janeiro 07, 2008

mais Crawford

Balance of Power foi desenvolvido por Chris Crawford em 1985 em regime de freelance pouco depois de ter saído da Atari. A Atari assim como muitas outras empresas de videojogos faliram no crash da indústria de 83-84 e isso levou a que alguns daqueles que se tinham notabilizado na área criassem as suas próprias empresas ou se dedicassem a outras áreas tecnológicas. Crawford nunca abandonou a área, apesar de ele dizer, hoje, que deixou para trás o game design e que o seu centro de interesses está focado no storytelling interactivo. Crawford é assim adorado por uns e odiado por outros, fundador do The Journal of Computer Game Design e da Game Developers Conference foi responsável máximo pelo Games Research Group na Atari de 79 a 83. Em 1982 lançou um livro seminal para todos aqueles que estudam e desenvolvem jogos, The Art of Computer Game Design pode ser acedido gratuitamente.

Mas o que me levou a este post não foi esta sua obra seminal mas antes um outro livro desta época onde Crawford vai ao mais ínfimo detalhe sobre o modo como desenvolveu todo o jogo Balance of Power. O livro é de 86 mas é interessantíssimo ver, mais do que isso, perceber como é possível incluir tanto detalhe e tanta riqueza de informação num suposto simples ambiente de jogo. Verificar ao detalhe como foram desenvolvidas as fórmulas de cálculo para parametrizar os comportamentos sócio-políticos. O jogo foi lançado para o Apple II e foi muito bem recebido apesar de aparecerem várias críticas, não ao jogo em si, mas ao modelo geo-politico ultra-realista dos poderes de manipulação das super-potências. Um pouco à semelhança do que acontece com o modelo social moralista presente em Sims.

O livro que esteve esgotado durante os últimos anos está agora acessível on-line e de forma gratuita. Aquele que alguns colegas consideram "the most detailed book ever written about the design of a single game".

dezembro 30, 2007

West Coast, em triângulo...

De um lado os publicitários que procuraram desenvolver um conceito de fractura, do outro os conservadores que viram nessa ideia uma perda da identidade e desvalorização das tradições por fim a concorrência e as elites intelectuais que desvalorizam a campanha atirando farpas, como sendo uma campanha que vende mais do mesmo. Julgo que o problema de qualquer um destes ângulos está patente no fundamentalismo de que se reveste qualquer um dos discursos. Se compreendo e até defendo a campanha na sua componente estética e até publicitária já não aceito o discurso proposto pelos criativos nem tão pouco o dos seus detractores.

José Mourinho e Cristiano Ronaldo

Começando pela BBDO, agência responsável pela campanha, ou o criativo, Pedro Bidarra, por detrás da ideia fonte de 2003, a disrupção proposta a partir das cores da bandeira é em si mesmo completamente ridícula e sem qualquer fundamento com o mínimo de sustentabilidade. Primeiro, mudar o desenho de uma bandeira representa muito mais do que uma mera alteração económica tal como é proposta. É verdade que a nossa bandeira nem sempre foi a mesma, nem sempre se destacou com as mesmas tonalidades, no entanto não esqueçamos que falamos de tempos de monarquia sem democracia. Ou seja tempos em que a identidade do povo era reduzida ao totalitário rei, e desse modo a bandeira representava a vontade do rei que podia pôr e dispor sem levar em conta todo um povo. Contudo julgo que o facto de Portugal ter nascido sobre os auspícios do azul pode servir como base de apoio à estética da campanha e mesmo até do turismo se este assim o pretender. Basta pensar no caso da equipa de futebol holandesa que usa uma cor única não existente na bandeira do seu país mas que também responde perante questões de foro monárquico do dito país.

Mariza e Miguel Câncio Martins

Quanto ao facto de termos uma bandeira com tonalidades do sul, ou qualificado de modo depreciativo pela BBDO de tonalidades africanas, julgo que para além de gaffe segregacionista, ela peca pela falta de visão. Afinal qual é o target da campanha, os restantes europeus a norte ou os africanos? É que se queremos que os colegas europeus olhem para nós, é necessário apresentar algo diferente e não mais da mesma imagem fria e nórdica que estes já têm. Além de que a bandeira proposta, quando colocada ao lado das restantes parece uma bandeira de faz-de-conta falta-lhe toda uma capacidade de impressão visual que um mero circulo centrado num imenso rectângulo não consegue imprimir. Já agora, em que medida é que a bandeira grega confere essa capacidade económica que falta a Portugal?

Julgo que os elementos visuais criados para além de excelente qualidade técnica apresentam excelentes detalhes estéticos e vou até mais longe concordando com a ideia da West Coast, que julgo que pode funcionar como o tal "factor diferencial". Só não me peçam para embarcar em discursos fundamentalistas, ou como a própria BBDO refere, de "bomba atómica". Desde mudanças de bandeira, à discriminação africana, passando pela primária colagem ao mito californiano. Lembro-me agora que em tempos o discurso defendia Portugal como a Florida europeia, agora defende-se como a Califórnia europeia, eu pergunto, e que tal só Portugal?

Agora olhando da perspectiva conservadora que optou por crucificar a campanha em vários artigos de opinião dos jornais de referência. Começam logo pelo fotógrafo, primeiro porque não é português depois porque não tinha necessidade de ver o seu nome tão destacado nos cartazes, ainda para mais sendo não-português. "Até parece que não temos fotógrafos de qualidade em Portugal". Aqui as leituras podem ser imensas, em defesa da campanha julgo que a colagem a Knight tem duas mais valias, a primeira é claramente o facto de este ser um grande fotógrafo e isso reflecte-se nas imagens mas a segunda e julgo que a mais importante é o facto de providenciar um "olhar de fora" sobre Portugal. Um fotógrafo é como um voyeur que analisa e captura os mais ínfimos detalhes do real comunicando-os depois através das imagens que cria. O facto de ser uma pessoa de fora a fotografar transmite uma certa mensagem de imparcialidade na criação visual da marca conferindo-lhe em certa medida uma maior franqueza. A critica conservadora defende também que este azul está completamente arredado da alma portuguesa e que em nada lhe confere uma identidade nacional, esquecendo que a bandeira que pela primeira vez assumiu a representação visual do povo luso está enraizada nesse mesmo azul e não no verde e vermelho.

Do outro lado temos depois as vozes da concorrência publicitária que foi entrevistada pelos vários jornais que apresentam um discurso semelhante ao das elites intelectuais da nossa sociedade. Aqui a crítica assume contornos característicos de um vulgar "bota-abaixismo" começando pelo exercício básico da colagem da campanha ao discurso salazarista do Portugal dos três Fs (Fado (Mariza), Fátima e Futebol (Mourinho e Cristiano)). É de notar que este discurso se fez cliché de uma crítica pessimista desde há 30 anos para cá. Tendo vindo a assumir ele próprio, sim, uma conotação com o pessimismo e miserabilismo desses tempos em que tudo o que é feito hoje pela imagem de Portugal é sempre avaliado em comparação ao passado nacionalista e desse modo à visão afunilada dos 3 Fs.

Carmo Fonseca e Joana Vasconcelos

Os nossos intelectuais, questionam ainda as pessoas apresentadas para representar Portugal. Se por um lado Cristiano ou Mourinho são vistos como os "mongos do futebol" apesar de serem celebridades internacionais, já Carmo Fonseca e Joana Vasconcelos são os "desconhecidos" por não representarem qualquer visibilidade nos media e desse modo não serem do conhecimento das massas, chegando a sugerir-se nomes como António Damásio ou Paula Rego. Ora este é um discurso um pouco esquizofrénico, se é muito conhecido , mas é futebolista não deve estar lá, se não é conhecido, ainda que possuidor de um reconhecido talento em áreas de ponta, também não deve estar lá. É evidente que quem fez a campanha não dedicou à escolha das pessoas uma mera tarde de brainstorming, ou então duas horas para escrever um artigo de jornal, mas terá antes disso e para além dos estudos de mercado, desenhado uma estratégia que se foca sobre os potenciais targets da campanha. Façamos um pequeníssimo e simples exercício. Se para as massas detentoras de conhecimentos generalistas os nomes de Mourinho e Cristiano são facilmente identificáveis e correspondem a fortes empatias. Já para as minorias das artes ou ciências o apelo pela via de nomes do seu meio gera um apelo mais identificativo do que propriamente daqueles que já deixaram o meio para trás para agora pertencerem à pequena constelação dos famosos.

Vanessa Fernandes e Nelson Évora

Existe depois todo um outro discurso mais disperso que reflecte sobre o modo como se pode criar uma marca para um país e que defende que o uso de personalidades não é o melhor caminho. Que uma marca precisa de mais do que isso e que não pode ser conotada com simples sujeitos. Desculpem lá, mas uma marca de impacto global, não se cria com uma campanha. Primeiro é necessário ter um produto que prove tecnicamente que funciona, e que é bom (Nike, Coca-cola, Mercedes, Beatles, Sony, Vinho do Porto, etc.). Só depois, uma campanha de criação de identidade e marca poderá ter impactos junto do público criando o tal seguidismo, ou grupos de fãs e afins. Não querendo dizer com isto que Portugal não tem coisas boas, mas antes que estas não são muitas vezes identificadas com o nome do país, porque muitos desse produtos optaram por se internacionalizar utilizando modelos que evitam o "Made in Portugal" ao mesmo tempo que os menos qualificados continuaram a chegar às pessoas com esse selo denegrindo-o cada vez mais. Ou seja, é necessário trabalhar um pouco mais este problema que é estrutural e isso poderá mesmo, quem sabe, ser conseguido à boleia de campanhas que foquem a excelência e que por arrasto levem a que os modelos adoptados pelas marcas portuguesas internacionalizadas se deixem seduzir por esta nova via. É preciso ainda não esquecer que uma marca cria-se com várias e persistentes campanhas e não se pode atirar a matar sobre uma campanha que ainda vai no adro, uma vez que temos na rua apenas a primeira de três partes da campanha global projectada a um ano. Não esquecer ainda que esta campanha apresenta desde já uma variante ao uso de sujeitos.

dezembro 15, 2007

Iluminação virtual

Depois de ver Ratatouille confesso que fiquei surpreendido com o festim visual. A Pixar continua a conseguir dourar a forma, dar-lhe um toque de tal ordem que se torna impossível não ficar espantado na sua apreciação. Não estou a falar do realismo, estou sim a falar de pura estética no campo da iluminação. Sabemos perfeitamente que a Pixar consegue ter os melhores técnicos do mundo a trabalhar para eles, pois à semelhança da Google não tem concorrência à altura a uma escala planetária.

No entanto passados mais de 20 anos de evolução tecnológica já não esperava conseguir ser surpreendido pelo lado da forma. Como história, julgo que está imensos pontos abaixo de The Incredibles ou Toy Story, não chega pegar em elementos opostos (ratos e cozinhas) para que a criatividade brote, apesar de ser isso que os manuais apontam. As personagens são todas muito estereotipadas, o enredo está carregado de clichés fáceis e com uma progressão mais do que previsível. Os personagens chegam mesmo a tornar-se pouco verosímeis, no fundo julgo que o problema de Ratatouille é muito semelhante ao de Cars. E seguindo esta comparação é de evidenciar que ambos se destacam exactamente pelo lado do brilhantismo estetico-técnico, nomeadamente nos campos do environment design e lighting direction.

Não posso deixar de citar aqui Jeremy Birn responsável pelo lighting design em ambos os filmes. Brin que escreveu um dos melhores livros da área Digital Lighting & Rendering o qual utilizei e referenciei extensivamente na minha tese. Se quiserem perceber um pouco mais sobre os processos de lighting e rendering, nas suas valências estéticas, é sem dúvida a referência a seguir.

dezembro 14, 2007

Portátil português

Estampagem de João Oliveira, 2007
Mais um prémio de Design para Portugal em 2007. Depois de André Costa com o desenho do Moovie para a Peugeot, do videoclip de Carlos Oliveira para os Incubus, agora foi a vez de João Oliveira vencer o design para o novo portátil, MTV, da HP. De entre 8500 propostas de 112 países, o júri escolheu Asian Odissey.

Protótipo de André Costa, 2007


Videoclip de Carlos Oliveira, 2007

Não posso deixar de referir aqui o meu espanto ao ouvir hoje o João Oliveira, de apenas 20 anos, dizer na TSF que iniciou o seu trabalho como designer há apenas um ano. Espanto, mas não surpresa. É verdade que podemos trabalhar muito para sermos grandes designers, pianistas, futebolistas, escultores entre tantas outras, mas se não existir algo de inato em nós que nos permita emergir no meio da multidão dificilmente o conseguiremos apenas com trabalho. O problema de muitas pessoas é passarem toda uma vida sem conseguirem encontrar a área em que são realmente bons.

dezembro 13, 2007

Gravidade em Flash


"Line Rider" (2006) é um jogo/brinquedo que foi inicialmente desenvolvido por Boštjan Cadež, estudante de uma Universidade da Eslovénia para uma cadeira de Ilustração. Facilmente se torna viciante para quem adora testar detalhes de física, nomeadamente força e movimento com gravidade. A salientar uma vez mais que com uma simples plataforma como o Flash é já possivel desenvolver qualquer tipo de algoritmia que se necessite potenciada por uma interface intuitiva e vectorial ainda que 2d. E não menos interessante é verificar que o artefacto foi criado por um aluno de arte e não de computação.

Depois mais espantoso que o sistema em si é ver a criatividade (e muito trabalho/paciência) de alguns dos utilizadores que fizeram do jogo em si uma autêntica máquina de criação visual. Veja-se o exemplo abaixo e podem visitar tantos outros no próprio site. Obrigado Leonel pelo envio da informação.

dezembro 10, 2007

Beowulf, 3d e 3-D

Bordwell e Thompson discutem em profundidade implicações tecnológicas sobre a estética do badalado Beowulf (2007) (atenção à distinção entre 3d (CGI) e 3-D). Não vou discutir aqui também o filme porque ainda não o vi, mas gostava de realçar o facto de o próprio trailer demonstrar de forma efectiva as fraquezas do filme ao mostrar apenas alguns frames de cada sequência. Esta manobra destaca o facto de que as imagens estáticas em Beowulf são muito boas, tecnicamente, mas quando colocadas em movimento falham na comunicação efectiva de vida. O trailer vai mostrando apenas curtos segmentos com imensos fade outs a negro, uma espécie de ultra-intensified continuity onde só a sonorização com fortes impactos acústicos ajuda a manter a coerência do trailer. A relembrar que o uncanny valley está aí para durar.

dezembro 09, 2007

Simone em movimento gráfico

Excelente trabalho realizado pela aluna Tamara Connolly do Mestrado de Design da School of Visual Arts, NY. Utilizando o movimento visual de tipografia compôs um filme para Feeling Good de Nina Simone.



[a partir de Cartoon Brew]

dezembro 06, 2007

base da pirâmide consumista

A Suécia e a Noruega implementaram leis há mais de 10 anos que proibem o desenvolvimento de publicidade especificamente para crianças até às 12 anos. No entanto no resto do mundo ocidental continuamos impávidos e serenos a ver os barcos passar. É atroz a quantidade de publicidade dirigida às crianças que desfila durante todos os meses de Outubro a Dezembro de cada ano. Na imagem acima podemos ver uma campanha da McDonald's realizada na Florida. A McDonald's associou-se a um liceu e passou a oferecer um Happy Meal aos miudos que conseguissem notas A e B na disciplina de cidadania, é claro que alguns pais já começaram a entrar em parafuso com esta persecução às crianças.

Quanto à imagem em si, julgo que é muito boa. A tonalidade branca da pele contrastada pelo vermelho escuro da boca e nariz criam uma sensação estranha mas atraente como que uma mistura entre o angelical e o mal. A expressão da boca e das mãos também está muito bem conseguida porque confere um traço de naturalidade ao momento criando a sensação de que a situação é real e vulgar.