Fiquei impressionadíssimo com o trabalho de
José Alves da Silva que assumo, desconhecia. E o mais interessante é que não desconhecia o seu trabalho, desconhecia é que alguns trabalhos desses que agora reconheci fossem do José Alves da Silva. A última
lista de artistas nacionais que aqui publiquei não lhe fazia qualquer menção.
Lil B! (Junho 2012), criado com 3ds max, VRay, ZBrush
O José acabou o seu curso em Arquitectura em 1996 e logo a seguir fundou a empresa
Pura Imagem, empresa de 3d dedicada à visualização de Arquitectura. Esteve na Pura Imagem durante 15 anos (com mais 3 sócios), até que em 2009 cedeu a sua quota para se dedicar à actividade de freelancer na área de personagens. Em certa medida isto explica porque é que o seu trabalho criativo pessoal apenas começa a aparecer em 2009, mas talvez mais importante tenha sido o facto de nesse ano ter vencido o
Image Master Award no
CGSociety Challenge XXIV, com
Mouse Love (2009).
Mouse Love (Agosto 2009) criado com 3ds max, Photoshop, VRay, ZBrush
As obras de José Alves da Silva são de uma qualidade incrível. Não é tanto a escultura/modelação, ou o realismo, é mesmo o detalhe, a assimetria e a “rugosidade” das formas e os pormenores na construção dos cenários. Depois em termos de textura e
shadings é tudo tão absolutamente perfeito, bem saturado, realista mas suficientemente
cartoonizado. Ou seja, o trabalho de José Alves da Silva não é daqueles que dizemos ser tecnicamente perfeito, ele é apenas e só, artisticamente brilhante.
Tequila Tatu - an Armadillo's Alcohol Addiction (Fevereiro, 2011) criado com 3ds max, VRay, ZBrush
Tendo em conta que qualidade deste nível não se vê todos os dias, não admira nada todo o reconhecimento que este artista nacional tem tido internacionalmente. São mais de 10 capas de revistas -
3DCreative, BANG!, PIXEL magazine - e livros internacionais -
ZBrush Character sculpting - mais de 20 artigos/inclusões em revistas internacionais -
3D Artist (UK), 3D World (UK), 2D Artist (UK), 3DCreative (UK), Zupi (Brasil), PIXEL magazine (Républica Checa), Animation Reporter (India), Mars (China) - e nacionais -
Computer Arts (Portugal), BANG! (Portugal) -, e mais de 60 distinções/prémios -
CGTalk CG Choice Award, 3D Total Excellence Award, CG Hub Gold Award, It's Art Hall of Fame, Game Artisan's Award of Recognition, Deviant Art Daily Deviation, CG Arena Excellence Award, 3D Artists Jury Pick, Dopw Award, Art Limited Choice Gallery, GoldenTopia Award, 3D Artist Picture of the Week, CG Feedback Top CG Award, Art Squared Monthly Masterpiece -.
Capas de José Alves da Silva na 3dcreative entre 2009 e 2012
A juntar a tudo isto José Alves da Silva publicou ainda trabalho em alguns dos livros mais emblemáticos da arte 3d internacional -
Exposé 9 e 10, Exótique 5 e 6, Digital Art Masters 5 e 6, Digital Art Masters 7, d'Artiste Character Modelling 3, Photoshop for 3Dartists, ZBrush Character sculpting -. Com tudo isto tenho poucas dúvidas que o José seja o artista 3d português mais reconhecido e premiado internacionalmente de sempre.
Fiz entretanto algumas perguntas ao José, que teve a amabilidade de responder e com grande celeridade. As respostas são muito interessantes para todos os que partilham a profissão, mas acima de tudo todos o que buscam entrar nela. Leiam mas acima de tudo percam-se no meio do seu magnífico trabalho, cada obra está tão cheia de pequenos detalhes que podemos passar muito tempo a olhar para cada uma delas.
A break from Bamboo (Maio 2011) criado com 3ds max, mental ray, Photoshop, ZBrush
1 – Como se atinge este nível de mestria de uma arte que exige ao mesmo tempo conhecimentos de escultura e de pintura?
:: Eu acredito que temos sobretudo de ganhar cultura visual, conhecendo o trabalho de outros artistas e enchendo a nossa cabeça de memórias. Os princípos base da arte são universais e intemporais. Aprendemos muito apreciando a arte de todos os períodos históricos, assim como os artistas contemporâneos. Essa vai ser a matéria a partir da qual iremos criar as nossas futuras obras. Acredito que a originalidade é sobretudo uma nova abordagem a algo que já conhecemos. Sem memória não há matéria para criar.
Pintar e esculpir é materializar a imagem que temos na nossa cabeça. A escultura e pintura digitais são mais fáceis do que as suas vertentes tradicionais, temos muitas hipóteses de errar e rectificar. Por isso podemos dar-nos ao luxo de ir experimentando e rectificando até atingirmos a imagem mental que criámos. É uma questão de persistência e treino das mãos para que acompanhem a cabeça.
Rhino General (Outubro 2011) criado com Photoshop, ZBrush
2 – Quanto do teu trabalho acreditas ser fruto de talento individual, e quanto do teu trabalho é aprendizagem?
:: Não sei se talento e trabalho podem ser separados. No caso do desporto podemos falar de uma aptidão física/genética, em relação às artes acho que é mais uma questão de educação e muitas horas de dedicação. Acredito que quem comece a desenhar/pintar cedo e mantenha essa actividade ao longo da sua vida consegue ter uma destreza superior a quem comece na idade adulta, da mesma maneira que uma criança que aprenda uma língua muito cedo tem a fluência de um nativo, não se passando o mesmo quando aprendemos uma língua mais tarde.
No meu caso, acho que sempre gostei muito de desenhar/pintar e nunca deixei de o fazer. O que faço é o resultado de todas as horas que treinei/estudei ao longo da minha vida.
The Boxing Kangaroo (Abril 2010) criado com 3ds max, mental ray, Photoshop, ZBrush
3 - Com tanto reconhecimento internacional e nacional, o número de pedidos de trabalho que te chegam devem ser muito superiores ao que consegues dar resposta, como é que arranjas tempo para criar trabalho teu, e participar em concursos?
:: Na verdade já há cerca de 2 anos que não faço um trabalho pessoal (a 100%) e não participo em concursos. No entanto, sempre que escrevo um artigo para uma revista que implica fazer uma imagem ou faço um trabalho comercial para um cliente tento dar o melhor de mim. À partida tento que todos os trabalhos que faço sejam matéria para portfólio. A verdade é que em muitos deles coloquei tanto de mim que acabam por parecer trabalhos pessoais, mas na realidade não são. É o resultado de eu ter a grande sorte de trabalhar naquilo que me apaixona fazer.
Barrio Guy (Julho 2010) criado com 3ds max, Photoshop, VRay, ZBrush
4 - Tendo tu passado pela Universidade na área de arquitectura, o que é que achas que faz falta no Ensino Superior por forma a facilitar a geração de mais talentos nacionais na área do 3d?
:: A área do 3d implica (como muitas outras) uma aprendizagem que excede em muito aquilo que se pode dar num curso. É uma área muito tecnológica e em permanente mutação do ponto de vista das ferramentas e técnicas que usamos. Ninguém pode esperar tirar um curso e que essa bagagem de conhecimento lhe sirva para o resto da vida. Apenas 3 anos após o curso já tudo terá mudado.
Os cursos ou formação devem servir sobretudo para criar bases saudáveis, sobretudo ao nível das disciplinas fundamentais da arte. Também devem ser ensinadas as ferramentas e técnicas actuais mas incutindo no aluno a cultura da contínua aprendizagem e investigação. Só assim conseguirão sobreviver na indústria. Um curso em que estas duas vertentes sejam privilegiadas constituirá uma boa plataforma de lançamento.
Do que tirei no curso de Arquitectura, uso sobretudo aquilo que aprendi nas disciplinas de desenho, realçando a importância da teoria da côr ou a forma como devemos manter a mente aberta em relação a novas técnicas. O facto de ser um curso criativo, em que desenvolvemos projecto durante cinco anos também nos incute hábitos de criação diários. No entanto, na minha área sou sobretudo auto-didacta e tento, de facto, aprender coisas novas todos os dias e manter-me actualizado.
Aconselho a que as pessoas estudem em cursos que lhes ofereçam boas bases artísticas e que complementem esse conhecimento com disciplinas mais técnicas que explicam o uso das ferramentas (software). A partir daí é necessário manter a cabeça aberta para o resto da vida.