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fevereiro 16, 2019

Paradoxo e Refúgio dos Super-heróis

O universo dos super-heróis, criado em revistas de banda desenhada durante os anos 1930 nos EUA, foi uma das mais brilhantes criações da imaginação e criatividade humanas do século XX, não apenas pelos mundos paralelos e alternativos criados, mas essencialmente por tudo o que representaram para uma sociedade em pantanas, primeiro com uma enorme Depressão Económica (1929), e depois com uma Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para quem tiver interesse em compreender melhor o nascimento deste mundo de ideias, aconselho vivamente a leitura de “As Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay” (2000) de Michael Chabon. No entanto, ao longo dos últimos 100 anos, por várias vezes este universo de super-heróis quase desapareceu devido à ausência de interesse do público. Hoje vivemos uma nova vaga de ouro, talvez a mais intensa de sempre, nomeadamente pela força dos meios audiovisuais comparativamente ao meio da BD. E é sobre esta vaga que quero deixar algumas ideias, nomeadamente sobre o facto de não ter sido o universo de super-heróis a progredir na sua complexidade — tanto em criatividade como em valor social — mas antes parece ter sido a a própria sociedade a regredir, a voltar ao estado inicial que proporcionou o nascimento destes mesmos universos.

Nova Série "Titans" (2019) da Netflix

Para muitos milhões, como para mim, os universos de super-heróis acompanharam-nos na nossa adolescência, um tempo de formação complexo pelos choques e convulsões internas e seus impactos na relação social com o mundo que nos rodeia, nomeadamente família e escola. Contudo, todos nós que por lá passámos, atingimos um momento em que estes universos perderam o seu encantamento, e que sem saber porquê acabámos por nos desligar, desinteressar e esquecer.

Os originais de 1930

As revistas de BD da Marvel Brasil lançadas em Portugal nos anos 1980

Crescemos, os nossos interesses amadureceram, começaram a exigir maior complexidade na análise do real e do social. Os universos de super-heróis já não respondiam às particularidades do sentir e da compreensão de uma vida em mutação, esses universos não cresciam, eram estanques e imutáveis. O Homem-Aranha, o Capitão América, o Super-Homem, etc. tinham sempre a mesma idade, e se alguma vez numa história, um escritor, explorava a possibilidade de morrerem, logo a seguir se exploravam possibilidades de ressuscitarem, porque o filão não podia ser decepado. Percebíamos assim que aqueles com quem nos desejávamos identificar tinham deixado de ser personagens, eram apenas marcas publicitárias, tinham desistido de qualquer relação com o ser humano.

Ou seja, se à medida que crescemos, aprendemos pela experiência dura da realidade, aquilo que a filosofia insiste em querer ensinar-nos, que no mundo, assim como nas nossas vidas e nos nossos Eu, nada se mantém sempre igual, tudo está continuamente em transformação, tudo é devir. No mundo dos super-heróis, sendo tudo já de si fantástico e irreal, é-o também na sua relação com a vida e o seu sentido, e por isso incompatível com modelos mentais de seres-humanos interessados no crescimento de si.
“Tudo é impermanente”
Mandamento budista, tido como principal regulador de toda a sua filosofia (VI a.c.)
“Nada é permanente, exceto a mudança (..)
É impossível entrar duas vezes no mesmo rio (..)"
 
Heraclito, ~500 a.c.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

Camões, ~1500
“On closer inspection (..) The hardest stone (..) is in reality a complex vibration of quantum fields, a momentary interaction of forces, a process that for a brief moment manages to keep its shape, to hold itself in equilibrium before disintegrating again into dust.”
Rovelli, 2017
Assim sendo, como explicar todo este sucesso renovado, e duradouro, pelos super-heróis no cinema? Analisando o último século destes conteúdos na BD, os seus altos e baixos podem ligar-se a crises de valores e económicas, assim como ao surgimento e desvanecimento de cada geração. No caso atual, tendo em conta a duração do fenómeno, o primeiro filme de super-heróis com sucesso desta vaga foi "X-Men", realizado em 2000, não sendo propriamente fácil identificar um marcador único, até porque o tempo não permite que nos refugiemos nas mudanças de geração como explicação. Fazendo um rápido exercício, podemos dizer que a viragem do milénio teve um enorme impacto cultural, enfatizando valores humanos, identitários e de espécie nos mais vários produtos que foram produzidos entre 1998 e 2003. Por outro lado, em 2001 dá-se não apenas o ataque às Torres Gémeas, mas ocorre também o estouro da bolha financeira Dot.Com. Estes dois eventos que se deveriam começar a desvanecer no final da década, são rapidamente ultrapassados em 2007/2008 com o eclodir de uma Crise Económica de efeitos mundiais, que iria para além da Depressão de 1929, a responsável pela primeira Época Dourada dos super-heróis.


No fundo, a época dourada de super-heróis que atravessamos no meio audiovisual, e que nos oferece infinitos mundos de fantasia, realidades alternativas em que a estabilidade é a constante, onde o impacto e o choque nunca alteram as condições de vida de cada um dos intervenientes, servem de bunkers mentais, refúgios projetados, a uma sociedade que vive na eminência do constante desmoronamento das suas realidades exteriores. O entretenimento, tal como Pascal o definiu, é assim a base que serve ao homem para se afastar do Pensamento de Si.

dezembro 12, 2018

Multimedia 25 anos [1993 - 2018]

1993 foi há 25 anos e foi um ano revolucionário na afirmação das imagens geradas por computador (CGI), assim como no campo da afirmação da Multimedia, tanto na sua aplicação em termos visuais no cinema, por via dos VFx 3D, como na afirmação dos modos expressivos dos videojogos. Foram lançadas, neste mesmo ano, três obras fundamentais para esta viragem —"Myst", "Doom" e "Jurassic Park"— que marcariam um antes e um depois nas capacidades tecnológicas e potencialidades criativas. A estes juntavam-se ainda, neste mesmo ano, o lançamento do primeiro browser de internet gráfico, a primeira revista sobre avanços multimédia, e a primeira licenciatura nacional na área.
"Myst" (1993) de Rand Miller e Robyn Miller (documentário online)
"Doom" (1993) de John Carmack e John Romero
"Jurassic Park" (1993) de Steven Spielberg
"Ao tomar a decisão de não utilizar o stop-motion para utilizar o CGI na realização de Jurassic Park, Spielberg dava um verdadeiro salto em frente nos efeitos visuais. Uma decisão bastante complicada, uma vez que já estavam fabricados imensos modelos, Phil Tippett já tinha começado a fazer experiências com a sua técnica de Go-motion. Ou seja, quando a produção de Jurassic Park começou, Spielberg não tinha previsto a utilização de qualquer personagem CGI" (Zagalo, 2009:101
(..)
Esta mudança marca o início de uma nova busca pelo realismo no cinema a que Prince (1996) chama de “realismo perceptivo”, um realismo que “estruturalmente corresponde à experiência audiovisual de um espaço tridimensional”. Já no caso dos videojogos, Myst representa uma marca similar à de "Jurassic Park". A audiência percebeu que se os gráficos de computador poderiam permitir a representação de uma espécie “desconhecida”, poderiam permitir a representação de um mundo completo, misterioso e desconhecido, do passado ou do futuro (Pierson, 2002). O CGI era visto como uma máquina do tempo." (Zagalo, 2009:235)
Esta viragem e afirmação não se fez apenas por via de filmes e jogos, mas foi também impulsionada por vários outros atores dos quais destaco, no plano internacional, o surgimento do primeiro browser gráfico, o "Mosaic", responsável pela total revolução no acesso e compreensão daquilo que representava a internet, e em particular a web; o surgimento do pacote de software "After Effects" adquirido mais tarde pela Adobe e que se transformaria no principal editor de Efeitos Visuais; o nascimento da revista "Wired" pelas mãos de Nicholas Negroponte, na altura diretor do MIT Media Lab; e no plano nacional, o lançamento da primeira licenciatura em multimédia do país, o curso "Novas Tecnologias da Comunicação" na Universidade de Aveiro.
"Mosaic 1.0" do National Center for Supercomputing Applications, Setembro 1993
"After Effects 1.0", Janeiro 1993
Primeiro número da revista "Wired", Novembro 1993
Panfleto de lançamento do curso "Novas Tecnologias da Comunicação" na Universidade de Aveiro, Outubro 1993. O curso iniciou este mês de setembro as comemorações que se vão prolongar até ao final do ano lectivo.

No campo das efemeridades, mas parte das experiências a que vou ainda recorrendo como memórias de referência, deixo mais alguns destaques: um dos mais interessantes filmes no campo do Design de Narrativa, "Groundhog Day", já no campo da História do Cinema, internacional, tivemos "Schindler's List" de Steven Spielberg, e a nível nacional, o filme mais relevante de Manoel de Oliveira, "Vale Abraão". Foi ainda o ano de Toni Morrison receber o Nobel da Literatura ("The Bluest Eyes" (1970) e "Beloved" (1987)) escritora que gosto de comparar com José Saramago.

"Groundhog Day" (1993) cartaz de celebração dos 25 anos com regresso às salas de cinema.
"Schindler's List" (1993) cartaz de celebração dos 25 anos com regresso às salas de cinema.
"Vale Abraão" (1993) de Manoel de Oliveira, premiado em 1993 nos festivais internacionais de cinema de São Paulo e Tóquio. Ao contrário dos dois filmes americanos, acima, e apesar de ser um dos filmes mais importantes da filmografia nacional, não tem prevista qualquer reposição em sala. Assim torna-se difícil fazer valer a nossa cultura.

novembro 16, 2018

Racismo pela ciência

"Sami Blood" apresenta memórias que muitos suecos prefeririam esquecer, capazes de colocar  o governo de 1930 ao lado dos seus pares alemães, os nazis, nomeadamente pela suposta cientificidade do processo de inferiorizarão de povos apenas pela geografia, no caso o povo da Lapónia. Somos facilmente levados a pensar no modo como os Europeus trataram os indígenas norte-americanos, sul-americanos, ou australianos, para não falar de África, mas estamos já em 1930. Usar a ciência, toda a metodologia e alicerce do pensamento racional, para excluir o outro, para o inferiorizar e descriminar, é algo absolutamente aterrador.





“Sami Blood” apresenta a Lapónia nos anos 30, a terra das renas e hoje em dia do Pai Natal, pela mão de Elle-Marja, uma jovem inteligente e auto-determinada que é integrada num colégio interno, onde vai viver uma traumática experiência "científica" imposta pelo estado Sueco para catalogar o povo Sami. Contra tudo e todos abandona a escola, abandona a irmã, a família e o seu povo, e assume uma nova identidade sueca para poder emancipar-se.



O racismo não é determinado pela cor, nem sequer por qualquer outra diferença fisiológica, é simplesmente determinado pela não pertença ao grupo dominante, e pela falta de empatia do grupo majoritário para com o minoritário. É algo contra o qual temos de lutar de forma consciente, já que os instintos e emoções que nos regulam tendem a facilmente deixar-se manipular pelos instintos de proteção de grupo e comunidade. Quando até recorrendo ao método científico nos deixamos ludibriar por esses instintos, torna-se vital atuar pro-ativamente em defesa das minorias.

O filme apresenta não só as belíssimas paisagens do norte da Suécia, mas oferece-nos um guião impactante, sem pudores, carregado aos ombros por duas poderosas interpretações, as irmãs Lene Cecilia Sparrok e Mia Sparrok.

agosto 12, 2018

"As Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay" de Michael Chabon

Pode definir-se como romance histórico, ou melhor, pretensamente histórico já que apenas o pano de fundo dos eventos e geografia são reais, a trama é fruto da invenção de Michael Chabon. Não segue a linha dos atuais documentários ficcionados (mockumentaries) já que o objetivo não é satírico, mas continua a ser histórico, mais como obra criativa de homenagem, seguindo explicitamente o exemplo de Orson Welles com "Citizen Kane" (1941). Enquanto Welles usa a vida real de William Randolph Hearst para dar corpo ao seu protagonista Charles Foster Kane, Chabon usa a vida de Jack Kirby para criar Joe Kavalier. Kirby foi um dos principais mentores da banda desenhada de super-heróis do século passado, um dos maiores expoentes da Era Dourada, entre 1930 e 1950, criador de vários super-heróis que ainda hoje pululam o imaginário global — Quarteto Fantástico, Homem de Ferro, Thor, Hulk, X-Men, Os Vingadores, Doutor Estranho, Pantera Negra, Feiticeira Escarlate, Homem-Formiga, Nick Fury.  Chabon não se ficaria pela primeira camada, a da pessoa do criador, optando por oferecer-lhe a criação de um super-herói que nomeia de Escapista, sendo também este decalcado da realidade e criação de Kirby, o Capitão América. Para quem conhece as origens do Capitão América facilmente depreenderá o que move o Escapista e acaba assim a suportar a introdução dos efeitos e tragédias da Segunda Guerra Mundial nesta obra.

A cena amplamente descrita como o nº1 da revista "O Escapista", não é mais do que a cena do nº1 da revista "Capitão América" de 1941.

A partir deste primeiro parágrafo pode-se compreender desde já, não só o modelo utilizado, mas também a complexidade de inter-relações existentes na obra de Chabon que obriga a uma leitura informada, ou seja com um bom lastro de contexto presente para se poder fruir completamente a obra. Desengane-se aquele que atraído pelos super-heróis espera encontrar aqui uma leitura fácil, rápida ou superficial. Ao longo das quase 700 páginas somos continuamente atirados para um mundo de referências reais: à BD, à sua linguagem expressiva, aos seus temas e seus problemas de afirmação enquanto arte; aos super-heróis e seus criadores, as suas editoras e editores; assim como ao tecido social americano dos anos 30-50 do século XX feito de discriminação da mulher, do desprezo pelo trabalho criativo, ou da enorme violência moral e física contra a homossexualidade; e ainda aos efeitos devastadores da Segunda Guerra Mundial sobre a comunidade judaica na Europa, centrado em Praga, com Portugal a servir de porta de saída para muitos refugiados, e os EUA a declinarem a aceitação desses refugiados. A tudo isto podemos ainda acrescentar personagens reais que vão passeando ao fundo e por vezes dialogando com os nossos personagens tais como Salvador Dali, Orson Welles, Eleanor Roosevelt, Stan Lee, Will Eisner, ou Fredric Wertham (autor do livro, "Seduction of the Innocent" (1954), responsável pela polémica social à volta da violência na BD).

O Empire State Building em Nova Iorque é o principal cenário da história, e motivo da capa da edição americana.

A capa portuguesa, assim como o título usado, são muito maus, não ajudando em nada à promoção do mesmo. Aliás não admira que o livro, com o número considerável de páginas que tem, esteja à venda por um valor tão baixo.

Na contra-capa do livro fala-se em Nabokov, o que me parece completamente despropositado, Chabon enreda-se muito, usa metáforas nem sempre muito conseguidas, nomeadamente no campo do olfacto, e apesar de alguma crítica catalogar a estrutura como pós-moderna, considero-a antes frágil e pouco suportada pelas intenções do autor. Mas se faço estes reparos é mais pelos prémios e elogios recebidos que poderiam passar a ideia de perfeição, já que na verdade a escrita apresenta um nível bastante elevado de elaboração e maturação. Quanto a rotularem o livro no género Épico não me choca. A história atravessa várias décadas, permitindo-nos acompanhar a vida de dois grandes criadores de banda desenhada, focando-se na arte mas também nas suas vidas, e no modo como as suas próprias tragédias alimentaram a sua arte. O romance atravessa uma parte importante da história da 9ª arte, assim como da história da América e da Europa, é impossível ficar-lhe indiferente, e não sentir que uma parte do que aqui se relata é História de que todos somos feitos. Claro que aqueles que, como eu, iniciaram a sua paixão pela leitura com muitos dos personagens imaginários aqui referenciados sentirão mais de perto, mas como disse antes o livro é muito mais do que BD, é uma resenha histórica de um período da nossa história que teve um lado destrutivo e mau, situado na Europa, que acabou por contribuir para um outro lado bom e construtivo na América.

Este, como muitos outros livros vêm colocar o dedo numa ferida que queremos esquecer mas que não podemos. A Segunda Guerra não foi apenas estúpida por todas as pessoas que matou e violentou, mas também porque acabou demonstrando aos seus promotores o quão errados estavam, já que a fuga dos judeus para os EUA contribuiu fortemente para estes se tornarem na super-potência que hoje ainda são. Foi a massa cinzenta de excelência de judeus que habitavam a Europa e daqui conseguiram escapar que fez com que os EUA se tornassem grandes criadores de banda-desenhada (Jerry Siegel e Joe Shuster, Jack Kirby e Joe Simon, Will Eisner, Stan Lee) assim como de cinema, de ciência e tecnologia. Aliás, isto mesmo seria reconhecido por Churchill quando depois de receber Einstein como refugiado em Inglaterra acedeu ao seu pedido de trazer mais cientistas judeus da Alemanha para Inglaterra. Ironicamente, Churchill não conseguiria aprovar a naturalização de Einstein no parlamento inglês, tendo este acabado por rumar aos EUA, país em que finalmente se naturalizaria após ter renunciado a cidadania alemã.

Na senda ainda do reconhecimento destas capacidades empreendedoras das comunidades, a leitura desta obra permite-nos aceder a um dos momentos de puro empreendimento tão tipicamente impulsionado pelas lógicas mercantis americanas. Repare-se como ao contrário da Europa, a sociedade não se moveria pela qualidade da BD, mas pelo seu lado comercial, pelo interesse e popularidade das obras criadas. Já antes, no início do século XX, tinha sido assim com a indústria do cinema, e a diferença entre a criação americana e europeia que se denota até aos dias de hoje. E repare-se como este cenário se volta a repetir nos anos 1970 com a indústria dos videojogos. Aliás, se Chabon estabelece várias relações entre o Cinema e a BD, eu não deixei de estabelecer imensas com os Videojogos ao longo de toda a leitura. Sobre isto deixo uma discussão imensamente pertinente sobre a linguagem e aceitação social da BD que hoje se aplicaria de igual modo aos videojogos:
“It was that Citizen Kane represented, more than any other movie Joe had ever seen, the total blending of narration and image that was—didn't Sammy see it?—the fundamental principle of comic book storytelling, and the irreducible nut of their partnership. Without the witty, potent dialogue and the puzzling shape of the story, the movie would have been merely an American version of the kind of brooding, shadow-filled Ufa-style expressionist stuff that Joe had grown up watching in Prague. Without the brooding shadows and bold adventurings of the camera, without the theatrical lighting and queasy angles, it would have been merely a clever movie about a rich bastard. It was more, much more, than any movie really needed to be. In this one crucial regard—its inextricable braiding of image and narrative— Citizen Kane was like a comic book. 
"I don't know, Joe," Sammy said. "I'd like to think we could do something like that. But come on. This is just, I mean, we're talking about comic books." 
"Why do you look at it that way, Sammy?" Rosa said. "No medium is inherently better than any other." Belief in this dictum was almost a requirement for residence in her father's house. “It's all in what you do with it.” 
[Não tendo acesso ao texto português em formato digital deixo o excerto em inglês]
Para fechar, uma leitura mais abstraída e focada no conteúdo. Chabon opta por enlaçar o universo da BD com o do ilusionismo, nomeadamente com Houdini e as suas artes do escapismo. São ainda hoje memoráveis as proezas de Houdini a escapar-se de correntes e caixas debaixo de água. O protagonista aqui é aficionado da arte, e o super-herói criado por ele faz homenagem ao escapismo. Ora a BD, especialmente de super-heróis, assim como toda a fantasia e ficção-científica, são comumente conotadas com o escapismo, neste caso o mental e não físico. Ler certos géneros de histórias podem conduzir a um certo escapismo da realidade, o que pode ser visto como crítico e o livro fala dessa preocupação por parte da sociedade, por poder representar uma tentativa de fugir ao seu quotidiano, de se furtar às suas responsabilidades sociais. Do meu ponto de vista parece-me que a relação com Houdini e o seu lado do espetáculo é um tanto forçada, no entanto considero que o modo como Chabon utiliza o escapismo ilusionista com os seus personagens funciona muito bem. Kavalier & Clay vivem toda uma vida em fuga, tanto física como mental, e desse modo acabam sendo ambos personagens muito mais ricas do que Houdini.

Em 2004 Brian K. Vaughan acabaria por criar uma série de BD para a Dark Horse, baseada no livro de Chabon, dando assim pela primeira vez"vida" ao super-herói Escapista.

junho 02, 2018

O Malick de 2017

O cartaz não me disse nada, o título nada disse ("Song to Song"), e a sinopse deixou-me com a certeza de que este filme não era para mim. E no entanto, ao fim de cinco minutos no filme já não consegui mais desligar, nem as pausas que costumo fazer, tão habituais quando vejo cinema em casa, consegui fazer, fiquei ali colado até ao último plano se fechar. Malick sugou totalmente a minha atenção, e se aos quinze minutos só pensava que era mais um filme dele, bom mas apenas mais daquilo a que nos vem habituando, o deslumbrar nunca parou de se elevar com o sentir emanado das imagens, dos atores e dos textos. Intenso, pura emoção cinematográfica, ou simplesmente, uma alegria melancólica.





"Song to Song" (2017) de Terence Malick

Mais do que em qualquer outro filme de Malick a câmara vagueia, sempre sem parar, mas não ilustra, antes nos abre uma espécie de acesso ao fluxo de consciência polifónico criado pelos diferentes personagens que nos permite aceder às suas vidas, passado e presente, alternativas desses e desejos futuros. A câmara está literalmente colada sobre os atores, estamos em constante confronto com os seus olhares, os seus braços e mãos, os seus cabelos, o seus sentires e pensamentos. Malick leva-nos para dentro do interior do humano, e apesar das centenas de locais magníficos mostrados — arquitectura, natureza, muita beleza deste planeta — é no ser humano que acabamos a focar-nos, como se tudo o resto não passasse de cenário, adereço. É o nós, seres como nós, que pensam como nós, sentem o que nós também sentimos, que duvidam de quem são, como nós, e querem descobrir o que são, querem descobrir porque são e o que podem vir a ser. O humano é a constante deste filme, mas talvez possa dizer mais que isso, é a dúvida, a dúvida do que somos. Um fôlego de tristeza perpassa todo o filme, tristeza sem tragédia, uma tristeza tranquila.

maio 07, 2018

Cidade de Ladrões (2008)

Já por várias vezes tinha tentado ler “Cidade de Ladrões”, as notas no Goodreads eram muito boas, com fortes recomendações de leitura, mas de cada vez que o iniciava não me conseguia ligar ao mesmo, parecia-me ser apenas mais um livro de histórias sem propriamente uma ideia ou mensagem. Desta vez, o facto de ter percebido, erradamente, que o livro tratava de uma história real do avô do autor, acabei por continuar a leitura que me agarrou até ao final, mesmo já depois de ter percebido que nenhum dos avôs de Benioff tinha realmente estado no Cerco de Leninegrado. Serviu ainda o meu interesse inicial o facto de ter estado recentemente em São Petersburgo e por várias vezes os locais terem referido “O Cerco” como algo que impactou muito daquilo que são os costumes ainda hoje naquela cidade. Contudo, chegado ao final, continuou a faltar-me algo, continuei a sentir que o livro não era capaz de ir além da superfície do conteúdo tratado. Tentarei nas próximas linhas dar conta do porquê.


O autor, David Benioff, é alguém que respeito imenso. O seu primeiro livro, “25th Hour” (2002) foi por ele adaptado para o filme homónimo realizado por Spike Lee, tendo resultado num dos melhores filmes da primeira década de 2000, e para mim o mais marcante sobre o 11/9. Depois disto escreveu vários guiões interessantes, embora nenhum tão intenso — "Troy" (2004), "Stay" (2005), "The Kite Runner" (2007), "X-Men Origins: Wolverine" (2009). Pelo meio escreveu este “Cidade de Ladrões”, mas foi ainda antes deste, em 2006, que começou a sua maior saga, a adaptação de “A Song of Ice and Fire” do George R.R. Martin para a série de televisão “Game of Thrones”, que só veria a luz do dia em 2011, mas que desde então nunca mais pararia de surpreender espetadores no mundo inteiro. Benioff não é apenas escritor do guião da série, ele juntamente com D. B. Weiss assumiram a autoria da série, tendo Martin apenas como apoio, e isto é tanto mais real quanto as últimas temporadas na televisão apresentam o enredo já para além do último livro lançado por Martin. Ainda em defesa de Benioff e do próprio “Cidade de Ladrões” temos Bruce Straley, realizador e designer de um dos meus videojogos preferidos de sempre, “The Last of Us” (2013), a dizer em entrevista que este livro lhe tinha servido de inspiração artística na criação do universo pós-apocalíptico do jogo. Não poderia apresentar mais ou melhores argumentos, a não ser talvez os amigos do Goodreads que listam maioritariamente este livro com 5 estrelas.

Começando pelo melhor. Benioff é um excelente contador de histórias, capaz de fundir ficção e realidade com imensa facilidade. Nesta obra recorre ao Cerco de Leninegrado como espaço onde situa a sua história, e usa-o para preencher aquilo que seria uma mera narrativa com dados históricos que nos surpreendem, alimentam a nossa curiosidade e nos formam. Acompanhamos dois jovens desconhecidos, a quem se encarrega uma missão que têm de realizar juntos, e por meio dessa missão ficaremos a saber muito mais sobre o Cerco, a cidade, a guerra, assim como sobre os russos. Ou seja, Benioff fez um bom trabalho de investigação  para o livro, apresentando bastante detalhe de relevo permitindo-nos ganhar uma visão mais próxima do que terá sucedido naquele sítio naquela altura.


A violência do Cerco de Leninegrado que durou de 8 de Setembro de 1941 a 27 de Janeiro de 1944

O meu problema com o livro desdobra-se em duas componentes: drama e artificialismo. Falta dramatização ao texto. Quanto mais ia lendo e as ações iam acontecendo, mais sentia isto mesmo, mais pensava, “isto é um guião, não é um livro”. Os personagens passam pelos eventos como se lhes fossem totalmente alheios, das coisas mais macabras às mais banais, tudo é visto com os mesmos olhos. Ou seja, falta o ator, falta performance por detrás do que vai acontecendo e vai sendo dito e pensado pelos personagens, que é o drama. Um pouco como acontece com as peças de teatro escritas, em que temos apenas acesso ao texto, e para podermos verdadeiramente sentir a peça na sua plenitude temos de a ver encenada para aceder ao drama. De certo modo senti-me mesmo incomodado com as ausências de reação por parte dos personagens, assumindo tudo com aparente naturalidade, ou melhor dizendo, neutralidade por via da ausência de emoção. Tanto faz encontrar canibalismo como matarem ali ao lado pessoas às dezenas, tudo parece servido quase apenas de decoração narrativa já que aos nossos personagens, nada os afeta. No fundo, Benioff é melhor escritor de guiões do que de romances.

Por outro lado, o facto de Benioff se ter tornado um mestre no contar de histórias, faz com que ele saiba muito bem o que precisa para ativar os seus espetadores e leitores, mas ao mesmo tempo, faz com que quem leia o texto com um pouco mais de atenção perceba que os elementos vão sendo apresentados apenas com o objetivo de impactar o nosso sentir. Ou seja, “Cidade de Ladrões” surge mais como fruto de design do que de arte. O ritmo é pautado por marcos bem doseados de horror, sexo e relaxe que permitem ao leitor seguir atrás, envolvido e agarrado na expetativa pelo que vai acontecer a seguir. A juntar a isto temos o desenho do enredo assente num único objetivo final concreto que mantém tudo coeso e com sentido do início ao fim mas que acaba por retirar toda a relevância aos personagens em si. Quantas vezes não paramos para nos interrogar sobre o porquê da importância dessa missão, completamente incapaz de justificar muitas das ações que se vão desenrolando num crescendo que é apenas necessário à história que se quer contar, e à formula que um bom clímax exige. Isto para não dizer nada sobre a total inverosimilitude do arranjo final, com o hollywoodesco happy-ending.

Sobre o que se diz na história, não há muito a dizer. Sim a guerra é uma tontice, mas era dispensável transformar-nos, a nós leitores, em tontos à procura de galinhas e ovos, no meio de um autêntico apocalipse em curso. Pelo meio Benioff alimenta-nos com mais do que isso — a poesia russa, o hábito russo de jogar xadrez, a fome, o canibalismo, o comunismo, o nazismo, o Cerco... — e por isso o livro vale completamente a leitura. Podia ser melhor, mas tenho também de dizer que talvez não ajude o facto de imediatamente antes de ler Benioff tivesse andado a ler Dostoiévski, o que terá colocado a fasquia um pouco alta.

março 28, 2018

Ao cinema não basta querer emular os videojogos

King Arthur: Legend of the Sword” (2017) é um filme de Guy Ritchie o que se evidencia desde as primeiras sequências dada a sua tendência para colocar a forma na frente do conteúdo, nomeadamente em termos de montagem, composição visual e ritmo. Contudo julgo que desta vez se excedeu ao tentar descaradamente fundir discursos contemporâneos da moda — as séries de tv, mas principalmente os videojogos — para agradar em particular ao público mais jovem, dominante no consumo dos conteúdos audiovisuais, mas a julgar pelo desastre em bilheteira nem a esses conseguiu agradar.




Temos o mito, da espada na pedra, carregado com fantasia à lá “Lord of the Rings” e “Game of Thrones”, mas ao contrário destes, não temos história nem personagens. Artur não sabe quem é, não quer saber, nem tem razões para querer, assim como não parece munido de qualquer motivação, vontade ou desejo, simplesmente existe para que o filme tenha um foco humano. Os restantes são adereços, igualmente desprovidos de vida, nem Jude Law consegue salvar algo que não tem pés nem cabeça. Sim, nos videojogos blockbusters os personagens também são pouco desenvolvidos, mas quem disse que um videojogo era um filme?


Por outro lado temos uma banda sonora, por Daniel Pemberton, de excelência que tudo vai colando por meio de bons leitmotivs sonoros que adocicam o nosso interesse, ao que se juntam momentos altos de grande impacto visual, por meio de sequências de cinema virtual em que o cinema dá lugar à animação de VFx. Contudo tudo isto acaba por criar um conjunto de sequências que poderíamos desfrutar em qualquer âmbito sem necessitar do filme, simplesmente para apreciar a beleza do virtuosismo técnico e criativo. São sequências em que o cinema deixa de o ser para assumir mero caráter de cinemático, a cola à estética dos videojogos é muito alta, tanto que em vários momentos pensei estar num videojogo e não num filme.




Ritchie impressiona com o calibre explosivo da forma, a velocidade da montagem e a composição constante in-your-face, tudo no filme parece gritar pela nossa atenção, ao mesmo tempo que nada parece realmente valer essa atenção. Os personagens parecem ter sido retirados de um "Lock, Stock and Two Smoking Barrels" (1998) ou "Snatch" (2000) e enfiados à pressão num mundo medieval, não se conseguindo nunca vislumbrar qualquer Cavaleiro da Távola Redonda e menos ainda um Rei Artur. A demonstrar que não chega produzir obras de impacto audiovisual forte, que por mais intenso que o labor seja, e mesmo que consiga manter o nosso olhar e ouvidos presos à tela, continuamos a precisar de personagens humanos para nos fazer sonhar, para conseguirmos criar fábulas que perdurem. O cinema é acima de tudo drama, narrativa encenada, já um videojogo conta com outros atributos, nomeadamente jogabilidade e interatividade, que não têm lugar num filme.

dezembro 16, 2017

“A Estrada”, da experiência texto e audiovisual

Antes de entrar na discussão das diferentes experiências, quero deixar breves notas sobre o livro de Cormac McCarthy, “A Estrada” (2006). A história é bastante simples e direta, trabalhando o tema do pós-apocalipse que tem inundado o imaginário com múltiplas obras: filme — “Mad Max” (1979), “Stalker” (1979), "Children of Men" (2006), “The Book of Eli” (2010); videojogos — “Fallout 3” (2008), “Metro: Last Light” (2013), “The Last of Us” (2013); banda desenha — “The Walking Dead” (2003). O trabalho de McCarthy segue uma abordagem menos comum, ou seja, menos fantasiosa optando por um certo naturalismo, muito por McCarthy não ser um autor de género, acabando por realizar esta sua incursão na ficção-científica, à semelhança de outros escritores, num modo quase exclusivamente dramático, tal como aconteceu com Saramago quando fez “Ensaio sobre a Cegueira” (1998).

Depois de escrever esta análise, não poderia estar mais de acordo com a capa apresentada. Apresenta tudo aquilo que precisamos para começar e acabar a leitura. A melhor imagem do universo apresentado no livro é aquela que cada um de nós cria dentro de si próprio.

McCarthy situa a ação num momento posterior a uma qualquer catástrofe que destruiu todas as formas de vida no planeta, tendo apenas sobrevivido uma pequena parte da espécie humana. Somos colocados no encalço de um pai e filho que viajam para sul, atravessando áreas completamente inóspitas, e encontrando alguns, poucos, desses sobreviventes, quase sempre hostis. O tom é marcadamente pesado e violento, a esperança não tem significado, e por isso a ideia central da obra acaba por se centrar numa busca para a fundamentação da sobrevivência. Não raras vezes, damos por nós a questionar, tal como acontece aos personagens: "para quê tudo isto, porquê continuar com todo este esforço?" McCarthy não dá respostas, nem podia dar, essas só podem ser dadas por cada um, individualmente.

Ora o livro saiu em 2006 e o filme homónimo de John Hillcoat em 2009. Vi o filme quando saiu, tendo deixado grande impressão em mim, pela sua narrativa, ritmo e cor muito particulares. Li o livro agora, e no final resolvi voltar ao filme. Foi um choque, senti-me perturbado pelo filme ao ponto de parar a sua visualização a meio. Tal não aconteceu pela qualidade do filme, que é boa, mas pela perturbação que o filme estava a introduzir na minha experiência estética do livro. Terminei porque o filme estava a “destruir” uma experiência emocional e reflexiva criada aquando da leitura do livro. Pergunto-me se a necessidade de criar um universo subjetivo a partir da leitura, impossibilita a aceitação de um universo criado por outrem a partir do mesmo artefacto?

As memórias do filme: pai e filho, estrada, mundo sem vida, andamento em fuga, encontro de bunker, procura do sul, chegada ao mar, ondas cinzentas. Isto é o que as minhas memórias me diziam, e que se coadunaram com os traços gerais da narrativa apresentada no livro. Contudo estas memórias que tinha do filme eram imagens gráficas, borrões de cores castanho e cinza, pai e filho apenas na forma movendo-se ao longo de uma estrada com um carrinho de hipermercado. Apesar de lembrar o pai como Viggo Mortensen, não tinha qualquer recordação da cara do filho, recordava-o apenas debaixo do anoraque sempre colado ao pai. Quando agora fui confrontado com Charlize Theron, como mãe/esposa, fiquei chocado, essa memória não existia de todo em mim, tinha sido completamente apagada. Mas o que mais me impressionou, e acabou por levar a desligar do filme, foram as imagens muito vividas, demasiado reais, os movimentos e as caras dos atores, apesar de muito bons, não ligavam com a ideia criada em mim daquele universo. Era como se eles estivessem a tentar encenar algo que dentro de mim existia a partir do modo como eu vi, e vivi. Estranho.

Estranho, porque enquanto lia o livro, fui recordando o filme, mas agora percebo que ia recordando imagens gráficas, ou fotografias sem movimento, estáticas, as quais ia eu insuflando de vida com as palavras que ia lendo de McCarthy. Quando revejo filmes ou livros, sou constantemente surpreendido, quase nunca me lembro dos finais, não tenho memória das frases que foram ditas... Guardo mais impressões do que ideias, guardo sensações, se gostei ou adorei, ou se não me tocou. Guardo imagens chave, e preservo-as nos seus tons e sonoridades, crio mundos interiores do que presenciei, aproprio-me deles, faço-os meus, experiências vividas.

Na leitura este processo não é muito diferente, ou talvez seja, e é sobre isso que agora me questiono. O facto de o livro não mostrar, mas descrever por um meio simbólico (alfabeto) sem qualquer relação com a realidade, obriga-me a projetar o “teatro” completo na minha mente. Tenho de criar os personagens, desenhar os cenários e projetar as ações. Não existem pessoas de carne e osso, não existe tonalidade, luz ou sombra fechadas, sou eu quem determina o detalhe do que vai sendo descrito. Ou seja, as palavras escritas funcionam como estímulos e alicerces das realidades produzidas pelas nossas mentes.

Continuando a reflexão, sinto que temos de ir além daquilo que ficou como a grande contribuição de Umberto Eco na “Obra Aberta”, do preenchimento de espaços vazios pelo leitor. Estamos a falar da Fabula, termo proposto por Propp para definir a história cronológica por oposição ao Syuzhet (o discurso). Termo repescado mais tarde por Bordwell, entre outros autores, para definir a história que os recetores criam na sua mente por oposição à história que o autor possui e procura plasmar no texto/filme. No fundo, algo que desde o início dos meus trabalhos com a narrativa, venho trabalhando por meio do gráfico seguinte:

A história contada pelo autor e a história mentalmente construída pelo recetor. Só uma parte se interseta, o resto é parte do mundo de cada um.

Ou seja, aquilo que eu estive a tentar descrever acima, as minhas memórias do filme, e o que vou fazendo na leitura do livro, não é mais do que o natural processo de efabulação. Um processo no qual nos vamos apropriando dos eventos contados, impregnando os mesmos com as nossas experiências passadas. E é isto que faz com que a comunicação de uma ideia produza impressões tão diferentes em cada um de nós. Usar a oralidade, texto ou imagem em movimento produz naturalmente experiências diferentes, nomeadamente por meio de dois eixos qualificativos dos meios: abstrato-concreto e simbólico-realista.

Como fruto desta reflexão, compreendo agora que o meu choque ao rever o filme surge pelo contacto entre aquilo que a equipa de Hillcoat considerou ser a plastificação audiovisual correta do descrito por McCarthy e a minha fabula. Compreendo também, não sendo novidade, mas agora compreendo sentindo, porque se torna muito difícil um filme ultrapassar um livro. Durante muito tempo defendi que essa diferença assentava na capacidade descritiva do texto versus imagem. Que a imagem tem maior poder de dar a ver, mas menor poder de especificar o que sentem os personagens, já que não pode mostrar o seu interior, enquanto o texto pode descrever esse interior por meio da metaforização. Ora com esta experiência vou mais além e em direção a algo que já muitas vezes me ia sendo apresentado mas que considerava não ser chave, a subjetivação da experiência.

Ou seja, a descrição do interior dos personagens, não só é feita por meio dos símbolos do alfabeto, mas é feita por recurso a diferentes metáforas, já que não é possível descrever o que se sente sem essas metáforas. Por exemplo, quando alguém se sente triste, poderíamos simples dizer — “estava triste” — mas isso dá apenas conta da emoção sentida, não descreve como se sente verdadeiramente a pessoa. No cinema, podemos mostrar por meio de ações: mostrar o personagem cabisbaixo, sentado na borda da cama, com as mãos na cabeça, muito imóvel e olhar fixo, uma lágrima, um gemido. Mas o texto pode descrever o sentimento de formas impossíveis para a imagem, como por exemplo: “O meu coração sofre em silêncio”.

A metaforização, além de descrever, pressupõe todo um trabalho do lado do leitor que a imagem não requer, porque pressupõe experiência humana e conhecimento da realidade cultural, capaz de interpretar essa mesma metáfora. Para compreender a metáfora do parágrafo anterior, somos obrigados a recordar um momento pessoal, em que tenhamos sentido profunda tristeza, para conseguir “visualizar” a ideia — um coração sofrendo em silêncio.  Ler “Eu estou triste” e ler “O meu coração sofre em silêncio”, produz sensações distintas porque o segundo obriga a emoldurar o texto com os sentires pessoais de cada um dos leitores.

Neste sentido, quando lemos metáforas, as imagens mentais que vemos são nossas, totalmente subjetivas. Por isso, a leitura é a criação de fabula do leitor, porque o texto é completamente reconstruído em nós, alimentado pela nossa própria mundividência. Por isso, também não admira que os jovens tenham dificuldade na leitura de obras mais elaboradas, pois sem experiência da realidade, sem conhecimento do mundo, é difícil compreender o que nos vai contando o texto. Já um filme é, em princípio, bastante mais acessível, uma vez que não pode simplesmente evocar imagens nossas, tem de as apresentar de modo concreto, e elas têm de ser o mais amplamente reconhecíveis, ou seja, fruto de generalização realista.

Em “A Estrada”, a relação pai-filho é por si só um par descritivo potenciador de metáforas a requerer constante interpretação do leitor, e que será tanto ou mais interiorizado, ou seja mentalmente visualizado e sentido, quanto maior for a experiência do leitor nesse tipo de relação, nomeadamente do ponto de vista escolhido por McCarthy, o do pai. Neste sentido, durante a leitura, não raras vezes, recorri à minha relação com o meu filho para compreender completamente o que se passava em cada quadro. Contudo, ao ver o filme, essa situação deixou de acontecer, porque tinha atores de carne osso, pessoas humanas, na minha frente. Podia comparar, podia imaginar o que faria eu, mas não podia substituir as imagens que via por novas imagens criadas dentro de mim.

dezembro 10, 2017

Nolan salvo por Churchill

Dunkirk” (2017) é pura sensorialidade. É um filme sobre guerra que trata o que acontece numa guerra do ponto de vista da emocionalidade humana, individual e coletiva. Não há lugar para a discussão ou intelectualização do que está a acontecer, é tudo muito rápido e munido de um objetivo único, a sobrevivência. Nolan criou uma obra poderosa através de uma enorme síntese de informação e da modelação dos ritmos visual e sonoro que impedem o espetador de desligar.



Nolan trabalha a narrativa em três linhas distintas — na terra, pelo ar, e pelo mar — de modo a intensificar a emocionalidade.

Dunkirk” é um hino à arte de mostrar em vez de contar. Dada essa capacidade, de economizar no relato, de secundarizar a descrição, quase poderia ter sido feito por meio de meros quadros, ou fotografias estáticas, coladas pela música poderosa de Hans Zimmer. Nolan não quer dar conta do quê e do porquê, Nolan está apenas focado no que se sente. Claramente que é tudo espetacularizado, e por isso acabamos por sentir apenas o desnorte, o desapego, já que o medo real não consegue chegar até nós, nomeadamente por estarmos constantemente a ser estimulados pela surpresa.

No final do filme não sabemos porque aconteceu nem como foi possível acontecer tal, mas isso não é relevante. Em última análise o filme de Nolan corria o risco de se transformar num mero enorme teledisco, mas isso não acontece. Não, porque existe algo de surpreendente que ele consegue fazer-nos sentir. Depois de criada a dissonância cognitiva narrativa, comum em histórias de guerra em que as histórias se focam numa vida enquanto deixam morrer milhares, esta acaba sendo ultrapassada. Ou seja, se a meio do filme sinto o desperdício de tempo dedicado a um ou outro personagem, porque ao lado existem milhares a tombar, no final, tudo isso se apaga quando a força das palavras de Churchill são lidas a partir de uma folha de jornal.
“Even though large tracts of Europe and many old and famous states have fallen or may fall into the grip of the Gestapo and all the odious apparatus of Nazi rule, we shall not flag or fail. We shall go on to the end, we shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be, we shall fight on the beaches, we shall fight in the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender, and even if, which I do not for a moment believe, this island or a large part of it were subjugated and starving, then our Empire beyond the seas, armed and guarded by the British fleet, would carry on the struggle, until, in God’s good time, the New World, with all its power and might, steps forth to the rescue and liberation of the old.”
“Speech on the Evacuation”, por Winston Churchill à House of Commons, no Parlamento do Reino Unido, 4 Junho 1940 (Discurso audio completo, 12m)
Mas tudo isto demonstra que a sensorialidade de Nolan não chegava. Sem a racionalização, intensamente impressiva, de Churchill, o filme de Nolan teria sido uma grande obra plástica, mas vazia.

setembro 26, 2017

3 prequelas para "Blade Runner 2049"

Shinichiro Watanabe, realizador da série anime Cowboy Bebop e de uma das curtas de "Animatrix" (2003), acaba de lançar na rede Blade Runner Black Out 2022, a prequela anime de preparação das audiências para o lançamento, dentro de 10 dias — a 5 de Outubro 2017 —, de “Blade Runner 2049”. Esta curta faz parte de um conjunto de três prequelas, sendo a única em animação, a primeira “2036: Nexus Dawn” foi lançada em agosto, a segunda "2048: Nowhere to Run" a meio de setembro.




As três prequelas recriam a atmosfera do filme original, embora esta anime de Watanabe seja a que mais se cola ao universo visual e nos faz sentir a nostalgia de “Blade Runner”. A animação começa em 2022, apenas 3 anos depois dos eventos do filme, o que permite ainda recuperar cenários, incluindo os outdoors em movimento, com a história a aproximar-se imenso, faltando apenas Vangelis no fundo.


Não posso dizer que me tenha surpreendido com qualquer um dos três filmes. Gostei da insinuação na história do primeiro, que parece abrir às novas questões do filme que aí vem. Já o segundo funciona como mero engodo emocional. Este terceiro, funciona muito bem na componente artística anime, mas de resto parece servir apenas para recordar o filme original e preparar-nos para o que nos espera.

Realizando uma avaliação mais fria, não posso deixar de ver estes três filmes mais como parte de uma estratégia de marketing, nomeadamente de content marketing, que serve o propósito de colocar o filme na cabeça das pessoas, de espevitar a nostalgia de quem recorda, assim como chamar a atenção de quem nunca viu por meio de buzz nas redes sociais. Procura-se seguir a lógica transmedia de Matrix, mas não podemos dizer que ocorra uma expansão significativa em termos narrativos. Ao contrário do que acontecia com Animatrix, não temos aqui expansão de conceitos, ou sequer acesso a componentes da história que desconhecíamos, acabamos a ver um pouco mais do mesmo.

Uma nota técnica. Se os dois primeiros filmes se podem ver no YouTube, o terceiro foi disponibilizado num site de VOD, dedicado a anime, que para além de não permitir aceder à versão HD sem pagar, ainda nos obriga a instalar o plugin de Flash para realizar a visualização do filme.

Ver os três filmes:
1. 2036: Nexus Dawn (2017)
2. 2048: Nowhere to Run (2017)
3. Blade Runner Black Out 2022 (2017)

setembro 10, 2017

Mass Effect: Andromeda (2017)

A trilogia Mass Effect (2007-2012) é um dos maiores legados culturais dos videojogos, pela força da sua história mas acima de tudo pela inovação operada através da singularidade do meio, a interatividade narrativa. Se o cinema nos deu algumas das maiores epopeias da ficção científica, a literatura e a banda desenhada não lhe ficaram atrás, mas nenhum destes meios podia ter oferecido aquilo que apenas está ao alcance das artes narrativas interativas, agência, ou a responsabilização do recetor pelo desenrolar do imaginário ficcional. Por tudo isto, criar um quarto videojogo foi sempre um grande risco, a Bioware, ao contrário da Valve, resolveu arriscar. O resultado é um trabalho menor, ainda que tecnicamente mais evoluído.


O tema de “Mass Effect: Andromeda” (ME:A) não traz nada de novo, antes aproveita um dos imaginários mais presentes na atualidade da ficção-científica como trampolim para os seus desenvolvimentos. Num espaço tão curto de anos foram várias as obras a socorrer-se da ideia de largada de grandes naves carregadas de seres-humanos criogenados em busca dos chamados “Golden Worlds”, ou seja planetas semelhantes à Terra, em que possamos refazer a vida enquanto espécie humana.


No cinema, tivemos um romance FC com “Passengers” (2016) de Morten Tyldum, poucos anos antes tínhamos tido um dos mais eficazes filmes de FC desta recente geração, “Interstellar” (2014) de Christopher Nolan, e até a própria série Alien se socorreu do tema para este seu último tomo, “Alien: Covenant” (2017) de Ridley Scott. Na literatura tivemos também uma trilogia, “The Wayward Pines” (2012-2014) de Blake Crouch, entretanto convertida numa série de televisão homónima, de imenso sucesso. Este imaginário não é alheio à realidade que nos circunda: a superpopulação e consequente drenagem de recursos do planeta; as alterações climáticas e a potencial destruição do ecossistema que possibilita a vida na Terra; a visão apocalíptica providenciada pelos receios dos avanços da inteligência artificial ou a recuperação dos receios do nuclear; ou ainda, os avanços na compreensão da física quântica e as teorias dos mundos possíveis e paralelos, que nos colocam a sonhar com alternativas ao planeta.

Apesar do tema não ser novo, o tema é vasto e de potencial praticamente inesgotável, como se vai vendo pelas obras que vão surgindo. Contudo, é preciso não esquecer que um tema não é uma história, é apenas um pano de fundo, e é desde logo aqui que ME:A começa mal. A história, ou conflito escolhido para ser representado, assenta numa luta entre espécies, com vilões e super-vilões, que apesar de esforçado nunca chega a gerar conexão com os jogadores. O cruzamento com alguns dos grandes temas da trilogia até são aflorados, chegando a criar-se pontos que nos agarram, como a descoberta da origem da espécie Angara, mas nunca chegam a ser devidamente explorados, e por isso perdem-se no meio de tudo o resto.


O problema dos nós narrativos relevantes em ME:A é talvez o maior demonstrador da incompetência da obra. O universo representado é enorme e muito detalhado, criando no jogador uma completa dispersão da atenção, que não apenas se perde entre missões mas nunca se chega a realizar. No final do jogo, ou melhor da realização da main quest, que engloba apenas as missões “Priority Ops”, fiquei a pensar o quanto desse falhanço não se deve também a uma má estruturação entre missões obrigatórias e opcionais, nomeadamente lendo várias recomendações online. Para quem jogar de modo tradicional, seguindo a linha de obrigatoriedades criadas pelas missões Priority Ops, tem 16 missões pela frente, mas o que fica de fora, a julgar pelos números, é imensamente maior: “Allies and Relationships”, 33 missões, “Others” 12 missões, “Heleus Assignments” 98 missões, e “Additional Tasks” 61 pequenas missões.

Os mundos abertos são a norma atual nos grandes jogos de ação-aventura RPG, mas são também imensamente complexos por tudo o que necessitam de produzir para serem considerados enquanto tal, e acima de tudo pelo balanceamento entre o que deve ser considerado obrigatório e aquilo que deve ser secundário, ou opcional para que o jogador possa sentir um verdadeiro efeito de liberdade e autonomia durante o jogo. Se todas as missões consideradas relevantes para o jogo forem consideradas obrigatórias, e rodeadas de precedências, fica complicado fazer sentir ao jogador que está num mundo verdadeiramente aberto, que se dá à sua agência. Por outro lado, se não se colocam obstáculos ou freios que guiem o jogador ao longo das missões, o mais certo é a narrativa nunca se chegar a erguer. Por fim, mesmo quando se garante que as missões principais estão alinhadas e elas trabalham para o desenvolvimento de um arco narrativo delineado, é preciso não esquecer que missões menores, nomeadamente de desenvolvimento dos personagens são fundamentais para criar o imaginário, e acima de tudo aproximar o jogador da “vida” do jogo.


Neste sentido, considero que a maior falha de ME:A acaba por estar no subdesenvolvimento dos seus personagens e seus conflitos, ou então no modo inarticulado como foi desenhada a estrutura de missões, a julgar pela existência de uma enorme quantidade de missões secundárias a realizar com os personagens que circundam o protagonista. A main quest está apenas focada num objetivo narrativo, e os personagens servem quase de meros peões. Não há espaço para o desenvolvimento dos personagens, e mesmo as pequenas sequências que nos vão sendo oferecidas, até de conflitos hierárquicos, são sempre a correr, com medo de perder o ritmo do enredo. Interessa apenas chegar ao “golden world” e para tal é preciso ultrapassar os obstáculos, ou seja, os vilões que surgem por todo o lado.


Ao seguir este caminho ME:A acaba por perder o bem mais preciso que tinha sido desenvolvido pela trilogia, as tomadas de decisão narrativas. Ao contrário do que acontece em todos os anteriores três jogos, não existem momentos intensos em que tenhamos de tomar decisões, não que eles não surjam, o problema é que o jogo não desenvolve suficientemente as nossas ligações afectivas com os personagens para garantir impacto. Na verdade, isto não tem que ver apenas com a falha na estrutura das missões, já que ao longo de toda a main quest, nunca chega a existir um conflito, digno do nome, entre personagens. Mesmo quando os superiores estão chateados connosco, ou algum personagem está preocupado com algo, tudo parece seguir um rumo meramente declarativo, pejado de neutralidade, como se nos estivessem a testar, a ver se queremos ou não deixar-nos enredar por aqueles sentimentos.

Isto leva-me a questionar o novo sistema de conversação desenvolvido para este jogo. Se na trilogia tínhamos o modelo — Paragon / Renegade — em parte criticado pela suposta binariedade emocional e moral, agora temos quatro polos — Emocional / Lógico / Profissional / Casual. Em teoria enriquece-se as relações entre os personagens, amplia-se o escopo de tomada de decisão, mas na prática não funcionou. Digo mesmo que funcionou mal, já que raramente, ou nunca se vê ou sente o impacto dessas escolhas, ficando a dúvida se têm verdadeira relevância. Por outro lado, acabam por gerar todo um tipo de questionamento sobre as decisões que retira espaço ao pensar sobre o que verdadeiramente está acontecer no jogo, já que nos focamos mais na forma do que no conteúdo. Não tenho uma opinião completamente negativa sobre o sistema, julgo que ele pode até funcionar, desde que a narrativa, em especial a escrita seja boa, já que não raras vezes me senti decepcionado com a trivialidade de algumas respostas. Contudo, não me parece que tenha sido a decisão de design correta, já que o sistema desenvolvido para a trilogia era muito bom, exatamente por não ser binário como alguma má crítica apontou, ou seja, apesar de dual o sistema tratava as nossas decisões num plano dimensional e não discreto.


O melhor do jogo é, sem dúvida, os ambientes criados por onde podemos viajar. Os cenários, o espaço, a possibilidade de aí construir, criar, lançar colonos, e avançar com novas civilizações. Em termos de ações, podemos agora dar saltos impulsionados pelo fato, temos um novo veículo ágil e rápido que nos oferece uma boa perspectiva dos mundos por onde viajamos. A colonização pode ser diferenciada entre desenvolvimento de ciência ou militar. Mas é a fluidez audiovisual que envolve tudo isto que nos faz sentir em harmonia com os lugares e vontade de continuar a voltar ao jogo, ainda que todo o sistema de crafting acabe sendo desnecessariamente complexo, e de difícil gestão.



Em jeito de conclusão, findada a main quest, existe tanto ainda por explorar e fazer no jogo que acredito poder fazer as delícias de quem resolver dedicar-lhe esse tempo, ainda que estejamos já no domínio dos fãs hard-core do jogo, nomeadamente por todas as potencialidades técnicas adicionadas ao que se conhecia da trilogia. Contudo, para quem vem à procura de uma experiência Mass Effect, ligação a personagens, tomada de decisões, perplexidade e dilemas narrativos, não a vai encontrar, e por isso não admira a fraca receção que o jogo teve. Ainda que muita da crítica se tenha focado em problemas técnicos como as expressões faciais, entretanto completamente refeitas nos novos patches, nada nessas transformações consegue disfarçar os vários problemas de escrita e narrativa apontados ao longo deste texto.


Ler mais
Processos de escolha em Mass Effect, VI, 2014
"Witcher 3": indústrias criativas e escrita de narrativa interativa, VI, 2015