Paul Bloom é professor de Psicologia de Yale e investigador na área do desenvolvimento de senso-comum relacionado com a Arte e Ficção entre outros domínios e o seu mais recente livro
How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like (2010) é um excelente trabalho sobre estes campos de investigação. O livro funciona como capítulos individualizados sobre grandes temas do prazer -
food, sex, religion, and the arts - que podem ser lidos separadamente, no meu caso acabei por dar maior atenção ao capitulo das artes.
Paul Bloom consegue com
How Pleasure Works realizar um cruzamento quase perfeito entre os mais recentes desenvolvimentos por um lado do campo da psicologia evolucionária e das neurociências e por outro da cultura e dos estudos de arte. O que interessa a Bloom é explorar as raízes do gosto, do sentimento de prazer e as razões pelas quais preferimos uma coisa em detrimento de outra.
"Many significant human pleasures are universal... But they are not biological adaptations. They are byproducts of mental systems that have evolved for other purposes... "
Neste trabalho o que mais me impressionou foi a discussão à volta de dois novos conceitos: uma ideologia do "Essentialismo" e o processo mental de "Alief". Bloom define a nossa espécie como "essencialista", ou seja, vemos nos objectos, para além do objecto em si, a sua essência. Assumimos que um quadro assinado por Vermeer ou Matisse vale muito mais do que uma cópia perfeita desse mesmo quadro. Porque acreditamos que no original existe a "essência", movida pelo autor, tocado pelo autor, enquanto a cópia nunca terá estado em contacto com o mesmo. Pessoas que descobriram que alguns dos quadros que tinham em casa eram originais de Picasso, referem que essa informação alterou drasticamente o modo como olhavam para o quadro, por mais que conscientemente saibam que o quadro é o mesmo, o prazer que retiram do mesmo mudou. Mais extremo ainda é que somos capazes de num leilão dar $48,875 por uma simples fita de medição utilizada em tempos por JF Kenedy. O essencialismo é assim uma fé, que nos dá segurança e prazer, sobre o facto de que,
“things have an underlying reality or true nature . . . and it is this hidden nature that really matters... What matters most is not the world as it appears to our senses. Rather, the enjoyment we get from something derives from what we think the thing is.”
Por outro lado somos capazes de extrair muito do nosso prazer através das nossas capacidades de imaginação. Estas capacidades são apresentadas aqui em duas categorias: "Belief" e "Alief". No modo belief, que eu chamaria de percepção simples, assumimos atitudes face ao mundo tal como este se nos apresenta. Já quando entramos no reino do "alief", entramos num modo cognitivo mais complexo e primitivo, aonde a imaginação domina, e no qual reagimos àquilo que o mundo nos parece ser.
Quando nos é dado a beber água a partir de uma arrastadeira esterilizada, acreditamos (belief) que a água está em condições de ser bebida, mas as nossas "aliefs" deixar-nos-ão bastante inquietos. Ou quando vemos um filme dramático, nós acreditamos (belief) que os personagens são meramente ficcionais, mas as nossas "aliefs" fazem com que choremos.
O conceito de "alief" não foi criado por Bloom, é antes uma concepção de Tamar Gendler, que não é nova enquanto conceito, mas mais enquanto dialéctica belief-alief. Isto porque a filosofia da arte tem desde sempre discutido estas questões, e uma das teorias mais conhecidas aplicadas à ficção é de Coleridge sobre a "
suspension of disbelief". Em certa medida é isto que explica o voyeurismo e a pornografia.
A imaginação é assim uma espécie de "realidade suave", um substituto do prazer real, quando este é inacessível, demasiado arriscado ou demasiado trabalhoso. Bloom aparece aqui em total consonância com outro teórico das ciências cognitivas que tenho utilizado bastante Currie [1], e outros que vêm trabalhando conceitos como a "empatia", a "teoria da mente" ou a "simulação mental". Embora claramente Bloom vá aqui muito mais longe, porque não se limita ao campo das artes, mas cria antes um modelo de trabalho aplicável a todo o nosso sentir face ao mundo.
Outras notas vão para assuntos como uma tentativa de explicar a razão pela qual gostamos de música, o que nos atrai sobre a mesma. Uma das ideias interessantes referida por Bloom é que a música vive com o problema claro de não conseguir comunicar, descrevendo ou narrando, factos ou acontecimentos, de comunicar uma frase simples. Por outro lado é muito mais hábil que a linguagem verbal a comunicar a emoção. Mas então se não percebemos o que a música nos diz como retiramos prazer da mesma?
É aqui que Bloom vai a um outro centro explicativo do prazer, a familiaridade. Bloom aponta que o nosso prazer aumenta com a familiaridade que sentimos com os sons, notas e acordes, gostamos mais daquilo que conhecemos previamente, e são vários os estudos que têm sido feitos com música dada a ouvir a fetos e depois novamente já enquanto bebes que demonstram este modelo. Esta questão explica outra grande questão na arte, o convencionalismo, ou seja as convenções seguidas pelos autores na criação de nova música, ou novos filmes para que estes possam chegar ao maior número de pessoas.
Bloom fala de um "U invertido", em que o prazer aumenta pela familiaridade, mas quando a familiaridade é demasiada, o prazer entra em declínio. Ou seja queremos que as convenções sejam seguidas, mas queremos ser surpreendidos com algo de novo. Queremos que exista algum desafio na descodificação de padrões sejam estes de imagens, notas, ou
gameplay para daí retirar prazer cognitivo.
Fallout 3 (2008), um jogo que segue convencionalismos visuais e sonoros, assim como estruturas tipo RPG, mas depois apresenta um gameplay fortemente inovador.
E daí que a complexidade das obras possa ser medida em termos de familiaridade, quanto mais próximo dos trabalhos prévios for uma obra, mais facilmente será aceite, mas também mais rapidamente será rejeitada ou esquecida, que é o que acontece com a tradicional música Pop, ou o cinema Mainstream. Ou seja a ausência de ritmos sonoros ou sequências visuais inovadoras ou originais, limita a durabilidade do nosso prazer face à obra. Daí que o tempo seja muitas vezes equacionado para qualificar uma obra como arte, ou seja se um filme dá prazer passados 10 anos, a questão não é ter envelhecido bem, mas é antes continuar a ter algo de novo para nos oferecer enquanto estrutura.
Bloom vai mais longe nesta questão dos padrões e do U invertido, aproximando a arte da engenharia, e qualificando o
"aesthetic pleasure" como um processo de
"reverse engineering". Ou seja o prazer acontece enquanto procuramos desconstruir o modo como a obra foi realizada, uma espécie de desmontagem Lego em unidades que nos permite aferir o que está na génese da obra. Claro que para que isto possa ser feito, precisamos de ter background suficiente para proceder a essa desmontagem. Sem perceber de tintas e óleos, não posso perceber o que está em causa nas técnicas de Van Gogh ou Pollock. Sem perceber de fotografia não posso determinar o que está em causa quando encontramos um belíssimo "
chiaroscuro" de
Nykvist, Toland ou Storaro.
Contudo e como vimos acima, o prazer que retiramos das coisas, sejam arte ou outra coisa qualquer não advém apenas do prazer concreto desse objecto. Claramente que o prazer estético incrementa o nosso sentir, mas as "essências" da obra podem depois condicionar esse sentir. Aceder a variáveis contextuais como saber quem é o autor, o que é que ele fez, quem foi ele. Saber se a obra é um original ou uma cópia, tem efeitos muito fortes sobre o sentimento final.
Referências
[1] Currie, G. (1995). Image and mind: film, philosophy and cognitive science. Cambridge, Cambridge University Press.
Nota: Paul Bloom refere estudos nos quais foi detetado que o movimento sincrónico entre seres humanos desenvolve familiaridade e proximidade entre as pessoas. Que temos tendência em diálogo a sincronizar o movimento dos corpos. Isto tem que ver com uma estrutura que regula o movimento corporal no nosso cerebelo. Esta informação está no capitulo relacionado às Artes.