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novembro 28, 2015

Microinterações

Vivamente recomendado para todos os que desenvolvem IxD ou UX. Dan Saffer é um dos mais interessantes autores da área, sendo capaz de fazer todo um trabalho de tradução e síntese das práticas de interação em linguagem acessível, concreta e de aplicada. Para quem se interesse por iniciar a área costumo recomendar o seu primeiro livro “Designing for Interaction”, este é dirigido a quem já está no mundo da interação, e procura formas de aprofundar o trabalho que faz, assim como compreender aquilo que faz. Este novo livro de Saffer está dentro das dimensões a que nos habitou, sensivelmente 200 páginas e de leitura leve, lendo-se muito rapidamente, mas mais importante que isso, assimilando-se a base conceptual e sua aplicação.


Microinteractions” fala-nos de interação, mas não qualquer tipo, como o nome indica fala das interações mais pequenas, quase reduzidas a um único ciclo - ligar/desligar - tais como ligar um alarme, realizar o login num sistema, regular um termostato, ou realizar uma pesquisa num motor de busca. Falamos de um tipo de ação que pela sua natureza se poderia qualificar mais de reativa do que interativa. Ainda assim, e tendo em conta o enfoque em plataformas computacionais, e ainda o peso que normalmente todo o contexto assume, estas ações não se podem categorizar como meramente reativas. Ou seja, ter uma caixa de pesquisa que tenta adivinhar o que estou à procura à medida que vou escrevendo, ou um alarme que decide se toca ou não quando silencio os sons do telemóvel, implica muitos mais ciclos de informação, do que a mera ação à superfície parece indiciar.



Saffer resume as microinterações a uma base constituída por 4 componentes:  trigger, regras, feedback e loops:

Trigger: Falamos do despoletador da interação, que pode ser um mero botão, simples e direto, a algo mais complexo, menos intuitivo, como uma caixa de inserção de texto ou uma barra de arrastar. Este elemento é em essência a base da affordance da micointeração, aquilo não só que permite iniciar, mas antes de mais aquilo que convida, e incita mesmo à interação.

Regras: Aqui entramos no território da regulação dos efeitos da nossa ação. O que se pressupõe que aconteça, e como é que isso acontece (em que ordem, durante quanto tempo, etc.).

Feedback: A garantia da efetividade das nossas ações, e a forma de garantir ao interator uma compreensão completa do desenrolar das regras da interação.

Loops & Modos: Este elemento poderia perfeitamente estar enquadrado no âmbito das regras, contudo acredito que Saffer opta por o destacar por forma a enfatizar a particularidade do funcionamento da microinteração, que apesar da sua ação focada, se pode ampliar por via da sua componente cíclica. Um exemplo pode ser visto no modo como um simples sensor repete, em loop, a detecção de movimento, tentando perceber se deve manter uma luz acesa ou não.

Se estes 4 componentes são centrais na proposta de Saffer, não deixa de ser interessante um segundo grupo de regras que este vai propondo e repetindo ao longo do livro, sobre o modo como devemos mudar a nossa aproximação ao desenho da microinteração, a que podem desde já aceder através da leitura do poster de referência rápida, mas que aproveito para aqui listar e explicar:

Bring data forward: um princípio que procura garantir que o nosso trigger é capaz de nos incentivar a agir, mas que é também capaz de garantir feedback do estado inicial, durante e final, se possível. Ou seja, uma capacidade de dar conta do estado interno da microinteração. Exemplo: pode ser visto nas barras de loading por vezes incluídas em ícones, que nos permitem saber a posição temporal de uma música que está a tocar, ou perceber a posição em percentagem de um download que estou a realizar num browser.

Don’t start from zero: Este princípio é muitas vezes repetido por Saffer, já que ele enquadra todo o design de interação, contudo neste caso específico ele refere-se à necessidade de pensar a interação, e conceber o seu contexto, procurando desta forma antecipar as necessidades do utilizador, tanto as internas da microinteração, como as que podem surgir após o término da mesma. Exemplo: quando preciso de teclar o e-mail num form no meu smartphone, o sistema de teclado quando chamado, e prevendo a necessidade do símbolo @, pode apresentá-lo desde logo no teclado principal.

Long loops: Este princípio está intimamente ligado ao componente loops assim como ao princípio “don’t start from zero”, e assim o que se procura é, garantir que a interação possa antever as próximas interações, e nesse sentido evoluir o seu funcionamento em função de acções anteriores. Exemplo: se eu nunca uso a função snooze no meu alarme, então ao fim de um determinado número vezes de interações, o sistema pode simplesmente desligar essa opção, não me incomodando depois de eu já estar acordado.

Use the overlooked: No último princípio fica a recomendação do design gráfico e sua preocupação cognitiva, no sentido de facilitar o processo aos interatores, e que passa por evitar adicionar novas componentes visuais ou sonoras para garantir o feedback. O exemplo mais comum na computação está sempre na nossa frente na forma de cursor, que como sabemos vai alterando a sua expressão visual, em função da posição que ocupa no ecrã e o que está por baixo (um botão, um campo de texto, o computador a processar, etc.).


Como disse no início, e se pode ver por estes componentes e princípios que resumem, de forma genérica o livro, a obra de Saffer é bastante direta e aplicada, servindo imensamente todos aqueles que trabalham na área.

novembro 11, 2015

O desastre anunciado no design da Apple

"How Apple Is Giving Design A Bad Name" é um texto fundamental, escrito por duas das mais importantes figuras internacionais do Design de Interação, Don Norman e Bruce Tognazzini, sobre os problemas de que hoje enferma o design da Apple. Aliás, o texto é tão bom e detalhado que merecia ter sido pago, e bem pago, pela Apple como consultoria externa. Vale a pena ler todo o documento, e refletir não apenas naquilo em que a Apple se transformou, mas também aquilo que continua a ser a essência do Design de Interação.


Vou começar pelo final do texto, o momento em que Norman e Tognazzini identificam aquela que eu acredito ser a origem do problema, e que está na seguinte frase:
“Industrial design is primarily concerned with materials and form, and this is the area in which Apple excels. Graphic design is supposed to be about aesthetics and communication, but Apple has emphasized appearance to the great detriment of the communication component.”
Ou seja, a Apple é hoje uma marca de excelência em Design Industrial, deixou de o ser em Design Gráfico, no sentido em que se perdeu no Design de Interação. Porque aconteceu isto? Julgo que a resposta dá pelo nome de Jonathan Yve. Durante anos Jobs vendeu-nos Yve como um visionário, mas eu só percebi concretamente quem era Yve quando li o livro “Jony Ive: The Genius Behind Apple's Greatest Products“ (2013). Foi aí que percebi de onde vinha, e ao que vinha, o que o motiva verdadeiramente. Nada tenho contra Yve, mas a sua filosofia de design é totalmente distinta da de Jobs, acima de tudo porque a base de Yve é o industrial. Aliás esta diferença entre os dois ficou patente quando Jobs morreu e Yve assumiu as funções máximas dentro da Apple, sendo que uma das suas primeiras ordens foi ditar o fim das metáforas nas interfaces, o esqueumorfismo que Jobs tanto idolatrava, propondo em seu lugar o "flat design”.


A Apple sempre teve problemas com o design de interação, principalmente porque como qualificou Dan Saffer em "Designing for Interaction", optou por uma abordagem centrada no Génio. Ou seja, uma pessoa iluminada capaz de ter ideias suficientemente empáticas que todos os outros vão desejar ter. Isto acontecia com Jobs muitas vezes, apesar de não ser infalível, mas está longe de ser o terreno de Yve, que é antes de mais um designer industrial. É alguém muito bom para desenhar o hardware da Apple, como temos visto desde que ele está na Apple, mas não é a pessoa indicada para estar à frente de todo o design, mais concretamente do de interação do OS.

Como dizem os autores, não culpem a Bauhaus ou Dieter Rams, os princípios seguidos hoje pela Apple nada têm que ver com 10 princípios de Rams, e nem sequer com os princípios originais do design do Macintosh que foram centrais no suporte do chamado design de interação focado no génio, em vez de baseado nos utilizadores. Mas como se pode ver no quadro abaixo esses princípios basilares foram completamente deturpados, tudo em nome da obsessão estética, a forma acima da função.

Quadro comparativo dos princípios de design, entre 1995 e 2015

O que mais me choca neste interessantíssimo quadro, para além do reduzido número de princípios que sobraram, depois do desbaste motivado pela obsessão pela simplicidade, é a inversão de prioridades, com a Metáfora a trocar de posição com a Estética. Imperdoável, e Yve sabe tão bem isto, contudo com o tempo claramente que foi perdendo o contacto com a realidade. Mesmo em termos de design industrial, veja-se o último Mac apenas com uma entrada/saída, apesar de ser um feito de design e engenharia, é-o totalmente à custa da funcionalidade e dos seus utilizadores. Yve, ou melhor a Apple, precisa de compreender que não está a desenhar uma jóia mas uma ferramenta de trabalho.


Problemas identificados por Norman e Tognazzini 
“A woman told one of us that she had to use Apple’s assistive tool to make Apple’s undersize fonts large and contrasty enough to be readable. However, she complained that on many app screens, this option made normal fonts so large that the text wouldn’t fit on the screen. It’s important to note that she did not have defective vision. She just didn’t have the eyesight of a 17-year-old.”
“So often, the user has to try touching everything on the screen just to find out what are actually touchable objects.”
“the inability to recover after an undesired action. One way to do that is with undo, the addition of which to the original graphical user interfaces was brilliant. Not only did it allow for recovery from most actions, it gave users the freedom to try new actions, confident of their ability to recover if the result was not to their liking. Alas, Apple, in moving to iOS, initially discarded this essential element of system design (..) So guess what happened? People complained. En masse. So they put undo back in, sort of: All you have to do to undo is to violently shake your phone or tablet. But undo is not universally implemented, and there is no way to know except by shaking.”
“Apple products deliberately hide complexity by obscuring or even removing important controls. As we often like to point out, the ultimate in simplicity is a one-button controller: very simple, but because it has only a single button, its power is very limited unless the system has modes. Modes require a control to take on different meanings at different times, leading to confusion and errors.”

Diferenças entre formação de designers, segundo Norman e Tognazzini
“In the design arena, interaction designers trained in psychology know the principles of conceptual models, clarity, and understandability, while those trained in computer science may not, and those from the graphic design field seem to think that interaction design means websites, and they often fail to understand either programming niceties or human-computer interaction.”

O que se perdeu no processo, segundo Norman e Tognazzini
1 - Discoverability
2 - Feedback
3 - Recovery,
4 - Consistency
5 - Encouragement of growth
O segundo ponto aqui destacada, da perda do feedback é um autêntico tiro no pé da Apple. Como é possível extrair o feedback, se ele não apenas é central na interação, como é a base de qualquer processo de comunicação? Claramente um indicador de que a Apple não pretende mais comunicar, mas apenas transmitir. Outro princípio fundamental é o 5º, a Apple deixou de encorajar o crescimento das pessoas, está apenas focada na transmissão, como tal no consumo por parte das pessoas (iTunes, iPad, Apple TV, etc.) e não no que elas possam criar.
“Good design encourages people to learn and grow, taking on new and more complex tasks once they’ve learned the basics. Snapshot takers grow to become photographers, personal journal writers become bloggers, and children try programming and end up seeking careers in computer science. For decades, encouraging learning and growth was the life blood of Apple, a principle so important that it was universally internalized and understood.”

Leiam o texto completo:
How Apple Is Giving Design A Bad Name”, Don Norman e Bruce Tognazzini, (10.11.2015)

novembro 01, 2015

"Her Story" (2015)

Na semana passada foram anunciados os vencedores do IndieCade, com o grande prémio a ser conquistado por um dos mais interessantes videojogos deste ano "Her Story" de Sam Barlow, ao que se juntou o interessantíssimo facto, da entrega do prémio carreira a Brenda Laurel. A leitura da lista de premiados gerou impacto pela conexão entre os dois prémios o que me levou de imediato a dedicar-lhes a minha coluna no IGN: "A Narrativa nos Indies".


"Her Story" é uma viagem no tempo, mas e por isso mesmo mesmo é uma consagração de algo que pensávamos perdido no tempo. Usando os rudimentos da linguagem interativa dos anos 1990, Barlow apresenta um artefacto que consegue ir muito para além de tudo o que conhecíamos assim caracterizado, consegue agarrar a nossa atenção e emocionar a nossa experiência. Na verdade só a superfície é dos anos 1990, por baixo temos toda uma lógica e algoritmia a que não tínhamos ainda chegado noutros tempos, por isso acabamos sendo apanhados totalmente desprevenidos, como que enganados pelas inferências imediatas que vamos realizando ao entrar no jogo. Não posso deixar de agradecer ao Carlos Mendes que teve a enorme amabilidade de me oferecer uma chave para o jogo em junho, assim que saiu.

Brenda Laurel no IndieCade 2015 recebendo o Trailblazer Award

Brenda Laurel é nada menos que a musa inspiradora de todo o meu interesse pela Interatividade. Nos anos 1990 o meu mundo girava em redor da arte cinematográfica. Foi o contacto com Laurel e o seu livro "Computers as Theatre" que me fizeram mudar a agulha dos interesses, nomeadamente fizeram perceber que existia ali algo relevante que precisava desesperadamente de ser estudado e aprofundado. Passados 20 anos, ainda por cá continuo, e ela também.

outubro 05, 2015

Jogos educacionais que funcionam

Apesar de grande parte do tempo sentirmos dúvidas sobre o potencial dos jogos educacionais, por vezes surgem exemplos que individualmente são capazes de nos iluminar, e acender uma forte centelha de esperança. O que temos em "Neurotic Neurons" (2015) é a interatividade, o jogo e a simulação ao serviço de uma verdadeira pedagogia lúdica.



Nick Case criou um pequeno artefacto interativo que se socorre em parte de jogo mas que está essencialmente direcionado para a exposição, por via da simulação, do modo como funcionam os nossos neurónios, nomeadamente como geram e perdem memórias. O seu objetivo com este trabalho assenta num fim muito concreto, conseguir levar as pessoas que sofrem de ansiedade, traumas ou fobias, a compreender como funcionam as suas mentes, e o que podem tentar fazer para sair dessa situação. A base científica de suporte assenta na "terapia de exposição", e o resultado é admirável, não apenas por conseguir envolver-nos e motivar-nos a interagir e a querer saber mais, mas porque a mensagem passa verdadeiramente.

Case percebeu que face a um assunto de grande complexidade, como é o caso da ansiedade, precisava de realizar uma abordagem simples se o queria fazer por meio de comunicação audiovisual, e foi isso que fez, focou-se apenas num dos elementos da questão, pesquisou e investigou a informação factual, e criou. Diga-se, em toda a linha com aquilo que ainda ontem aqui dava conta a propósito do último filme da Pixar, "Inside Out" (2015).

Podem interagir e jogar em Neurotic Neurons, ou ainda ler uma entrevista de Case ao Kill Screen. No site do jogo, o autor providencia ainda uma listagem de vários links para compreender em maior profundidade o assunto tratado na sua obra.

agosto 09, 2015

Interatividade corpórea

Esta semana escrevi para o IGN a propósito da vaga de videojogos com personagens físicas, iniciada pela Activision com "Skylanders", seguida pela Disney, Marvel e Nintendo, aguardando-se ainda para este ano Star Wars e LEGO. Relevante perceber como de há alguns anos para cá assistimos ao movimento inverso daquele que nos trouxe até aqui, ou seja uma materialização do virtual.




O texto aflora apenas alguns itens da relevância deste assunto, abrindo portas para que se procure mais, já que passa por aqui o futuro do design de interacção e de experiências.

Ler texto completo no IGN Portugal, "Experência do Entertenimento".

maio 21, 2015

Definições e exemplos do storytelling interativo

Mark Brown é autor da série Youtube "Game Maker's Toolkit", dedicada a dissecação do design de videojogos. O último episódio, "Telling Stories with Systems", foi dedicado ao modo como os videojogos mesclam jogo e narrativa, ou seja como introduzem interatividade nas histórias, ou criam o chamado storytelling interativo.




Ao longo de 7 minutos Brown disserta sobre as 4 grandes possibilidades do uso da narrativa - linear, árvore, multilinear e emergente - e apesar de não lhes atribuir estes nomes em concreto, acaba fazendo um belíssimo trabalho de levantamento de casos exemplo que demonstram cada uma destas possibilidades. Brown centra-se sobre aquilo que podemos designar por histórias-sistema, que não são mais do que as narrativas emergentes, que são aquelas que verdadeiramente maior potencial têm, contudo como ele acaba reportando, são também aquelas que maiores riscos, de serem incapazes de gerar envolvimento, correm.

Ainda que não mencionado, aproveito para apontar dentro da lógica emergente ou história-sistema, o videojogo "Papers, Please" (2012) como um dos melhores exemplos, nomeadamente por ser um caso em que tanto a produção como a jogabilidade são bastante simples, dando assim conta do facto de não ser necessário avançar para estruturas altamente elaboradas e complexas para se produzir uma experiência poderosa, capaz de se dar a cada jogador num ciclo de interatividade real.


Para descobrir mais sobre as narrativas interativas podem ler o meu livro "Emoções Interactivas" que está disponível gratuitamente em versão digital. Para ler especificamente sobre as várias estruturas de narrativa interativa, sigam para a página 217.

maio 18, 2015

Mestrado em Media Interativos 2015/2016

Abre hoje a primeira fase de candidaturas ao Mestrado em Media Interativos 2015/2016. Este ano contamos com uma novidade; depois de termos começado, em 2010, com o Adobe Flash e Actionscript; na segunda série termos passado pelo Processing; este ano iremos iniciar uma nova abordagem, que esperemos que se prolongue pelos próximos anos, e que assenta na adopção da plataforma Unity.


O Unity como plataforma de criação interativa apresenta uma versatilidade muito superior a qualquer uma das plataformas anteriormente utilizadas, e por isso vai permitir-nos não só servir a parte de introdução à programação, na UC de Programação Interativa, como vai depois servir o desenvolvimento 3d, na UC de Animação e Ambientes Virtuais, podendo ainda, caso os alunos assim o entendam, uma vez que é de escolha livre, servir a realização dos projetos finais da UC de Design de Videojogos.

A todos os interessados, nomeadamente licenciados em Comunicação, Multimedia, Design, Videojogos, assim como áreas afins, podem obter mais informação sobre o mestrado na sua página. Esta primeira fase estará aberta de 18 de Maio 2015 a 12 de Junho 2015.

maio 11, 2015

Jornalismo 'Interactive Storytelling'?

O projecto Future NYT é fruto da cadeira “The Future of the New York Times”, criada este ano por Jay Rosen na Universidade de Nova Iorque e seguida por 12 alunos, e que tem servido de palco a uma revisão académica do que tem sido feito pelo NYT para renovar o jornalismo em tempos de online digital. Os trabalhos aí publicados são realizados por alunos, por isso não se espera amplitude e profundidade, contudo dão conta do estado do jornalismo digital, e mais ainda do sentimento de quem o consome. E foi exactamente motivado por este último ponto que resolvi escrever este texto.



Elif Koc, estudante de Jornalismo e Informática, escreveu o texto "Review of Interactive Storytelling at the New York Times", publicado ontem, no qual realiza uma revisão dos formatos multimedia utilizados pelo NYT. Este texto que poderia não passar de uma mera listagem e comparação dos diferentes trabalhos multimedia do NYT, acaba por revelar em si mesmo, um dos maiores problemas destes novos formatos.

A autora começa desde logo por analisar alguns trabalhos multimedia qualificando-os, erradamente, como Interactive Storytelling (IS), um erro que não lhe atribuo, já que este termo tem sido usado pelos colegas do jornalismo para etiquetar o simples uso de diferentes media numa mesma peça. Segue então para uma breve análise de alguns trabalhos recentes do NYT, nomeadamente o mais famoso, "Snow Fall" (2012), apontando depois os problemas de produção, incompatíveis com os custos e timings jornalísticos. Mas o melhor surge na segunda parte do texto, em que Koc resolve fazer um pequeno estudo junto de colegas, para perceber do impacto e envolvimento gerado pela experiência de um simples texto longo do The Atlantic contra uma peça multimedia do NYT, e acaba por receber um feedback de 7 contra 3, com explicações qualitativas do que motiva as pessoas a preferir o texto longo.

Contudo, nos seus Pensamentos Finais, a autora praticamente descura os factos que tinha apontado como problemáticos em termos de produção, mas pior do que isso ignora totalmente o pequeno estudo que realizou perante um grupo de sujeitos reais, leitores e utilizadores. Este discurso não é novo, é o claro discurso de quem faz, de quem cria, a querer impor a sua visão sobre os outros, acreditando que, enquanto criadores vemos além, e sabemos melhor o que os outros precisam. Ora isto vem contra tudo aquilo que se ensina em Interacção Humano-Computador (IHC), o design da interacção não pode ser feito contras os utilizadores, mas antes de mais com eles, e para eles.

Isto denota uma total ausência de conhecimento não apenas dos princípios fundamentais da IHC mas de tudo aquilo que torna a linguagem interactiva relevante, o que fica desde logo claro pela incorrecta utilização do termo IS. A interactividade é central no mundo do online digital, mas não é um mero atributo, é toda uma nova linguagem. Escrever um texto jornalístico não é, nem tem que ser, o mesmo que escrever um artefacto interactivo. Deste modo colar peças multimedia sobre um texto jornalístico não beneficia em nada esse mesmo texto, antes pelo contrário. Daí que não me admire com o resultado do pequeno estudo realizado pela aluna, que se fosse ampliado em número continuaria a dar os mesmos números, porque não diferem dos que temos obtido ao longo dos últimos 30 anos.

abril 09, 2015

“Way to Go”, uma viagem interativa sensorial

Mas que experiência mais deliciosamente interativa acabei de experienciar com a obra interativa “Way to Go” (2015). Criada pelo estúdio AATOAA, produzida pelo National Film Board of Canada e co-produzida pela France Televisions, “Way to Go” é o mais recente trabalho interativo da equipa que já nos tinha dado o genial “Bla Bla” (2011). O multi-premiado realizador Vincent Morisset tem-se afirmado como grande defensor da arte interativa, sendo mesmo um dos assinantes do Digital Storytelling Manifesto, mas nem por isso deixa de desenvolver trabalho não-interactivo como são os casos dos documentários para os Sigur Ros e Arcade Fire, o que demonstra que o seu interesse está centrado na expressividade e não na mera exploração tecnológica.




Way to Go” é um trabalho de enorme qualidade artística, nomeadamente pelo seu carácter único conseguido nos domínios visual, sonoro e expressivo. "Way to go" foi criado a partir da captura de vídeo a 360º que é depois animado e mesclado com personagens 2d e 3d, a que se justapõe uma interatividade minimal baseada no mero ato de caminhar (com variações de correr, saltar e voar) no espaço. O cenário base é uma floresta que se vai transformando por via de filtros visuais, dando por vezes lugar a espaços abertos ou montanhosos. Os personagens apesar de meras abstracções de folha de papel, são fortemente enriquecidas em linguagem não-verbal capazes de operar a necessária ligação empática com os interatores. No campo sonoro o trabalho composto por Philippe Lambert funciona em articulação com as necessidades da interactividade, sendo capaz de gerar ritmos que nos motivam "a ir atrás".

Way to Go” é uma experiência brutalmente sensorial, dificilmente conseguimos extrair significado directo do que se experimenta, isso fica a cargo de cada um, elaborar sobre o mundo audiovisual interactivo que lhe é dado a vivenciar, criando padrões a partir da estimulação dos seus próprios esquemas mentais. Mas enquanto incentivo sensório "Way to go" funciona muitíssimo bem, essencialmente porque opera a interactividade de forma estimulante, motivando-nos a agir, a interagir, a desejar mais, a querer saber o que está por detrás de tudo o que vemos, ouvimos e sentimos e por isso vamos atrás, não nos rendemos, mesmo quando o "The End" surje na nossa frente, permanecemos ali com a vontade de continuar a experienciar aquele espaço-mundo.



Em essência esta obra consegue envolver-nos por dois grandes motivos, a interacção com a música e com os personagens. Os personagens, como disse acima, são ricos em expressividade o que garante o nosso elo de ligação emocional ao objecto, mais ainda quando estes nos conseguem surpreender ao longo da experiência. Existem dois ou três momentos do mais puro deleite em que os personagens "fogem" ao nosso controlo e ficamos ali totalmente surpresos, imersos, abismados com a qualidade do jogo de interação desenhado. Por outro lado a sonorização ou musicalização do espaço está tão bem conseguida que eu diria que o modo como interajo é muitas vezes realizado em função de seguir a pista sonora. Não que em outros momentos, não esqueça a faixa sonora, parando para contemplar visualmente o que me é dado a sorver, nomeadamente quando chego a cada novo ambiente.




"Way to go" é uma obra interactiva, podemos dizer que é videojogo, mas não somos obrigados a tal. É evidente que o mundo dos videojogos sendo tão rico, e o maior responsável pela evolução da linguagem interactiva, está aqui presente como nenhum outro meio. É o próprio Vincent Morrissey que diz que a grande influência adveio de "Sword and Sworcery" (2011), assim como "Journey" (2012), embora eu apostasse mais em "Dear Esther" (2012) ou "Proteus" (2013). Não é apenas pelo crácter limitado da interacção, navegação tridimensional sem manipulação, mas pelo que brota da experiência, embora partindo de tecnologias muito diferentes, e abordagens conceptuais também muito distintas, julgo que "Way to Go" aproxima-se bastante do universo explorado por "Proteus".

Para quem desejar entender melhor aquilo que se pode experimentar em "Way to Go", nomeadamente comparar as suas impressões com as ideias que conduziram o autor a esta criação, leia-se o excerto abaixo da belíssima entrevista de Vincent Morrissey ao Libération:

"Je suis ornithologue amateur, j’observe les oiseaux depuis que je suis petit. Et j’adore ce moment où tu es dans le bois, les jumelles autour du cou, et pschhh ! Tu as soudain une sorte d’hypersensibilité à ce qui t’entoure. Et puis le lendemain, quand on va au travail, il y a mille détails qui se passent autour de nous mais on ne les voit plus. Je dis une banalité, mais il y a quelque chose là-dedans qui m’anime. Je voulais explorer la notion de l’espace, du temps et notre perception de l’environnement. Comment on se déplace d’un point A à un point B? Quel est l’impact de ce passage sur notre façon de voir les choses, notre état d’esprit à cet instant? Ce à quoi j’ai toujours aspiré avec les projets web, c’est explorer cet intangible, les émotions qui transcendent les histoires et les mots."
"Comme pour Bla Bla, on avait envie d’un truc universel qui transcende les cultures, les langues et les générations, dans lequel tout le monde pourrait se projeter. La forêt a cette qualité d’être familière et mystérieuse à la fois. On se dit : c’est qui ce bonhomme avec son métronome ? Que fait-on ici, quelle est la finalité de l’affaire ? On va à l’encontre du jeu vidéo traditionnel qui donne des objectifs et récompense la performance. Ici, que tu sois un enfant hyperactif ou ma mère, l’expérience fonctionne. Tu peux traîner dans la forêt et t’arrêter tous les deux pas, ou courir comme un malade : ça sera cool dans tous les cas. Tu sautes, tu voles, mais si tu fais une pause tu vas découvrir des petits instants de beauté. Comme si le temps était élastique. On donne l’illusion de se déplacer dans l’espace mais, en réalité, on se déplace dans le temps. On se déplace dans une vidéo que j’ai moi-même filmée, dans mon costume noir. Le trajet est déjà tout tracé. Je trouve très angoissants ces jeux vidéo avec des mondes infinis où on peut aller partout. Ça me fait comme un vertige…" 
Em termos de tecnologias usadas, foi tudo feito para correr directamente em qualquer browser, daí que a base seja o WebGl, socorrendo-se de Javascript, html5, THREE.js e Web Audio API. Existe ainda a particularidade de se poder correr o trabalho directamente em Oculus Rift e assim experienciar tudo isto de uma forma completamente distinta. Já para a produção do trabalho, a lista de necessidades e acções ficou bastante mais extensa do que à partida poderíamos pensar:




  • Dynamic control of 360° videos
  • 83 custom shaders to change in real time lights, grain and visual effects
  • Infinite amount of 3D worlds rendered from drawings on paper
  • Custom system for integration and synchronization of 360° video mappings, 3D environments and 2.5D elements
  • Management and live mixing of thousands of sounds
  • Generative and interactive music score
  • Enveloppes, ADSR, filters and dynamic spacialisation
  • Sound granulation
  • Convolution and reverb
  • Unique techniques for video stiching of 360° shooting in narrow environments
  • Video analysis and tracking system for dynamic integration and creation of heightmaps and 3D scenes
  • Live video stabilization
  • WebVR - Adaptation for the Oculus Rift on a web browser
  • Gamepad API - Game console controllers connection to web browser

Aproveito por fim para vos deixar o prefácio do trabalho, que apesar de estar no site, no canto inferior esquerdo, passa um pouco despercebido, e julgo que vale a pena como leitura de introdução à experiência que vos espera, se decidirem entrar.

"YOU ARE ON YOUR WAY.

Yes, you are on your way.
It is not your first journey but Way to Go is the next journey before you. A walk through strange country - strange, familiar, remembered, forgotten. It is a restless panorama, a disappearing path, a game and a feeling. Way to Go is a small experience that gets bigger as you uncover it.
And the trees will change their shape, and the sky will widen.
And you will fly.
We go away every day. We plunge through the city, skate down roads, tunneling toward a destination without remembering the quests we are on. A journey is a collection of moments - we are here, we are here, we are here, and yet we miss these moments. A journey is a collection of choices - turn here, stop here, choose here, and yet we surrender these choices.
What if we quit surrendering? What if we didn't miss?
Here is a world enclosed in a screen. Here is an adventure. A landscape of leaves and wildflowers, teeming with hidden life. A garden and a wilderness, a wistful blink of dream. You are Jean Painlevé, Marco Polo, Maria Merian. You are Alice, Sonic, Osvaldo Cavandoli. You are a visitor, a cartoon of face and limbs, and you are going on a walk.
Using hand-made animation, music, 360° capture technology and webGL sorcery, Way to Go imagines a dream-world of journeys. Walk, run, fly; crouch in the grass and remember what's hidden all around. Slip like a rumour from one place into another; chase your shadow; listen to the slow pulse of the metronome, black-clad, following in your wake.
Are you alone? Are you not alone? Are you dreaming or awake? Can you ever reach the mountains?
Can you see what's here before you?
Set out through woods and fields, sunlight and aurora, grey and colours.
Set out, in deliberate lucid looking
   and you'll find,
   perhaps,
the present." 
Preface by Sean Michaels

Podem experienciar, de forma completa e gratuita, em Way to go, a duração aproximada da experiência anda à volta dos 6 minutos.

janeiro 01, 2015

Virtual Illusion em 2014

Fui repescar os textos mais vistos e mais discutidos ao longo de 2014 escritos no blog. Este ano em vez de fazer uma listagem dos mais relevantes como em 2013, resolvi dividir os textos por áreas, tendo em conta que abordam questões distintas e por isso acabam por interessar a públicos distintos. Esta é no fundo uma das consequências do trabalho com multidisciplinaridade, todos estes temas fazem sentido para quem trabalha com engajamento e interacção, mas acabam por interessar a públicos mais vastos, com interesses mais focados. Fica a lista e os Votos de um Bom Ano de 2015.


Design de Interacção
1. “Emoções Interactivas", disponível gratuitamente

Educação, Arte e Criatividade
1. Manipulação da democracia, e a praxe da Ciência
2. Damásio fala da Criatividade e do Social
3. Educação e Tecnologia, criação em "multitasking"
4. O que não se diz a propósito da Arte
5. O homem que transformou o papel em píxeis
6. O longo jogo do génio
7. A moralidade da publicidade online
8. Torna-te artista, agora!
9. Porque criámos a Escola, a Arte ou o Entretenimento


Videojogos
1. Videojogos no "Sociedade Civil"
2. indies mais aguardados
3. Preservação de memórias nos videojogos
4. O "regresso" do 2d
5. Estética do Excepcionalismo Americano, "Bioshock Infinite" (parte I)


Animação
1. Quando a animação reflete o país de origem
2. O tempo da animação digital
3. Do estado da animação nacional
4. Recriação de grande quadro em 3D
5. "Feral", da ilustração à animação
6. A condição da amizade numa animação dramática

dezembro 28, 2014

Um conto de natal interativo

A Simogo, empresa sueca constituída por Simon Flesser e Magnus Gardebäck, conhecida por trabalhos como "A Year Walk" (2013), "Device 6" (2013) ou "The Sailor's Dream" (2014), resolveu criar um presente de natal este ano para presentear os seus fãs por todas as mensagens que lhes fazem chegar sempre que lançam um novo trabalho. "The Sensational December Machine" (2014) é um 'conto interactivo', escrito e desenvolvido ao longo de três semanas, que se pode experienciar em PC ou Mac gratuitamente.



"The year is almost over, and it's that time of the year when you look back, get a bit contemplative and perhaps even a little misty eyed. What we found looking back, is that we always get so much support and kindness from our fans, and we wanted to find a way to express our gratitude. So, we’ve spent the last three weeks creating this thing as a Christmas present for you, our dear fans." [blog]
O conto trata da invenção das máquinas, dos seus propósitos e desígnios, do que as move, e do que nos move. Porque criamos máquinas, o que esperamos delas, porque temos medo delas... É um conto curto mas capaz de estimular muitas interrogações...

Com pouco tempo de desenvolvimento, não seria de esperar algo muito aprofundado na forma, apesar disso a Simogo nunca desilude, apresentando desta vez um universo 3d, no qual nos movemos em perspectiva, criando uma espécie de viagem entre futuro e presente interligados, permitindo-nos literalmente viajar no tempo da narrativa. Para a construção plástica do universo, conta muito o modo como foi desenhada a faixa sonora que nos permite avançar e recuar mantendo-nos sempre dentro do acorde e ritmos "correctos". Simon Flesser desvendou, para o Kill Screen, um pouco o modo como foi pensado o movimento em perspectiva,
"We stood up a lot and studied what happens when you actually move and look around in real life (..) So we play a lot with moving the camera sideways when you are looking around in the game, because in real life, when you look around you tend to move your shoulders and back, which creates a parallax effect you won't get if you only rotate a camera like you normally do in first person games."
Para experienciar descarregar aqui.

dezembro 23, 2014

Interagindo com o tempo

Five Minutes” (2014) é um filme interactivo, inicialmente desenvolvido como protótipo por Maximilian Niemann e Felix Faißt, enquanto estudantes de Cinema na Filmakademie Baden-Württemberg, tendo apenas sido transformado no produto final depois de apresentado à Casio e obtido o financiamento para a sua produção completa. Ou seja, é branded content, mas funciona de modo quase independente desse aspecto, nomeadamente se não conhecermos o objecto da marca quase nem damos conta da componente publicitária.




Enquanto objecto fílmico está muito conseguido, com excelente storytelling, muito bons planos e desenho de sequências, os actores não são de topo, mas funcionam bastante bem. Temos uma curta de cinco minutos que nos mantém agarrados e com vontade de saber o que vai acontecer a seguir até ao último segundo.

Em termos de conteúdo, é mais uma historieta de zombies, nada de novo, apenas os sintomas são distintos e daí refrescantes, sendo o principal a perda de memória e o tempo até que isto suceda que acaba por ser aproveitado de forma brilhante pelo guião, e nomeadamente pela camada interativa. Inevitável pensar na influência estética de “The Last of Us” (2013) que muito me satisfaz, dando conta do impacto cultural dos videojogos.

A componente interactiva, que era aquela que mais me interessava, fica-se por uma simples camada de ações gráficas no ecrã, claramente desenhadas para interacção em tablet, que pouco acrescenta à história, contribuindo apenas para trabalhar a questão do tempo, o que não deixa de ser interessante tendo em conta que o objecto da acção de branded content é um relógio. Sentimo-nos a seguir o filme, surgindo a interacção num modo algo intrusivo, acabando nós por percepcionar a interacção como um dilatar do tempo que contribui para a elevação da tensão da experiência. Ou seja, a interatividade aqui destina-se a construir uma percepção mais acentuada da pressão do tempo, aproximando-nos dos sentires dos nossos protagonista, em sintonia com os objectivos dos criadores, como nos diz Maximilian Niemann
“The core idea was to add another emotional dimension to the medium of film by putting the viewer in the main character’s perspective and exposing him to the same time pressure. In our opinion it is ultimately important to immerse the viewer in the story completely, thus he should feel that his interaction makes all the difference. We wanted to create an experience, where it’s not about collecting some abstract points, but a game in which you have to succeed to see the end of the film.” [ShortoftheWeek]
Podemos dizer que cumpriram plenamente com o que pretendiam, essencialmente a camada interactiva acaba por enfatizar o tempo, e pressionar-nos tal como o protagonista se sente pressionado. Contudo e apesar de bem excetuado, sabe a pouco, acabando por gerar alguma frustração uma vez que de todas as vezes que não conseguimos cumprir, simplesmente morremos sendo levados a repetir a mesma acção, nunca existindo alternativa. Tirando o final, com a escolha das cores, tudo o resto acaba por não ir além do mero artifício interactivo, acabando por não surgir o esperado “diálogo” entre o espectador e a obra.

Para ver seguir para Five Minutes.

dezembro 14, 2014

Narrativas que Bifurcam a nossa Percepção

"Neblina" (2014) é um belíssimo trabalho de experimentação com a linguagem audiovisual ao nível da participação do receptor, uma busca pela criação de acessos à plástica da matéria audiovisual, um redesenhar da experiência do espectador que o obriga a participar na construção do sentido. "Neblina" é uma obra audiovisual interactiva enquadrada no âmbito do projecto "Os Caminhos que se Bifurcam" do colega Bruno Mendes da Silva, professor da Universidade do Algarve.




Do ponto de vista plástico temos, para começar, vários elementos de enorme qualidade que são combinados para engendrar toda uma atmosfera capaz de nos conduzir à suspensão da descrença, desde logo começando pela neblina que paira ao longo de quase todo o filme e cria um universo próprio, muito ficcional mas ao mesmo tempo cinematograficamente crível. Aliás todo o trabalho respira influências profundamente cinematográficas, desde logo com a banda sonora que começa num registo Nymaniano, muito atmosférico capaz de nos colar aos personagens que vão surgindo no ecrã, para a seguir nos levar para um registo clássico e Hitchcockiano que nos questiona - quem são, porque estão ali, o que fazem, para onde vão - num suspense que emerge e adensa o sentido, acalentando o nosso interesse pelo que estamos a experienciar. Tudo isto é envolvido por uma fotografia a preto e branco de grande qualidade do Rui António, com contrastes marcados, servindo a luz como pincel da expressividade de cada momento que se vive na tela.

Ainda no campo audiovisual tenho de ressaltar o uso da narração ao longo de todo o filme, porque se por um lado a podemos encarar como uma estratégia menor no dar a ver, porque colando sentidos aonde a imagem não consegue chegar, neste caso concreto acaba servindo um papel estruturante, questionando-me mais uma vez, porque obcecamos nós tanto com a especificidade de cada linguagem? Porque é que o cinema tem de ser capaz de mostrar tudo e nada deve dizer, ou porque é que o videojogo tem de ser totalmente interactivo e não pode por vezes também parar, e simplesmente dar a ver? Não será a linguagem audiovisual a linguagem de síntese, aquela que se forma do todo, que tanto pode dar a ver, como dar a ouvir, como logo a seguir dar a participar?

Desconstruindo agora a componente de interacção, em "Neblina" temos 3 fluxos de imagem em movimento e 1 fluxo único sonoro. A interface permite-nos saltar entre os 3 por meio de dois botões, à esquerda e direita da projecção central, sem que a componente sonora se altere. Do ponto de vista do design da interacção diria que a abordagem do Bruno se aproxima bastante da abordagem escolhida por Miquel Dewever-Plana e Isabelle Fougère no seu documentário “Alma, a Tale of Violence” (2012), que tinha já sido muito feliz, e aqui volta a demonstrar todo o seu interesse. Ou seja, a manutenção de um fluxo contínuo sonoro facilita a vida aos criadores, que podem assim desenhar a experiência num tempo fixo, mas para o espectador torna também a obra mais acessível. Ou seja, o facto de existir uma faixa sonora contínua mantém-me dentro da atmosfera da obra, porque me oferece a  garantia de que continuo no caminho certo, isto é, esperado pela obra, e assim relaxa-me para que aproveite e desfrute da interacção com a componente visual, sem o receio de me perder, ou de perder algo que possa comprometer a obtenção de significado.

Chegando agora ao desenho dos acessos participativos na narrativa, tenho a dizer que funcionam de forma soberba muito por força da narração. Mesmo apontando a crítica que já apontei acima, do facilitismo que é usar o texto em vez da imagem para contar, a verdade é que não consigo deixar de pensar em duas grandes obras do espectro audiovisual, provenientes de extremos opostos e que se socorrem da mesma técnica - o filme “Europa” (1991) de Lars Von Trier e o videojogo “Bastion” (2011) da Supergiant Games. A narração em “Europa” tem um efeito profundamente hipnótico, pela atmosfera que vai construindo, ao passo que em “Bastion” tem como missão conduzir o jogador ao longo do espaço-história. Ora em “Neblina” acontecem ambas as coisas, já que a voz começa por nos introduzir ao universo, seduzindo-nos e enlaçando-nos, para depois nos conduzir e atribuir sentido à nossa participação. A voz é a nossa companheira de viagem, se por um lado me faz sentir dentro do universo ficcional pelo seu tom misterioso, faz-me também sentir seguro o suficiente para experimentar com a navegação do sistema, para saltitar entre fluxos, e à medida que o vou fazendo vou ganhando um conhecimento mais profundo do sistema, e por conseguinte dos significados daquilo que estou a experienciar.

Esta segurança no visionamento que a voz confere por meio de uma cola sonora, é também fortemente sustentada por uma outra técnica empregue de forma deliciosa pelo Bruno, que é a repetição de planos, assim como o seu uso em câmara lenta. A repetição juntamente com o desaceleramento do tempo da acção, permite-me saltitar entre fluxos sem que se crie aquela sensação de que se perdeu algo. Ou seja, quando salto entre fluxos, e vejo a repetição, ou o resto da repetição dada a sua languidez temporal, sinto-me aliviado porque não perdi o "novo", nada de "novo" surgiu ainda, e por isso posso voltar a saltitar sem medo em busca do "novo" noutro fluxo.

Deste modo, pouco depois de entrarmos na experiência damos por nós a interagir continuamente com a obra, porque à medida que a narrativa vai progredindo sentimos que cada um dos fluxos nos vai oferecendo uma compreensão que alarga os horizontes do fluxo principal. Acabamos por perceber que é na constante mudança entre os 3 fluxos que acaba por se desenhar o todo, e é por isso que “Neblina” acaba sendo uma experiência interactiva tão interessante. Porque a nossa participação, a nossa acção e interacção com a obra se torna um vício, não conseguimos parar de saltitar entre fluxos em busca de sentidos, tentando completar, tentando complementar. O Bruno conseguiu desenhar uma interacção narrativa que divide os sentidos presentes na faixa sonora pelas 3 faixas visuais de um modo que nos impele a interagir, não apenas porque queremos mais, mas também porque sentimos recompensa nessa interacção, sentimos que a obra se vai abrindo a nós, se nos vai oferecendo, e por isso nos mantemos ali, hipnotizados e à mercê da mesma.

Tenho de dizer que fui levado a visionar a obra várias vezes, daí que aquilo que aqui relato possa ser fruto desta minha ligação à experiência que se intensificou com cada uma das repetições da experiência. Sei que este modelo de interacção narrativa não serve todas as narrativas, é apenas um modelo, mas é um modelo que funciona, que pode servir na criação de novos trabalhos e que apresenta espaço para melhorias. E por isso quero agradecer profundamente ao Bruno por esta obra que rasga e trilha um novo caminho na produção audiovisual interactiva nacional. Esperemos que mais pessoas, nomeadamente alunos de mestrado ou doutoramento, vejam neste trabalho um ponto de partida para a criação de novos projectos na área.

Para experienciarem "Neblina" devem aceder à página da obra, clicar primeiro em "Como ver", e depois então entrar no primeiro link "Neblina". Utilizem o Safari para o visionamento, já que no meu caso tanto o Chrome como o Firefox apresentaram alguns problemas técnicos.


Nota: Não raras vezes enviam-me projectos (filmes, videojogos, aplicações, etc.) para analisar/avaliar aqui no blog, acontecendo muitas vezes não dar resposta. Deste modo quero aproveitar este trabalho para explicar porquê. O Bruno, sendo um colega com quem tenho trabalhado nos últimos anos, fez-me chegar este link em Julho de 2014, contudo demorei seis meses a dar conta do mesmo aqui. As razões para tal são variadas, neste caso a complexidade do trabalho exigia que eu dedicasse tempo de qualidade, e para isso precisava de tempo mas também da disposição mental correcta. Por vezes numa análise na diagonal consigo descartar de imediato os projectos que me enviam, sendo maus não falo, mas quando são interessantes procuro dedicar-lhes algum tempo, e isso acaba por os atirar para baixo na lista de coisas a fazer no blog. Isto não desculpa alguns esquecimentos da minha parte, mas espero que ajude a dar a conhecer um pouco melhor o processo.

dezembro 13, 2014

A inovação em “Dishonored”

Harvey Smith conseguiu mais uma vez apresentar inovação no âmbito da fusão história/jogo. Depois de ter desenhado, com a direcção de Warren Spector, o revolucionário “Deus Ex” (2000), chegou agora a sua vez de dirigir e escrever, contribuindo com mais um passo em frente na resolução dos problemas da narrativa nos videojogos. “Dishonored” (2012) apresenta um sistema aberto com múltiplas possibilidades de acção colocando o jogador no centro e oferecendo-lhe um grau de liberdade quase ilimitado, criando assim uma experiência de realização poderosa a partir da ideia de que as escolhas, acções e caminhos são uma criação puramente pessoal. Estamos a falar de jogabilidade emergente com narrativa interactiva, estamos a falar de storytelling emergente. E o que é afinal isto?




A jogabilidade emergente produz-se quando um jogador podendo realizar uma tarefa de múltiplas formas distintas, pode fazê-lo misturando diferentes formas inventivamente. O mais comum nos videojogos é existir apenas uma forma de atingir um objectivo, e quando nos são oferecidas alternativas, essas funcionam de modo independente, pré-concebidas como meras hipóteses de alcançar o sucesso. No caso emergente, o jogador pode construir o seu caminho para alcançar o sucesso - escolher e fundir poderes, ferramentas, caminhos, tempos, etc. - e assim desenhar o modo como vai lá chegar, levando a que emerjam modos que não foram previamente pensados pelos designers, daí emergentes. Como nos diz Harvey Smith,
“Dishonored is a linear series of hand-crafted missions, where each mission takes place in a mini-open world that is full of nonlinear options. There are bottlenecks here and there, and between missions, for sure. And we iterate around all this to achieve the end results. One of our relevant values here is to reward the player for accomplishing a goal (i.e. getting inside the room somehow), rather than rewarding for how he accomplished the goal (i.e. picking the lock). Our core values always lead us to push for general purpose interactions in the name of allowing the player to improvise, or to choose from a wider-than-average range of actions and approaches. When you play Dishonored, it feels like you’re being crafty or strategically creative.” Harvey Smith
No caso da narrativa interactiva em Dishonored, ela surge por via da ramificação, sendo determinada pelas acções que o jogador vai produzindo no decorrer do jogo, construindo uma multilinearidade muito concreta. No entanto como as escolhas narrativas se processam a partir de acções directas em jogo e não por questões colocadas ao jogador (ler constatação do guionista Austin Grossman), este nem sempre se apercebe dessa multilinearidade, ou ausência de linearidade, sentindo a progressão como um processo linear mas consequente.
“One thing I came to accept early on is that language written and spoken is not the central tool in games… It is not as central as it is in film. Language is just not the main show. The main show is that connection you have with the controller in your hand and motion on the screen and the image on the screen. It's not about the words so much. That was kind of the basic thing to accept when you're the writer working in games. I think it's one of the many confusions that can attack as we try to integrate writers and their craft into games, which has been done historically very poorly." Austin Grossman 
Da junção de uma estrutura de opções narrativas multilineares com uma jogabilidade emergente, acaba por surgir uma experiência completa de narrativa emergente, bastante mais rica do que aquelas que a série GTA nos tem proporcionado. A razão desta inovação prende-se com o facto da emergência não estar desenhada apenas no mundo aberto, como faz GTA, mas ser o núcleo das próprias missões. Isto pode parecer uma alteração simples, mas de todo, implica um design absolutamente insano de opções, obrigando a um nível de produção exponencial, assim como profundamente matemático, no sentido de garantir um nível lógico de opções que permita fechar, ou impedir, opções que possam destruir por completo a experiência. Como diz Tom Bissel na sua análise,
“The designers of this game spent a ridiculous amount of time building systems and levels that they had to know only a tiny portion of the audience would ever see. Most game-makers would regard such a gesture as an utter waste of time and resources. But I suspect that the men and women behind Dishonored regard such a gesture as the entire point of making a video game.” Tom Bissel
O mais interessante de tudo isto é que acaba por definir o modo como as histórias deveriam ser encapsuladas nos videojogos, por via da emergência, da liberdade criativa de acção e experimentação. Jogar é experimentar, testar, explorar, se existe apenas um modo de fazer, e se se faz sempre da mesma forma, então não vale a pena rejogar, questiono mesmo se vale sequer a pena jogar, se não valeria mais ver um filme ou ler um livro? Smith resume isto na perfeição,
“We have some conversations and in-game first-person scenes, but no real cinematics. We try to stay in the world. When we talk about story we describe embedded, designer-proscribed narrative (“you’re the bodyguard of the Empress, falsely accused of her murder”) and emergent, player-driven narrative (“I bumped a bottle and the guard heard it, coming over to investigate, but at the last second I possessed a rat and slipped past him…”). We feel the former is a good wrapper/intro to the game, but the latter is the goal and is the thing unique to our medium.” Harvey Smith

novembro 16, 2014

Keynote: "Story-game Design for Learning"

Este fim-de-semana tive o prazer de participar no III Congresso Internacional TIC e Educação - ticEDUCA2014, a convite da chair do congresso, a colega Guilhermina Miranda, a quem agradeço, assim como congratulo pelo muito interessante congresso organizado. Apenas na sua terceira edição, o ticEDUCA, organizado pelo Instituto da Educação da Universidade de Lisboa, atingiu já um porte considerável, com mais de 300 artigos apresentados em sessões temáticas em paralelo, mais de uma dezena de simpósios e workshops, sessões de posters, sessões de apresentação de artigos online, e ainda 4 oradores convidados - Diana Laurillard,  María Ángeles Rebollo Catalá, Ruth Colvin Clark e eu.


Aproveito para deixar aqui os slides da minha palestra, na qual procurei, a partir do meu domínio de investigação ir ao encontro dos interesses da área da Educação. Julgo que consegui estabelecer essa ligação multidisciplinar, e espero com isso ter sido capaz de sugerir algumas ideias novas aos meus colegas. Espero também, muito em breve versar tudo o que está nestes slides num artigo extenso a ser publicado em revista científica. Aproveitarei essa altura para dar contas das referências que estão espalhadas ao longo dos slides.

"Story-game Design for Learning" (2014)

julho 18, 2014

Processos de escolha em Mass Effect

Já era para aqui ter analisado a trilogia Mass Effect mas como tenho andado a mastigar a mesma para um texto académico, acabei por não o fazer. Entretanto, como tinha de fazer uma apresentação no Retiro do Programa Doutoral em Média-Arte Digital da Universidade Aberta e Universidade do Algarve sobre narrativas interactivas, acabei por aproveitar uma parte desse trabalho que andei a fazer.


O essencial das minhas preocupações com Mass Effect centram-se sobre o modo como o receptor é incluído na construção do universo narrativa, desde a representação (mundo e personagens) à mensagem (eventos apresentados), e ainda sobre o modo como são trabalhados alguns momentos de decisão mais complexos. Deixo abaixo os slides da apresentação, espero em breve produzir o texto completo.