Mês de Agosto foi repleto de bons filmes e algumas surpresas, nomeadamente Monsters e Kells, mas também Another Year ou Rabbit Hole. Consegui ainda ver o polémico Camino que nos deixa numa autêntica corda-bamba sobre os seus verdadeiros objetivos em termos de mensagem.
xxxxx The Secret of Kells 2009 Tomm Moore, Ireland
xxxx Monsters 2010 Gareth Edwards UK
xxxx Another Year 2010 Mike Leigh UK
xxxx Source Code 2011 Duncan Jones USA
xxxx Rabbit Hole 2010 John Cameron Mitchell USA
xxxx Fair Game 2010 Doug Liman USA
xxxx Barney's Version 2010 Richard J. Lewis USA
xxxx Camino 2008 Javier Fesser Spain
xxx Nokas 2010 Erik Skjoldbjærg Norway
xxx Route Irish 2010 Ken Loach UK
xxx Pa Negre 2010 Agustí Villaronga Spain
xxx You Will Meet a Tall Dark Stranger 2010 Woody Allen USA
xxx The Company Men 2010 John Wells USA
xxx Carancho 2010 Pablo Trapero Argentina
xxx Becoming Jane 2007 Julian Jarrold UK
xxx L'Uomo Delle Stelle 1995 Giuseppe Tornatore Italy
xx Battle Los Angeles 2011 Jonathan Liebesman USA
xx Unknown 2011 Jaume Collet-Serra USA
xx La Sainte Victoire 2009 François Favrat France
x Smurfs 2011 Raja Gosnell USA
x Drive Angry 2011 Patrick Lussier USA
[Nota, Título, Ano, Realizador, País]
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]
setembro 03, 2011
setembro 02, 2011
PBS Arts: "Off Book" web Series
A série Off Book é feita de episódios de 5 minutos, e estreia todas as quartas no site da PBS ou no canal YouTube da mesma. Esta quarta saiu o 4º episódio, e a série deverá conter um total de 13 episódios. Mais informação sobre a série pode ser seguida no Tumblr da mesma. No post de cada episódio no Tumblr podem encontrar informação mais detalhada com links para todos os intervenientes e obras apresentadas em cada episódio.
Em termos de audiovisual a série apresenta uma qualidade superior para o que é normal em termos de web série, tanto em termos de investigação e conteúdo, como na qualidade da fotografia e realização. Deixo desde já aqui os primeiros quatro episódios que aconselho vivamente.
1º Light Paint (19.07.2011)
Light has been an essential element in artwork for centuries. Light painters create electrifying images that blend photographs of the real world with layers of color and kinetic light. Man Ray first used the method in 1935, although its popularity has grown with the advent of digital cameras.
In the premiere episode of Off Book, artists Aurora Crowley and Patrick Rochon demonstrate their light paint methodology, show off their electric works and describing the process that anyone can do at home.
2º Type, (3.8.2011)
Type is everywhere. Every print publication, website, movie, advertisement and public message involves the creation or selection of a fitting typeface. Online, a rich and artistic typographical culture exists, where typefaces are created and graphic design seeps in to every image.
In episode 2 of Off Book, typeface designers Jonathan Hoefler and Tobias Frere-Jones outline the importance of selecting the right font to convey a particular feeling. Graphic designer Paula Scher talks about building identity in messaging, while Eddie Opara uses texture to create reaction. Infographic designers Julia Vakser and Deroy Peraza map complicated data sets into digestible imagery, mixing color, graphics and type.
3º Visual Culture Online, (16.8.2011)
For decades now, people have joined together online to communicate and collaborate around interesting imagery. In recent years, the pace and intensity of this activity has reached a fever pitch. With countless communities engaging in a constant exchange, building on each others’ work, and producing a prodigious flow of material, we may be experiencing the early stages of a new type of artistic and cultural collaboration. In this episode of Off Book, we’ll speak with a number of Internet experts and artists who'll give us an introductory look into this intriguing new world.
4º Steampunk, (31.08.2011)
Steampunk art evokes an alternate reality where steam is the primary source of power. Technology, though highly advanced, has taken on a very different look and feel, and fashion is heavily influenced by Victorian styles. In this episode, we explore the Steampunk aesthetic and art movement. We speak with a Steampunk artist, a composer who created an entire piece of music inspired by Steampunk, and a performing arts collective whose work falls naturally into this intriguing world.
setembro 01, 2011
ACE 2011: Creative Technologies / Game Competition
ACE has become the leading scientific forum for dissemination of cutting-edge research results in the area of entertainment computing. ACE is by nature a multidisciplinary conference, therefore attracting people across a wide spectrum of interests and disciplines including computer science, design, arts, sociology, anthropology, psychology, and marketing. The main goal of ACE is to stimulate discussion in the development of new and compelling entertainment computing and interactive art concepts and applications.
This year I'll participate at the conference in two different fronts: a) with one workshop; and b) co-chairing the game competition. If you're interested in any of these two activities come join us and participate in the conference.
Workshop on Creative Technologies
This workshop will be a forum for exploration and discussion on the topic of creative technologies with the desire to bring together researchers from diverse disciplines who want to debate the current cultural movement, to contribute with new tools, new models, new paradigms, new approaches as also new critical perspectives to the theme. More info here.Submission deadline: 15th September 2011
ACE 2011 Game Competition
The ACE2011 game contest is a worldwide competition. It emphasizes the computation aspects of game development, not limited to programming. Teams submit software products, covering the whole software development process. More info here.Submission deadline: 20th September 2011
a arte de Brooke Shaden
Brooke Shaden é formada em cinema, e começou a sua carreira fotográfica apenas em 2008. Hoje com apenas 24 anos tem o seu próprio negócio de arte fotográfica e vive realizando a sua paixão. Na sua página podem encontrar várias galerias com muitos trabalhos, alguns dos quais selecionei para colocar aqui.
O que mais impressiona no trabalho desta artista é a forma como ela trabalha a imagem, sem pejo nem complexos de usar o digital. O seu objectivo é o de desenhar mundos fotográficos e para isso socorre-se de tudo o que lhe permita tornar visual as suas ideias. Shaden coloca-nos perante um misto da arte fotográfica com arte da pintura. O lado altamente texturado e saturado é sem dúvida o que mais me apaixona, mas também o recurso ao ícone da mulher como uma constante, e os artifícios fantasiosos da levitação e adição de elementos impossíveis dá-lhe todo um carácter de mundo de conto de fadas. Sente-se uma mistura entre por vezes um certo tipo de ficção científica distópica à mistura com camadas da época Victoriana pelo lado dos folheados dos vestidos e das flores. É todo um um universo próprio, cheio de referências, que a autora cria para nos sugar para o seu interior.
Brooke fala-nos nos seu blog do modo como sustenta a sua paixão. Criou um negócio de freelancer à volta da produção fotográfica que envolve workshops e produções fotográficas e faz disso a sua vida. Mais sobre a autora pode ser lido em discurso directo no seu blog.
exploring sleep
O que mais impressiona no trabalho desta artista é a forma como ela trabalha a imagem, sem pejo nem complexos de usar o digital. O seu objectivo é o de desenhar mundos fotográficos e para isso socorre-se de tudo o que lhe permita tornar visual as suas ideias. Shaden coloca-nos perante um misto da arte fotográfica com arte da pintura. O lado altamente texturado e saturado é sem dúvida o que mais me apaixona, mas também o recurso ao ícone da mulher como uma constante, e os artifícios fantasiosos da levitação e adição de elementos impossíveis dá-lhe todo um carácter de mundo de conto de fadas. Sente-se uma mistura entre por vezes um certo tipo de ficção científica distópica à mistura com camadas da época Victoriana pelo lado dos folheados dos vestidos e das flores. É todo um um universo próprio, cheio de referências, que a autora cria para nos sugar para o seu interior.
an unheard cry
I try to shoot every day or at least a few times a week. No matter what the thing that keeps me feeling most alive is creating new worlds through photographs and so I am constantly creating, editing, and posting them to the online world.
preservation of fairytales
the fallen
There is a lot to be said for owning your own business, most of which has already been said. But what I feel is lacking from the conversation is an encouraging tone and an “anyone can do it” attitude...I never went to business school so I am not an authority on all things business. But I can share my journey as well as my mindset.Determination, Perseverance, Self-Confidence, Self-Motivation
the path os lost souls
the chainless links
the buoyancy in drowning
the world above
agosto 30, 2011
Move - Eat - Learn
Fantástica campanha audiovisual viral, I Want to Know, da STA Travel da Austrália. O primeiro filme Move é o mais belo visualmente, mas os outros dois impressionam pela quantidade de atividades realizadas, e pela informação debitada.
As três pessoas envolvidas na construção destes três filmes foram, Rick Mereki como realizador e produtor, Tim White como DOP, editor e sonorização e Andrew Lees como o Ator. A música é de Kelsey James. Mais imagens da aventura podem ser vistas no Flickr.
"3 pessoas, 44 dias, 11 países, 18 voos, 61 mil quilómetros, um vulcão em ebulição, 2 câmaras e quase um terabyte de imagens... tudo para recriar 3 conceitos ambiciosos e lineares - movimento, aprendizagem e comida.... em 3 bonitos e imersivos pequenos filmes...
= a viagem de uma vida."
movimento, comida, aprender (move, eat, learn)
As três pessoas envolvidas na construção destes três filmes foram, Rick Mereki como realizador e produtor, Tim White como DOP, editor e sonorização e Andrew Lees como o Ator. A música é de Kelsey James. Mais imagens da aventura podem ser vistas no Flickr.
agosto 29, 2011
Tiago Silva vence prémio internacional de Pintura Digital
No ano passado em Outubro de 2010 foi anunciado o concurso Share One Planet’ Wild Animals CG Art Elites Invitational Competition organizado pelo Wild Animals Cultural Project Fund em parceria com a CGSociety a ImagineFX entre outras, com o objectivo de:
Demorou quase um ano até se conhecer os vencedores do concurso que foram agora anunciados. Estiveram a concurso 233 trabalhos, criados por 173 artistas vindos de 38 países. O júri do concurso foi constituído por Mark Snowswell da CGSociety, uma das mais importantes comunidades internacionais de arte e comunicação de CG; Arnie Fenner e Cathy Fenner, directores da revista Spectrum Fantastic Art, Lu Shengzhang presidente da Academia de Animação e Arte Digital da Universidade de Comunicação da China, e artistas como Terryl Whitlatch, James Gurney, Xi Zhinong. O concursos foi entretanto dividido em 7 categorias: Portrait, Herd, Mother’s love, Prey and Predator, Harmony, Swan Lake e Digital Sculpture.
Os sete trabalhos selecionados são de grande qualidade, talvez um dos que menos gosto seja The Moment de Samantha Hogg. Mas não teria problema nenhum em dizer que Blissful Place de Tiago da Silva é um dos melhores do lote, se não o melhor mesmo, talvez o único que se lhe compare seja Shared Between Us de Liam Peters. Para Arnie e Cathy Fenner o trabalho de Tiago Silva resume-se como: A wonderful representation of the lush green world of the jungle.
Todos os vencedores podem ser vistos na página da Share One Planet. E aconselho ainda vivamente uma ida à página na deviantArt do Tiago Silva para ver outros trabalhos também de excelente qualidade.
“The Organizers hope the platform of ‘Share One Planet’ can be built for encouraging artists to create meaningful and inspiring CG works to raise attention of the plight of those wild animals that are a part of the one planet.”
Poster do concurso concebido por Andrew Jones
Demorou quase um ano até se conhecer os vencedores do concurso que foram agora anunciados. Estiveram a concurso 233 trabalhos, criados por 173 artistas vindos de 38 países. O júri do concurso foi constituído por Mark Snowswell da CGSociety, uma das mais importantes comunidades internacionais de arte e comunicação de CG; Arnie Fenner e Cathy Fenner, directores da revista Spectrum Fantastic Art, Lu Shengzhang presidente da Academia de Animação e Arte Digital da Universidade de Comunicação da China, e artistas como Terryl Whitlatch, James Gurney, Xi Zhinong. O concursos foi entretanto dividido em 7 categorias: Portrait, Herd, Mother’s love, Prey and Predator, Harmony, Swan Lake e Digital Sculpture.
Blissful Place de Tiago da Silva, vencedor na categoria Mother's Love
Os sete trabalhos selecionados são de grande qualidade, talvez um dos que menos gosto seja The Moment de Samantha Hogg. Mas não teria problema nenhum em dizer que Blissful Place de Tiago da Silva é um dos melhores do lote, se não o melhor mesmo, talvez o único que se lhe compare seja Shared Between Us de Liam Peters. Para Arnie e Cathy Fenner o trabalho de Tiago Silva resume-se como: A wonderful representation of the lush green world of the jungle.
Todos os vencedores podem ser vistos na página da Share One Planet. E aconselho ainda vivamente uma ida à página na deviantArt do Tiago Silva para ver outros trabalhos também de excelente qualidade.
agosto 28, 2011
How we Decide (2009)
Jonah Lehrer é Contributing Editor na Wired, na Scientific American Mind e no Radio Lab da NPR. Já escreveu para The New Yorker, Nature, Seed, The Washington Post e The Boston Globe. E finalmente é autor do fantástico livro Proust Was a Neuroscientist (2007) que nos diz que os artistas já tinham previsto muitas das ideias que a ciência acabou por vir a demonstrar.
O seu mais recente livro, How we Decide (2009), apresenta a qualidade das revistas/jornais acima referenciadas, e para quem leu o seu primeiro livro, voltará a encontrar a beleza da prosa, da simplicidade, e da enorme capacidade de comunicação de Lehrer. Da minha leitura existem várias coisas que me apetece aqui focar. Existem várias folhas do meu livro marcadas, outras sublinhadas, outras apontadas em ficheiros txt, doc ou com entradas no meu blog. Foi um livro que demorei a ler, porque ia apontando muita coisa. O livro como disse é de digestão fácil, o problema é que nos faz pensar muito sobre o mundo que nos rodeia e como tal acabamos por demorar-nos sobre o mesmo.
Em termos de conteúdo, o que este livro nos traz é uma reafirmação do trabalho levado a cabo por Damásio e publicado em 1994, e que viria a mudar para sempre o modo como olhamos para o ser humano em termos científicos. Deixámos para trás Platão e Descartes, deixámos para trás o Racional, o Intelectual, o Consciente, e hoje sabemos que se somos a espécie mais avançada à face do planeta, é porque fazemos uso das nossas emoções, porque tomamos muitas decisões fazendo uso da nossa não-consciência, ou do Cérebro Insconsciente como lhe chama Lehrer.
01
Ao longo de todo o livro somos levados por um discurso contaminado por estudos desenvolvidos no campo das neurociências, somos levados pelo cérebro adentro. É-nos explicado como funcionam as nossas emoções, como funciona o nosso centro de controlo racional, o córtex pré-frontal. Somos atingidos por neurónios e muita dopamina. O livro abre com várias demonstrações do poder da dopamina sobre o modo como esta nos ajuda a lidar com a complexidade do mundo. Sendo este neurotransmissor responsável por nos transmitir sensações de recompensa, ele é também responsável por desenvolver dentro do nosso cérebro previsões do que vai acontecer.
Seja um filme que estamos a ver e começamos a desenhar mentalmente como vai terminar - quem será o culpado - seja uma jogada de futebol que parte do meio campo até junto da baliza - mas o nosso guarda-redes defende -. A dopamina impulsiona-nos a encontrar padrões sobre o que estamos a ver, e leva-nos a prever como se deverão desenrolar as coisas dentro de cada padrão. A previsão confirmada, liberta grandes doses de dopamina que nos deixa muito satisfeitos, o seu contrário corta a libertação da dopamina que já estava em curso, e deixa-nos frustrados e em baixo.
02
A Dopamina sendo responsável pela gratificação, é também responsável por evitar que entremos em frustração, daí que ela nos obrigue a executar a análise de padrões e a busca de possível sucesso. Por isso desenvolvemos em nós um sentimento muito emocional que é caracterizado pelo conceito de Aversão à Perda (falei disto a propósito dos videojogos). Sempre que perdemos e a dopamina não é libertada, ficamos mal, como tal ao longo da nossa aprendizagem vamos aprendendo a evitar qualquer atividade que possa contribuir para a nossa perda.
Até aqui tudo bem, o problema é que com a evolução da nossa espécie, e com a compreensão destes mecanismos, fomos desenvolvendo mecanismos para ludibriar a dopamina, ou melhor ludibriar as barreira criadas por ela. Dois dos mecanismos mais eficazes nesse logro são o Cartão de Crédito e mais recentemente, o maior responsável pela crise atual internacional, os créditos à habitação americanos, Sub-Prime.
O nosso cérebro parece ter dificuldade em registar perdas futuras, lida melhor com o presente, com o imediato. Aliás o neuro-economista George Loewenstein da Carnegie Mellon diz que os "cartões de crédito… anestesiam o nosso cérebro em relação à dor do pagamento".
No fundo o que acontece é que lidamos com a informação em níveis distintos dentro do nosso cérebro, como demonstram os estudos. Um perda imediata, ativa determinadas áreas do nosso cérebro, que fazem disparar de imediato os alertas. Uma perda futura, leva a que o nosso cérebro desenvolva todo um raciocínio sobre esse futuro, criando uma grande abstração em redor da perda, minimizando essa perda.
03
Aliás isto vem no sentido de um outro conceito desenvolvido no livro, que tem que ver com a racionalização em demasia, e as limitações do nosso raciocínio. Lehrer explica-nos que o nosso Cortex Pré-frontal é muito bom a decidir mas apenas quando a decisão envolve um número reduzido de variáveis. E aqui voltamos à velha teoria psicológica, sempre presente, de que a nossa memória de curto prazo, consegue apenas reter entre 7 a 9 elementos máximo. Ora o que acontece quando temos de comprar um Carro, uma Casa, ou qualquer outro objeto complexo, este possui demasiadas variáveis para analisar, e deste modo acabamos por sucumbir à racionalidade da análise das variáveis, muitas vezes toldando aquilo que realmente seria importante para nós. Demonstrando claramente o alcance do Racional, e indo de encontro à teorização de Damásio, sobre a necessidade do uso da emoção pela razão.
O mesmo acontece na relação com a arte, sendo muito diferente a relação que se estabelece com um quadro ou um filme, quando sentimos essa obra, ou quando nos é pedido para explicar porque gostamos dessa obra. Nos estudos realizados por Timothy Wilson da Universidade da Virginia, ficou demonstrado que as pessoas quando escolhem um quadro por instinto, sentem-se mais satisfeitas com ele passado alguns meses, do que aquelas pessoas a quem se pede que explique a razão da sua escolha antes de levarem o quadro para casa. A racionalização da escolha de algo complexo como uma obra de arte, tolda o nosso córtex pré-frontal, e impossibilita-nos de ver com clareza emocional aquilo que realmente gostamos.
O problema disto é que vivemos numa sociedade, que dita, quanto mais informação melhor. E Lehrer dá exemplos como o dos médicos que se socorriam de MRIs (imagens do interior do corpo criadas por ressonância magnética) para analisar problemas de coluna, cometendo mais erros de cálculo do que aqueles que apenas analisavam os problemas por Raio-X. Ou seja no MRI conseguiam ver na perfeição a coluna, vendo todos os defeitos, deixando de se concentrar no essencial para se concentrar na enorme quantidade de problemas visíveis no MRI. Aliás isto foi demonstrado e levou mesmo a que a Associação de Médicos Americana começasse a recomendar que não se fizessem MRIs à coluna nas consultas iniciais, e que estes se limitassem ao Raio-X.
Outros casos falados no livro são os corretores da bolsa, e a quantidade de variáveis com que têm de lidar, ou os orientadores de carreira, que recebem portefólios tão pormenorizados das pessoas, que acabam por emitir pareceres sem qualquer utilidade. Aliás esta mesma ideia foi já discutida em Blink de Malcolm Gladwell.
Para resolver esta problemática, Lehrer sugere-nos que para tomar decisões com grande número de variáveis, o melhor a fazer é: “Take your time, to allow the unconscious brain to digest the overwhelming information”. Porque como ele diz nas suas conclusões finais, nós sabemos mais do que aquilo que pensamos saber. E a melhor forma de libertar todo esse conhecimento é permitir que o Não-Consciente tome decisões também. Mas atenção isto só é válido para quando existe experiência acumulada que só pode ser fruto do investimento de muito tempo e prática. Aliás mais uma vez em sintonia com Gladwell, agora no seu livro Outliers, quando este refere, que para nos tornarmos verdadeiros experts em algo, precisamos de um investimento médio de 10,000 horas. O interessante em Lehrer, é dizer que este conhecimento está dentro de nós, e que não é possível sintetiza-lo no imediato e de forma racional, porque este está espalhado por zonas do nosso cérebro ao qual o nosso Cortex Pre-frontal não consegue aceder, porque acederá apenas a um numero limitado de zonas para tomar decisões, as tais 7 a 9 possibilidades.
04
Dois apontamentos finais, um sobre a distinção entre o - Conscious Brain (Racional) – Unconscious Brain (Emocional) e outro sobre a arte do Learn by Doing.
04.1
Lehrer diz-nos que nos estudos realizados é necessário utilizar pequenos artifícios para “enganar” os sujeitos, ou seja, para os fazer tomar atitudes Conscientes, ou atitudes Inconscientes. Num desses estudos ele refere o seguinte
Isto abre a porta para várias discussões sobre o modo como as emoções são processadas diferentemente durante a experiência de um Videojogo e durante a experiência de um livro ou filme. Deixo o apontamento, e qualquer dia voltarei a ele.
04.2
O segundo apontamento tem que ver com as estatísticas da aviação. Os riscos de acidentes de aviação cometidos por erros dos pilotos desceu drasticamente após a introdução dos simuladores de voo (P.253) nos anos de 1990. Anteriormente à existência desta tecnologia, os pilotos aprendiam por recursos tradicionais de educação, em que os pilotos mais velhos davam seminários. Assim em vez de memorizar as lições dadas pelos pilotos mais velhos, o simulador passou a permitir que os pilotos iniciassem de imediato o treino do Cérebro Emocional. Este treino permite assim uma capacidade de resposta emocional em voo, ao passo que o conhecimento memorizado orbriga sempre a uma reposta racional, muito mais lenta e limitada como já vimos acima.
Para além disto, os pilotos eram levados ao extremo nos simuladores, levados a cometer erros, para que percebessem, mas mais do que isso, para reterem informação emocional do erro e saberem como reagir quando estivessem a pilotar realmente um avião.
Este é mais um assunto que me interessa particularmente pelo modo como se cruza no uso dos videojogos em sala de aula. Ou seja, estes dados dos pilotos, demonstram claramente o que temos vindo a dizer de que muito mais importante que ouvir, ler ou ver, é experienciar, decidir, repetir, repetir, errar, e errar, repetir e acertar. E isto é aquilo que nos vem dizendo Paul Gee fazendo uso das teorias da cognição situada.
O seu mais recente livro, How we Decide (2009), apresenta a qualidade das revistas/jornais acima referenciadas, e para quem leu o seu primeiro livro, voltará a encontrar a beleza da prosa, da simplicidade, e da enorme capacidade de comunicação de Lehrer. Da minha leitura existem várias coisas que me apetece aqui focar. Existem várias folhas do meu livro marcadas, outras sublinhadas, outras apontadas em ficheiros txt, doc ou com entradas no meu blog. Foi um livro que demorei a ler, porque ia apontando muita coisa. O livro como disse é de digestão fácil, o problema é que nos faz pensar muito sobre o mundo que nos rodeia e como tal acabamos por demorar-nos sobre o mesmo.
Em termos de conteúdo, o que este livro nos traz é uma reafirmação do trabalho levado a cabo por Damásio e publicado em 1994, e que viria a mudar para sempre o modo como olhamos para o ser humano em termos científicos. Deixámos para trás Platão e Descartes, deixámos para trás o Racional, o Intelectual, o Consciente, e hoje sabemos que se somos a espécie mais avançada à face do planeta, é porque fazemos uso das nossas emoções, porque tomamos muitas decisões fazendo uso da nossa não-consciência, ou do Cérebro Insconsciente como lhe chama Lehrer.
"It's not how the brain works. For the first time in human history, we can look inside our brain and see how we think. It turns out that we weren't engineered to be rational or logical or even particularly deliberate. Instead, our mind holds a messy network of different areas, many of which are involved with the production of emotion. Whenever we make a decision, the brain is awash in feeling, driven by its inexplicable passions. Even when we try to be reasonable and restrained, these emotional impulses secretly influence our judgment." Lehrer em Entrevista
01
Ao longo de todo o livro somos levados por um discurso contaminado por estudos desenvolvidos no campo das neurociências, somos levados pelo cérebro adentro. É-nos explicado como funcionam as nossas emoções, como funciona o nosso centro de controlo racional, o córtex pré-frontal. Somos atingidos por neurónios e muita dopamina. O livro abre com várias demonstrações do poder da dopamina sobre o modo como esta nos ajuda a lidar com a complexidade do mundo. Sendo este neurotransmissor responsável por nos transmitir sensações de recompensa, ele é também responsável por desenvolver dentro do nosso cérebro previsões do que vai acontecer.
Seja um filme que estamos a ver e começamos a desenhar mentalmente como vai terminar - quem será o culpado - seja uma jogada de futebol que parte do meio campo até junto da baliza - mas o nosso guarda-redes defende -. A dopamina impulsiona-nos a encontrar padrões sobre o que estamos a ver, e leva-nos a prever como se deverão desenrolar as coisas dentro de cada padrão. A previsão confirmada, liberta grandes doses de dopamina que nos deixa muito satisfeitos, o seu contrário corta a libertação da dopamina que já estava em curso, e deixa-nos frustrados e em baixo.
02
A Dopamina sendo responsável pela gratificação, é também responsável por evitar que entremos em frustração, daí que ela nos obrigue a executar a análise de padrões e a busca de possível sucesso. Por isso desenvolvemos em nós um sentimento muito emocional que é caracterizado pelo conceito de Aversão à Perda (falei disto a propósito dos videojogos). Sempre que perdemos e a dopamina não é libertada, ficamos mal, como tal ao longo da nossa aprendizagem vamos aprendendo a evitar qualquer atividade que possa contribuir para a nossa perda.
Até aqui tudo bem, o problema é que com a evolução da nossa espécie, e com a compreensão destes mecanismos, fomos desenvolvendo mecanismos para ludibriar a dopamina, ou melhor ludibriar as barreira criadas por ela. Dois dos mecanismos mais eficazes nesse logro são o Cartão de Crédito e mais recentemente, o maior responsável pela crise atual internacional, os créditos à habitação americanos, Sub-Prime.
O nosso cérebro parece ter dificuldade em registar perdas futuras, lida melhor com o presente, com o imediato. Aliás o neuro-economista George Loewenstein da Carnegie Mellon diz que os "cartões de crédito… anestesiam o nosso cérebro em relação à dor do pagamento".
No fundo o que acontece é que lidamos com a informação em níveis distintos dentro do nosso cérebro, como demonstram os estudos. Um perda imediata, ativa determinadas áreas do nosso cérebro, que fazem disparar de imediato os alertas. Uma perda futura, leva a que o nosso cérebro desenvolva todo um raciocínio sobre esse futuro, criando uma grande abstração em redor da perda, minimizando essa perda.
No caso do sub-prime nos EUA, foi exatamente isto que aconteceu. Vender casas a pessoas sem posses, acenando com dois anos iniciais de pagamentos muito abaixo da prestação real, e depois quando chega a prestação real passados os dois anos é que as pessoas entram em choque, a dopamina dispara e percebem que não podem pagar.“Paying with plastic fundamentally changes the way we spend money, altering the calculus of our financial decisions… When you buy something with cash, the purchase involves an actual loss — your wallet is literally lighter. Credit cards, however, make the transaction abstract.”
03
Aliás isto vem no sentido de um outro conceito desenvolvido no livro, que tem que ver com a racionalização em demasia, e as limitações do nosso raciocínio. Lehrer explica-nos que o nosso Cortex Pré-frontal é muito bom a decidir mas apenas quando a decisão envolve um número reduzido de variáveis. E aqui voltamos à velha teoria psicológica, sempre presente, de que a nossa memória de curto prazo, consegue apenas reter entre 7 a 9 elementos máximo. Ora o que acontece quando temos de comprar um Carro, uma Casa, ou qualquer outro objeto complexo, este possui demasiadas variáveis para analisar, e deste modo acabamos por sucumbir à racionalidade da análise das variáveis, muitas vezes toldando aquilo que realmente seria importante para nós. Demonstrando claramente o alcance do Racional, e indo de encontro à teorização de Damásio, sobre a necessidade do uso da emoção pela razão.
O mesmo acontece na relação com a arte, sendo muito diferente a relação que se estabelece com um quadro ou um filme, quando sentimos essa obra, ou quando nos é pedido para explicar porque gostamos dessa obra. Nos estudos realizados por Timothy Wilson da Universidade da Virginia, ficou demonstrado que as pessoas quando escolhem um quadro por instinto, sentem-se mais satisfeitas com ele passado alguns meses, do que aquelas pessoas a quem se pede que explique a razão da sua escolha antes de levarem o quadro para casa. A racionalização da escolha de algo complexo como uma obra de arte, tolda o nosso córtex pré-frontal, e impossibilita-nos de ver com clareza emocional aquilo que realmente gostamos.
Black on Maroon, de Mark Rothko, 1959
O problema disto é que vivemos numa sociedade, que dita, quanto mais informação melhor. E Lehrer dá exemplos como o dos médicos que se socorriam de MRIs (imagens do interior do corpo criadas por ressonância magnética) para analisar problemas de coluna, cometendo mais erros de cálculo do que aqueles que apenas analisavam os problemas por Raio-X. Ou seja no MRI conseguiam ver na perfeição a coluna, vendo todos os defeitos, deixando de se concentrar no essencial para se concentrar na enorme quantidade de problemas visíveis no MRI. Aliás isto foi demonstrado e levou mesmo a que a Associação de Médicos Americana começasse a recomendar que não se fizessem MRIs à coluna nas consultas iniciais, e que estes se limitassem ao Raio-X.
Outros casos falados no livro são os corretores da bolsa, e a quantidade de variáveis com que têm de lidar, ou os orientadores de carreira, que recebem portefólios tão pormenorizados das pessoas, que acabam por emitir pareceres sem qualquer utilidade. Aliás esta mesma ideia foi já discutida em Blink de Malcolm Gladwell.
Para resolver esta problemática, Lehrer sugere-nos que para tomar decisões com grande número de variáveis, o melhor a fazer é: “Take your time, to allow the unconscious brain to digest the overwhelming information”. Porque como ele diz nas suas conclusões finais, nós sabemos mais do que aquilo que pensamos saber. E a melhor forma de libertar todo esse conhecimento é permitir que o Não-Consciente tome decisões também. Mas atenção isto só é válido para quando existe experiência acumulada que só pode ser fruto do investimento de muito tempo e prática. Aliás mais uma vez em sintonia com Gladwell, agora no seu livro Outliers, quando este refere, que para nos tornarmos verdadeiros experts em algo, precisamos de um investimento médio de 10,000 horas. O interessante em Lehrer, é dizer que este conhecimento está dentro de nós, e que não é possível sintetiza-lo no imediato e de forma racional, porque este está espalhado por zonas do nosso cérebro ao qual o nosso Cortex Pre-frontal não consegue aceder, porque acederá apenas a um numero limitado de zonas para tomar decisões, as tais 7 a 9 possibilidades.
04
Dois apontamentos finais, um sobre a distinção entre o - Conscious Brain (Racional) – Unconscious Brain (Emocional) e outro sobre a arte do Learn by Doing.
04.1
Lehrer diz-nos que nos estudos realizados é necessário utilizar pequenos artifícios para “enganar” os sujeitos, ou seja, para os fazer tomar atitudes Conscientes, ou atitudes Inconscientes. Num desses estudos ele refere o seguinte
“… a person would be forced to make a decision using the unconscious brain, by relying on his or her emotions. (Conscious attentions had been focused on solving the word puzzle).” P.233
Isto abre a porta para várias discussões sobre o modo como as emoções são processadas diferentemente durante a experiência de um Videojogo e durante a experiência de um livro ou filme. Deixo o apontamento, e qualquer dia voltarei a ele.
04.2
O segundo apontamento tem que ver com as estatísticas da aviação. Os riscos de acidentes de aviação cometidos por erros dos pilotos desceu drasticamente após a introdução dos simuladores de voo (P.253) nos anos de 1990. Anteriormente à existência desta tecnologia, os pilotos aprendiam por recursos tradicionais de educação, em que os pilotos mais velhos davam seminários. Assim em vez de memorizar as lições dadas pelos pilotos mais velhos, o simulador passou a permitir que os pilotos iniciassem de imediato o treino do Cérebro Emocional. Este treino permite assim uma capacidade de resposta emocional em voo, ao passo que o conhecimento memorizado orbriga sempre a uma reposta racional, muito mais lenta e limitada como já vimos acima.
Para além disto, os pilotos eram levados ao extremo nos simuladores, levados a cometer erros, para que percebessem, mas mais do que isso, para reterem informação emocional do erro e saberem como reagir quando estivessem a pilotar realmente um avião.
Este é mais um assunto que me interessa particularmente pelo modo como se cruza no uso dos videojogos em sala de aula. Ou seja, estes dados dos pilotos, demonstram claramente o que temos vindo a dizer de que muito mais importante que ouvir, ler ou ver, é experienciar, decidir, repetir, repetir, errar, e errar, repetir e acertar. E isto é aquilo que nos vem dizendo Paul Gee fazendo uso das teorias da cognição situada.
agosto 24, 2011
Kells: cinema, arte, ilustração e videojogos
"The Secret of Kells" (2009) é uma obra-prima no campo da animação. Com todo um universo visual muito próprio, e uma forma de contar a história em consonância, funciona como um sopro de diferença no meio das grandes produções de animação internacionais. Kells é um produção Irlandesa independente com suporte de equipas de animação e efeitos visuais de países como a França, Bélgica, Hungria e Brasil.
Não ganhou os Oscars em 2010, e em Annecy em 2009 ficou-se pelo Audience Award, no entanto não lhe faltam grandes prémios no currículo. Em 2010 o Oscar foi para Up (2009) da Pixar. Realmente Up é também um dos melhores filmes de sempre da Pixar, no entanto olhando para a filmografia daquilo que a Pixar já produziu Up não é tão diferente como isso. Em face da restante concorrência desse ano - Coraline, Fantastic Mr. Fox e The Princess and the Frog - julgo que a atribuição foi dada com pouca consciência. Aliás o mesmo aconteceu em Annecy em que o prémio foi ex-aequo para Coraline e Mary and Max. Digo isto porque The Secret of Kells é sem dúvida a única obra deste lote que se apresenta num tom inovador, ao nível da arte, ilustração, e animação. Ainda que suportada por uma obra anterior (um livro gráfico) consegue criar todo um universo próprio, muito diferente das concepções atuais.
No campo da ilustração é um deslumbre olhar para o filme, cena a cena, ambiente a ambiente, atmosfera a atmosfera. Somos transportados por entre diferentes mundos que forma um todo coerente e misterioso. A própria animação destes quadros é pouco convencional, não se centra demasiado em tornar a montagem invisível, mas sim em gerar dinâmica visual, faz lembrar algumas séries de animação menos mainstream. Mas o que achei ainda mais interessante é que a estrutura narrativa, podia facilmente ter sido adaptada de um videojogo e não de um livro. Aliás esta não é uma discussão nova, já em tempos a tive esta discussão com colegas de Storytelling Interactivo a propósito das lendas inglesas, uma das quais foi recentemente adaptada para cinema, Beowulf (2007). A forma como estas lendas se caracterizam no formato de aventura, da quest. O messias que vem para salvar, a ultrapassagem de obstáculos, o encontrar de novas forças, o aparecimento de magias e mistérios, e o salvar de uma comunidade. Tudo isto trespassou para o universo dos videojogos, e voltou a consagrar-se como um modelo de narrativa nobre. Em The Secret of Kells é também isso que se sente, essa estrutura formada por uma lógica de progressão, em que os personagens são importantes mas não são centrais, fazem antes parte de um enredo maior, de um colectivo que trabalha para um fim, neste caso salvar "o livro".
The Secret of Kells conta uma história enfabulada de um livro real, The Book of Kells. O livro de Kells é um daqueles livros produzidos na idade média por monges escribas nos mosteiros da Irlanda, Escócia e Inglaterra. Este livro em concreto está cheio de arte e ilustração de uma qualidade impressionante. Terá sido produzido ao longo de três séculos daí que não admire a quantidade de labor, detalhe e qualidade que o livro apresenta.
The Secret of Kells pega na história do livro e na sua arte e cria um filme de animação que nos transporta por entre ambos os mundos, o histórico da produção e preservação e o da criação e estética do mesmo, formando um conjunto brilhante.
Não ganhou os Oscars em 2010, e em Annecy em 2009 ficou-se pelo Audience Award, no entanto não lhe faltam grandes prémios no currículo. Em 2010 o Oscar foi para Up (2009) da Pixar. Realmente Up é também um dos melhores filmes de sempre da Pixar, no entanto olhando para a filmografia daquilo que a Pixar já produziu Up não é tão diferente como isso. Em face da restante concorrência desse ano - Coraline, Fantastic Mr. Fox e The Princess and the Frog - julgo que a atribuição foi dada com pouca consciência. Aliás o mesmo aconteceu em Annecy em que o prémio foi ex-aequo para Coraline e Mary and Max. Digo isto porque The Secret of Kells é sem dúvida a única obra deste lote que se apresenta num tom inovador, ao nível da arte, ilustração, e animação. Ainda que suportada por uma obra anterior (um livro gráfico) consegue criar todo um universo próprio, muito diferente das concepções atuais.
No campo da ilustração é um deslumbre olhar para o filme, cena a cena, ambiente a ambiente, atmosfera a atmosfera. Somos transportados por entre diferentes mundos que forma um todo coerente e misterioso. A própria animação destes quadros é pouco convencional, não se centra demasiado em tornar a montagem invisível, mas sim em gerar dinâmica visual, faz lembrar algumas séries de animação menos mainstream. Mas o que achei ainda mais interessante é que a estrutura narrativa, podia facilmente ter sido adaptada de um videojogo e não de um livro. Aliás esta não é uma discussão nova, já em tempos a tive esta discussão com colegas de Storytelling Interactivo a propósito das lendas inglesas, uma das quais foi recentemente adaptada para cinema, Beowulf (2007). A forma como estas lendas se caracterizam no formato de aventura, da quest. O messias que vem para salvar, a ultrapassagem de obstáculos, o encontrar de novas forças, o aparecimento de magias e mistérios, e o salvar de uma comunidade. Tudo isto trespassou para o universo dos videojogos, e voltou a consagrar-se como um modelo de narrativa nobre. Em The Secret of Kells é também isso que se sente, essa estrutura formada por uma lógica de progressão, em que os personagens são importantes mas não são centrais, fazem antes parte de um enredo maior, de um colectivo que trabalha para um fim, neste caso salvar "o livro".
The Secret of Kells conta uma história enfabulada de um livro real, The Book of Kells. O livro de Kells é um daqueles livros produzidos na idade média por monges escribas nos mosteiros da Irlanda, Escócia e Inglaterra. Este livro em concreto está cheio de arte e ilustração de uma qualidade impressionante. Terá sido produzido ao longo de três séculos daí que não admire a quantidade de labor, detalhe e qualidade que o livro apresenta.
The Secret of Kells pega na história do livro e na sua arte e cria um filme de animação que nos transporta por entre ambos os mundos, o histórico da produção e preservação e o da criação e estética do mesmo, formando um conjunto brilhante.
agosto 22, 2011
"What Technology Wants?" de Kevin Kelly
Kevin Kelly foi editor da Whole Earth Catalog, editor fundador da Whole Earth Review, ajudou a criar a primeira comunidade virtual The WELL, e depois disso fundou e editou a revista Wired durante os seus primeiros 7 anos. Kelly não é um académico, esteve apenas um ano na Universidade de Rhode Island e desistiu, mas isso não faz dele um pensador menor, antes pelo contrário. Aliás na sua casa nos EUA, sem TV, sem PDA ou smartphone, sem computador portátil, recebe todos os dias novos produtos tecnológicos de empresas de todo o mundo para que possam ser analisados e referidos por ele numa qualquer intervenção, ou no seu blog.
What Technology Wants é o seu segundo livro, o primeiro data de 1994, Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World. Da minha leitura retive quatro pontos que me parecem valer a pena refletir mais em profundidade e levar para outras leituras e outras interjeições. Kelly é um pensador capaz de colocar em discussão várias perspetivas distintas da ciência, de interrogá-las e extrair delas novas análises, e novas conclusões. O seu livro não é um livro clássico no sentido académico da referenciação exaustiva, mas nem por isso se sente que os dados apresentados não estejam sustentados por estudos de referência, recentes e de reconhecida qualidade.
1 - O que é que a Tecnologia Quer?
Kelly diz-nos que a tecnologia é tudo aquilo que criamos, é todo um sistema cultural que que se pode definir como “technium”, ou seja, “uma ideia de um sistema de criação auto-suportada" (p.12). E é aqui que está o cerne do livro, no auto-suporte da tecnologia, que fundamenta a ideia do que a Tecnologia Quer ou Precisa. Nesse sentido Kelly diz-nos que a tecnologia quer aquilo para que a desenhámos, aquilo para o qual a direcionámos, mas para além disso tem desejos próprios.
A tecnologia quer hierarquizar-se, tal como os grandes e interligados sistemas. Quer o que qualquer sistema vivo quer: perpetuar-se a si própria, manter-se. E à medida que vai crescendo estes desejos internos vão ganhando força e complexidade. Ainda assim Kelly diz-nos que estes não são desejos conscientes, estes funcionam mais como uma compulsão para algo.
Este é um dos pontos mais controversos do livro, no sentido em que se debate contra uma perspectiva científica do acaso, apostando numa ideia criacionista, do “design inteligente”. Do meu lado não sinto que Kelly esteja apostado nessa batalha, apesar da referência a Deus aparecer no livro. Julgo que o que Kelly nos quer dizer é que a tecnologia se define como um sistema complexo, e que dessa complexidade resulta um conjunto de forças que empurram e sistematizam a evolução da mesma.
2 - O Impacto da linguagem
Kelly baseado em vários autores (Richard Klein, Ian Tattersall, William Calvin, Daniel Dennett) diz-nos que a primeira grande tecnologia inventada pelo ser humano foi a Linguagem.
O impacto desta tecnologia sobre a espécie foi tremendo, no diagrama abaixo podemos ver a explosão populacional ocorrida há 50 mil anos quando a linguagem apareceu na nossa espécie.
Mas o poder da linguagem não se refletiu apenas sobre a comunicação entre pessoas, foi mais fundo do que isso, alterou o modo como vemos e como pensamos o mundo.
Finalmente Kelly diz-nos que sem tecnologia, duraríamos pouco mais de alguns meses.
3 – O Poder da Ciência
Kelly vai referir que a Ciência foi o segundo grande momento da evolução tecnológica da nossa espécie. No mapa acima podemos ver como a evolução da população se manteve estável depois do aparecimento da linguagem, mas começou a subir em meados do século 17th, e explodiu por completo no século 18th com a Revolução Industrial.
Kelly questiona-se sobre a razão pela qual isto não aconteceu com os Gregos ou os Egípcios anos antes. A sua explicação é muito interessante, porque assenta na maturidade das sociedades, na capacidade destas verem o progresso no tempo, e não no imediato. Ou seja os custos de produção de ciência são muito elevados, requerem muita tentativa e erro, muito investimento até haver real retorno. Para isso é necessário que uns produzam, e outros investiguem. Mas sem meios que facilitem a produção, não nos podíamos dar a luxo de termos muitos a investigar.
4 - Aumento ou Diminuição da População
A última questão que me interessa salientar do livro, se bem que existam muitas mais, é o facto de Kelly apontar constantemente a prosperidade, o bem-estar da nossa espécie em função do aumento da nossa população no planeta. Até agora tem sido, quantos mais somos, mais temos conseguido produzir, e mais elevada é a qualidade de vida em geral. Como vimos no ponto anterior, a necessidade de mais população foi uma condição para a germinação de ciência.
Aparte os problemas de sustentabilidade, os números mais recentes mostram que as sociedades mais desenvolvidas têm vindo a evoluir no sentido contrário. Ou seja no declínio populacional dos seus países, Europa, Japão e EUA. Na Europa nascem 1.3 filhos por casal, quando o mínimo para substituir a geração precedente é de 2.1. A questão de Kelly é saber até que ponto estamos ou não dependentes do aumento populacional para progredir, ou não.
Em jeito de fechamento e deixando espaço para que leiam o livro e tirem as vossas conclusões, deixo um mapa de projeção da ONU para os próximos 300 anos. Existem três cenários, vamos ver o que nos espera.
Se precisarem de mais um incentivo para ler o livro, aqui fica a Ted Talk de Kevin Kelly de 2005, aonde ele já traça em linhas gerais aquilo que depois viria a ser este livro.
What Technology Wants é o seu segundo livro, o primeiro data de 1994, Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World. Da minha leitura retive quatro pontos que me parecem valer a pena refletir mais em profundidade e levar para outras leituras e outras interjeições. Kelly é um pensador capaz de colocar em discussão várias perspetivas distintas da ciência, de interrogá-las e extrair delas novas análises, e novas conclusões. O seu livro não é um livro clássico no sentido académico da referenciação exaustiva, mas nem por isso se sente que os dados apresentados não estejam sustentados por estudos de referência, recentes e de reconhecida qualidade.
1 - O que é que a Tecnologia Quer?
Kelly diz-nos que a tecnologia é tudo aquilo que criamos, é todo um sistema cultural que que se pode definir como “technium”, ou seja, “uma ideia de um sistema de criação auto-suportada" (p.12). E é aqui que está o cerne do livro, no auto-suporte da tecnologia, que fundamenta a ideia do que a Tecnologia Quer ou Precisa. Nesse sentido Kelly diz-nos que a tecnologia quer aquilo para que a desenhámos, aquilo para o qual a direcionámos, mas para além disso tem desejos próprios.
A tecnologia quer hierarquizar-se, tal como os grandes e interligados sistemas. Quer o que qualquer sistema vivo quer: perpetuar-se a si própria, manter-se. E à medida que vai crescendo estes desejos internos vão ganhando força e complexidade. Ainda assim Kelly diz-nos que estes não são desejos conscientes, estes funcionam mais como uma compulsão para algo.
Este é um dos pontos mais controversos do livro, no sentido em que se debate contra uma perspectiva científica do acaso, apostando numa ideia criacionista, do “design inteligente”. Do meu lado não sinto que Kelly esteja apostado nessa batalha, apesar da referência a Deus aparecer no livro. Julgo que o que Kelly nos quer dizer é que a tecnologia se define como um sistema complexo, e que dessa complexidade resulta um conjunto de forças que empurram e sistematizam a evolução da mesma.
2 - O Impacto da linguagem
Kelly baseado em vários autores (Richard Klein, Ian Tattersall, William Calvin, Daniel Dennett) diz-nos que a primeira grande tecnologia inventada pelo ser humano foi a Linguagem.
“The creation of language was the first singularity for humans. It changed everything (..) A new idea can be spread quickly if someone can explain it and communicate it to others before they have to discover it themselves."
Mas o poder da linguagem não se refletiu apenas sobre a comunicação entre pessoas, foi mais fundo do que isso, alterou o modo como vemos e como pensamos o mundo.
“Language is a trick that allows the mind to question itself; a magic mirror that reveals to the mind what the mind thinks (..) If our minds can't tell stories, we can't consciously create; we can only create by accident. Until we tame the mind with an organization tool capable of communicating to itself, we have stray thoughts without a narrative.”Mark Pagel numa recente TED Talk, How Language Transformed Humanity, explica uma possível lógica para o aparecimento da linguagem entre nós, baseado na “aprendizagem social”, na chamada habilidade para aprender copiando o outro, imitando o outro, refere a necessidade de um modo estandardizado de troca de informação. Para mim parece-me algo simplista, ainda que possa ter algum reflexo de realidade. Mas na verdade acredito que a linguagem tenha aparecido mais como um reflexo da necessidade de comunicar sentires, do que de comunicar ideias materiais.
Finalmente Kelly diz-nos que sem tecnologia, duraríamos pouco mais de alguns meses.
“Technology has domesticated us. As fast as we remake our tools, we remake ourselves. We are coevolving with our technology, and so we have become deeply dependent on it. If all technology every last knife and spear were to be removed from this planet, our species would not last more than a few months. We are now symbiotic with technology.”
3 – O Poder da Ciência
Kelly vai referir que a Ciência foi o segundo grande momento da evolução tecnológica da nossa espécie. No mapa acima podemos ver como a evolução da população se manteve estável depois do aparecimento da linguagem, mas começou a subir em meados do século 17th, e explodiu por completo no século 18th com a Revolução Industrial.
“By systematically recording the evidence for beliefs and investigating the reasons why things worked and then carefully distributing proven innovations, science quickly became the greatest tool for making new things the world had ever seen. Science was in fact a superior method for a culture to learn. Once you invent science which allows you to quickly invent many things you have a grand lever that can propel you forward very quickly.”
Kelly questiona-se sobre a razão pela qual isto não aconteceu com os Gregos ou os Egípcios anos antes. A sua explicação é muito interessante, porque assenta na maturidade das sociedades, na capacidade destas verem o progresso no tempo, e não no imediato. Ou seja os custos de produção de ciência são muito elevados, requerem muita tentativa e erro, muito investimento até haver real retorno. Para isso é necessário que uns produzam, e outros investiguem. Mas sem meios que facilitem a produção, não nos podíamos dar a luxo de termos muitos a investigar.
“Science requires a certain density of leisured population willing to share and support failures to thrive. That leisure is generated by pre-science inventions such as the plow, grain mills, domesticated power animals, and other techniques that permit a steady surplus of food for large numbers of people. In other words, science needs prosperity and populations.
4 - Aumento ou Diminuição da População
A última questão que me interessa salientar do livro, se bem que existam muitas mais, é o facto de Kelly apontar constantemente a prosperidade, o bem-estar da nossa espécie em função do aumento da nossa população no planeta. Até agora tem sido, quantos mais somos, mais temos conseguido produzir, e mais elevada é a qualidade de vida em geral. Como vimos no ponto anterior, a necessidade de mais população foi uma condição para a germinação de ciência.
Aparte os problemas de sustentabilidade, os números mais recentes mostram que as sociedades mais desenvolvidas têm vindo a evoluir no sentido contrário. Ou seja no declínio populacional dos seus países, Europa, Japão e EUA. Na Europa nascem 1.3 filhos por casal, quando o mínimo para substituir a geração precedente é de 2.1. A questão de Kelly é saber até que ponto estamos ou não dependentes do aumento populacional para progredir, ou não.
“The question is, if rising prosperity hinges on rising population, what happens to deep technological progress if there are centuries of slow population decline?”
Em jeito de fechamento e deixando espaço para que leiam o livro e tirem as vossas conclusões, deixo um mapa de projeção da ONU para os próximos 300 anos. Existem três cenários, vamos ver o que nos espera.
Se precisarem de mais um incentivo para ler o livro, aqui fica a Ted Talk de Kevin Kelly de 2005, aonde ele já traça em linhas gerais aquilo que depois viria a ser este livro.
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