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fevereiro 12, 2017

Todos os Oscars de Melhor Cinematografia, desde 1927

É uma viagem alucinante este supercut que nos dá a ver, em 7 minutos, imagens de todos os filmes premiados com o Oscar de Melhor Cinematografia, desde 1927. Sente-se a história passar, sentem-se as décadas fluir, mas sente-se também a força da arte visual que se imprime em nós e nos extasia. O filme foi criado por Andy Schneider e Jonathan Britnell para o canal Burger Fiction.

"Sunrise ― a song of two humans" (1927) de
F.W. Murnau com cinematografia de Charles Rosher & Karl Struss

Abaixo deixo a lista completa de todos os filme mencionados, ano e os respetivos nomes dos cinematógrafos. No fim da lista continua a impressionar-me o feito conseguido por Lubezki.

Every Best Cinematography Winner Ever (1927-2016 Oscars)

Listagem: 
Sunrise: A Song Of Two Humans (1927/28) - Charles Rosher & Karl Struss
White Shadows In The South Seas (1928/29) - Clyde De Vinna
With Byrd At The South Pole (1929/30) - Joseph T. Rucker & Willard Van der Veer
Tabu: A Story Of The South Seas (1930/31) - Floyd Crosby
Shanghai Express (1931/32) - Lee Garmes
A Farewell To Arms (1932/33) - Charles Lang
Cleopatra (1934) - Victor Milner
A Midsummer Night’s Dream (1935) - Hal Mohr
Anthony Adverse (1936 B&W) - Tony Gaudio
The Garden Of Allah (1936 COLOR) - W. Howard Greene & Harold Rosson
The Good Earth (1937 B&W) - Karl Freund
A Star Is Born (1937 COLOR) - W. Howard Greene
The Great Waltz (1938 B&W) - Joseph Ruttenberg
Sweethearts (1938 COLOR) - Oliver T. Marsh & Allen Davey
Wuthering Heights (1939 B&W) - Gregg Toland
Gone With The Wind (1939 COLOR) - Ernest Haller & Ray Rennahan
Rebecca (1940 B&W) - George Barnes
The Thief Of Bagdad (1940 COLOR) - Georges Perinal
How Green Was My Valley (1941 B&W) - Arthur C. Miller
Blood And Sand (1941 COLOR) - Ernest Palmer & Ray Rennahan
Mrs. Miniver (1942 B&W) - Joseph Ruttenberg
The Black Swan (1942 COLOR) - Leon Shamroy
The Song Of Bernadette (1943 B&W) - Arthur C. Miller
Phantom Of The Opera (1943 COLOR) - Hal Mohr & W. Howard Greene
Laura (1944 B&W) - Joseph LaShelle
Wilson (1944 COLOR) - Leon Shamroy
The Picture Of Dorian Gray (1945 B&W) - Harry Stradling
Leave Her To Heaven (1945 COLOR) - Leon Shamroy
Anna And The King Of Siam (1945 B&W) - Arthur C. Miller
The Yearling (1946 COLOR) - Charles Rosher, Leonard Smith & Arthur E. Arling
Great Expectations (1947 B&W) - Guy Green
Black Narcissus (1947 COLOR) - Jack Cardiff
The Naked City (1948 B&W) - William H. Daniels
Joan Of Arc (1948 COLOR) - Joseph A. Valentine, William V. Skall & Winton Hoch
Battleground (1949 B&W) - Paul C. Vogel
She Wore A Yellow Ribbon (1949 COLOR) - Winton Hoch
The Third Man (1950 B&W) - Robert Krasker
King Solomon’s Mines (1950 COLOR) - Robert Surtees
A Place In The Sun (1951 B&W) - William C. Mellor
An American In Paris (1951 COLOR) - Alfred Gilks & John Alton
The Bad And The Beautiful (1952 B&W) - Robert Surtees
The Quiet Man (1952 COLOR) - Winton Hoch & Archie Stout
From Here To Eternity (1953 B&W) - Burnett Guffey
Shane (1953 COLOR) - Loyal Griggs
On The Waterfront (1954 B&W) - Boris Kaufman
Three Coins In The Fountain (1954 COLOR) - Milton R. Krasner
The Rose Tattoo (1955 B&W) - James Wong Howe
To Catch A Thief (1955 COLOR) - Robert Burks
Somebody Up There Likes Me (1956 B&W) - Joseph Ruttenberg
Around The World In 80 Days (1956 COLOR) - Lionel Lindon
The Bridge On The River Kwai (1957) - Jack Hildyard
The Defiant Ones (1958 B&W) - Sam Leavitt
Gigi (1958 COLOR) - Joseph Ruttenberg
The Diary Of Anne Frank (1959 B&W) - William C. Mellor
Ben-Hur (1959 COLOR) - Robert Surtees
Sons And Lovers (1960 B&W) - Freddie Francis
Spartacus (1960 COLOR) - Russel Metty
The Hustler (1961 B&W) - Eugen Schufftan
West Side Story (1961 COLOR) - Daniel L. Fapp
The Longest Day (1962 B&W) - Jean Bourgoin & Walter Wottitz
Lawrence Of Arabia (1962 COLOR) - Freddie Young
Hud (1963 B&W) - James Wong Howe
Cleopatra (1963 COLOR) - Leon Shamroy
Zorba The Greek (1964 B&W) - Walter Lassally
My Fair Lady (1964 COLOR) - Harry Stradling
Ship Of Fools (1965 B&W) - Ernest Laszlo
Doctor Zhivago (1965 COLOR) - Freddie Young
Who’s Afraid Of Virginia Woolf? (1966 B&W) - Haskell Wexler
A Man For All Seasons (1966 COLOR) - Ted Moore
Bonnie And Clyde (1967) - Burnett Guffey
Romeo And Juliet (1968) - Pasqualino De Santis
Butch Cassidy And The Sundance Kid (1969) - Conrad L. Hall
Ryan’s Daughter (1970) - Freddie Young
Fiddler On The Roof (1971) - Oswald Morris
Cabaret (1972) - Geoffrey Unsworth
Cries And Whispers (1973) - Sven Nykvist
The Towering Inferno (1974) - Fred J. Koenekamp & Joseph F. Biroc
Barry Lyndon (1975) - John Alcott
Bound For Glory (1976) - Haskell Wexler
Close Encounters Of The Third Kind (1977) - Vilmos Zsigmond
Days Of Heaven (1978) - Nestor Almendros
Apocalypse Now (1979) - Vittorio Storaro
Tess (1980) - Geoffrey Unsworth & Ghislain Cloquet
Reds (1981) - Vittorio Storaro
Gandhi (1982) - Billy Williams & Ronnie Taylor
Fanny And Alexander (1983) - Sven Nykvist
The Killing Fields (1984) - Chris Menges
Out Of Africa (1985) - David Watkin
The Mission (1986) - Chris Menges
The Last Emperor (1987) - Vittorio Storaro
Mississippi Burning (1988) - Peter Biziou
Glory (1989) - Freddie Francis
Dances With Wolves (1990) - Dean Semler
JFK (1991) - Robert Richardson
A River Runs Through It (1992) - Philippe Rousselot
Schindler’s List (1993) - Janusz Kaminski
Legends Of The Fall (1994) - John Toll
Braveheart (1995) - John Toll
The English Patient (1996) - John Seale
Titanic (1997) - Russell Carpenter
Saving Private Ryan (1998) - Janusz Kaminski
American Beauty (1999) - Conrad L. Hall
Crouching Tiger, Hidden Dragon (2000) - Peter Pau
The Lord Of The Rings: The Fellowship Of The Ring (2001) - Andrew Lesnie
Road To Perdition (2002) - Conrad L. Hall
Master And Commander: The Far Side Of The World (2003) - Russell Boyd
The Aviator (2004) - Robert Richardson
Memoirs Of A Geisha (2005) - Dion Beebe
Pan’s Labyrinth (2006) - Guillermo Navarro
There Will Be Blood (2007) - Robert Elswit
Slumdog Millionaire (2008) - Anthony Dod Mantle
Avatar (2009) - Mauro Fiore
Inception (2010) - Wally Pfister
Hugo (2011) - Robert Richardson
Life Of Pi (2012) - Claudio Miranda
Gravity (2013) - Emmanuel Lubezki
Birdman (2014) - Emmanuel Lubezki
The Revenant (2015) - Emmanuel Lubezki

março 14, 2014

"The Art of Immersion: How the Digital Generation Is Remaking Hollywood, Madison Avenue, and the Way We Tell Stories" (2011)

Para ser muito sincero, não sei como cheguei ao final deste livro. Julgo que tanto hype em seu redor me obrigou a ler até ao final, não com a expectativa de poder vir a aprender algo, mas antes para tentar perceber o razão do seu sucesso. Como é possível escrever um livro como se os capítulos não passassem de artigos de revista estendidos, no qual se cometem erros, se dizem banalidades, se atiram especulações ao ar!? A ideia central do livro é apresentar o conceito "transmedia" como uma das maiores invenções da atualidade, apenas possível graças à internet, algo que está a revolucionar totalmente o mundo do entretenimento! Mas é possível tanta ingenuidade? E é possível que tanta ingenuidade apresente tantos seguidores? Mas afinal quem são estas pessoas?

“The fundamental premise of broadcast television was the ability to control viewers… but this control began eroding with the VCR… and was blasted away entirely by the Web.”
Pensando um bocado, percebe-se quem são os que escrevem e os que fazem boas análises deste livro, não são criativos, menos ainda artistas, são marketeers, deliciados com as manobras discursivas que lhes permitirão dar novos saltos no engajamento com os clientes. Sim clientes, aqui não existe público, não existe audiência, menos ainda espectadores, leitores ou jogadores, aqui existem apenas e só os produtos e os seus clientes. Depois de começar a ler este livro concluí algo sobre uma ideia que já me andava a incomodar há algum tempo, o transmedia para uma grande parte dos actores é apenas e só uma estratégia de marketing!

Aliás o transmedia acaba aqui sofrendo o mesmo drama que sofre a gamification, ambos muito badalados, amplamente discutidos por pessoas de fora das áreas, acabando por ambos serem também extremamente enaltecidos pelo mesmo grupo, os marketeers. Eu não tenho nada contra os marketeers, mas é verdade que me começa a incomodar esta intromissão, ou melhor invasão de áreas alheias. Eu até percebo que lhes interessem os conceitos, mas podiam criar os seus próprios, sem tentar rentabilizar conceitos que devem ser olhados de uma perspectiva criativa e não mercantilista.

Por outro lado todo o discurso de Rose acaba sofrendo de alguma esquizofrenia. Se por um lado passa o tempo a falar em lucro de milhões, por outro passa o tempo todo a tentar explicar que o público deixou de ser um mero consumidor, para passar a ser autor, um participante criador. Aliás Rose elabora toda uma teoria para explicar que abandonámos a metáfora do "couch-potato" para abraçar a do “otaku”! Segundo ele passámos a viver num mundo de gente obsessiva, os ultra-fãs, dispostos a tudo para expandir os universos das séries, dos filmes, dos jogos. O público deixou de ser controlado pelos media, passando ele a controlar os media, apesar disso continuam a gerar receitas bilionárias para as grandes empresas, trabalhando de graça!

O que é mais ingénuo em tudo isto é o assumir de que a internet revolucionou o mundo, e não mudou apenas o storytelling mudou toda a nossa maneira de ser! Acreditar que hoje somos "otakus" é tão ridículo como acreditar que ontem éramos meros "couch potatos". O mundo não gira apenas em redor de um aparelho de televisão ou de um computador, cada um de nós tem muitos mais interesses além dos media, tirando os casos patológicos que se convertem em transtornos obssessivo-compulsivos, a grande maioria das pessoas saudáveis gere uma miríade de interesses, sem se deixar afectar por isso. Já o fazia antes da internet, e continua a fazê-lo hoje, assim como já antes da internet existiam pessoas mais sensíveis que se deixavam enredar completamente por estes universos, existiam também grupos de partilha de interesses que se juntavam em cidades, criavam associações, criavam fanzines, interagiam. A internet só tornou a comunicação mais fácil, mas acima de tudo tornou tudo isto mais visível para quem antes nunca se tinha dado ao trabalho de tentar compreender que esta realidade sempre fez parte daquilo que somos, seres sociais, altamente sedentos de confirmação pelos outros.

Segundo Rose passámos de uma geração "couch potato" a uma geração "otaku" que produz e controla, será?

Se o livro resulta num amontoado de capítulos soltos sem uma direcção nem um objectivo, existem alguns que são absolutamente impressionantes de ocos que são. No terceiro capítulo, “Depth”, Rose passa o capítulo inteiro a prestar vassalagem a James Cameron, e às suas capacidades extraordinárias para criar universos ficcionais (!!!), isto a propósito das alegadas grandiosas ideias para "Avatar". Diz Rose que Avatar is “not just a movie. It’s a world.”, indo ao ponto de afirmar que a arte do cinema “has not created an original universe since Star Wars.” (!!!). Mas talvez Rose até tenha razão, na verdade Lucas e Cameron são verdadeiras máquinas de criação de propriedade intelectual marketizável. Mas ser um grande vendedor está longe de ser um grande criador de mundos ficcionais. Reconheço que um não passa sem o outro, mas não confundamos as competências.

Rose passa todo o tempo a falar em milhões, quantos milhões cada estratégia rendeu, através do suposto transmedia, algo que segundo ele só aconteceu pela primeira vez nos anos 1970 (!!!). E fala sem qualquer suporte sobre o impacto que cada estratégia produz. Já quando não há impacto, esquece-se de falar. O exemplo mais grotesco é do próprio Avatar, seguindo as teorias de Rose, o videojogo de Avatar deveria ter sido catapultado pelo gigantesco sucesso do filme, mas isso não aconteceu. Aqui a abordagem transmedia falhou, mas em vez de o reconhecer, Rose parte para acusações ridículas, diz ele que o problema foi que a Ubisoft utilizou como motor de jogo o Cry Engine 2, o mesmo de Far Cry 2, e que já estava desactualizado. Resumindo, para Rose Avatar filme terá tido sucesso porque inovou imenso na tecnologia 3D, como no jogo se limitaram a usar tecnologia preexistente, o jogo não vendeu (!!!) Então mas não passou páginas e páginas a falar de Cameron, o mago criador de universos ficcionais? Não esteve páginas e páginas a falar no poder mágico do transmedia, que contamina tudo à volta? Então e no final do capítulo é que se lembra de falar da tecnologia?

A verdade é que devia ter parado de ler logo no início quando Rose diz que “estamos perante a emergência de uma nova forma narrativa que é nativa da internet”. Que obsessão e ao mesmo tempo limitação. Quer-me parecer que o otaku aqui é Rose, que se deixou inebriar pelo “poder” ou “encanto” da rede, capaz de tudo transformar e tudo resolver. E o mais ridículo é que Rose até fez um pequeno esforço para ir lá atrás perceber que o seriado é algo que vem de há muito, não é nenhuma novidade, quando fala do exemplo de Dickens que seguia as reacções das pessoas para ir transformando as histórias que contava nos episódios seguintes do seu romance “The Pickwick Papers” (1836), tal como sempre fizeram todos os contadores de histórias. A internet não inovou nada aqui, aliás bastante antes desta, já no Brasil os guionistas seguiam a audiometria da TV para gerir as histórias da novela das 20h. Quanto ao transmedia surgir nos anos 1970, o que dizer dos parques temáticos da Disney surgidos nos anos 1950? E o que dizer de toda a tradição secular transmedia operada pelas religiões para controlar e manipular o seu grupo de seguidores?

Este livro é um amontoado de nada, nada de novo é dito, e quando se aventura a elaborar, é para cair em banalidades e falsidades. O próprio nome do livro é um autêntico engodo, verdadeira estratégia marketeer, fazendo uso de um conceito amplamente usado no contexto das tecnologias de realidade virtual, para falar de transmedia. Pelo meio vai falando atabalhoadamente de videojogos, dos blogs e do “revolucionário” twitter, chega até a falar do Holodeck. Mas o que me parece é que Rose está acima de tudo interessado em oferecer consultoria às grandes empresas de produção de conteúdos, e daí que o transmedia seja algo muito mais palpável e fácil de prometer. Aliás o nome em francês do livro é muito mais correcto e digno do que o logro do título original, simplesmente “Buzz”.

Existe aqui um deslumbramento com o potencial da internet, e o facto do seriado se ter tornado mainstream na televisão com “Sopranos” (1999) ou “Lost” (2004), mas isto foi há mais de 10 anos. Rose não diz nada que vá além, ou sequer se aproxime daquilo que Steven Johnson já disse em “Everything Bad Is Good for You” (2005) a propósito da evolução da narrativa na televisão. Aliás foi em 2006 que escrevi um artigo sobre estas mesmas questões "Television Drama Series’ Incorporation of Film Narrative Innovation: 24". Vir dizer que a não-linearização da narrativa no cinema, como acontece em “Inception” ou “Pulp Fiction”, aconteceram por influência dos videojogos é de uma ingenuidade, ou melhor falta de visão cultural atroz. Quanto a tudo o resto que nos é dito, nada é acrescentado a “Convergence Culture: Where Old and New Media Collide” de Henry Jenkins. E ainda que eu tenha reservas quanto ao trabalho de Jenkins, que também tem vindo a dirigir-se para os domínios do branding e marketing, o seu cuidado nas afirmações que faz coloca-o num patamar completamente diferente do sensacionalismo bruto de Rose.
“a new type of narrative is emerging — one that’s told through many media at once in a way that’s nonlinear, that’s participatory and often game-like, and that’s designed, above all, to be immersive.”
Esta afirmação é a síntese do que Rose pretende apresentar com o livro, é uma síntese bem escrita, que à superfície é coerente e parece espelhar a realidade do momento. Mas não passa de um conjunto de ideias colocadas num mesmo cesto com o objectivo de se tornarem atractivas, mas essencialmente incapazes de responder aos reais desafios da narrativa e storytelling da atualidade, menos ainda aos anseios das empresas a quem Rose espera vender os seus dotes. Rose promete a essas empresas a solução para todos os seus problemas, que passa por deixarem de criar spots publicitários de tv, deixarem de criar longas ou livros, para se apostar tudo na criação de “universos ficcionais” espartilhados e participativos. Passa a interessar apenas o franchise, a propriedade intelectual por detrás da história, que por sua vez se encarregará de gerar todo um mundo de oportunidades comerciais, nomeadamente através dos batalhões de "otakus" na rede dispostos a trabalhar de graça para passar a palavra.

Tudo isto não passa de um conjunto de intenções, acima de tudo de um bom discurso de marketing. Porque os “universos ficcionais” com esta capacidade de se tornarem centros aglutinadores são raros, a grande maioria apenas cria a ideia, limitando-se depois a impingir um amontoado de produtos paralelos, que já não são fruto criativo da narrativa, mas antes fruto estratégico de merchandising. E esses, assim como surgem, rapidamente desaparecem. Criar uma boa história continua a ser algo bastante complexo, muito longe de poder seguir uma mera formula criativa com garantias de sucesso. O cerne de todo este problema é que para que um “universo ficcional” se crie, nos moldes que Rose deseja, é preciso primeiro criar uma história que funcione, e é isso que Rose aqui ignora por completo.

Para fechar e em jeito de provocação, pergunto, se o mundo é agora totalmente participativo graças à internet, e se tudo pode ser explorado por via das maravilhas do transmedia, sendo a base do presente e futuro de toda a produção de conteúdos, porque é que Rose escolheu um dos meios e modelos (o livro) mais antigos para contar a sua história?

março 13, 2014

Narrativa e Motivação, "Bioshock Infinite" (Parte II)

Depois de ter analisado o tema e arte de Bioshock Infinite trago agora uma análise sobre o design de jogo e de narrativa. Bioshock Infinite soube trabalhar muito bem a gratificação narrativa com um final de jogo intensamente compensador. A impressão muito positiva criada no final conseguiu optimizar toda a experiência do jogo, isto porque as memórias de uma experiência estão mais ligadas aos momentos intensos e essencialmente ao modo como terminam.



Em termos de história partimos da ideia básica de “salvar a princesa”, mas à medida que avançamos percebemos que a premissa não passou disso mesmo, de um motivador. Bioshock Infinite apresenta uma das narrativas mais elaboradas que podemos encontrar nos videojogos, não sendo fácil de seguir, já que se socorre de uma não-linearidade à lá "Inception" (2010) permitida por uns portais de tempo, as “lágrimas” os "rasgões". Apesar da complexidade, o jogador acaba sendo conduzido pela mão, e apesar de nunca chegar a compreender plenamente tudo, tal como em Inception, aos pouco vai percebendo que foi enganado e instrumentalizado. Toda esta confusão narrativa bem balanceada contribui para que no último quarto do jogo a história atinja um clímax raramente visto em videojogos, permitindo uma total imersão no imaginário narrativo, ganhando-se apenas aí a compreensão do que representou aquela viagem. Se o jogo nos envolveu e conduziu por meio da visceralidade visual, a última hora é inteiramente liderada pela narrativa, que toma o controlo total da acção e gratifica intensamente o jogador por ter persistido e ter levado a aventura até ao final.

Para tudo isto contribui a IA de Bioshock Infinite, nomeadamente de Elizabeth da qual falei aqui antes. Embora tenha a dizer que Elizabeth desenhada quase 10 anos depois de Alyx (Half-Life II , 2004) ou 12 depois de Yorda (Ico, 2001) não conseguiu tocar-me tão profundamente como estas. Sinto Elizabeth demasiado distante, o facto do jogo ser em primeira-pessoa não ajuda, mas por isso mesmo no seu desenho deveriam ter sido incluídos olhares directos para nós, mais incisivos, como acontecem com Alyx. Sem corpo, resta-nos o olhar para criar a sensação de conexão humana, a empatia, algo que não se cria apenas com a forma e o diálogo. Depois julgo que o desenho do seu comportamento, nomeadamente em momentos de luta poderia ter sido desenhado de forma a criar maior proximidade, as ajudas dela são interessantes, mas no final do jogo sente-se a mecânica e perde-se a química. 

E é esta constatação de mecanicismo e repetição que me leva ao cerne deste texto para discutir as questões sobre o design de jogo, as opções sintácticas dos criadores para cruzar a narrativa e jogo. Porque mais uma vez tive de sofrer a angústia de me forçar a terminar o jogo, quando já nada em mim o queria fazer. As intermináveis batalhas, tiros e mais tiros, explosões e destruições a roçar o mecânico, repetitivo, vazio de significado ou propósito. Por isso mais uma vez me questionei sobre a dualidade expressiva dos jogos de Acção e Aventura. Daqui lanço várias questões: 

Porque temos de passar todo o tempo a matar? Porque apenas podemos sorver história quando entramos num momento de pausa? Porque não podemos interagir com a história? O que quer dizer interagir com a história? O que diferencia a interacção com a história da interacção com os tiros, as lutas, as mortes? E os tiros e as lutas não fazem parte da história?

No meu livro sobre Emoções Interactivas (2009), apresento um estudo no qual detectamos que a maioria dos jogos prima por explorar emoções negativas ativas - Raiva, Medo, Tensão, Nojo, Stress. Por outro lado no livro “Contagious” (2013) de Jonah Berger, os seus estudos demonstram que estas mesmas emoções são as mais capazes no que toca a conduzir as pessoas a partilharem mensagens online. Daqui podemos entender que uma parte do problema desta discussão assenta numa questão que já tinha levantado antes a propósito da tristeza nos jogos, e que lida com o Paradoxo da Emoção Interativa (Zagalo, 2009:299). Ou seja, para eu agir sobre o mundo, interagir, preciso de ser estimulado a isso, e o que verificamos é que as emoções negativas ativas são as mais eficazes. Já se estimularmos emoções negativas inactivas - Tristeza, Melancolia, Aborrecimento - as pessoas tenderão a não querer interagir.

Isto explica em certa medida porque os jogos tendem a propor-nos o acto de matar, ou  talvez melhor seja dizer, o acto de “não ser morto”. O que nos leva a querer interagir é a tensão criada pela avalanche de inimigos (obstáculos que temos de transpor) atirados sobre nós com o objectivo de nos eliminar. O que nos motiva é não morrer, não perder, para poder continuar dentro da história. O medo de morrer (ex. Medal of Honor) pode ser ainda explorado e potenciado pela raiva do que nos fizeram antes (ex. Max Payne), ou o nojo (ex. Silent Hill).

No fundo os videojogos usam e abusam de todas as formas capazes de nos colocar sobre o fio da navalha do “Game Over” - inimigos, armas, plataformas, etc - sendo o medo de perder que nos mantém ativos, que nos mantém capazes de continuar a apertar botões, a empurrar sticks e a resolver puzzles. Aliás a motivação para a interacção nos videojogos de acção acaba sendo quase sempre feita com base em situações de morte eminente. Ou seja a situação de perda mais grave, no caso de existência de personagens envolvidos numa história.

Mecanicamente esta forma de desenhar um videojogo de acção difere muito pouco da forma como se desenha um qualquer jogo competitivo - futebol, corrida de carros, luta - porque no fundo falamos de mecânicas que motivam os humanos a agir. Se numa corrida tudo fazemos para manter o carro dentro da pista, é porque queremos ter hipótese de chegar ao final. Em Bioshock Infinite tudo fazemos para nos manter vivos, e assim chegar ao final da história. Se no futebol tudo fazemos para defender e marcar golo, é para não perder o jogo, assim como em Bioshock Infinite tudo fazemos para matar todos, para que não nos matem a nós, e não nos façam perder espaço ou itens já conquistados, para ganharmos e podermos continuar a avançar.

Mas aqui estamos apenas a falar das lutas, das batalhas, dos tiros, matar ou morrer, que acabam configurando um dos “modos de jogo” de um videojogo de acção. Porque quando as lutas acabam, iniciam-se diálogos, encontramos notas de leitura, vídeos explicativos que contam o que aconteceu ali, ou seja entramos no chamado “modo história”. E aí desaparece a guilhotina do game over, desaparecendo assim a tensão, consequentemente fazendo-nos entrar no modo relaxe, no modo passivo. Aliás se reflectirem o que acontece quando entramos nas cutscenes (interactivas ou não), é que relaxamos, são momentos desenhados no jogo exactamente para nos permitir respirar da tensão passada nos confrontos de Jogo.

Mas isto quer dizer que as histórias não podem gerar tensão? A questão que se deve colocar, é se as histórias conseguem gerar suficiente tensão para nos fazer agir fisicamente? Mentalmente sabemos que é suficiente, adoramos cinema e séries, sendo que o género mais popular é o Drama e não a Acção ou Horror. As histórias motivam-nos a agir mentalmente, apenas lançando problemas e questões que procuramos resolver mentalmente. Mas serão então, simples questões, suficientes para nos fazer agir fisicamente?

Talvez. O género específico de Aventura Gráfica viveu disso apenas. Myst (1993) não tinha mortes, nem tiros, não tinha sequer game over! O que nos motivava a agir era o mesmo que nos motiva a agir num livro ou filme, a busca de respostas às interrogações que o jogo nos colocava. Mas sabemos bem como as Aventuras Gráficas são menos dinâmicas que a Acção/Aventura. Mas será que tem de ser mesmo assim? Será que não conseguimos criar condições de perda como os inimigos ou o cair de plataformas, para avançar uma história de forma dinâmica?

Não julgo que nos falte descobrir um graal como continuamos a advogar sobre a relação jogo/história nos videojogos, julgo que o que é necessário são criadores com capacidade de usar as ferramentas à sua disposição para de modo equilibrado obter o melhor dos dois mundos. Conseguir obter a intensidade das emoções activas do jogo, e fundi-las com as emoções inactivas da narrativa. Temos bons exemplos disto mesmo, e sempre que os re-analiso - The Last of Us - verifico que dependem não de inovação técnica ou tecnológica, mas de Equilíbrio e Balanceamento. Apesar de geralmente encontrarmos o desequilíbrio a tender para o jogo, ou seja a competição com luta, tiros e morte, podemos encontrar o desequilíbrio contrário, em jogos como Heavy Rain (2010) ou Beyond Two Souls (2013), a tender para a história em detrimento do jogo.

Ou seja, respondendo às questões que me lancei quando acabei BioShock Infinite, podemos interagir com a história sim, e os tiros e as lutas podem fazer parte dessa história também, isso só requer equilíbrio por parte dos criativos. Essencialmente evitar prolongar áreas artificialmente apenas porque é possível tecnicamente, as áreas devem durar apenas a duração que a narrativa permitir. Se a narrativa não aguenta mais, e precisam de fazer durar mais o jogo, reescrevam a história, as histórias são tão elásticas como os jogos, basta olhar para o que é feito nas séries de televisão. Elas só precisam que lhe seja garantindo o timing, para que o seu significado tenha valor e compense o jogador. De certo modo talvez esteja a colocar o jogo ao serviço da narrativa, mas a narrativa organiza sentidos, compreensão, o jogo está mais focado em estimular a emoção. Não é por acaso que depois da montanha russa de batalhas Ken Levine necessite de quase uma hora de jogo em modo narrativo para dar sentido a tudo o que vimos, e recompensar os jogadores.


Parte 1 da análise a Bioshock Infinite

dezembro 29, 2012

Cloud Atlas (2012)

Cloud Atlas apareceu como um filme épico, um trailer de cinco minutos evidenciava um grande filme, cheio de efeitos especiais e questões profundas, com grandes actores, e uma tripla de realizadores de culto. Não falhou as expectativas criadas, é um filme admirável.


Quando comecei a ver percebi ao fim de pouco tempo que estava perante mais um filme experimentalista no campo narrativo, comparável a Inception, e por isso mesmo a minha reação foi imediata - parar de tentar compreender o filme, de dar sentido a tudo o que estava a ver no ecrã e simplesmente deixar-me levar pelo filme. Permitir que os autores brincassem com as minhas ideias, me lançassem no meio daquela explosão de significados, sensações, personagens e acções.


A decisão foi a mais acertada simplesmente porque o filme está construído para ser sorvido dessa forma. Toda a direção, montagem e música nos envolve, nos conduz ao longo das seis histórias, de modo a conseguirmos ganhar uma ideia do todo, sem contudo termos de perceber todos os detalhes. É um trabalho magistral que aqui temos, conseguir interligar tantas diferenças num único fio e dar-lhe uma lógica, criar uma experiência integral, coesa e una para o espectador. Fantásticos irmãos Wachowski e Tom Tykwer. Para quem quer compreender o sentido do filme, ele está todo condensado nesta pequena frase dita mais perto do fim do filme, por Somni,
“Our lives are not our own. We are bound to others, past and future. And by each crime and every kindness, we birth our future.”
Mas Cloud Atlas não é para ser interpretado em grandes prosas, foi feito para ser contemplado. Muito do que diz depende daquilo em que cada um de nós acredita. Neste sentido Lana Wachowski diz-nos que
"…we’re wrestling with the same things that Dickens and Hugo and David Mitchell and Herman Melville were wrestling with. We’re wrestling with those same ideas, and we’re just trying to do it in a more exciting context than conventionally you are allowed to. [...] We don’t want to say, 'We are making this to mean this.' What we find is that the most interesting art is open to a spectrum of interpretation." [fonte]
A montagem e a direcção são magistrais, mas o trabalho de make up é brilhante. Ver os vários actores encarnar tão diferentes personagens, é verdadeiramente virtuoso. Uma prova de fogo das suas competências, mas também de um trabalho enorme realizado pelo departamento de make up. O que mais achei interessante no make up, foi raramente ver a perfeição da pele, mas antes cicatrizes, deformações, e problemas que sugerem a existência de vida passada por aqueles personagens.




Cloud Atlas deverá ser o filme independente, Europeu, e Alemão mais caro de sempre, foram 100 milhões de dólares, algo apenas reservado à elite de Hollywood. Os Wachowskis filmaram a história do século 19 e as duas no futuro, enquanto Tykwer dirigiu a histórias dos anos 1930, 1970 e do presente 2012. O filme tem quase três horas, e o texto original é de David Mitchel.

setembro 10, 2012

música para trailers de cinema e videojogos

A Two Steps from Hell (TSFH) é uma produtora de música para trailers de cinema (Harry Potter, Star Trek, The Dark Knight, Rise of the Planet of the Apes, Tron: Legacy, X-Men, Super 8, Inception, Hugo, etc.) e videojogos (Mass Effect 2, Mass Effect 3, Killzone 3, Star Wars: The Old Republic, etc.), constituída por um norueguês, Thomas Bergersen, e um inglês, Nick Phoenix, que cresceram nos seus países de origem estudando piano clássico até se mudarem para os EUA, onde começaram a TSFH em 2006.


Em termos sonoros, passei este verão a ouvir um dos cds mais recentes, Archangel (2011) e fiquei impressionado com a estética musical porque eu diria, pelo menos neste álbum específico, que segue um padrão composicional bastante rígido. Ou seja, a música ao contrário do que eu pensava no passado de que seriam trechos sonoros retirados dos filmes ou jogos, é desenhada especificamente para trailers. Por isso torna-se inevitável que todas as músicas apresentem uma lógica de trailer, começando de forma ambígua, abrangente e lenta, entrando num crescendo que se segue até ao final fechando, ou quase fechando, em climax ou mesmo apoteose. No caso específico dos TSFH especializaram-se no uso de música orquestral e grandes coros, capaz de construir toda uma sonoridade que nos reporta para um épico barroco, carregado de paisagens de bravura, coragem, libertação e heroísmo. A formula é muito bem apresentada por Thomas Bergensen numa entrevista,
Usually they [produtoras dos trailers] are looking for music that is impactful, not too complex in nature, or too busy in arrangement. It also needs to be fairly static dynamically, as it is up against a barrage of voice overs, sound effects and busy images. The music generally glues everything together and sets the mood/tone of the trailer.
A música destes senhores tem tido tal aceitação que deixou de ser um exclusivo do cinema ou dos videojogos, tendo chegado às séries de televisão (Game of Thrones, Sherlock, Revolution, Homeland), e até aos grandes eventos internacionais. Por exemploa a música Heart of Courage do álbum Invincible (2010) foi utilizada na abertura do Euro 2012, e novamente na abertura dos Jogos Olímpicos 2012, assim como foi utilizada pela RTP para um trailer do jogo Portugal x Espanha no Europeu 2012, como se pode ver aqui abaixo.


A contrário do que possamos pensar a música não é feita para cada trailer especificamente. Os autores estão continuamente a criar novas músicas de 2 a 3 minutos que vão enchendo o seu catálogo e permitem que as editoras analisem a sua base de dados e escolham a música que querem (entre 5 a 10 mil dólares o licenciamento para uso internacional). Isto que quer dizer que a mesma música pode aparecer em mais do que um trailer ou anúncio, apesar dos estúdios poderem adquirir a exclusividade. Segundo os autores os estúdios muitas vezes optam por escolher sonoridades familiares porque toca mais facilmente nas audiências de massas.

Nick Phoenix a tocar "taiko" (tambor japonês)

Isto é algo que já duvidava há algum tempo, porque por várias vezes tinha sentido proximidades sonoras, e entretanto descobri que por exemplo a música usada The Island (2005) foi também utilizada no trailer de Avatar (2009), e que uma versão orquestral de Requiem for a Dream (2000) foi usada num teaser The Lord of the Rings: The Two Towers (2002). Aliás a música de  Requiem for a Dream já a vi ser utilizada em vários filmes, trailers e programas de TV.

Entretanto fica o reel de 2012 no qual se pode ver uma enormidade de filmes de grande orçamento que fizeram uso da música dos TSFH.

setembro 02, 2012

A minha viagem ao Alaska

Legend of a Suicide de David Vann é uma obra poderosa de ficção assente em pormenores da vida do autor que lhe permitiram levar o romance a um nível de qualidade literária raramente vistos. O facto de se passar no Alaska e abordar a solidão humana em conjunto com o suicídio de um pai, ajuda a construir o cenário para uma viagem perfeita, mas é na escrita, e na narrativa que está o detalhe do trabalho de Vann.


O livro contém uma espécie de cinco contos que falam sobre o mesmo mas com diferentes abordagens, seja no tempo, no espaço, ou mesmo nos eventos. O livro consegue encantar-nos porque nos transporta para um universo próprio do autor, não é o Alaska, mas é o Alaska de Vann, é Roy e Jim, pai e filho. E a uma determinada altura somos levados ao engano, e o livro parece dar uma volta de 180º, e não queremos parar de ler, porque queremos saber, queremos perceber como é que a narrativa permitiu que aquilo acontecesse. Temos uma espécie de twist a meio do livro e ficamos há espera que outro twist aconteça no final, mas esse twist vai dar-se dentro de nós, quando começamos a encaixar todos os cinco contos, e a estrutura global narrativa começa a fazer sentido e somos capazes de dar sentido a tudo o que ali se passou.

Aleutian Islands, Alaska (Hawkfish)

O livro tem sido descrito como uma espécie de exorcismo para Vann, e bem parece, como que se pudesse através da arte literária não só libertar-se de um peso, mas ao mesmo tempo jogá-lo para o outro lado da rede. O próprio Vann define à posteriori o conto central como uma espécie de vingança sobre o seu pai, mas acredito mais que Vann se tenha deixado levar pela escrita, e que este tenha sido o seu grito literário. Um grito forte inaudível mas muito pesado emocionalmente.  Sem dúvida, que toda a arte tem o poder de nos desenterrar, de nos elevar, mas fazer o que Vann faz não está ao alcance de todos.

A narrativa é experimental mas está de acordo com o atual modo de escrita, algo influenciada pelos modelos narrativos cinematográficos de deslinearização do enredo (veja-se Memento ou Inception). Uma tentativa de fazer discorrer a narrativa num modo associativo de ideias e não meramente encadeado cronologicamente. Não é a toa que Vann chega a ser comparado a Virginia Woolf. Diria que estamos perante uma nova corrente na criação ficcional, uma espécie de neo-estruturalismo, em que se busca maravilhar o leitor não pelo que se diz, mas pela forma como se diz. A arte pela arte.


Algumas notas mais. 
a) Não leiam a sinopse do livro que está no sítio do autor pois fala tangencialmente do twist central.
b) A capa da Penguin é magistral, e em papel funciona ainda melhor porque o peixe vem imprimido em papel brilhante que contrasta fortemente com o amarelo da capa.
c) A obra original tem um inglês elaborado, nomeadamente os primeiros contos e os últimos. Para quem não esteja totalmente à vontade, aconselho a tradução portuguesa da Ahab.


5/5

julho 19, 2012

paisagem cinematográfica Otomanizada

Classic Movies in Miniature Style é um projecto experimental de reconstrução de imagens atuais segundo técnicas e com objectivos de envelhecimento específico. Nasceu de um trabalho de estudante de Murat Palta que pretendia fazer convergir iconografia ocidental com iconografia oriental. Deste modo pegou em cartazes e imagens do cinema americano contemporâneo e trabalhou-as no sentido de adquirirem uma nova identidade visual.

A Clockwork Orange

A paisagem cinematográfica visual de filmes como Alien (1979) ou A Clockwork Orange (1971) resultam numa nova configuração cultural visual que nos transporta para o século XVI em pleno Império Otomano. A reconstrução feita por Palta foi no sentido de lhe atribuir toda uma estilística emanada das convenções das Miniaturas Otomanas, que serviam como forma de expressão no império Otomano. As ilustrações destas miniaturas procuravam sempre ilustrar acontecimento ou eventos, mas a sua abordagem estética evitava a mera mimesis, indo assim mais pela campo da generalização e da abstracção.

Alien

Este projecto Murat Palta, não é único na forma, mas é de suma importância no mundo contemporâneo dos media visuais, porque nos dá a ver de uma forma cristalina como os nossos ideais mentais estão tão formatados e convencionados. Apesar de estilos diferentes, foi inevitável olhar para estas imagens e pensar no Cinema Indiano. Perceber porque sendo o país com a maior indústria do planeta, dificilmente consegue sair do seu país. Em contraponto levant questões como, então como é que o cinema americano consegue chegar a praticamente todos os países? Isto é trabalho para teses académicas, mas teremos aqui com certeza um misto do poder do marketing, do império, e claro da evolução estética num sentido de optimização do gosto comum.

 Goodfellas

 The Godfather

Inception 

 Kill Bill

 Pulp Fiction

 Scarface

 The Shining

 Star Wars

Terminator II

fevereiro 28, 2011

Oscars 2011: a Origem d'Alice

Começando pelas categorias que mais nos interessam, as das artes visuais e expressivas, todos os filmes que tinha listado aqui como potenciais vencedores no final de Janeiro, ganharam nessas categorias e mais algumas.

Inception (2010) Christopher Nolan
Tal como esperava leva para casa todas as estatuetas técnicas, não é por acaso que lhe fiz várias referências aqui. Assim temos a Cinematografia (Wally Pfister), os Efeitos Visuais (Chris Corbould, Paul J. Franklin, Andrew Lockley, Pete Bebb), a Mistura de Som (Lora Hirschberg, Gary Rizzo, Ed Novick), e o Design de Som (Richard King).
Richard King leva o terceiro Oscar no design de som, depois de em 2008 ter trabalhado também Cristopher Nolan em The Dark Knight (2008), em em 2003 para Master and Commander: The Far Side of the World (2003). Já Wally Pfister vê finalmente o seu trabalho reconhecido. Tinha sido nomeado antes para The Dark Knight (2008); The Prestige (2006) e Batman Begins (2005). Ou seja não foi à 3ª, mas à 4ª que conseguiu.

Alice in Wonderland (2010) de Tim Burton
Arrecada como esperado a Direcção de Arte (Robert Stromberg e Karen O'Hara) e o Costume Design (Colleen Atwood). Robert Strombreg faz um bis na direcção de Arte, já que no ano passado tinha levado a estatueta para o seu belíssimo trabalho em Avatar (2009). Não tenho aqui qualquer dúvida em afirma que Stromberg é um autêntico mago no que toca à criação de "mundos história".

Toy Story 3 (2010), Lee Unkrich (Pixar)
Não teve competição à altura este ano. How to Train your Dragon (2010) até tem uma boa história, e bons personagens, mas tecnicamente foram feitas opções que tornaram o filme muito menos rico, nomeadamente no campo dos cenários e da iluminação.



The Lost Thing
(2010) de Shaun Tan, Andrew Ruhemann
Na altura do texto anterior não tinha falado sobre as curtas de animação, porque ainda tinha esperança de ver todas as curtas que estavam a concurso. Tinha aí uns apontamentos que apontavam para The Lost Thing ou The Gruffalo, por isso julgo que o prémio foi muito bem entregue. Um filme produzido pela Passion Pictures Australia subsidiária da casa mãe inglesa Passion Pictures que no campo da publicidade e efeitos visuais tem sido brilhante.

Agora indo às categorias mainstream, The King's Speech (2010) levou como esperado Melhor Filme, Melhor Actor (Colin Firth), Melhor Argumento Original (David Seidler) e Melhor Realização (Tom Hooper). Natalie Portman Melhor Actriz Principal (Black Swan (2010)). The Social Network (2010) levou a melhor Montagem (Kirk Baxter, Angus Wall) que deveria ter ido para Jon Harris em 127 Hours (2010), melhor Argumento Adaptado (Aaron Sorkin), e melhor música (Trent Reznor e Atticus Ross). Inside Job (2010) levou a melhor no documentário face a alguma expectativa para Exit Through the Gift Shop (2010).

Julgo que a questão da ausência de surpresas não se prende propriamente com a cerimónia mas com a quantidade de outros festivais e concursos prévios, aonde os mesmo filmes estão nomeados o que acaba por contribuir para a total ausência de interesse que a cerimónia dos Oscars se vem tornando com o passar dos anos.

Quando comparado com os outros grandes momentos do ano (Cannes, Veneza, Berlim e Sundance), este festival acaba por ser o menos original. A título de exemplo, desde Dezembro que perdi a conta ao número de prémios que Natalie Portman e The King's Speech ganharam. Desde os Bafta aos Golden Globes passando por quase uma dezena de Associações de Críticos Americanas (Austin, Boston, Ohio, Chicago, Dallas, Florida, Broadcast Film).


A lista completa dos Oscars 2011 pode ser vista na IMDB.

janeiro 25, 2011

Oscars 2011: Animação, Efeitos, Arte e Cinematografia

Foram hoje anunciados os nomeados aos Oscars 2011, a lista completa pode ser vista na IMDB. Destaco aqui as categorias que mais nos interessam: Animação, Efeitos, Arte e Cinematografia. Deixo a minha previsão, ou talvez melhor desejo, ilustrando com uma imagem os que poderão ganhar.


Melhor Animação


Toy Story 3 (2010): Lee Unkrich, Pixar (Ganhou 5 oscars: Finding Nemo (2003), The Incredibles (2004), Ratatouille (2007), Wall-E (2008), Up (2009))
How to Train Your Dragon (2010): Dean DeBlois, Chris Sanders
L'illusionniste (2010): Sylvain Chomet


Efeitos Visuais


Inception (2010): Chris Corbould e Paul J. Franklin (2ª nomeação: The Dark Knight (2008)), Andrew Lockley, Pete Bebb,
Alice in Wonderland (2010): Ken Ralston, David Schaub, Carey Villegas, Sean Phillips
Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 1 (2010): Tim Burke, John Richardson, Christian Manz, Nicolas Aithadi
Hereafter (2010): Michael Owens, Bryan Grill, Stephan Trojansky, Joe Farrell
Iron Man 2 (2010): Janek Sirrs, Ben Snow, Ged Wright, Daniel Sudick


Direcção de Arte

Alice in Wonderland (2010): Robert Stromberg (Ganhou no anterior com Avatar (2010)), Karen O'Hara
Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 1 (2010): Stuart Craig, Stephenie McMillan
Inception (2010): Guy Hendrix Dyas, Larry Dias, Douglas A. Mowat
The King's Speech (2010): Eve Stewart, Judy Farr
True Grit (2010): Jess Gonchor, Nancy Haigh


Cinematografia

Inception (2010): Wally Pfister (4ª nomeação: The Dark Knight (2008); The Prestige (2006), Batman Begins (2005))
Black Swan (2010): Matthew Libatique
The King's Speech (2010): Danny Cohen
The Social Network (2010): Jeff Cronenweth
True Grit (2010): Roger Deakins

janeiro 19, 2011

Retrospectiva CG 2010


A CGSociety - Society of Digital Artists é uma comunidade dedicada aos domínios da engenharia e computação gráfica juntamente com a arte gráfica digital. É talvez a comunidade online mais importante na área, em grande medida por ser capaz de reunir pessoas de espectros científicos diversos que partilham o mesmo amor pela construção de mundos digitais. Uns mais dedicados à tecnologia, outros à arte contudo todos com o mesmo objectivo. Para além disso fazem parte desta comunidade desde os profissionais mais respeitados aos amadores apenas.
Deste modo torna-se importante perceber o que é que esta comunidade tem a dizer sobre os desenvolvimentos no campo, volvido mais um ano. E é isso que podemos ver no artigo CGRetrospective 2010, um TOP 20 eleito pela comunidade de forma democrática e objectiva.


01- Lagoa Multiphysics 1.0 de Thiago Costa


O primeiro trabalho da lista é um engine de física realística, que quando aplicado em partículas se torna verdadeiramente impressionante. Desenvolvido pelo brasileiro Thiago Costa actualmente Lead Technical Director na Ubisoft Digital Arts em Montreal. O seu "Lagoa Multiphysics 1.0" foi apresentado pela primeira vez ao público em Julho deste ano. Esta é uma criação da engenharia informática e da matemática aplicada que vem trazer inovação para o seio da CG. Os seus frutos começarão a ser vistos ao longo deste ano de 2011.
Não deixa de impressionar ainda ver que temos no topo da lista algo desenvolvido por um indivíduo apenas contra os restantes concorrentes que são constituídos por enormes equipas de talentos de todo o mundo. Não é apenas o tamanho das equipas, falamos de artefactos que possuem toda uma máquina para se fazer ouvir, para se tornarem credíveis e para criar seguidores.
Pode ainda ver-se no site da CGSociety uma entrevista ao Thiago Costa.



02- Inception (2010) de Christopher Nolan

Não é de todo uma surpresa mas não deixa de o ser uma vez que grande parte do buzz começou por se afirmar em redor da forma narrativa, e do tema e por isso mesmo as categorias a que tem sido nomeado são bastante abrangentes. Devo dizer, infelizmente, que tem sido mais agraciado no campo técnico da Cinematografia, Montagem e Efeitos Visuais mas escusado será dizer que sou suspeito, uma vez que elegi Inception como o melhor filme de 2010.
Um dos momentos visuais mais impressionantes do filme é o chamado efeito "folding city", ou o "embrulhar da cidade" que se pode ver na imagem acima.



03- Toy Story 3 (2010) de Lee Unkrich


Toy Story continua a ser uma referência neste terceiro tomo, não traz mais do mesmo como seria de esperar, é antes um fabuloso trabalho de storytelling. Diria que de certo modo denota alguma contaminação da linguagem narrativa dos videojogos, contudo é incomparavelmente superior a qualquer outro trabalho da Disney recente neste aspecto. Ainda sobre o campo da narrativa digo que este ano foi surpreendido por um filme da Universal, Despicable Me (2010) que em meu entender poderá ombrear com Toy Story 3 em termos meramente narrativos, já que tecnicamente não tem qualquer hipótese, apesar de aparecer neste top da CGS em 8º lugar.
Em termos técnicos a Pixar continua a fazer o que sabe melhor, o legado da série Toy Story é tão só ter sido a primeira longa-metragem de animação 3d da história do cinema. Digo sinceramente que o 3d da Pixar já não surpreende, não por não trazer algo de novo, mas antes por ser inquestionavelmente o melhor ano após ano.
Acima de tudo o seu brilhantismo, e que aqui é levado ao extremo, está no casamento perfeito entre arte e tecnologia. O 3d de Toy Story 3 denota uma sensibilidade visual elevadíssima, com a cor a ser trabalhada em paletes altamente saturadas e diversificadas e mesmo assim com sentido, ou seja não provocando interferência na história e servindo-a de uma atmosfera riquíssima.

Concordo com estes três primeiros trabalhos do TOP 20 e talvez fizessem apenas três pequenas alterações nos restantes da lista. Colocaria imediatamente a seguir em 4º Red Dead Redemption, depois em 5º God of War 3, seguido de Iron Man 2. No entanto a restante lista encontra-se aqui abaixo e vale a pena perder um bocado e analisar em detalhe no site da CGSociety.

04- The Foundry's Mari
05- Autodesk Softimage 2011
06- Autodesk Maya 2011
07- How to Train Your Dragon
08- Despicable Me!
09- Tron Legacy
10- Pixologic ZBrush 4.0
11- Next Limit RealFlow 5
12- Blender 2.55
13- Autodesk 3ds Max 2011
14- God of War 3
15- Stereoscopy
16- Red Dead Redemption
17- Prince of Persia
18- Octane Render
19- Iron Man 2
20- Avatar - The Last Airbender

janeiro 06, 2011

Efeitos Visuais: os últimos 7

Estes são os últimos 7 filmes na corrida para a categoria de Efeitos Visuais dos Oscars de 2011. Os membros do juri da área, terão agora de ver uma sessão de 15 minutos de cada filme, no dia 20 de Janeiro 2011, para decidir quais serão os 5 nomeados. As regras desta categoria podem ser vistas aqui. Os nomeados serão divulgados a 27 de Janeiro 2011.


"Alice in Wonderland"

"Harry Potter and the Deathly Hallows Part 1"


"Hereafter"


"Inception"


"Iron Man 2"


"Scott Pilgrim vs the World"

"Tron: Legacy"



[via CGW]

janeiro 03, 2011

Resumo Cinema 2010

Melhores 10 filmes produzidos em 2010


1 - Inception, Christopher Nolan
2 - Copie Conforme, Abbas Kiarostami
3 - Shutter Island, Martin Scorsese
4 - Buried, Rodrigo Cortés
5 - Black Swan, Darren Aronofsky
6 - The American, Anton Corbijn
7 - Alice in Wonderland, Tim Burton
8 - Scott Pilgrim vs. the World, Edgar Wright
9 - Toy Story 3, Lee Unkrich
10 - The Social Network, David Fincher

Foram 243 filmes vistos em 2010, mas apenas 36 filmes produzidos em 2010 (seguindo as datas da IMDB). Ficam de fora vários trabalhos produzidos em 2010 e que não tive ainda oportunidade de visionar, tais como: The King's Speech; 127 Hours; Biutiful; Winter's Bone; Rabbit Hole; Tron: Legacy; It's Kind of a Funny Story; Another Year; Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives; Carlos; The Autobiography of Nicolae Ceausescu; Film socialism; Somewhere.
A vantagem de listar todos os filmes que vemos é poder no final de um ano olhar para trás e analisar em maior detalhe o que se fez, o que se privilegiou, a experiência em geral.

Origem dos filmes (243)

Tipologia das notas atribuídas aos filmes (243)


Divisão por géneros dos filmes (243)


[Para ver todos os 243 filmes veja a Lista Geral de Filmes]

dezembro 07, 2010

A narrativa em Inception

Inception (2010) está longe de possuir uma narrativa fácil e não é a primeira vez que Christopher Nolan nos coloca à prova. Em 2000 escreveu e realizou o guião de Memento (2000) a partir de um conto do irmão Jonathan Nolan no qual colocou a audiência a andar para trás narrativamente.


Distribuição dos conflitos da narrativa, em modo reverso, de Memento (2000)

Agora a história é originalmente sua e desta vez leva-nos a atravessar camadas narrativas, em que cada camada é um sonho e o conjunto constrói uma representação do modelo das bonecas russas. Inception supera em complexidade Memento, aliás algumas críticas chegam a fazer referência ao facto de o filme conseguir levar-nos a acreditar em algo que não estamos sequer a compreender. Ou seja, não percebemos concretamente tudo o que está a acontecer, mas parece plausível, faz sentido e queremos acreditar. No fundo a história subjacente ao filme deixa de ser relevante e passamos a ser transportados apenas pela narrativa.

Visualização da Narrativa de Inception concebido por Sean Mort.

Existem vários trabalhos na internet que pretendem desmontar e analisar os níveis de camadas narrativas presentes no filme, com diagramas e gráficos, como o que se pode ver acima entre outros (1, 2). O trabalho que aqui trago é feito em vídeo e com recurso a imagens do próprio filme, foi feito por Weikang Sun, estudante de Engenharia Química na Stanford University, e disponibilizado no YouTube. É uma releitura de Inception com um ecrã dividido em 4, no qual podemos ver as camadas de cada sonho a surgirem à frente dos nossos olhos. É-nos apresentada assim uma reconstrução "narrativa" para que esta se aproxime da "história". Os eventos deixam de ser mostrados em sucedâneo e passam a ser mostrados em paralelo, ou seja da forma como ocorrem cronologicamente.