"Poucas pessoas são neutras nos sentimentos para com Thatcher, excepto os criadores deste filme" Ebert, 2012
Não existem obras neutras, nem discursos neutros, porque simplesmente "é impossível não comunicar". O que aqui temos é uma tentativa de lavagem da figura política. Ainda assim, e é sobre isso que me interessa este texto, o momento da guerra das Malvinas/Falklands, é o melhor do filme. Pelo menos aqui, o filme não se limita a fluir, ainda que tente. Não fosse o surgimento desta "guerra" e Thacher, não teria sobrevivido sequer até ao final do primeiro mandato. Guerra entre aspas (temos de chamar guerra, porque no meio da aberração política fizeram-se mais de mil mortos), porque é difícil chamar guerra a um conflito sobre meia dúzia de metros de terra que não interessavam a ninguém.
Ou melhor, interessaram a quem lançou a suposta guerra. Tanto a Argentina como a Inglaterra viviam momentos difíceis, por isso nada melhor do que ter uma guerra a decorrer, que fosse capaz de levantar os mais puros instintos da espécie humana, da luta pelo território. Por atacado o nacionalismo / populismo e com isso toda a força emocional de um povo, contra tudo e contra todos, "contra os canhões marchar". Com isto Thatcher conseguiu, não apenas permanecer como primeira-ministra do Reino Unido, ao longo de 11 anos, como conseguiu impor as mais duras reformas de sempre, nunca antes vistas num país democrático, impondo a tríade milagrosa: "desregulamentação financeira", "flexibilização do trabalho", e "privatização do estado".
Guerra das Malvinas/Falklands, foram mortos mais de 700 argentinos e 200 ingleses.
O que Thatcher fez em 11 anos não foi novo, tinha sido já tentado em outros países, nomeadamente da América do Sul, mas via ditadura. Mas até nesse sentido, o filme, não é tão neutro como isso. No final do filme, sente-se que Thatcher, de democrata, tinha muito pouco, só o tom da sua voz, era suficiente para impor a política pretendida junto da oposição. Uma clara ditadora da austeridade. Olhando para o filme, não consigo deixar de estabelecer paralelos entre Thatcher e Merkel, no que toca à Ditadura da Austeridade. E isso está à vista de todos.
Sátira do cartaz do filme com Merkel no papel de Thatcher
Diagrama matemático "Philips Curve" baseado nas teorias de Milton Friedman, que diziam que "quanto mais baixo for o desemprego, mais alta será a inflação". Uma teoria que é apenas isso, uma teoria, mas quando aplicada como verdade absoluta, pode ter efeitos perversos.
E sobre tudo isto impressiona ainda que estes modelos matemáticos de economia social, tenham sido todos emanados de um mesmo centro nevrálgico, os anos 50-60 na Universidade de Chicago, nas figuras de Friedrich Hayek e Milton Friedman. Friedman que depois de morrer em 2006, depois do colapso dos mercados não-regulados em 2007, parece estar mais vivo que nunca na Europa. Para que se perceba o alcance da ideologia económica de Chicago, deixo uma afirmação de Friedman,
"Só uma crise - verdadeira ou percepcionada - produz mudanças reais. Quando a crise ocorre, as acções que se tomam dependem das ideias à sua volta. Isto, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las vivas e disponíveis, até que o politicamente impossível, se torne no politicamente inevitável." Milton Friedman, Capitalism and Freedom, 1962, p.IXÉ isto, produzir uma crise de tal forma violenta (veja-se a pressão sobre os PIGS, veja-se o estado da Grécia, ou veja-se o estado atual de Portugal), em que aquilo que era impossível até aqui politicamente, se torna politicamente inevitável.
"Nós temos um sonho. Nós ainda estamos vivos. Nós só queremos paz. Mas ... temos que lutar."
Voltarei a este assunto novamente, não podemos calar, como alguns apregoam por este país fora.