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fevereiro 10, 2013

a história de uma criança de 6 anos

The Scared is Scared (2012) é um filme de fim de curso criado por Bianca Giaever com um guião elaborado por Asa Baker-Rouse, um menino de 6 anos. Entretanto descobri que na internet existe já um nicho de pessoas que se dedicam a criar pequenos filmes baseados em histórias de crianças. Vejam as séries Written by a Kid, e Kid History. Apesar disso continuo a acreditar que The Scared is Scared não é apenas mais um episódio deste género. Não porque é um trabalho de estudante, mas porque a autora conseguiu extrair de toda aquela fantasia um fio condutor, uma lógica narrativa e um sentido complexo que toca o espectador além do mero fascínio com as fantasias da mente de uma criança.



Olhando para o currículo de Bianca Giaever percebe-se muito rapidamente como é que ela conseguiu obter esta pérola do seu "guionista". Bianca realizou este filme como trabalho de fim de curso na área de Estudos Narrativos sendo que o seu domínio preferencial é o Rádio. A forma como ela se descreve é especialmente importante para compreendermos este filme,
"I obsessively record the conversations I have with people. I've made radio pieces on topics such as strangers who have dinner, veterans, poetry teams, my little brother coming out, private prisons, and Tibetan immigrants among others. I'm happiest when I'm making films out of radio stories."
Analisando mais alguns dos seus trabalhos de rádio, percebemos que Bianca se especializou em captar essências humanas a partir de narrativas pessoais contadas meramente de forma oral. E é isto que ela faz aqui, capta o interior do menino, e depois recria-o visualmente para nos aproximar dele. Mas que não restem dúvidas de que o guião é uma construção partilhada, a história evolui e assume um carácter mais comovente quando Bianca introduz o seu receio de finalizar o seu curso sem ter plano algum para o seu futuro. Aqui a criança brilha, porque é apenas uma criança, mas ao mesmo tempo porque dá uma lição de vida do alto dos 6 anos, a todos nós, dizendo apenas "The scared is scared of things you like".


O filme comove-me ainda mais como docente destas áreas. Nos últimos tempos temos lido tanta coisa sobre o ensino superior, em que se generaliza, e se assume muito erradamente nos EUA, que o único ensino de qualidade está na Ivy League (Harvard's, Stanford's, etc.). E que a solução passa por criar os chamados MOOCs, em que os chamados grandes professores podem ensinar milhares de alunos através de uma câmara de vídeo e uma ligação à internet. Pois aqui fica uma demonstração de que uma Universidade média americana consegue produzir trabalhos criativos brilhantes. Mais do que isso, demonstra algo que venho dizendo desde há muito, uma grande Universidade, em termos de ensino, depende mais dos grandes alunos que consegue atrair, do que dos grandes professores que tem nos seus quadros.

The Scared is Scared (2012) de Bianca Giaever

fevereiro 09, 2013

"Adam and Dog" (2012), uma estética contemplativa

Adam and Dog (2012) de Minkyu Lee está nomeado para o Oscar de Melhor Curta de Animação 2013, e à semelhança de Paperman da Disney foi também agora disponibilizado online. A arte do filme apresenta elevadíssima qualidade assim como o storytelling, já o mesmo não posso dizer dos fundamentos da história que sofrem de uma simplificação ingénua, provavelmente motivada por crença religiosa.


O filme teve um investimento financeiro de apenas 25 mil dólares, mas totalmente pagos pelo próprio Minkyu Lee (27 anos). A estes será preciso adicionar também os dois anos de tempo e trabalho investidos pelo próprio, em regime de part-ime, já que nesse tempo trabalhava durante o dia na Disney como character designer em filmes como, Winnie the Pooh (2011) e Wreck-It Ralph (2012). E ainda o trabalho voluntário dos seus ex-colegas da CalArts, aonde fez a licenciatura em Character Animation. Ainda assim que não restem ilusões, este filme, uma obra independente, só está na lista de nomeados aos Oscars porque o criador teve acesso a canais privilegiados para o promover junto da academia.



Indo ao filme, o que me impressionou foi o tratamento estético dado ao filme, que toma o seu tempo para contar a história que tem para contar. O ritmo é pausado mas acompanhado por uma muito fluída animação de personagens, nomeadamente o cão que demonstra um realismo na linguagem não-verbal, absolutamente impressionante. O espaço é trabalhado de modo magistral, com planos gerais distanciados para poder não só enquadrar a acção, mas enquadrar também o ambiente e assim gerar o tom da atmosfera. Algumas das composições visuais dão vontade de ficar ali parados a olhar e desfrutar de tão bem organizadas, coerentes e ao mesmo tempo tão cheios de força dramática. Para fechar a luz, a luz contribuiu para toda a noção de espaço que temos, e garante a cada composição uma força única que sintetiza a orientação daquilo que a história nos quer dar. Aliás ao contrário de muito do cinema atual, Minkyu Lee passa toda a primeira parte do filme sem música, sustentando toda a sua composição emocional exactamente na iluminação de cada cena. A luz substitui aqui, e sem qualquer défice, o poder que normalmente deixamos nas mãos da música, porque esta é muito mais fácil de dirigir.


Esta orientação estética vem de encontro às influências referidas por Lee em entrevista - Andrey Tarkovskiy, Orson Welles, Terrence Malick - “in terms of narrative approach. Their films are much less about plot, more about the moment, the dimension of character. I felt that Eden should be portrayed that way, and that a traditional animation approach would take away from the sophistication of that.” Para além de tudo isto, esta curta é um novo hino ao mundo da animação 2d, tradicional e desenhada à mão.

Adam and Dog (2012) de Minkyu Lee

fevereiro 07, 2013

o pesadelo da Nikon

Terá a Nikon metido os pés pelas mãos com o filme produzido para promover a D800? Se começarmos pelos créditos será impossível acreditar nisso. Broken Night (2012) conta com a realização e o guião de Guillermo Arriaga, escritor de filmes como Amores Perros, 21 Grams ou Babel. Na cinematografia temos Janusz Kaminski, responsável por mais de 30 grandes produções e dois Oscars, um para Schindler's List e outro para Saving Private Ryan. Como se não bastasse temos na composição musical ainda Philip Glass. Com estes créditos ainda acreditam que é possível errar?

The Nikon D800 produces video so extraordinarily cinematic it can find beauty anywhere—even in a nightmare... The challenge? Push the limits of the ultimate movie-making HD-SLR to create a short movie as frightening as it is drop dead beautiful.
Pois parece que nem uma coisa nem outra. Nem o filme é visualmente extraordinário, nem a história é excepcionalmente envolvente, seja do género horror ou não. A minha primeira conclusão quando acabei de ver o filme foi apenas e só, Iñárritu tinha razão. Guillermo Arriaga pode escrever bem, mas não chega para fazer um bom filme. E aqui temos vários problemas e de várias ordens, desde o guião à cinematografia, até à ideia ridícula da Nikon de promover uma câmara com um filme de terror.


Começando pela cinematografia, esta deixa muito a desejar. A tremura inicial da câmara fixada na miúda pode até ser propositada para demonstrar as qualidades da câmara mas ou estamos a fazer um filme, ou estamos a fazer um cardápio de técnicas. Depois as cenas da noite são completamente ridículas em termos de verosimilidade. Se a câmara é tão boa porque é que precisa de tanta luz artificial para se ver o que se está a passar. Então a cena em que mãe consegue sair do carro, por momentos pensei que já fosse manhã. Nem sequer podemos pensar que é o efeito do luar porque a luz sente-se a ser projectada pelos lados e com uma intensidade sem sentido.

As interpretações são medianas, para não dizer algo pior. Tirando os irmãos que se aproximam do carro, a mãe e a miúda foram um terrível erro de casting. A cena em que a mãe exige a filha de volta no final está totalmente desprovida de vida, de crença no que diz.


Finalmente, o pior de tudo é mesmo o guião. Porque se até concordo com a ideia de finais abertos e que o espectador também deve trabalhar, imaginar e enriquecer o potencial do filme, A realidade é que o espectador "paga" para que lhe seja facultada uma experiência, e o que aqui temos é quando muito uma meia-experiência. E se o tema já era o que era, dar-lhes uma meia-experiência só serviu para enfurecer ainda mais os seguidores da Nikon.

A Nikon foi muito além do simples filme de terror, a Nikon criou toda uma campanha de promoção assente no sadismo. Feriu-nos os sentimentos, deixou-nos indispostos, e depois largou-nos ali, desamparados sem fechamento, nem alívio. Se forem até à página da Vimeo vão perceber o que quero dizer com experiência sádica. Ali no comentário directo, fica bem expresso o que a grande maioria de espectadores achou do filme, e uma boa parte deles também fala muito sobre os seus novos sentimentos face à Nikon desencadeados por uma simples curta de 10 minutos. Podemos agora dizer que apesar de não termos amadores a trabalhar, como no caso da Pepa e da Samsung, os profissionais da Nikon não conseguiram fazer melhor.


Broken Night (2012) de Guillermo Arriaga



Actualização: 8.2.2013 
Não escrevi este post com o intuito de reclamar um final para o filme, nem de reclamar outra abordagem à história. Acredito na liberdade de expressão, e a arte é, e deve continuar a ser, o expoente máximo dessa liberdade. Nada me move contra os criadores, que têm realizado trabalhos geniais ao longo das suas carreiras. Tomaram estas opções, são livres de o fazer, e eu sou livre de não gostar.

A razão pela qual escrevi este texto, foi apenas e só, porque acredito que quando um filme promove uma marca, a liberdade intelectual deixa de ser total. Não adianta defender a total liberdade dada pela Nikon, quando sabemos que uma campanha destas tem de ter o inevitável acordo dos marketeers da empresa, ainda para mais uma empresa com esta dimensão.

A única conclusão a que posso chegar é que neste momento, para um marketeer, a única coisa que verdadeiramente interessa é que se fale, nem que seja mal! É o vale tudo para manter a marca viva nas memórias das pessoas!

fevereiro 06, 2013

Trier e a solidão da arte

É o segundo filme de Joachim Trier que vejo, e é o segundo embate que sinto. No ano passado tinha visto Oslo, 31. August (2011) e fiquei apaixonado pelo filme, apesar de não ter aqui escrito sobre ele, foi um dos melhores filmes que vi em 2012. E agora chegou a vez de ver o seu primeiro filme, Reprise de 2006.


Porque gosto tanto do trabalho de Trier? Não sei propriamente explicar, é algo que acredito ser mais de ordem perceptiva, e provavelmente bastante subjectivo. É verdade que em termos de linguagem cinematográfica temos aqui aquilo a que costumamos chamar de pérola. Adoro a sua planificação, adoro o ritmo da montagem, adoro a imagem e som, tudo junto criam toda uma atmosfera nórdica fria mas paradoxicalmente tão próxima.


Sinto-me próximo daquilo que se fala aqui, do desnorte, do desvario, da busca constante por algo mais, algo intangível, indefinível. Já passei por essa idade, mas sinto-me inevitavelmente a viajar no tempo e a relembrar todos estes questionamentos. A solidão e a arte como duas ideias indissociáveis, a importância de criar, de produzir algo, acima de tudo, algo original, algo para além de tudo o resto. Não deixa de ser estranho que este filme pareça quase uma primeira parte de Oslo, 31. August, embora não o possa ser já que Oslo, 31. August é um remake de Feu Follet (1963) de Louis Malle.


Depois a forma como Trier coloca todo este sentir em cena, impressiona. O cruzamento entre planos de detalhe, e gerais, o som, o corte de som, o som desfasado, desregulado, fora de tempo, como que se este fizesse parte das personagens, como se todo este trabalho da forma fosse em si uma expressividade da essência emanada do filme. Aqui a forma é o tema, e o tema é a forma. Ao contrário de muito cinema dito artístico, em que vemos a linguagem cinematográfica a servir a decoração, aqui ela fala, fala tão alto como as vozes dos personagens do filme.

Nota-se que esta é uma primeira obra, comparando com Oslo, 31. August, diria que aí o método se sofisticou, amadureceu, mas está mais contido. Aqui temos a experimentação, o filme acelera por vezes, com discursos que nos deixam um pouco à deriva, mas o filme é na generalidade genial na forma como consegue expressar o que tem para dizer.

fevereiro 03, 2013

Filmes de Janeiro 2013

Mais um mês passado, mais uma lista de filmes vistos que aproveito para deixar aqui com as notas que fui atribuindo a cada um. Flight (2012) surpreendeu-me já não via Zemeckys há muito a trabalhar imagem real, e ainda mais com esta força dramática, embora o filme deva imenso a Denzel Washington. Por outro lado Rust and Bone (2012) é um filme de verdadeiros mixed feelings, o filme tem uma componente artística em termos de enquadramentos e imagem de grande excelência, mas em determinados momentos parece que estamos perante mais uma daquelas histórias de telefilme. Aliás o blog Bonjour Tristesse define exactamente o que sinto pelo filme: "This is basically a popcorn film disguised with art-house sensibilities; pulling the audience's strings, just using a less recognizable set of tropes to do it with". Não deixa de ser um filme a ver e a reter, quanto mais não seja pelas belíssimas imagens e pela interpretação de Marion Cotilliard. A desilusão do mês foi para The Paperboy (2012), definitivamente tenho cada vez menos paciência para o grotesco.

xxxx Rust and Bone 2012 Jacques Audiard França

xxxx Flight 2012 Robert Zemeckys EUA

xxxx The Red Shoes 1948 Michael Powell UK



xxx Dredd 2012 Pete Travis EUA

xxx The Dark Knight Rises 2012 Christopher Nolan EUA

xxx ParaNorman 2012 Chris Butler, Sam Fell EUA

xxx The Words 2012 Brian Klugman, Lee Sternthal EUA

xxx Cairo 678 2010 Mohamed Diab Egipto

xxx The Man from Earth 2007 Richard Schenkman EUA



xx The Paperboy 2012 Lee Daniels EUA

xx The Bourne Legacy 2012 Tony Gilroy EUA

xx Trouble with the Curve 2012 Robert Lorenz EUA

xx Deadfall 2012 Stefan Ruzowitzky EUA

xx Seeking a Friend For The End of The World 2012 Lorene Scafaria EUA

[Nota, Título, Ano, Realizador, País]
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]

janeiro 27, 2013

"Voice Over", storytelling com emoção pura

Voice Over (2012) de Martin Rosete é original, universal e belo. Rosete utiliza todos os meios cinematográficos à sua disposição para conduzir o espectador através de três momentos épicos que por sua vez nos conduzem a um momento de enorme simplicidade e universalidade. Este texto fica-se apenas pela análise do storytelling, para evitar o efeito spoiler que estragaria o prazer da descoberta.


Os momentos épicos que nos vão aparecendo, envolvem-nos em questões que suspendem a nossa compreensão e nos mantêm intensamente atentos como só o cinema sabe fazer quando bem trabalhado narrativamente. E quando tudo parece que não vai fazer sentido faz-se luz de uma forma belíssima. Com um simples twist narrativo todos os momentos épicos que acabámos de experienciar, não só se tornam decifráveis, como ganham um poder emocional ainda maior. Tudo porque o twist assenta num evento humano tão basilar que a sua simples recordação gera em nós poderosas emoções vividas.


O realizador Martin Rosete é um criativo da publicidade (com vários prémios) e isso nota-se aqui, a forma como trabalha o suspense, a criação de atenção no espectador com o storytelling. Agarra o espectador e não o larga até lhe lançar a "bomba" em cima. Aliás este filme foi também imensamente premiado - 44 prémios e 80 selecções em festivais como Melies D'or 2013, Tribeca Film Festival, Clermont Ferrand 2013, New York City Short Film 2012.


Vale a pena ver, depois do filme, o Making Of porque ficamos a compreender muito melhor a complexidade da produção aqui em causa. Aliás chega-se a dizer que este guião era suposto ter sido criado em Animação, e faz sentido, mas fiquei a pensar que este filme em animação apesar de continuar a ser poderoso, perderia imenso do poder que tem. Desenvolver os três cenários tão complexos, apresentar todas estas emoções com verdadeiras performances humanas, elevam o drama e a emoção. Essencialmente porque enquanto vemos toda a produção de grande qualidade realizada indagamo-nos ainda mais sobre a razão de tudo aquilo. O que nos querem realmente dizer em apenas 10 minutos?

Voice Over (2012) de Martin Rosete

janeiro 26, 2013

Makers (2012) de Chris Anderson

Tenho sentimentos mistos sobre o novo livro de Anderson, Makers: The New Industrial Revolution (2012). De um ponto de vista sou um crente nos Makers, nos que fazem acontecer, na motivação intrínseca, na criatividade pessoal. Mas a partir de outro ponto de vista, não posso aceitar a ideia simplista de que vamos transformar todo o modelo industrial num modelo caseiro. Porque apesar de Chris Anderson saber e dizer mais do que uma vez no livro que estamos a falar de nichos e não de todo o espectro da vida social, muitos dos seus argumentos acabam por entrar em paradoxo. Essencialmente porque para afirmar algumas das coisas que afirma tem de partir da condição de que o mundo inteiro vai passar a funcionar neste modelo, o que joga por terra várias das suas previsões futuras. Apesar disto este é um livro que todos aqueles que estudam e se interessam pelo futuro do trabalho, pela tecnologia e pela criatividade devem ler, ainda que com as devidas cautelas.


Chris Anderson foi editor da Wired ao longo de toda a primeira década de 2000 tendo saído no final de 2012 para se dedicar à gestão da sua empresa 3DRobotics, que usa aqui como um dos exemplos base para lançar a conceptualização de todo este livro. Depois de nos ter trazido dois livros imensamente discutidos, The Long Tail: Why the Future of Business Is Selling Less of More (2006) e Free: The Future of a Radical Price (2009) Anderson procura em Makers evoluir as suas ideias do virtual para o real, aplicando exatamente os mesmos princípios que desenhou nos dois livros anteriores: "a cauda longa da distribuição online" e o "modelo de criação grátis". Gostei de ambos os seus livros anteriores que tal como este apresentam como objectivo primário a previsão do futuro dos impactos e efeitos da tecnologia. Mas tanto esses como este sofrem do facto de se apresentarem mais como extensos artigos de revista, baseados em pequenas histórias, do que de estudos em profundidade, tendo em conta tratarem assuntos de grande complexidade.

Em Makers Anderson apresenta-nos o impacto da internet sobre a mudança que está a acontecer dos bits para os átomos. Essencialmente demonstra como os processos de manufactura à escala global estão a mudar drasticamente os modos de produção de bens, e como isso está a produzir impactos acentuados sobre o empreendedorismo, a inovação e a criatividade. O centro da sua discussão baseia-se sobre o aparecimento de duas máquinas - impressão 3d e corte a laser – e de dois modelos de produção/distribuição – conhecimento aberto e crowdfunding. Com estes quatro elementos Chris Anderson assume que é possível mudar todo o modelo industrial, e assim construir a tal Nova Revolução Industrial.

Peças criadas com uma impressora 3d

Assim o que Anderson nos diz é que estes quatro elementos serão capazes de transformar a indústria de produção em massa, que custa milhões e serve milhões, numa nova indústria que produz produtos com supostamente a mesma qualidade dos produtos de massa, mas com as vantagens de poderem ser produzidos em pequenas quantidades (1 a 10 mil) e logo altamente personalizáveis. Deste modo esta nova revolução responderá duplamente às necessidades das pessoas: por um lado permitirá que todos possam construir as suas próprias "coisas" (DIY); por outro permitirá construir as "coisas" segundo os desejos individuais de cada um.

Exemplo dado no livro: Armas da 2ª Guerra Mundial criadas pela BrickArms para preencher o vazio deixado pela LEGO que se recusa a criar armamento contemporâneo para as suas colecções.

O problema que vejo aqui é exatamente o facto de falarmos de “coisas”. Na sua generalidade aquilo que foi apresentado por Anderson ao longo de todo o livro não passa de pequenos exemplos de bens supérfluos, que realmente preenchem buracos deixados vagos pela grande produção, mas que a sua existência per se raramente produz alterações com impacto no mundo, o nas nossas vidas. Aliás ao longo do livro e à medida que vamos ouvindo os exemplos, vou ficando com a ideia que esta nova comunidade de que nos fala Anderson, já existe, aliás sempre existiu, e chama-se de comunidade de inventores. São pessoas que se dedicam a bricolar com ferramentas e tecnologia e dessa forma vão encontrando novas soluções para pequenos problemas. Sempre tivemos comunidades criadas por essas pessoas, e além disso existem empresas que já se especializaram na comercialização dessas ideias como por exemplo a DMail, ou aqueles canais de vendas na TV.

Mas não podemos confundir, como Anderson faz aqui, estes modos de invenção criativa com a investigação científica que é necessária realizar para se poder chegar a processos e modelos capazes de dar origem a um Airbus A380, a uma placa gráfica de alto desempenho, a um motor de combustão eléctrica, etc. Aliás tem até uma certa piada ver Anderson assumir que como os carros estão a deixar de ser mecânicos e estão a passar a funcionar por via eléctrica e digital, estes serão muito rapidamente tomados em mãos pelos novos makers!!! Isto são ideias peregrinas e até perigosas, porque assumem que o desenvolvimento e o engenho humano têm limites. Ou seja que depois de desenvolvido o carro eléctrico, já não vamos mais precisar de ciência para os continuar a melhorar e a evoluir, apenas será preciso trabalhar em cima dos modelos já desenvolvidos realizando pequenas modificações ou pequenos incrementos.

Examine-se a complexidade do motor de um avião a jacto.

Eu sei que não é bem isto que Anderson quer dizer, mas é esse caminho que trilha, quando afirma o fim da grande indústria baseada na colaboração muito estreita e responsável de equipas altamente especializadas para a substituir por comunidades online que dão feedback quando podem, ou quando lhes interessa. Quando afirma o fim da proteção de ideias (conhecimento aberto) e impede que estas possam pagar o esforço de quem tem de parar para pensar. Quando afirma a produção apenas em função daquilo que as multidões estão interessadas (crowdfunding) e esquece que a maior parte da tecnologia que hoje suporta a sociedade não é sequer compreendida pelas multidões. Quando afirma que vamos buscar empregos à China através da automação, e esquece que os que são criados cá, são uma ínfima parte das nossas necessidades, uma vez que usamos robôs porque ficam mais baratos do que a mão de obra na China.

Apesar de toda esta minha análise crítica, julgo que existe algo em que Anderson tem razão, e é sobre os novos modos de vida e trabalho do futuro. Estas tecnologias existem, estão aí e não vão parar o seu processo natural de aumento de automação. Ou seja, com a ajuda da robótica cada vez mais será possível empregar menos pessoas porque 1 pessoa poderá fazer o trabalho de 5, 10 ou 20. Isto aumenta enormemente a produtividade das empresas, a produtividade de um país. Aliás acredito que quando comparamos a produtividade nacional com a de países mais desenvolvidos, o factor essencial que diferencia, não é propriamente a qualidade dos seus trabalhadores, embora a Educação pese bastante, mas pesa ainda mais a quantidade de tecnologia e automação introduzida nas indústrias dos países.

Mas mais robótica implica menos empregos, não? Não propriamente, se conseguirmos fazer evoluir a legislação laboral e fazê-la acompanhar a evolução tecnológica. Não podemos continuar com jornadas de 8 horas. Não é aceitável de um ponto de vista social, que uma empresa empregue 1/4 das pessoas, mas realize lucros 4 vezes superiores. Aliás estou em crer que muito da distorção provocada nos últimos 50 anos entre a classe média e o 1% de milionários se deve exatamente a isto. Nesse sentido a solução está à vista, vai requerer políticos fortes para o fazer, e passa por reduzir a jornada de 8 para 4 horas máximas. Poderemos empregar mais do dobro das pessoas por cada empresa/instituição. A empresa continuará a ser lucrativa, as pessoas continuarão a ter um meio de subsistência. Mas a pergunta que se coloca é, o que farão as pessoas com tanto tempo livre?

A resposta está exatamente neste livro de Anderson, as pessoas passarão a poder construir coisas fora do tempo em que estão no seu emprego diário e chato. Sim porque os empregos chatos e stressantes não deixarão de existir. Ao contrário do que por vezes Anderson parece acreditar, vamos continuar a precisar de canalizadores, de lixeiros, de limpezas, de manutenção de máquinas, de guardas prisionais assim como vamos continuar a precisar de juízes, de professores e formadores, de enfermeiros e assistentes na doença, velhice e deficiência, etc. O mundo está cheio de necessidades que só o ser humano consegue cumprir. E quando a tecnologia evolui, esta não pode ser vista como algo mau para o ser humano. Ela é boa para nós, a única coisa que precisamos de fazer é garantir que exista regulação capaz de impedir grupos restritos de se aproveitarem do avanço desta para ignorar a restante população.

Com a maior parte do tempo por nossa conta, todos poderemos fazer aquilo que nos dá verdadeiro prazer, que nos emociona, que nos garante autoestima, que alimenta a nossa vontade de viver dia após dia. Porque só a condição de Maker, seja através de um processo de criação material ou de criação social, é capaz de nos garantir os meios para atingir o equilíbrio na felicidade.


Artigos relacionados:

janeiro 22, 2013

A mente como autobiografia

Fiquei um pouco desapontado com Self Comes to Mind. Damásio é um cientista brilhante e bom comunicador, mas aqui repete-se. Se já leram seus livros anteriores, principalmente O Erro de Descartes e O Sentimento de Si, vão sentir que se avança muito pouco. Se quiserem ficar por dentro do pensamento de Damásio e de uma forma brilhante, aconselho antes a sua TED talk do ano passado. Naqueles 18 minutos estão condensados todos os avanços teóricos que ele desenvolveu sobre a consciência ao longo dos últimos 15 anos.


Em Self Comes to Mind Damásio desenvolve um modelo da experiência da consciência que assenta numa ideia de consciência autobiográfica constituída por todas as nossas memórias somaticamente marcadas, que nos permitem recordar o passado e projectar o futuro. Algo em que tenho vindo a reflectir também nomeadamente quando pensamos nos efeitos do Alzheimer e que aqui falei a propósito do livro Ainda Alice de Lisa Genova. Apesar de interessante, o livro apresenta o clássico problema dos livros académicos, que julgo que ele tinha superado em parte ao longo dos seus livros, que é a quantidade de detalhe técnico. Não é mau pelo detalhe em si, mas porque se repete, e passamos folhas atrás de folhas a ler detalhes neuro-técnicos que nada acrescentam às conceptualizções teóricas.

Quando este livro foi lançado Damásio fez uma série de sete vídeos que explicam os conceitos gerais por detrás do livro. Podem ver todos no YouTube, desses escolhi para deixar aqui, aquele que para mim é o centro conceptual deste livro What Qualities Define the Self?



Links de interesse
A consciência de Damásio, o Eu ou a Alma, in Virtual Illusion

janeiro 18, 2013

R'Ha é mais um monumento criativo

R'Ha (2013) é uma curta de ficção-científica de 6 minutos integralmente feita por apenas uma pessoa, Kaleb Lechowski, e que possui sequências que parecem ter sido filmadas por grandes equipas de especialistas em VFX para um filme de grande orçamento de Hollywood. Sem surpresa, Kaleb Lechowski tem apenas 22 anos e é estudante na Mediadesign Hochschule em Berlim. Todo o filme foi realizado como um projecto para uma cadeira, durante 7 meses.



Como as sequências poderiam ter sido retiradas de um filme de grande orçamento, Lechowski foi já contactado pelo manager Scott Glassgold, o mesmo que apresentou Rosa (2011) e True Skin (2012) aos executivos de Hollywood, para ir a Los Angeles fazer um pitch do filme.

O filme impressiona, tem uma qualidade de modelação, texturização e atmosfera absolutamente perfeitos. Adorei tudo, menos a animação de personagens, aqui existem problemas. Mas é interessante porque já o tinha dito sobre Rosa (2011) também. Não surpreende, são ambos os dois filmes feitos exclusivamente por uma única pessoa, e claramente que não se pode ser talentoso em toda as áreas. Tanto Rosa como agora R'Ha impressionam pela qualidade do detalhe visual, recheado de perfeição, mas perdem quando têm de mostrar os seus personagens em acção.

No campo das ferramentas Lechowski utilizou o zBrush para esculpir o extra-terrestre, o Blender para modelar o universo, e o Maya para animar e renderizar. Teve ajuda no som e narração por David Masterson, tudo o resto é feito por si e por ferramentas que estão ao alcance de qualquer um.

R'Ha (2013) de Kaleb Lechowski

janeiro 10, 2013

autoria, criatividade e dedicação

Malaria (2013) é um trabalho de excepcional qualidade artística, no sentido em que inova no campo da linguagem cinematográfica e o faz com uma enorme competência técnica, contribuindo para toda uma coerência do artefacto que o eleva acima do mero experimentalismo.


Edson Oda diz-nos que se baseou no género cinematográfico Western, na criação de Malaria fazendo uso além do western de origami, time lapse, ilustração, e banda desenhada. Mas o filme não é apenas um multiplicidade de técnicas e efeitos, é muito mais do que isso, porque toda direcção de arte é extremamente coesa, contando com um guião que demonstra um enorme talento na escrita para audiovisual. Existe aqui uma muito clara noção de tempo e ritmo, e a música é fundamental para conduzir e enfatizar e emocionalidade de cena para cena, é soberbo. Percam cinco minutos e vejam, porque vale todos os segundos.

Malaria (2013), Edson Oda

Edson Oda já tinha utilizado esta técnica, ou conjunto de técnicas, antes para fazer um pequeno filme, Writer (2012). Esse primeiro filme foi feito para submeter a um concurso patrocinado por Quentin Tarantino a propósito do seu último filme Django Unchained (2012). Oda submeteu e venceu, foi o escolhido por Tarantino, com quem pôde depois conversar em Los Angeles na Comic Con. Vejam o filme aqui abaixo.

Writer (2012), Edson Oda

Sobre Edson Oda ele é licenciado em Comunicação pela Universidade de São Paulo, e está a fazer o mestrado em Cinema na USC, Los Angeles. Mas não se pense que a técnica aqui desenvolvida caiu de um acto de inspiração. Antes de tudo isto, Oda já tinha trabalhado em publicidade no Brasil trabalhando em equipas que ganharam vários Cannes Lion, entre outros prémios individuais. Aliás antes de ganhar o concurso do Tarantino, já tinha ganho o prémio Melhor Filme de Estudante no Big Apple Film Festival 2010 e sido selecionado para o San Francisco Indie Film Festival 2010, com o filme, Laugh and Die. (2010). Podem ver aqui abaixo também.

Laugh and Die, (2010), Edson Oda

Tinha ficado surpreendido com Malaria estreado agora em 2013, depois vi Writer estreado a meio de 2012 e percebi que tínhamos aqui alguém claramente talentoso no campo do storytelling. Mas depois de ver Laugh and Die de 2010 percebi que não era mero talento, mas pura dedicação, e paixão pelo que faz. Oda demonstra uma enorme evolução nas suas competências para usar o meio audiovisual. Laugh and Die está bem escrito, tem um bom actor, mas a parte visual está ainda um bocadinho tremida. Depois Writer melhora imensa no campo visual, mas continua a sofrer no campo sonoro, e depois vem com Malaria, e apresenta um filme poderoso em todas as frentes. Writer era uma espécie de diamante em bruto, mas Malaria traz-nos esse diamante completamente cortado e polido, capaz de brilhar em toda as suas faces.
Tarantino dizia ao jovens talentos aspirantes a realizador que "precisavam de encontrar a própria voz", de encontrar a sua identidade autoral. Julgo que aqui podemos já ver um bocadinho disso, reparem como todos os três filmes trabalham uma perspectiva de fantasia da morte. Para mim mais do que tudo, o que o seu trabalho demonstra é que continua a haver muito espaço para inovar e ser criativo no mundo do cinema.

janeiro 01, 2013

Holy Motors, a desilusão

Holy Motors é um filme grotesco que ganha pelo simples facto de trabalhar numa linha de minimalismo anti-estrutural que obriga os seus espectadores a trabalhar que nem loucos para dar significado ao que estão a ver. Obriga é uma palavra forte, mas neste caso assim é porque a obra vem com o selo de autor, e por isso mesmo qualquer crítico se vê na obrigação de procurar lógica no que está a ver. E é aqui que começam os problemas da crítica, os problemas do enriquecimento de sentidos pela análise forçada de intertextualidades. O crítico está tão preocupado em perceber o que está a ver que estabelece as ligações mais extemporâneas, e aqui o filme ajuda. Já não chegava ser anti-estrutura, sem organização ou lógica narrativa, ainda é minimal, ou seja pouco diz sobre o que quer dizer, garantindo um terreno extremamente fértil para todas as leituras que se queiram fazer. Aliás neste sentido aconselho a leitura do texto de alguns dias atrás com Richard Feynman.


Holy Motors está longe de ser aquilo que grande parte da crítica diz ser. Sei bem que estou em minoria, e a remar contra um facto já consumado. O que mais me incomoda nem são tanto as fragilidades do filme que são muitas, mas é a crítica não se ter dignado a analisar o filme, e ter partido para as interpretações rebuscadas daquilo que o filme alegadamente diz. Acabado o filme, não existe uma ideia concreta sobre o que acabámos de ver, sem ler sobre o mesmo, sem ler qualquer entrevista o filme desfaz-se, porque nada o sustenta. Estaremos perante arte conceptual? Não, basta ler as entrevistas com Leos Carax, para perceber que o seu objectivo era narrativo e concreto, simplesmente ficou muito longe de o conseguir fazer. A ideia principal de Holy Motors é até poderosa, e está bem explanada nas entrevistas, mas o filme falha em transmitir a visão que podemos depreender das suas palavras,
"This character is supposed to go from life to life traveling in a limousine. I didn't want every life to be the same degree of reality. Some are more fantastic and others are more realistic. (..) The rich banker transforms into a beggar. That idea of transformation was invigorating. I wanted to make this movie for a long time because people can be amazing: Sometimes they're morbid and erotic and they want to be seen differently on the outside, and there's kind of a virtual world there. It's a life for rent for a few hours." [fonte]
Carax diz-nos que o filme pertence ao género de ficção-científica, mas só ele parece acreditar nisso. A realidade é que como Carax admite nas várias entrevistas, raramente vê cinema e mais raramente ainda faz cinema. A sua relação com produtores e actores é má. No caso dos actores não existe direcção de actores, porque detesta que estes o questionem, espera antes que estes interpretem, ou melhor se desenrasquem. Aliás só esta sua ausência de noção da realidade da profissão explica o seu ostracizamento pela comunidade cinematográfica francesa. O papel de Kylie Minogue foi escrito para Juliette Binoche que não aceitou trabalhar com ele.


Para podermos compreender Holy Motors, temos de procurar compreender quem é o autor, e não apenas partir para as análises intertextuais. E Carax demonstra estar longe de tantos dos significados que já se ali quiseram colar. Basta lembra a máscara no final que Édith Scob coloca e que deu origem a análises intertextuais e a múltiplas interpretações, tendo entretanto sido admitido pelo próprio Carax, que esta aparece por pura arbitrariedade, não existindo ali qualquer simbolismo subjacente.


Carax confessa ter visto um filme recentemente e de que gostou, Chronicle (2012). Era importante perceber a relação entre ambos os filmes, para perceber como surge o novo filme de Carax. Em ambos não sabemos porque as pessoas fazem o que fazem, porque estão naquela situação, a fantasia existe. Os condicionamentos dos protagonistas são os focos de ambos os filmes. Mas os filmes separam-se quando Chronicle tenta construir uma ideia do impacto dessas alterações ou transformações não apenas sobre o personagem, mas sobre a sociedade em geral. Já em Holy Motors, não existe qualquer construção, existe apenas um sucedâneo de ideias grotescas, que chocam, mas que nada dizem per se. No conjunto e se quisermos reconstruir todo o filme com base no conceito geral dado por Carax, poderemos até dar algum alento ao que fica em nós do filme, de resto é pura especulação interpretativa.

dezembro 27, 2012

Mirage, curta para álbum

Frederic Kokott é um designer de vídeo e som que para promover o seu álbum Mirage, disponibilizado integralmente no Soundcloud, criou uma curta de animação absolutamente graciosa. Assim que abri o filme no Vimeo fiquei imóvel em frente ao computador, tal a beleza do ambiente, da atmosfera, das cores acompanhado pela graciosidade do ritmo visual e sonoro.




Com um domínio de After Effects impressionante, ao ponto de na minha primeira visualização acreditar estar a ver um filme feito num qualquer software 3d. Claro que depois de saber percebemos porque as coisas aparecem como aparecem, ainda que continue a estar muito bem conseguido.Vejam os making-of de AE, parte 1 e parte 2. E já agora vejam também os making-of do desenvolvimento do álbum, da construção das batidas, e dos efeitos sonoros.


Depois de verem a curta, ouçam o álbum, está também muito interessante.

dezembro 26, 2012

Magia inacabada

Uma viagem pelo mundo dos sonhos, pela terra dos reis e rainhas dos espaços negativos do design. Visualmente temos aqui uma obra minimalista que se socorre de labirintos assentes na gestão do espaço visual negativo para criar magia a partir do abstracto.


O jogo oferece muito mais do que aquilo que podemos ver no preview dos borrões de tinta preta. Cada nível leva-nos para um conceito diferente, desde atirar água para fazer crescer folhas trepadeiras, a termos de fazer movimentar um globo fluorescente, até termos de construir as próprias plataformas. É um grande labirinto, é um grande sonho, e cabe-nos a nós conseguir sair de dentro do mesmo. Não adianta entrar em detalhes do gameplay, porque a beleza está na descoberta do mesmo.


É inevitável pensar em Journey, até porque podemos ver os seus personagens dentro de The Unfinished Swan quando espreitamos a meio do jogo por um telescópio que vê muito ao longe. Mas senti também que a minha viagem para escapar deste labirinto se aproximava de Ico. Faltou-me apenas uma coisa, que tanto Ico como Journey souberam criar, um(a) companheira(o). Fazemos a viagem sozinhos na pele de Monroe, apesar de termos um Cisne que nos vai indicando o caminho, este nunca chega a ser parte das soluções, nunca chega a ser nosso verdadeiro companheiro de jornada.



Inevitável será ainda classificar The Unfinished Swan como um conto de fadas moderno, na forma de videojogo. A própria interface apresenta-se como um livro com vários capítulos que podemos ir lendo. O jogo cria todo um espaço e atmosfera próprios ao deslumbramento de crianças, tanto com a beleza, como com o mistério do cisne que nos vai fugindo. Com uma dobragem portuguesa de grande qualidade, fica garantida a atmosfera mágica. The Unfinished Swan é um dos grandes jogos de 2012.

dezembro 25, 2012

o fantástico selvagem

Beasts of the Southern Wild (2012) surgiu surpreendendo o Sundance Festival deste ano. Confesso que li alguns textos antes de chegar ao filme, alguns de pessoas que normalmente sigo e baixei a expectativas criadas pelo furor online. Apesar de tudo isso fui totalmente apanhado de surpresa pela força arrebatadora da obra de Benh Zeitlin.


Beasts of the Southern Wild apresenta uma singularidade inovadora no seu storytelling. O modo como foi capaz de pegar em gramática da performance teatral mágico-realista e mesclá-la com a gramática cinematográfica, levou à criação de algo novo. Não que nunca se tenha misturado teatro e cinema, aliás o cinema nasceu desta mescla, mas aqui a inovação apresenta-se pela intensidade com que se produziu a fusão das linguagens. Zeitlin usa o lado teatral da performance de grupo, e produz o storytelling entrando com a câmara adentro do grupo, encostando-a ao pele de cada um, fazendo-nos sentir o que sente cada personagem em cada momento. O facto de filmar em 16mm com câmara sempre ao ombro confere-lhe um realismo que contrasta fortemente com algum faz-de-conta caro ao teatro.


Algumas partes do filme podem parecer ir longe demais no faz-de-conta, mas a meio do filme começamos a compreender de que é feito o filme, o seu cenário de fantasia teatral, e entramos na atmosfera, aceitamos, sentimos e absorvemos. Sentimos que aquele grupo de pessoas em torno de Hushpuppy não é mais do que uma companhia de teatro que segue e prepara o caminho para o total enfoque na trama central. A história é pura fantasia, mas com elementos suficientemente reais para fazer o espectador realizar analogias com momentos da história recente, nomeadamente o furacão Katrina.


As audições para Hushpuppy protagonista criança pediam crianças entre os 6 e os 9 anos. Quvenzhané Wallis tinha apenas 5 anos quando fez a primeira audição e impressionou pela sua capacidade de ler e de gritar. Vários dos actores são residentes sem experiência, o actor que faz de pai de Hushpuppy, Dwight Henry, era um pasteleiro de Nova Orleães. O filme foi feito por um grupo reduzido de profissionais, que se designam de Court 13, sendo o resto pessoas que pertencem ao local aonde filmam.


O filme ganhou o Grand Jury Prize: Dramatic no Sundance Film Festival 2012 e ganhou a Caméra d'Or no Festival de Cannes 2012 entre muitos outros prémios.