abril 14, 2012

a linguagem de jogo complementa o jornalismo

Esta semana o New York Times trouxe um artigo sobre aquilo que eles consideram ser efeitos de alguns jogos: "Hyperaddictive, Time-Sucking, Relationship-Busting, Mind-Crushing Power and Allure".


O artigo é duplamente interessante na discussão que suscita. Se por um lado chama de estúpidos a jogos como Angry Birds, Tetris, Bejeweled ou Super Mario, por outro usa esses mesmos jogos para elevar o potencial comunicativo do artigo em questão. Para saberem mais sobre esta questão da estupidez dos pequenos jogos leiam o meu artigo na Eurogamer desta semana.


Sobre o facto de estarmos a utilizar um jogo imiscuído com um texto jornalístico, transcrevo o que disse no artigo da Eurogamer.

Jon Huang diretor da equipa Multimédia do NYT trabalhou com a Rootof no desenvolvimento de um pequeno jogo para a versão online do texto. Neste pequeno jogo conduzimos uma nave por cima da página web, e podemos atirar sobre todos os objetos dessa página destruindo-os, e eliminando-os da página. Ao fim de poucos segundos, ficamos ligados no jogo, e só paramos depois de ter destruído quase toda a página.

O NYT faz uso das mecânicas de jogo, da linguagem nobre dos videojogos, para construir uma peça jornalística. O objetivo é ampliar a comunicação, inserindo no seu interior não apenas a descrição dos efeitos, mas a plenitude da experiência descrita. Nesse sentido podemos dizer que é um texto que marca o jornalismo, porque a simbiose entre o texto e o jogo é perfeita, e assim a relação pragmática entre o autor e o recetor funde-se completamente com o conteúdo, ou seja com aquilo que se pretende transmitir.

abril 10, 2012

Noma Bar e a comunicação do espaço esquecido

Noma Bar é um dos designers gráficos internacionais que mais admiro, acima de tudo pela sua brilhante mestria no entrosar da forma e conteúdo. A sua formação é em Design Gráfico e Tipografia, pela Bezalel Academy of Art & Design de Israel, uma das escolas mais interessantes no campo da representação visual no plano internacional. Já falei aqui no blog por várias vezes de trabalhos de animação daqui provenientes - Between Bears (2010), For The Remainder (2011), Beat (2011). O lema de trabalho de Noma Bar, não podia ser mais sintético e perfeito:


"I am after the maximum communication with minimum elements” [1].

Prison

Globalisation

O seu trabalho é reconhecido por dois tipos de público, o designer/artístico e o político. No campo do design é um prazer apreciar e distilar a obra deste autor, procurar entrar no seu pensamento, seguir as linhas e curvas, e procurar perceber como chegou àquele objecto final. Bar fala na influência que sentiu em Israel da escola da Bauhaus, e que é bem evidente em todo o seu trabalho. O seu trabalho é de uma simplicidade, minimalismo, e clareza brutais. O que nos impressiona é a sua constância na leitura do reverso, na capacidade para ver além da forma, fazendo uso do espaço esquecido, ou em linguagem de design, do espaço negativo. Aliás um dos seus livros chama-se mesmo Negative Space (2009).

Iraq War

Hoodies

Do lado do político, interessa o humor negro que consegue incutir às suas obras. Bar não se limita a criar obras formais minimalistas, marca claras posições políticas e ideológicas em muito daquilo que faz, e isso é em parte um dos grandes atributos de sucesso do seu trabalho. Como nos diz numa entrevista,
"I have liked stories all my life, telling them, reading them - and I think the original inspiration for my work was more about that than just pictograms. I always wanted to express myself, but I couldn't really use my language." [2]

abril 07, 2012

A evolução humana e o custo da criatividade

A quarta e última parte da série Everything is a Remix é não apenas a melhor na forma, como a melhor no conteúdo. É um fechamento verdadeiramente inspirador. Apetece seguir em frente, sonhar e criar.  Traz-nos uma discussão que já ouvimos muitas vezes nos últimos anos, mas Kirby vai aqui muito mais longe.



Kirby apresenta um trabalho brilhante de ligação entre a história do Copyright e a Racionalidade Humana. Ficamos a perceber como é que foi possível a evolução de leis que procuravam o Bem Comum para aquilo que agora temos. Kirby volta a trazer-nos casos de remix que demonstram muito claramente que a psicologia das pessoas reage de forma muito diferente, oposta mesmo, quando confrontados com o acto de copiar o outro, e quando por outro lado são eles próprios os copiados.

Já falei antes sobre as questões da criatividade baseada no remix, assim como falei aqui dos problemas da cópia digital. No entanto aproveito para deixar a minha opinião mais em concreto sobre o futuro deste problema, uma vez que o próprio Kirby não apresenta uma solução apesar de reconhecer o problema. Julgo que a única forma de lidar com este assunto passa por adoptar um modelo de protecção com duração bastante inferior ao que existe agora, algo do tipo da duração das patentes. Alguém cria uma obra e tem direito a um tempo curto durante o qual ninguém pode copiar sem pagar, depois disso deve cair no domínio público. Esse tempo curto deve variar de produto para produto.

Uma música não deve ter mais de 3 a 5 anos, assim como um filme, ou jogo. É aberrante que alguém esteja a receber dinheiro de direitos sobre uma música que criou em 1980. É uma total distorção do valor do trabalho, e foi com isto que se conseguiram gerar fortunas imensas, assentes em nada. Como são todos os milhões dados por uma tela de Picasso ou Monet, que não passam de investimentos em nada, retirando moeda de circulação que deveria servir a todos.

Não vou entrar em mais detalhes, vejam porque vale todos os segundos, deixo apenas algumas imagens que sintetizam as ideias principais, e que espero que vos abram o apetite. No final destas imagens está o filme, e se ainda não viram os outros três episódios, aconselho vivamente.




Everything is a Remix Part 4 (2012) de Kirby Ferguson

abril 06, 2012

Sleeping Betty, brincando com os contos

O National Film Board do Canada acaba de disponibilizar online a brilhante animação Sleeping Betty de 2007 criada por Claude Cloutier. É um filme que brinca com os conhecidos temas dos contos de fadas, e que nos obriga a estar constantemente à procura de referências para que possamos ler para além da superfície.


Tecnicamente é um filme fabuloso, Cloutier vem da banda desenhada, mas realiza aqui um trabalho de animação excepcional. Todos os 7,000 quadros foram desenhados e pintados à mão por si durante seis longos meses.


Cloutier refere na entrevista (ver abaixo depois do filme) como influência Charlie Chaplin, Bill Plympton ou Monty Python, e sem dúvida está lá tudo isso. O cómico de Chaplin, o absurdo de Plympton e o cómico negro de Python. Um filme que merece ser visto, revisto e partilhado.

Sleeping Betty (2007) de Claude Cloutier


Entrevista com Claude Cloutier


[via Short of the Week]

abril 04, 2012

Entrevista com André Sier - Artista digital

O Andre Sier esteve a realizar uma residência artística no engageLab, e no seu último dia por cá resolvi fazer-lhe algumas perguntas, nomeadamente depois deste ter realizado uma excelente apresentação do seu trabalho no workshop TICE.pt.

Lampsacus

O André tem 34 anos é de Lisboa, e tem uma licenciatura em Filosofia, à qual juntou toda uma formação ecléctica de estudos adicionais nas áreas de Música, Bioquímica, Pintura, Escultura. Além disto é autodidacta em Matemáticas, Digital Signal Processing, OpenGL, Electrónica, Motores Gráficos, HTML, Java, C, C++, 3D, Som. Divide o seu tempo entre o criador, performer e formador na área das artes interactivas. Alia a paixão pela arte à paixão pela tecnologia dos videojogos em tempo real e algoritmos síntético-generativos-estocásticos.

32-bit Wind Machine @64-bits, who galeria, lisboa, maio-junho 2011

1 - Como nasceu o ímpeto para a criação de experiências estéticas?
:: Como nasceu não sei; sei que sou bastante incompleto se não me expressar esteticamente a vários níveis. Lembro-me de tocar guitarra, pintar, fazer objectos, modificar brinquedos e jogar jogos, no início da adolescência. Lembro-me claramente do momento em que experimentei pela primeira vez as experiências imersivas de motores como o space quest, wolfenstein, doom, quake ou o unreal, e estas experiências mudaram-me. Lembro-me também de certos filmes e discos e livros de autores especiais que me fizeram olhar para a vida com outros olhos. Todas estas culturas fizeram-me trilhar o caminho que percorri até agora. Experiências mais depuradas do que apenas tiros em jogos, talvez tiros metafísicos nos algoritmos, disparos de câmaras sintéticas em espaços fílmicos tridimensionais, livros generativos sem palavras e sem diálogos, sons de fórmulas harmonizados e polifónicos.

32-bit Difference Machine @64-bits, who galeria, lisboa, maio-junho 2011

2 - Qual era a tua relação com a escola? Davas-te bem com qualquer disciplina? Mais tarde no Superior as formações estavam adaptadas ao que pretendias?
:: Tinha alguns amigos com quem me esgotava fisicamente em jogos. Mas, regra geral, sempre fui solitário na escola. Gostava, mas não me dizia muito. Depende tanto dos professores. Gostava mais dos livros e dos autores. Do conhecimento. Fui descobrindo assim alguns. Acabava por navegar nas aulas no que era dito, acabando por me focar nos meus próprios mundos divagantes, perco rapidamente a atenção quando são coisas que não me dizem nada. Tinha bastante facilidade com qualquer disciplina, gostava e gosto de aprender coisas novas todos os dias.

No superior, foi o descalabro. Inicialmente estive uns 2 anos em Bioquímica, minha única opção de ingresso no público, porque de alguma maneira já sabia que não era aquilo que queria fazer. Mas tive algumas bases interessantes de pensamento científico aliado a uma boa mas muito insuficiente componente matemática. Paralelamente, fazia as coisas que me davam realmente gozo. Muita Música, alguma Performance, depois emergi em Pintura e Escultura, que ainda hoje me acompanham, numa prática mais direccionada para as instalações, modificações e sínteses dos fluxos sonoros e visuais em tempo-real.

Nessa altura, na escola de artes, depois de quadros e instalações, entrei a fundo nos motores de jogos e construí a minha primeira modificação de Unreal, que me levou alguns 6-9 meses a por de pé, aprendendo um pouco de Java e C++ e OOP para alterar alguns comportamentos da mecânica do jogo e levá-la mais para um lado de cinema experimental de autor de cariz imersivo, onde o espectador, à semelhança destes jogos, vai esculpindo a sua experiência com base nas interacções disponíveis no espaço. Mesmo a escola de artes de vanguarda na altura foi decepcionante. Tive várias discussões com alguns professores que me diziam que aquilo não era nada, já estava tudo feito antes no jogo original, eu não tinha feito nada, e, além disso, andar/habitar mundos virtuais nada tinha a ver com arte -- e eu sabia que estas ferramentas eram a resposta às minhas perguntas criativas, tudo o que queria fazer e desenvolver de futuro, tudo o que meu eu ansiava até então.

Desisti da escola de artes, mudei o meu curso para Filosofia (o meu self-hack final necessário para abraçar o âmbito da experiência de ser humano com a lógica de construção de algoritmos direccionados à criação de novos modos de experimentar), e continuei os meus estudos e a minha prática artística nesses meios computacionais, através de muitos livros e da internet. Isto era 1996, 1997, quando já fazia as minhas primeiras exposições e experimentações nas áreas de computação artística, e quando tive 4 semanas a tirar o CodeWarrior pirateado numa ligação de 56kbps, que pouco depois usava avidamente. Estudava Filosofia durante o dia, e programava durante as noites até altas horas da madrugada. Pouco tempo depois comecei a dar aulas de computação interactiva enquanto ainda estudava.

Depois de acabar Filosofia na área de Estética, com um trabalho final de 18 valores que metaforizava a filosofia de Gilles Deleuze com um filme de Michael Snow, enquanto já tinha participações regulares em exposições e dava aulas -- factos que me levaram a ter demorado mais 2 anos que os normais 5 anos a terminar o curso -- , abandonei de vez os estudos e dediquei-me quase inteiramente à minha vida profissional activa precária, de desenvolver peças interactivas em torno das ideias que fui depurando, de dar umas aulas de vez em quando, e de ser explorado monetariamente na apresentação dos trabalhos que tenho realizado, e de algumas boas colaborações em projectos com artistas.


3 - O que consideras que foi mais importante na tua formação para fazeres o trabalho que fazes hoje, de cruzamento entre arte e programação?
:: Sem dúvida alguma: ter uma ideia difusa muito forte do que queria fazer, e ir activamente populando os meus neurónios com ferramentas, conceitos e práticas essenciais para o fazer. Cedo percebi que essas ferramentas tinha de as inventar eu, usando linguagens de programação primeiro visuais, depois, mais poderosas, textuais. Uma auto-formação activa. Self-hacking. Algo que nenhuma escola ensina e poucos e bons professores deixam pairar numas entrelinhas escondidas que levam a esses becos sem saídas óbvias, e, mais importante, às fontes de onde eles próprios bebem. As más experiências foram também muito boas por duas razões: prática e conhecimento dos meios artístico-pedagógicos; saber o bê-á-bá da história e das técnicas em si nos vários media que explorei; conhecer os meandros dos sistemas sociais que regem a elite praticante vigente como se de uma cátedra se tratasse. Pelo caminho fui e vou requintando uma linguagem de autor, vendo as coisas cada vez mais transparentes.


4 - O que é que pensas que falta para que mais pessoas consigam tornar-se híbridos no sentido de desenvolver trabalhos de fronteira como o k. ou Corrida Espacial?
:: As pessoas têm de sonhar e de ousar intervir. Têm de se lançar em regiões inóspitas e desconhecidas. Saltarem sem certezas de aterrarem vivas. Isso só elas podem fazer. Claro que o sistema social e de educação poderia ajudar, se, em vez de máquinas ferrugentas e lentas, portas de triagem da elite vigente, fossem de facto um sistema que primasse pela investigação e desenvolvimento, nas mais variadas áreas, que permitisse a livre circulação dos verdadeiros alunos pelas várias disciplinas e vários espaços de vanguarda, criando gerações de pessoas nativamente híbridas, adaptativas, e acima de tudo, criativas.

Por outro lado, estes trabalhos só se criam porque são uma resposta a um estado de coisas tão absolutamente cego, a mecânicas universais naturais que não poderão existir num mundo harmónico, interessante e inovador.

São trabalhos que não vejo muito por aí. O que mais se vê nestas áreas são interacções minimalistas que se ficam por formas eye-candy e que deixam muito a desejar conceptualmente. Neste tipo de trabalhos que desenvolvo, procuro que sejam, primeiro, experiências imersivas intensas, transportem as pessoas para dentro da obra, dando a ver os alicerces dos edifícios, relegando o sabor visual para experiências arcaicas; segundo, que conceptualmente iluminem às pessoas regiões minimamente interessantes e lhes proponham labirintos mentais muitas vezes sem saídas; terceiro, que sirvam como setas arremessadas à sociedade global que nos rodeia e faz deste mundo o que ele é -- sempre mantendo a esperança que as setas acertem mesmo os alvos, e, ferindo, activem mecanismos anímicos transformadores ou catárticos.


5 - Falando de k. quais são os maiores desafios que temos ali em termos de desenvolvimento técnico?
:: Foi um motor de jogo relativamente ingénuo mas quase completo e criado a partir do zero em processing sem qualquer tipo de dependências, e mais recentemente portado para c++ / openframeworks. Mas foi inteiramente concebido e criado por mim, sem qualquer tipo de apoio em trabalhos pré-existentes. Nada de Binary Space Partition Trees (ainda), apenas grelhas com alturas, muitos objectos e polimorfismo e muita lógica simples. Foi o meu primeiro motor procedural verdadeiramente 'infinito', capaz de gerar numa precisão de 32-bit uma panóplia inimaginável de níveis jogáveis da ordem do sublime kantiano (cerca de 4,294,967,295 espaços possíveis, ou seja, 2^32-1) a partir de apenas 64kb de código java compilado.

Cada nível/espaço deste motor, por sua vez, consiste numa grelha de número arbitrário de subdivisões, onde cada subdivisão pode ter um tipo de terreno distinto e uma proporção aleatória dos elementos geométricos base que constituem as formas do mundo virtual ( prédios, torres, espirais, portais esféricos, quadrados, etc). E há uma lógica de jogo simples, bem como detecção e respostas de colisão com os objectos. A ideia principal é coleccionar quadrados que permitem activar o transporte para outros níveis. Ser um agrimensor, na correcta acepção da palavra.

A ideia deste jogo, desta experiência, é lançar o utilizador, como K. de Kafka, na demanda do castelo do conde Oeste-Oeste, que domina as engrenagens geométricas das paisagens. Obviamente que o Castelo se encontra apenas num dos níveis, dentro duma subdivisão dessas zonas, o que torna um desafio extremamente interessante e simultaneamente inglório, à boa maneira dos labirintos gregos originais.

Esta primeira versão de 2007 foi um verdadeiro ovo de pássaro de fogo, no sentido deleuziano, por ter 3 níveis de actuação. A minha primeira comissão estatal, para a galeria net-arte da DGartes, aparece como um cavalo de tróia metafórico, quer no local onde se instala, na direcção que aponta (deslindar os meandros do conde de oeste-oeste / u.s.a ) e no poema que cria da vida do software aberto / comercial / (k)rackado na internet. A versão de 2010, 'k.~', é já uma fénix crescida, onde não são já necessárias nem teclas nem rato, apenas a voz e o som dos espaços activa a navegação do avatar no espaço (i)limitado.


6 - Qual dos teus projectos foi mais complicado de implementar, e porquê?
:: Todos foram complicados, mesmo os aparentemente mais simples, requerem sempre detalhes minuciosos. Deliciosamente os meus melhores professores, os meus projectos. Talvez hoje escolha 'Eer' de 2011, da série uunniivveerrssee.net, porque foi a criação de um ambiente tridimensional partilhado simultaneamente por multi-utilizadores onde sincronizo através da internet e de bases de dados php posições e acções de múltiplas pessoas simultaneamente, bem como enxames de elementos autónomos.


7 - E qual te deu mais gozo, prazer ou desafio intelectual?
:: Todos eles dão, de maneiras diferentes, por isso gosto de trabalhar em séries. Talvez aqui hoje escolha o '747.4' por condensar o gosto que tenho na delimitação de falhas lógicas em algoritmos, que se expandem a regras sociais. Esta peça, '747.4', consiste na criação de 4 esculturas em gesso da minha série '747' caracterizada por vôos livres, onde um avião sobrevoa uns blocos de terrenos. Mas o interessante desta peça em particular é que criei 4 esculturas de gesso e instalei em instituições / eventos de arte à sua revelia e sem o seu conhecimento, tendo hoje em dia apenas imagens que provam as intervenções. Um roubo invertido, onde tive de entrar, por exemplo, nos jardins da Gulbenkian no dia do trabalhador de 2008 à noite para instalar o primeiro modelo de '747.4' e tirar umas fotos sem saber se ia ser apanhado pela polícia.

747.4

8 - Quando crias trabalhos como k. a vontade é movida unicamente por razões pessoais, ou levas em conta a audiência, as suas sensações, experiências e dificuldades de acesso à ideia, conteúdo da mensagem?
:: Unicamente não, mas maioritariamente pessoais. Acho que as obras têem de trilhar caminhos novos, fazerem novos mapas, e, se forem boas o suficiente, audiências capazes de as apreciar surgem naturalmente em torno delas. Nestes casos, nunca são coisas mainstream, talvez hoje em dia haja um nicho reduzido de artistas internacionais que polua esse espectro, mas sinceramente, isso não me interessa. Para mim, os meus projectos são objectos de auto-conhecimento e de experimentação na criação de novas linguagens de comunicar conteúdos e conceitos. A contínua refinação de objectos-koan, simples, precisos, elementares, incisivos, mesmo que para tal comportem uma avalanche de mecanismos complexos de relacionamentos algorítmicos. Gostava de criar objectos que transportassem as pessoas para mecanismos tão díspares do real, que pudessem ser pedras-de-toque desencadeadoras de avalanches subtis, emocionais, racionais.


9 - Estiveste no engageLab a trabalhar na tua última obra, como é que foi a experiência, o contacto com as outras pessoas do laboratório, o contacto com Universidade e a cidade?
:: Foi uma experiência óptima, estrangeirar-me para o berço da nossa nação para fundar uma cidade virtual, Lampsacus, que é uma metáfora das regiões que albergam limites (a grega antiga Lampsacus que albergou Anaxágoras exilado vs. o que acontece na grécia contemporânea / declínio da capitália ) e de regiões que se autoconfiguram continuamente com base nas intervenções dos utilizadores do  cyberespaço, Lampsacus de Otto Rössler, a internet livre, caótica, a bomba, a cidade berço de onde todos nascemos e habitamos.

Foi também um voltar à universidade e aos seus ritmos, à boa comida vegetariana da cantina; e um reconfirmar que não irei tão cedo pensar em voltar para a universidade tentar doutoramento ou algo do género. Os meus projectos são os meus guias, e espero poder continuar a construir experiências marcantes para as pessoas. Conheci pessoas muito interessantes, ávidas de criar, que estão a desenvolver trabalhos dentro do engageLab com um grande potencial, e procurarei manter contacto com pessoas que me marcaram durante a minha não tão curta estadia, e de com elas criar sinergias a múltiplos níveis. Precisamos de laboratórios deste tipo por todo o país, onde não apenas se cumpram requisitos académicos mínimos, mas se tente fazer algo de novo.

Guimarães é das poucas cidades que conheço que tem o tamanho adequado. Pequena, num vale. Adoro o centro inalterado, casas em pedra de boas proporções, esplanadas, burburinho universitário, onde tradições académicas andam de mãos dadas com turismo religioso e espaços verdes. Acima de tudo a qualidade do ar que lá se respira é magnífica. Tem é excesso de turismo religioso, e precisaria de mais e melhor diversificação cultural -- mesmo durante Guimarães 2012, as iniciativas passam ao lado das pessoas devido à pouca informação disponível.

Lampsacus

10 - O que é que pretendes com esta nova obra, Lampsacus? Quando é que estreia?
:: Pretendo criar uma experiência única às pessoas que a visitem e que procurem interferir com ela. Controlarem a peça apenas através do seu movimento no espaço. Algo entre o filme, o jogo, a experiência pessoal não verbalizável. Algo que esteja à altura de uma ideia como a de Rössler, algo que funda novos territórios geométricos na fruição de experiências. Algo que transporte as pessoas para uma Lampsacus delas, que se sintam como Anaxágoras, exilados, mas cientes das suas ideias modificantes. Algo que lhes visualize a eterna mudança das estruturas despoletadas pelas suas próprias acções. Algo que as mantenha despertas, proactivas e as faça sonhar com o que elas possam fazer, desequilibrar, construir, destruir. Vejam algumas imagens e videos.

A peça vai estrear na exposição Emergências 2012, no dia 16 de Junho, na Fábrica Asa, em Guimarães, junto à Nacional 105, Covas, com muitas outras peças de arte digital, experimental, new media. Vejam o site da expo para mais informações e tragam os vossos amigos!

11 - Para fechar, o que quer dizer s373?  :)
:: É o meu estúdio virtual, onde passo maior parte do tempo, a congeminar combinações harmónicas de símbolos e números aparentemente sem significado em coisas como 7 e 3 são dez ( x ). Acrónimos numérico-simbólicos mais próximos de essências de raízes dos meus trabalhos, bastante mais colados a uma proto-linguagem poderosa de onde nascem as várias línguas humanas e mecânicas. Depois de arranjar boas combinações, começo a escrevinhá-los em arranjos lógico-semânticos que passam a ter algum significado algorítmico ( pelo menos lógico-operativo, correm, são executáveis ). Algo como o pintar o sete do Almada Negreiros vem-me à mente, bem como a minha tradução numérica do nome do meu estúdio, 24('s' é a 24ª letra do alfabeto) + 3 + 7 + 3 = 37 = 10 = x. Infelizmente, nos Estados Unidos, parece que é uma moção para banirem o uso doméstico de pythons. E sim, seria interessante que estes significados meta-simbólicos fossem activados em forma de DNS's proactivos :)

Snakes are nice pets, but you just can't beat mon-keys :)


abril 03, 2012

movimentos e espaços impossíveis em The Shining

Topi Kauppinen resolveu revisitar The Shining (1980) de Kubrick abrindo novos acessos visuais sobre algumas imagens icónicas do filme. Para criar Because of Stanley (2012) utilizou uma técnica que denominamos como "camera mapping"ou "camera projection" e que consiste em mapear o movimento de uma câmara virtual sobre uma imagem 2d estática, ou seja criar movimento virtualmente.


Kauppinen diz que se lembrou de partir para este trabalho depois de ter visto o estudo espacial dos Espaços Impossíveis em The Shining realizado por Rob Ager. Aliás este era uma estudo que já queria ter comentado aqui no blog, mas que ainda não tinha tido tempo e por isso aproveito para o deixar aqui neste texto. Neste trabalho podemos ver como Stanley Kubrick manipulou a orientação espacial dos cenários em The Shining para dramatizar e expressar toda a emocionalidade que pretendia. Este trabalho de Rob Ager é brilhante no sentido em que não apenas discute, mas demonstra efectivamente as várias impossibilidades usadas por Kubrick que deverão claramente ter sido propositadas. Podem ler mais sobre o este estudo no site do Rob Ager, e deixo aqui abaixo a primeira parte, e aqui o link para a segunda parte.




Voltando à questão da técnica por detrás do trabalho de Kauppinen, esta é uma técnica complicada, exige bastante trabalho de photoshop, de after effects, mas para surtir efeitos de excelência exige ainda a reconstruções ou construções em 3d, que neste caso foram feitas com 3d studio max. Kauppinen refere que o maior segredo destas imagens, está na escolha da imagem em que se vai aplicar o processo, e deixa algumas dicas:
Primarly avoid images containing lens flares, smoke and other particles, reflections / refractions, and overlapping complex geometry, especially when located in near the camera. They will hurt you at some point in the process.
Once the right frame/image has been found, the first challenge is to figure out the dimensions of the given space, and determine the focal length of the camera being used. I personally did not use any additional information concerning the spaces (like blueprints or making-ofs), other than previous and following frames in the film (which helped a lot), so I pretty much relayed on my own perceptual judgment when constructing the geometry.
Finally the overlapping parts must be photoshopped so that in the end everything comes together without any seams or texture repetition. The Content Aware Fill feature found in Photoshop CS5 is a Godsent for this type of work.


Era uma vez um Rei… (2010)

É um excelente trabalho multimédia este que o Instituto Camões Portugal disponibiliza online. A colecção original “Era uma vez um Rei…” (2010) do Jornal Expresso agora em formato digital. Os livros online são apresentados como se continuassem a ser livros que podemos folhear, mas com a vantagem de agora os podermos também ouvir. O texto é narrado sobre cada uma das páginas e conjugado com alguns arranjos sonoros.  É excelente para todas as crianças que ainda não sabem ler, e para aquelas que ainda estão a aprender. Não só aprendem a língua, como a história do país.


Claro que tudo isto funciona muito bem, porque a qualidade do trabalho apresentado é de excelência. Desde a voz da Barbara Guimarães à música de Gonçalo Pratas. O web design da Terra de Ideias funciona muito bem e conseguiram lidar muito bem com a questão do som da narração entre páginas. Mas claro, para mim foi o magnífico trabalho de ilustração de André Letria que me fez apaixonar por esta colecção.



O Andé Letria (1973) não é propriamente um desconhecido, porque já ganhou vários prémios: desde o Prémio Nacional de Ilustração, em 2000; o Prémio Gulbenkian, em 2004; e até um Award of Exellence for Illustration, atribuido pela Society for News Design (EUA). Para além da ilustração dedica-se ainda à realização de animação, tendo feito a curta Zé Pimpão, o «Acelera» (2007) e a série tv Foxy & Meg (2010).



A colecção contém 12 histórias que podem ser lidas integralmente aqui.

1. D. Afonso Henriques – O Conquistador;
2. D. Dinis – O Rei Poeta;
3. D. Pedro I – O Justiceiro;
4. D. João I – O de Boa Memória;
5. D. João II – O príncipe Perfeito;
6. D. Manuel I – O Venturoso;
7. D. Sebastião – O Desejado;
8. D. João IV – O Restaurador;
9. D. José – O Reformador;
10. D. Pedro IV – O Rei Soldado;
11. D. Maria II – A Educadora;
12. D. Carlos I – O Diplomata.


talks e seminários em Abril/Maio

No outro dia recebi um e-mail a questionar se tinha alguma agenda online aonde as pessoas pudessem saber os locais das minhas próximas palestras. Achei estranho o pedido, mas fiquei a pensar que talvez fizesse algum sentido, nomeadamente sobre aquelas conferências que são realizadas em Portugal e que são públicas. Por isso decidi avançar com algumas dessas datas aqui no blog. Este mês de Abril está realmente sobrecarregado, mas o resto do ano é normalmente tranquilo, e por isso não se justifica a criação de qualquer agenda.


5 Abril 2012 - 19h00 - Tecnologias de Desenvolvimento de Videojogos,
Universidade dos Açores

13 Abril 2012 - 21h00 - Trabalho, Tecnologias e Indústrias Criativas,
Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura

18 Abril 2012 - 14h00 - Ideias Nacionais nas Jornadas de Comunicação, 
GACCUM da UMinho. Com Filipe Pina, Marco Vale e Manuel Costa, [Moderador]
[à espera de link]

19 Abril 2012 - 10h00 - Panorama da Cultura dos Videojogos em Portugal,
X Jornadas de Computação Gráfica e Multimédia, Viana do Castelo.
[à espera de link]

2 Maio 2012 - Ciência e Videojogos
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto

10 Maio 2012 - 14h30 - Indústria Cultural Portuguesa, do Cinema e Videojogos
II Encontro Anual da AIM, Lisboa


E já agora deixo aqui os materiais das conferências deste ano que já passaram.

Inclusão digital: diferenciações de acesso entre gerações, 7 de Fevereiro 2012, Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, Braga
Então queres desenvolver jogos?, 27 Fevereiro 2012, XIX Semana da Informática, IST, Lisboa. COm James Portnow, Eduardo Barandas, Mirko Gozzo [Moderação]
Indústria Nacional de Jogos, 8 de Março 2012, Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo, Mirandela
Indústria de Videojogos e Serious Games, 29 de Março 2012, Centro de Computação Gráfica, Guimarães

abril 02, 2012

Viagem de Bartolomeu Dias (1995)

Trago mais um pequeno excerto do livro Videojogos em Portugal – História, Tecnologia e Arte, que espero terminar durante o primeiro semestre deste ano. Aqui há uns tempos deixei aqui um excerto sobre o nascimento dos videojogos internacionalmente, desta vez trago apenas um apontamento sobre um jogo nacional que tem algumas imagens que valem bem a pena partilhar. Todas as imagens deste jogo foram colectadas por Pedro Pimenta

Viagem de Bartolomeu Dias (1995) de José Luís Ramos

A meio da década de 1990 os jogos nacionais continuavam a fazer a uso da plataforma IBM PC, mas deixavam para trás o suporte de registo em disquete e adoptavam o cd-rom. Esta mudança não foi mero fruto da evolução tecnológica, mas antes uma necessidade, uma vez que os jogos passavam a apresentar  imagens bitmap com milhares de cores, e em vez de som polifónico, música com qualidade CD. No caso da imagem em movimento, passávamos a contar com vídeo completo, ainda que nos primeiros anos se tivesse recorrido a técnicas de grande compressão da qualidade, inclusive a redução do número de frames por segundo, de 30 para 15.


Aguarelas de Francisco Bilou para Viagem de Bartolomeu Dias (1995)

Em 1991 a Comissão das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, presidida por Vasco Graça Moura, em conjunto com o Ministério da Educação lançam um Concurso Nacional de Ideias. José Luís Ramos professor da área de História da Universidade de Évora concorre com um projeto para um jogo sobre a viagem de Bartolomeu Dias. A proposta foi aprovada, e a equipa de produção passou a constituir-se por José Luís Ramos na coordenação, com quatro programadores José Gonçalo Pedro, Vicência Maio, Pedro Próspero Luís, Pedro Luis Seabra para o desenvolvimento do motor de jogo e interatividade, e um artista, Francisco Bilou.


Aguarelas de Francisco Bilou para Viagem de Bartolomeu Dias (1995)

Iniciada a programação em C para MS-DOS, decidem mudar para C++ por forma a facilitar a criação de editores do motor de jogo para ambiente Windows. Os cenários são integralmente criados em aguarela e depois digitalizados. O José Luís Ramos refere como principal influência para a criação de Viagem de Bartolomeu Dias (1995) o jogo da Lucas Arts, The Secret of Monkey Islands (1992). O jogo seria terminado em 1994, e em 1995 o Ministério da Educação edita e distribui o jogo por várias escolas do país.

Prometeu. Gerador de Aplicações Gráficas Pedagógicas (1994)

Tal como sucedia com a Lucas Arts que tinha criado uma linguagem/motor de jogos, o SCUMM, para desenvolver os seus jogos, o grupo de José Luis Ramos sentiu também necessidade de criar o seu próprio motor de jogo, o Prometeu Gerador de Aplicações Gráficas Pedagógicas. O editor tinha por base cinco elementos estruturais: 1. As personagens; 2. Os contextos ou cenários onde as personagens desenvolvem as acções; 3. Os objectos; 4. As acções que podem ser animação ou diálogos; 5. Indicadores de estado/mecanismos de control sobre as acções.

Por detrás do desenvolvimento do jogo, e tendo em conta o carácter didático do projecto, existia ainda a ideia de que o motor por permitir um acesso facilitado ao desenvolvimento de aplicações multimédia poderia servir os professores no desenvolvimento de aplicações e jogos para as suas necessidades educativas. Como se tratava de um projeto financiado por dinheiros públicos, o motor não seria comercializado, mas libertado juntamente com o jogo pelo Ministério da Educação em 1995. Apesar desta caracterização e tentativa de lançar o uso do motor junto da classe docente, não se conhece até à data nenhuma outra aplicação do motor para além de Viagem de Bartolomeu Dias (1995).