de contar histórias em formato audiovisual.