março 21, 2021

A agência de si

As palavras não saem. Deixei passar alguns dias e mesmo assim escrevo e apago, escrevo e apago... Li-o muito rapidamente, não conseguia parar, queria saber o que aconteceria a seguir, mais do que isso, queria saber porquê, e porquê, e novamente porquê. Mas a autora não responde, lança algumas pistas para o ar, mas não se fixa nelas. No final, voltamos ao ponto de partida, só que não, porque a impressão é forte e dificilmente nos deixa. "A Vegetariana" é um livro de 2007, escrito pela autora sul-coreana, Han Kang.

Mas este não é um livro sobre vegetarianismo, o seu foco aproxima-se, ainda que lateralmente, por via da dieta, mas não importa aqui o tipo de dieta. Para quem já realizou dietas e teve resultados aprazíveis, conhece o "poder" inebriante que se oferece à pessoa. Não é uma questão de emagrecimento, está muito para além disso, é controlo, controlo total da mente sobre o desejo do corpo, um controlo derradeiro e alimentado continuamente por uma motivação intrínseca. Talvez, em certa medida, seja esse poder que explique a origem da anorexia que é uma patologia psicológica com muitos milénios. Aliás, agora que escrevo estas palavras, questiono-me se o livro não se terá chamado Vegetariana em vez de Anoréxica apenas por razões de marketing, já que um é um modo de vida, e o outro uma doença.

No entretanto, e por debaixo de todas as sensações fortes, Han Kang vai tecendo um conjunto de análises e crítica profunda à sociedade sul-coreana, nomeadamente ao seu conservadorismo machista. O marido apesar de ignorar totalmente a mulher com que casou, não deixa de a controlar e obrigar. Já o pai, da geração anterior, vai mais longe, optando por dobrá-la pela força. No meio desse mundo rígido, feito de regras e condutas que constroem verdadeiras prisões comportamentais, resta a liberdade sobre si própria.

O livro apresenta três momentos, no segundo dá-se um desvio pela arte, mas a autora usa-a aqui para demonstrar que mesmo essa, tida como o último reduto existencial pela força dos seus argumentos criativos, é mero artifício humano, incapaz de dar conta da força da natureza...

A autora parece assim querer mostrar o efeito sentido por alguém que pela primeira vez toma as rédeas de si, num sentido absoluto, sentindo-se a ganhar controlo, agência completa de si, e que segundo os efeitos descritos, sente um efeito quase alucinogénico, tal qual o efeito de uma droga poderosa, fomentado por um inebriante sentimento de liberdade interior. E dessa forma... a narradora torna-se mente apenas, pelo controlo pleno e sem limitações providenciado pelo descartar do corpo...

Não sei se o livro pretende passar alguma mensagem, porque vai muito além do mero niilismo, pode-se dizer que existe aqui uma apologia do suicídio, ainda que o Kang não doure nunca as suas causas nem efeitos.

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