André Valentim Almeida lançou o seu segundo documentário,
From New York With Love, no IndieLisboa'12, mas só agora tive oportunidade de o ver. Em 2010 tinha-se estreado com
Uma na Bravo Outra na Ditadura (2010) um documentário sobre a geração portuguesa dos anos 1970, agora traz-nos um olhar sobre o modo como nos relacionamos com o exterior, como reagimos à diferença, e como encaixamos isso nas nossas origens culturais.
Este segundo trabalho do André é em termos de linguagem expressiva mais bem conseguido que o primeiro, mas acaba por se deixar levar demasiado pela experimentação estética em detrimento da narrativa e storytelling. Nem sempre o filme está preocupado em conduzir-nos por uma linha temporal de mensagem, está quase sempre mais preocupado com o momento, com o presente nas imagens, como que se estas estivessem desconectadas das restantes. Percebemos melhor a ligação temporal e narrativa quando nos fala das comparações explícitas entre países e culturas, quando se vê NY a partir de Portugal. Mas para chegar aqui passamos muito tempo a deambular por NY com personagens que desconhecemos, e que o filme nem sequer parece muito interessado em dar a conhecer.
O filme apresenta uma particularidade estética na exploração de diferentes tecnologias de comunicação, no sentido de potenciar a linguagem audiovisual. O facto de termos um narrador continuamente a trabalhar as imagens, pode até parecer um recurso fácil de construção narrativa mas quando entramos adentro do filme percebemos que o discurso textual não é uma mera redundância do discurso imagético. O autor quis ir além da imagem fixa, estabeleceu pontes intertextuais com vários excertos de filmes para ilustrar sentimentos, assim como cita extensivamente Robert Bresson e Roland Barthes entre outros, atirando o espectador para discussões sobre a natureza do próprio
medium.
Neste sentido o que resulta melhor da experiência de ver
From New York With Love é a forma como o autor brinca com as componentes formais, como este agilmente encena o real e o mistura com o ficcional. A passagem do formato de legendagem para audio é nisso um dos pontos altos do filme. A crença é derrubada, percebemos que o autor fala connosco, sentimos que o que nos é mostrado é o interior das ideias do autor, e deixamo-nos levar. Talvez por isso mesmo não se exija uma linha coerente, mas antes se aceite a lógica narrativa de ideias em modo associativo. Por outro lado é também fruto do modo como o filme foi elaborado, uma vez que foi estruturado apenas depois das imagens captadas, como diz o André numa
entrevista ao c7nema.net.
"A escrita do guião é um exercício de olhar para as imagens. São um género de imagens que muita gente tem nos seus computadores – mas eu como documentarista achei que seria necessário trabalha-las." in c7nema.net
Em termos de enredo, o documentário toca em vários pontos importantes da vida fora do país de nascimento. Para quem viveu uma grande parte da vida num país, de repente mudar para outro país e adaptar-se é sempre uma aventura, e cria emoções fortes e sentimentos que nos arrastam. O filme é um retrato de tudo isso, é um poderoso postal de melancolia que se agarra a nós e dificilmente nos deixa, muito depois de ser visto.
"Muitas vezes as pessoas dizem que quem emigra passa a ter duas nacionalidades, mas acho que a que tínhamos se perde e acabamos por não ser de lado nenhum. Estamos sempre num exercício comparativo – quando estamos em Nova Iorque pensamos em Portugal e vice-versa. É um estranho exercício de perda: quando estamos num sítio só pensamos no que está do outro lado da margem. Por isso ficamos com a síndroma do emigrante, se vê muito – essa relação estranha e mal resolvida. O filme é um pouco a tentativa de resolver isso, desta angústia e desconfortos iniciais. No decorrer do processo encontro alguma serenidade, algum conforto, embora não total." in c7nema.net
Em termos reflexivos, à posteriori gostei de ler este último pensamento do André sobre a comparação entre a cultura nacional e a cultura americana. Questiona-nos sobre muito daquilo que o nosso país é, do seu lado empreendedor, ou falta dele. Do modo como nos resignamos e como aceitamos o nosso "Fado".
"Como é que eu, como português, posso me enquadrar lá – com essa forma enraizada de pensar, essa culpa católica, esse pessimismo que não me é permitido ter lá. Os americanos não permitem que eu seja pessimista, que eu seja derrotista. Eles não permitem! (risos). Quando estou lá tenho que transformar a minha forma de ser. É interessante porque não é uma transformação violenta mas que acarreta algumas coisas boas. Lá sinto-me mais positivo, mais capaz de realizar projetos." in c7nema.net