maio 22, 2012

Indefectible Blemish, projecto do Fantas

Indefectible Blemish é um excelente trabalho criado por um grupo de alunos da Licenciatura de Ciências da Comunicação da UM para o Fantasporto 2012. É um trabalho que foi realizado sob a direcção dos docentes António Branco da Cunha e Martin Dale, tendo na edição a Joana Silva, o Paulo Dias na realização, o João Vilares na luz, o João Braga e o Alejandro Montecatine na imagem, e depois na produção a Andreia Almeida, Cyntia Monteiro, Daniela Pereira, Joana Rodrigues, João Araújo, José Carvalho, Isabel Rodrigues, Paulo Dias e Sílvia Meneses.


Tenho de dizer que não que me surpreendeu, mas que muito me alegrou. Ver num único trabalho vários níveis de excelência, nomeadamente em três vectores - montagem, fotografia e som. A montagem porque tudo faz para para ser invisível, sem nunca deixar de enfatizar o que tem a dizer, ou melhor a mostrar. A fotografia porque é de uma enorme coerência de luz e cor, gerando uma atmosfera totalmente crível e envolvente. E o som porque é o principal narrador do filme, é quem nos conduz e explica verdadeiramente o que vai acontencendo no filme.



A narrativa não é nada do outro mundo, apesar de tratar algo que vem do outro mundo, como seria de esperar de um filme candidato ao Fantas. A forma como nos levam, como geram atmosfera, dá corpo à narrativa, não se esperando mais, pois as expectativas estão na forma e não na história.

escultura estática com dinâmica

Mustangs at Las Colinas (1984) de Robert Glen





Não conheço ao vivo, mas há alguns anos que conheço as imagens, e hoje acabei por não resistir partilhar. Se algum dia passarem por Dallas, Texas nos EUA não se esqueçam de apreciar.

maio 21, 2012

o tempo que passa, animado num mundo sem cor

The Eagleman Stag (2011) é mais um filme de estudante, a tese de Mikey Please no Mestrado em Animação do Royal College of Art (UK), mas que no ano passado arrebatou o BAFTA de Melhor Curta de Animação. O filme é a preto e branco e o material de base utilizado é tudo menos comum: desde esponja, a papel, arame, madeira, são alguns dos materiais utilizados. A narração é de David Cann.


Na forma temos um mundo físico, animado em stop-motion, num ritmo calmo mas naturalista. A atmosfera proporcionada pela clareza do branco de todos os materiais utilizados conduz-nos por entre a narrativa de forma muito subtil, não forçando e até contra-balançando o lado mais pessismista da narrativa. Da história vale mais ler a sinopse, pois apesar da linearidade da evolução do tempo, é tudo menos uma narrativa clássica.


"Peter’s life has been spent in both fascination and fear of his quickening perception of time  with age. As he nears the end of his days, his interest turns to obsession and he undertakes  progressively extreme measures to control and counter times increasing pace. Peter also  discovers that if you repeat the word ‘fly’ for long enough it sounds like you’re saying ‘life’.  This is of no real help to him. His answers lie in the brain of a beetle."

A entrevista dada por Mikey Please aos Bafta é muito interessante, gosto muito da paixão demonstrada por este pela animação enquanto arte, e deixo aqui a sua resposta sobre o que devem fazer aqueles que procuram entrar nesta área.


"Well, I think being represented by a production studio doesn’t guarantee anything, and lots of graduates wrongly seem to make that their goal. I think the trick is just not to stop making work, regardless of resources. It’s tough, but I really think if you put in the hours and enthusiasm you literally can’t fail."


Ou seja, o que Mikey Please diz é exatamente aquilo que Beethoven disse numa citação que partilhei esta semana no Facebook: “Don’t only practice your art, but force your way into its secrets, for it and knowledge can raise men to the divine.”


Sobre como foi feito existe um pequenino filme, com a promessa de em breve ser lançado um making of mais completo. No entanto no site é possível ver mais imagens da criação do filme.

a radiação gama

Poderoso e perturbador. Uma curta que nos fala dos universos de Chernobyl, e que só por nos dar ver o local, nos transporta para uma atmosfera diferente, nos envolve e prende a nossa atenção. Gamma trabalha no sentido de nos deixar a ver, e dá-nos a ver o que podem representar os raios Gamma. Apesar de ficcional, é impossível ficar indiferente a este filme. Não é dito claramente que o filme foi filmado em Chernobyl, apenas que foi filmado na Ucrânia e no Cazaquistão, não sei se por falta de autorização. Pelo que me é dado a ver tudo me convence de que terá sido filmado no local do desastre de 1986.


A composição digital e o 3d terá sido o grande objectivo da realização do filme por parte da equipa da Factory Fifteen (UK). Tenho a dizer que gostei, mas algumas das cenas precisavam de um pouco mais de trabalho nas texturas, nomeadamente para limar brilhos e iluminação. Apesar de tudo o filme é credível e funciona muito bem.

Gamma (2012), Factory Fifteen

Depois de verem o filme dêem uma vista de olhos no making of, vale a pena.

maio 19, 2012

Entrevista com Pedro Mota Teixeira

Depois do enorme sucesso que foi o video clip Sexta Feira do Boss AC resolvi fazer algumas perguntas ao Pedro Mota Teixeira criador do vídeo. O Pedro é para além de um excelente profissional, uma pessoa de uma enorme simpatia e humildade, digo-o porque tenho trabalhado com ele no âmbito do seu doutoramento em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho nos últimos anos, e não deixa de me surpreender. Com 37 anos é licenciado em Design de Comunicação e Mestre em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e é neste momento o director da Licenciatura em Design Gráfico do IPCA.


1 - Começaste pela Ilustração e BD, como é que passaste para a Animação, e depois para a Animação 3D?
:: Sim, comecei pela Banda Desenhada muito cedo. Com 16 anos ganhei dois prémios nacionais de BD (ainda estava no secundário, a frequentar a Escola Artística Soares dos Reis, no Porto). Depois, já na faculdade, continuei a desenvolver ilustração e BD, com mais alguns prémios – ganhei 3 anos seguidos o concurso de BD de Matosinhos, organizado pelo Salão de Banda Desenhada do Porto. Neste enquadramento, fui publicando alguns livros e, quando acabei a licenciatura, fui "recrutado" (soube mais tarde, à custa destes prémios) pela produtora Miragem, para trabalhar no projecto de TV "Major Alvega", para o qual desenvolvi, inicialmente, toda a ilustração, desenhando directamente numa "wacom", e, mais tarde, quando houve necessidade de aumentar a equipa para acelerar todo o processo de animação, fiquei responsável por essa equipa multidisciplinar que ia da ilustração à animação 2D e 3D.
Para poderes entender como tudo isto se desenrolou, tenho que voltar um pouco atrás… Os meus primeiros passos na animação foram guiados pelo Prof. Clídio Nóbio, na altura docente na Escola Artística Soares dos Reis, um homem da animação, que me deu a conhecer a Cinanima, alguma documentação mais "pesada", etc. Sempre fui muito pró-activo, daí ir desenvolvendo, na faculdade, trabalho nas áreas do 2D (flash, sobretudo) e 3D (lembro-me de desenvolver projectos na UC de Vídeo que misturavam 3D com imagem real, coisas muito amadoras, e de me apontarem como sendo “demasiado ilustrativo”. Aliás, devo dizer que o design só, não me completava, tinha alguma necessidade de pôr tudo a mexer!
Mais tarde, na Miragem, tinha as condições todas para evoluir: equipamento profissional, uma equipa muito competente e muita vontade de trabalhar! Fui quase obrigado a tirar, num ano e meio, um curso intensivo em várias aplicações. Sempre me senti confortável com a animação, apesar de, na altura, o 3D estar entregue a outros profissionais, o António Gonçalves (Seed Studios, e Linha de Terra) inicialmente, e o Luís Felix mais tarde (meu incansável amigo com quem há muitos anos comecei nestas andanças). A minha preocupação era conhecer o mais possível as técnicas digitais (2D e 3D) para poder gerir as necessidades de cada sector. Julgo que a minha grande contribuição na altura foi precisamente ter criado uma "linha de montagem", ter recrutado as pessoas certas e ter sido muito rigoroso com a estética da série (a minha costela de designer formado pelas Belas Artes: questões de composição, iluminação, expressão, sempre foram importantes). No final fomos nomeados para os Emmys.
Na Animago, apesar de me focar mais na realização, não deixava de explorar todos os sectores. Nos últimos seis anos, por razões académicas, de facto, tenho investido mais no 3D, mas não quer dizer com isso que privilegie esta técnica. Pelo contrário, aprecio a diversidade das técnicas da animação.



2 - Tanto trabalhas em 2D, como em 3D. É semelhante, é fácil para qualquer animador fazer esse cruzamento de dimensões?
:: Não é. Mas julgo que o mais importante para um animador é saber animar nos moldes tradicionais. Do meu ponto de vista, o computador é mais uma ferramenta, assim como o 3D é mais uma dimensão. É por isso que a Pixar recruta animadores com profundos conhecimentos da animação clássica. Claro que o domínio do software é importante, mas a animação não melhora por ser feita num ou noutro software, é a visão do animador que traz os resultados, independentemente de trabalhar no 3DS, Blender ou no Maya. Para mim, quando o animador tem as noções certas de timing, da importância da luz, da volumetria das sombras, da continuidade de planos, da interpretação da personagem, etc, o 3D traz imensas vantagens. E deixa-me acentuar que não tenho a visão que a “transformação do desenho” seja exclusivo do 2D. Não é um acaso que, nos últimos anos, curtas e longas criadas em 3D tenham arrecadado todos os grandes prémios internacionais. Aliás, a maior parte dos “dinossauros” actualmente já incorpora 3D nos seus projectos, seja de uma forma assumida ou dissimulada. Uma das vantagens do digital, nomeadamente do 3D, é a sua resiliência e capacidade de absorver uma infinidade de disciplinas e de estéticas.



3 – O teu projecto "Pedro e o Gato" é um sucesso na área da animação em Portugal, com a tua empresa de audiovisuais “Animago” acontecera o mesmo, qual é o teu segredo?
:: Julgo que na altura, o sucesso da Animago surgiu porque os principais recursos humanos da Miragem “transitaram” de uma empresa para outra, para além de, confesso, haver na altura falta de bons animadores virados para o mercado. Julgo que a Animago, no Porto, foi pioneira com a prestação de serviços de animação digital para genéricos televisivos, apresentações multimédia, cruzamento da imagem real com animação digital, o que agora designamos de “motion graphics”, etc.
A “Pedro e o Gato”, surge muito simplesmente porque, a determinada altura, me cansei de todo o frenesim que é desenvolver dezenas e dezenas de trabalhos comerciais, e também porque me sentia distanciar cada vez mais da criação (sendo sócio-gerente e director criativo, passava os meus dias em reuniões e viagens). Decidi, então, que estava na altura de desenvolver projectos com mais tranquilidade, e que me realizassem doutra forma. Claro que isso entrava em conflito com a Animago, que existia muito convictamente para prestar serviços ao mercado.
Nessa altura surgiram várias propostas, e aceitei o desafio para assumir a direcção do Curso de Design Gráfico no IPCA (Instituto Politécnico do Cávado e do Ave), participar na criação do MIA (primeiro mestrado público em Ilustração e Animação), conjuntamente com a Paula Tavares e a Marta Madureira, e dar apoio no desenvolvimento de um super laboratório de jogos digitais que, finalmente, irá surgir ainda este ano.
No fundo, em vez de Pedro Mota Teixeira, temos a “assinatura” do gato, que é uma imagem de marca que tinha criado na altura da Animago. Em tudo o que faço (sempre que possível) coloco sempre um gato preto ☺. Foi a forma que encontrei de se identificar facilmente o meu trabalho. E tem funcionado, ouço malta a dizer-me: “Sabes como sei que o filme é teu? Vi um gato preto no genérico, é teu não é?”.




4 - Muito do trabalho 3d em Portugal é feito no campo da publicidade, mas tu tens trabalhado acima de tudo para TV/Cinema (curtas, séries, genéricos, vídeo-clips). Por alguma razão em concreto, é uma opção ou tem mais a ver com a tua rede de contactos?
:: É uma opção pessoal. Normalmente em genéricos e videoclips tenho espaço criativo. Neste momento tenho a sorte de poder aceitar participar em projectos quando são de cariz autoral, quando me permitem explorar diferentes experiências estéticas e, sobretudo, quando me permitem estudar questões ligadas à criação de personagens, a minha área de doutoramento, e de interesse pessoal.


5 - Em termos de trabalho, para quem quer trabalhar na área, existe alternativa ao trabalho empresarial e/ou freelance na área da animação, dos audiovisuais, no fundo das áreas criativas? Em Portugal e mesmo internacionalmente.
:: Como docente preocupam-me as saídas profissionais dos alunos. A minha experiência diz-me que, felizmente, há muitos casos de sucesso. É necessário que o aluno seja competente, saiba pensar e executar; mas a forma como se posiciona na relação com o cliente, os colegas e o trabalho também ditará muito do seu sucesso. Nem todos são empreendedores ou artistas, mas a animação tem surgido em diversas plataformas, na Web, nos videojogos, nos motion graphics, o que também quer dizer que o campo de intervenção é dinâmico e com horizontes cada vez mais alargados. Suzanne Buchan, editora da Animation Journal é peremptória em afirmar que actualmente, a animação existe em formatos híbridos, em múltiplos suportes de comunicação, que podem e devem fomentar a criatividade e o empreendedorismo. Assim, a aposta na cultura e nas áreas criativas não deve ser desvalorizada; pelo contrário, deve ser um forte investimento.

Vasco, mascote do Oceanário

6 – Como é que vês a Animação em Portugal, é uma área com potencial de crescimento, em que áreas devemos apostar? E temos massa crítica para o fazer, ou vamos continuar a olhar para a área como uma actividade secundária?
:: Infelizmente não vejo a animação em Portugal de uma forma muito entusiasmada. Durante muitos anos viveu de curtas-metragens com apoios estatais do ICA e poucos recursos financeiros, distribuídos sempre pelas mesmas produtoras e autores. O circuito dos festivais era o único recurso de divulgação e fazer séries de animação não trazia retorno financeiro nenhum. Em suma, julgo que o futuro da animação passa por apostas em alternativas de financiamento, co-produções nacionais e internacionais, e por tirar proveito das novas tecnologias. O potencial da animação digital é enorme, não deve ser menosprezado, e temos que olhar para ela como uma ferramenta de trabalho com enormes vantagens.


7 - Referes que o vídeo Sexta-feira para o Boss AC, que já vai com mais de 2 milhões de visualizações no YouTube, como um trabalho autoral porquê? Ainda é possível criar trabalho autoral em 3d em Portugal? Quais são os maiores entraves?
:: Agora já vai em quase 4 milhões! O fenómeno das redes sociais é incrível, há meia dúzia de anos atrás isto nunca aconteceria! O termo “trabalho de autor” não me faz confusão nenhuma, basta olhar para trabalhos de Andrew Hickinbottom, Rebeca Puebla, Michael Kutsche, William Joyce, etc. para perceber que existe uma linguagem estética, única e expressiva, independentemente do alto domínio da técnica computacional. O entrave continua a ser a desconfiança com que alguns ainda olham para a ferramenta do computador, mas também a dificuldade em se poder criar “livremente” em projectos comerciais. Com o vídeo do BossAC foi muito fácil, foi-me dada total liberdade criativa.



8 - Ainda sobre este vídeo, como é que deste a volta aos direitos de autor da Lego?
:: Alterando as dimensões do lego. Na realidade é parecido com um lego, mas não tem exactamente as mesmas dimensões, e os encaixes também são diferentes. Por outro lado, por ser um trabalho de autor, não comercial.


9 - O trabalho que fizeste para o Café Central, é bastante diferente do que tens feito, em termos de controlo total da animação final. Em que medida é que isso choca com a tua noção de autoria e como é que minoraste essa questão?
:: Numa altura que o país atravessa um tempo delicado, este era o momento de dar voz a um Silva ou um Águas, no fundo, ao português anónimo. Todos os dias ouvimos injustiças, o caso da escola da Fontinha, dos cortes nos subsídios, nas pensões, etc. Por isso, o desenho das personagens exigia também uma linha mais agressiva, rude, um tom mais polémico que, partindo do humor, pudesse abordar temas sérios. Para tal era necessário que a animação pudesse ser gerada em tempo real de modo a acompanhar a actualidade das notícias. Em prol da importância da mensagem e devido a algumas limitações do software que gera toda a animação das personagens, procurou-se que a interpretação da personagem fosse credível o suficiente para que a mensagem passasse e suplantasse alguma rigidez da animação. Julgo que foi dado um passo importante no que toca a uma animação socialmente “interventiva” e “participativa”, mas também em termos tecnológicos, porque a animação interactiva é um campo com imenso potencial, que poucos conhecem. Diga-se que o desafio foi alargado ao MIA (Mestrado em Ilustração e Animação) do IPCA, que respondeu muito positivamente através da participação de alguns alunos.


10 - Qual o melhor trabalho que fizeste até hoje e porquê? E qual o trabalho que te deu mais prazer, e porquê?
:: Não sei se foi o melhor trabalho, mas tenho um especial carinho pela “História de um Caramelo” porque, em primeiro lugar, identifica uma época importante da minha vida, depois, porque é representativo no meio por ter sido o primeiro filme em tecnologia 3D apoiado pelo ICA, depois ainda, porque envolveu um trabalho de equipa com pessoas que valorizo, e, finalmente, porque foi um daqueles projectos em que a vontade de fazer conseguiu ultrapassar todas as dificuldades. E já agora, quando surgem elogios de animadores e realizadores internacionais, é sempre muito gratificante.

Off Book: "Fan Art: An Explosion of Creativity"

Fan Art não é uma novidade, mas foi exponenciada a níveis nunca antes vistos com o aparecimento da internet. A fan art é feita de mercados de nicho, é feita por um grupo de pessoas que partilha um particular interesse, e desenvolve uma particular arte. Daí que as possibilidades criadas pela net para partilhar o trabalho individual com outras pessoas que estão no mesmo comprimento de onda, estejam onde estiverem, levou este modo de arte aonde nunca tinha ido antes.


A fan art é um meio excelente para qualquer criador começar, partilhar e receber críticas, perceber o que faz bem e o que não faz tão bem. Compreender-se a si mesmo, e construir um portefólio. E este portefólio servirá mais o artista, do que um CV com listas de experiências e formações.


Para além de tudo isto a Fan Art está intimamente ligada ao conceito de Transmedia, porque os criadores profissionais são cada vez mais obrigados a levar em conta aquilo que é produzido pela comunidade de fãs, e isso tem impactos nos percursos narrativos da chamada ficção profissional. A partir daqui estamos no mundo da Creativity Remix, e por isso é tão importante redefinir as atuais leis de copyright.

The fan art community is one of the most creative and active online. Taking pop culture stories and icons as its starting point, the fan community extends those characters into new adventures, unexpected relationships, bizarre remixes, and even as the source material for beautiful art. Limited only by the imagination of the artist, the fan art world is full of surprises and brilliance.

Por outro lado a Fan Art não é muito diferente do Free Software e do Open Source em termos de objectivos e construção de comunidade. Falamos aqui essencialmente da Criação Colaborativa, que é uma realidade cada vez mais potenciada pelo aparecimento de novas tecnologias criativas.


maio 18, 2012

Storytelling é "1 + 1 = 3"

Dou aulas de storytelling há vários anos e nas aulas decorrem sempre discussões em redor das possíveis formulas ou padrões ideais para contar uma boa história, seja num filme, num livro ou num videojogo. A verdade é que por mais que academicamente tentemos desmontar o sistema narratológico, dividi-lo nas unidades mais ínfimas, em categorias e parâmetros, os resultados ao nível da recepção continuam a ser um mistério.


Num belíssimo pequeno filme de Sarah Klein e Tom Mason para The Atlantic, Ken Burns, um documentarista americano estabelece o efeito do storytelling através de uma simples fórmula matemática: "1+1=3". Ou seja ao contrário do racional, a emocionalidade do efeito do storytelling acontece quando algo maior do que a soma dos elementos da história surge.

Para além disto Burns diz algo, que ando a dizer há anos, e que não é fácil trabalhando no meio das ciências da comunicação, mas é uma constatação da realidade, e que é o facto de que todo o processo de contar uma história é um acto de manipulação dos receptores. É algo que por mais que se queira fugir, alegando neutralidade, alegando a descrição da realidade, dos factos etc. no fundo existe sempre alguém que elabora uma visão de algo. É um filme com apenas 5 minutos, mas vale todos os segundos.

‎"On Story" (2012) Ken Burns

[via Brain Pickings]

maio 17, 2012

Crioestaminal: da culpa irreversível

O novo anúncio da Crioestaminal é do ponto de vista ético, um desastre. Está escrito por forma a apelar a uma ideia na qual os autores do filme acreditam ser a única verdade possível, e dizendo a quem não concorda com eles, que estão completamente errados. Mas não se fica pela atribuição de valor moral, e apresentação da sua posição, e aqui é que fica ferido de morte o seu propósito, é que parte para culpabilização de quem não pensa como eles.


Vejamos em detalhe o artefacto, analisando o que pretenderia a Crioestaminal e o que temos realmente no filme em análise.

Público alvo da Crioestaminal: Futuros pais

Publico alvo do filme: Pais actuais, o futuro pai não se identifica com aquela criança nem com aqueles pais. Ainda não conceptualiza o filho naquela forma. Esta coisa de ser pai/mãe transforma-nos, e o anúncio está trabalhado para tocar quem já é pai, quem percebe o alcance do que está ali em questão.

Mensagem pretendida pela Crioestaminal: a preservação das células estaminais pode salvar a vida do seu filho no futuro.

Como é que esta mensagem chega ao público alvo acima identificado. Como se trata de um anúncio básico em termos de mensagem, sem amplitude de sentido, existem apenas duas leituras que são estimuladas, já que o climax do anúncio é baseado numa pergunta lançada ao espectador, que possui apenas duas respostas possíveis: "Mãe, Pai, guardaram as minhas células?"
“Há uma hipótese em 200 de um dia ser diagnosticado ao seu filho uma doença cujo tratamento pode encontrar-se nas suas células estaminais (...) uma doença como a Leucemia (...), nesse dia está preparado para responder a esta pergunta: Mãe, Pai, guardaram as minhas células? Crioestaminal, o futuro guarda muitos milagres”.
A) Reacção dos pais que depositaram as células num banco: Nós somos boas pessoas, sempre fizemos, e sempre faremos tudo para proteger os nossos.

B) Reacção dos pais que não depositaram as células num banco (por várias razões não guardei as células: falta de dinheiro, prática ainda não instalada, ou estudos ainda duvidosos): Nós não agimos bem, nós não somos bons pais. Não fiz aquilo que a sociedade esperava de mim, por isso sou mau pai

Mas isto vai muito mais longe do que esta simples dicotomia A e B. Porque este filme não está a falar de uma regra de boa-educação, de ensinar o meu filho a não cuspir para o chão. Quando eu vejo aquele grande plano daquela criança, com aquele texto, o que eu infiro, enquanto espectador, é que eu, não apenas falhei como membro da sociedade, mas eu sou o único culpado por o meu filho poder vir a morrer. O filme funciona como o anúncio da salvação, mas não é uma salvação que se possa caminhar para, que se possa construir algo no futuro. É uma salvação que está apenas ao alcance dos eleitos, dos que preservaram as células. Todos os outros devem ser excomungados.

Mãe, Pai, guardaram as minhas células? 

Ou seja, o que um pai sente quando vê este anúncio, é o poder da culpa irreversível. Poucas coisas na vida são irreversíveis, por isso a morte se opõem tanto à vida, porque esta é definitivamente irreversível. Ora o que anúncio diz é que o facto de não ter colocado as células estaminais num banco, assinei a sentença de morte do meu filho. Porque eu não posso fazer nada, não existe nada que eu possa fazer para reaver aquelas células. Terei de carregar para o resto da minha vida junto do meu filho o fardo da culpa irreversível.

Este não é um anúncio criado pela Crioestaminal, mas criado por Pedro Bidarra, um dos criativos de publicidade mais conceituados em Portugal para a Crioestaminal. E acredito que o estado de negação da Crioestaminal em não aceitar retirar o anúncio deva ser receita do próprio Bidarra. Mas nada disto nos admira. Quem já uma vez disse que devíamos mudar a cor da nossa bandeira, porque o facto de ter cores demasiado africanas nos tornava menos produtivos, eficientes, no fundo preguiçosos como os africanos!!!

E mais ainda, para quem também já disse que os cursos de Comunicação e Publicidade seriam "cursos inferiores", porque sobre a publicidade nada há a dizer, são apenas "coisas pequenas e engraçadas", isso quando são bons, porque quando são maus "nada há a dizer"!!! Vê-se aqui e agora o resultado cabal da sua visão do mundo, a tal que este diz ter aprendido nos livros. Vê-se neste filme, o resultado do auto-didatismo quando misturado com a falta de humildade.


Mas isto não pode ilibar a Crioestaminal. Esta tem por obrigação, e no mais curto espaço de tempo, de tirar a campanha do ar, e fazer um pedido desculpas público à sociedade portuguesa.


Declaração de interesses: tenho dois filhos, do primeiro não guardei as células por ser caro e por os estudos ainda serem dúbios quanto ao seu valor efectivo. Do segundo, por sentir culpa do que tinha acontecido com o primeiro, e imbuído de um sentimento de que as células de um irmão podem ajudar a salvar, guardei as células na Crioestaminal.

maio 16, 2012

só, com a vergonha

Steve McQueen escreveu e realizou apenas dois filmes, mas conseguiu desde já dar vida ao nome que carrega. Hunger de 2008 e agora Shame (2011) são duas obras singulares, e verdadeiramente coerentes esteticamente. Por mais que me afaste da temática presente no filme, e por mais que sinta vontade de escapar dali, a mestria cinematográfica ao serviço da narrativa é de tal ordem poderosa que isso se torna impossível.


Shame é como um banho de cinema, em que um autor usa e abusa da linguagem à sua disposição para se expressar, para comunicar, para falar conosco. O ritmo, os enquadramentos, o som atmosférico, a música (a excelência de Glen Gould), a fotografia, a cor e a luz, os cortes e recortes no tempo, tudo mas mesmo tudo, está correcto. Correcto não por ser tecnicamente perfeito, mas por ser esteticamente coerente.


E como se não bastasse, McQueen serve-se uma vez mais de Fassbender, que aqui claramente se excede, e faz provavelmente a interpretação da sua vida. Ebert fala na sua crítica, numa imagem que também me ficou na cabeça, um momento no qual Fassbender consegue expressar simultaneamente dor, tristeza e raiva. A cena está repleta de luz, com uma temperatura bastante quente, em câmara lenta, a música angelical, e o orgasmo quase ali. É um momento de cinema inesquecível, um momento no qual um simples artefacto, feito de dramatização plasmada em imagens e sons nos "toca", mexe conosco. Sentimos por momentos uma ligação forte com o personagem, com o actor, o filme transpôe aqui a barreira do ecrã, e somos apenas nós, e as emoções ali representadas.